Entendendo a prova física nos concursos públicos

AS PROVAS FÍSICAS

5.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

         As provas físicas ou exame de aptidão física tem a finalidade de avaliar a capacidade do candidato para suportar, física e organicamente, as exigências de esforços físicos que terá que fazer para o bom desempenho das tarefas típicas da categoria funcional que pretende ingressar.

         Essa fase deve possuir caráter exclusivamente eliminatório, pois o candidato somente prosseguirá nas demais fases do concurso se demonstrar que tem as condições físicas mínimas estabelecidas para o exercício do cargo ou emprego público oferecido e, uma vez aprovado nessa fase, sua classificação permanecerá a mesma, independentemente do desempenho apresentado no exame.

         Devido a essa finalidade específica, o teste de aptidão física deve ser aplicado por examinador com formação profissional compatível com a natureza dos testes a serem aplicados.

         Em qualquer prova de qualquer concurso público deve haver critérios objetivos de julgamento da capacidade dos candidatos. Critérios objetivos são necessários para garantir a lisura do julgamento, evitar arbitrariedades e para proporcionar aqueles que se julguem prejudicados o recurso adequado a quem de direito.

         Nas provas de aptidão física não é diferente, visto que o edital e o regulamento do concurso devem prever todas as condições e parâmetros necessários para a aplicação dos testes, sob pena de violar o princípio da isonomia com a adoção de critérios subjetivos.

         Esse é o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

Concurso público. Exigências restritivas de caráter físico não fundamentadas em critérios objetivos. Inadmissibilidade. RE não conhecido[1].

Concurso público. Legitima a exigência de aptidão física dos candidatos, quando fundada a regulamentação em critérios objetivos, de modo a evitar discriminação e arbítrio nas provas seletivas. Inocorrente essa hipótese legitima-se a concessão de segurança. Recurso Extraordinário Não Conhecido[2].

         Esse entendimento também tem contado com o beneplácito da jurisprudência do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, que admite a exigência de aprovação em exame físico para preenchimento de cargo público, desde que claramente previsto em lei e pautado em critérios objetivos, possibilitando ao candidato o conhecimento da fundamentação do resultado, bem como o exercício do contraditório e da ampla defesa:

RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EXAME FÍSICO SIGILOSO E IRRECORRÍVEL. NULIDADE. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE NOVO EXAME. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE JULGAMENTO EXTRA PETITA.

  1. Do mesmo modo que nos exames psicotécnicos em concursos públicos, também nos testes físicos deve ser vedada a sua realização segundo critérios subjetivos do avaliador, bem como a ocorrência de sigilo no resultado do exame e de irrecorribilidade, sob pena de violação dos princípios da legalidade e da impessoalidade.
  2. Reconhecida a nulidade do exame físico, no caso caracterizado por seu caráter sigiloso e irrecorrível, deve o candidato submeter-se a novo exame a fim de que, caso aprovado, possa ser nomeado e devidamente empossado.
  3. A determinação de que seja realizado novo exame físico independentemente de pedido expresso da parte, não implica em julgamento extra petita, mas é consequência lógica do reconhecimento da ilegalidade do primeiro exame.
  4. Recurso ordinário provido em parte, para reconhecer a nulidade do teste físico bem como o direito líquido e certo do recorrente à realização de novo exame[3].

         As provas físicas devem ser padronizadas e uniformes para assegurar o direito do candidato de realizá-las em igualdade de condições com os demais concorrentes. De tal modo, os locais de realização das provas e os equipamentos utilizados devem ter as mesmas condições. Além disso, também é necessário que as provas sejam aplicadas sob condições climáticas semelhantes quando aplicadas em horários diferentes, assim, não seria isonômico submeter candidatos ao exame físico em pleno meio dia, enquanto outros realizam os testes no período da manhã.

        

5.2 PERTINÊNCIA DA PROVA COM AS FUNÇÕES A SEREM EXERCIDAS

         A regulamentação de concursos para ingresso no serviço público não pode extravasar às exigências normais, previstas em lei, para a aferição da capacidade física, mental e intelectual dos candidatos ao exercício das funções que vierem a exercer. Devem, portanto, obediência ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade.

         Sob esse prisma, se para o bom desempenho de determinada função pública não for necessário capacidade física extraordinária ou excepcional, bastando à capacidade física normal, exigível para qualquer outra função, é ilegal a exigência de exame de aptidão física.

         A jurisprudência tem reconhecido a necessidade haver pertinência do exame de aptidão física com as funções a serem exercidas pelo candidato após aprovação no certame. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL entendeu que fere o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade estabelecer exame de aptidão física em concurso público destinado a preencher cargo de escrivão de polícia, pois as atividades desse cargo são meramente burocráticas:

CONCURSO PÚBLICO – PROVA DE ESFORÇO FÍSICO. Caso a caso, há de perquirir-se a sintonia da exigência, no que implica fator de tratamento diferenciado com a função a ser exercida. No âmbito da polícia, ao contrário do que ocorre com o agente em si, não se tem como constitucional a exigência de prova física para a habilitação ao cargo de escrivão, cuja natureza é estritamente escriturária, muito embora de nível elevado[4].

         Ainda, no mesmo sentido, entendeu desproporcional a exigência para o cargo de auxiliar de médico legista:

CONCURSO PÚBLICO – PROVA DE ESFORÇO FÍSICO. Caso a caso, há de perquirir-se a sintonia da exigência, no que implica fator de tratamento diferenciado com a função a ser exercida. Não se tem como constitucional a exigência de prova física desproporcional à habilitação ao cargo de auxiliar médico-legista, porquanto a atuação deste, embora física, não se faz no campo da força bruta, mas a partir de técnica específica. [5]

No corpo do voto deste julgamento, destacou o eminente Relator que:

“Ora, nem com um grande empenho é dado assentar, no caso, a infringência à Carta da República. O que decidido na origem presta homenagem ao Diploma Maior, no que tange à necessidade de razoabilidade e proporcionalidade na exigência de teste de aptidão física em concurso voltado a preencher cargo de auxiliar médico-legista, porquanto a atuação deste, embora física, não se faz no campo da força bruta, mas a partir de técnica específica.

Valho-me do que já tive a oportunidade de proclamar sobre o tema:

Ora, a espécie dos autos revela a feitura do concurso público para preenchimento não do cargo de agente de polícia civil, quando, então, é viável exigir-se uma certa compleição física. A Recorrente inscreveu-se visando a ocupar o cargo burocrático de escrivão de polícia, logrando êxito no certame, vindo a cursar a Academia de Polícia e tendo alcançado a concessão da segurança pelo Juízo. Tenho me defrontado com outras situações concretas oriundas do Estado de Mato Grosso do Sul, como a verificada no Recurso Extraordinário nº 148.095- 5, em que o cargo em questão mostrou-se o de agente de polícia. Em tal âmbito, o discrímen mostra-se próprio à função a ser exercida. Na carreira policial, exsurge com peculiaridades a função de agente de polícia. Relativamente ao cargo de escrivão, não se pode cogitar da necessidade de estampa que se mostre, até mesmo, intimidadora, isso visando ao automático respeito pelos cidadãos em geral”.[6]

No mesmo sentido no julgamento do RE 598.969 AGR / SE, onde a relatoria coube ao MINISTRO AIRES BRITO consignou-se que:

“4. Tenho que a insurgência não merece acolhida. Isso porque, na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os requisitos que restrinjam o acesso a cargos públicos apenas se legitimam quando em conformidade com o princípio da legalidade e estritamente relacionados à natureza e às atribuições inerentes ao cargo público a ser provido (confiram-se, por amostragem, os seguintes precedentes: AIs 486.439, da relatoria do ministro Joaquim Barbosa; e 746.070, da relatoria do ministro Marco Aurélio; REs 141.357, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence; 511.588-AgR, da relatoria do ministro Marco Aurélio; 523.737-AgR, da relatoria da ministra Ellen Gracie; e 581.251, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski; e MSs 29.920 e 29.963, ambos da relatoria do ministro Gilmar Mendes).

  1. Com efeito, no particularizado caso destes autos, não vislumbro na natureza do cargo a ser provido (1º Tenente do Quadro de Oficiais da Saúde, na área de odontologia), ou nas atividades que serão desempenhadas (descritas às fls. 60), especificidade que justifique a exigência do teste de aptidão física imposto pelo […] edital do concurso. É de vaga alusiva à área de saúde que se cuida. Pelo que, a meu sentir, não se revela razoável ou proporcional a exigência do “teste dinâmico de barra”.

Isso posto, e frente ao caput do art. 557 do CPC e ao § 1º do art. 21 do RI/STF, nego seguimento ao recurso.”

         O posicionamento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA não é diferente. Esta Corte entende que o exame de aptidão física tem sua legalidade subordinada à sua previsão legal em estrita consideração às funções a serem exercidas pelo Servidor:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA O CARGO DE SOLDADO DA POLÍCIA MILITAR. PROVA DE APTIDÃO FÍSICA. PERTINÊNCIA COM AS FUNÇÕES A SEREM EXERCIDAS. MOTIVAÇÃO DO ATO DE REPROVAÇÃO. LEGALIDADE. RECURSO DESPROVIDO.

  1. Admite-se a exigência de aprovação em exame físico para preenchimento de cargo público, desde que claramente previsto em lei, guarde pertinência com a função a ser exercida e seja pautado em critérios objetivos, possibilitando ao candidato o conhecimento da fundamentação do resultado. Precedentes.
  2. Todos os critérios utilizados para avaliar a aptidão física do candidato para o cargo foram expressa e previamente especificados no Edital regente do certame, que trouxe, inclusive, tabelas explicativas da correlação entre o tempo despendido para a realização do exercício da forma exigida e sua pontuação.
  3. Além disso, a Administração juntou documento assinado pela própria impetrante, informando-a os motivos que ensejaram sua reprovação, com a descrição do tempo/número de exercícios praticados pela candidata e correspondente pontuação, sendo certo que a soma não atinge o mínimo exigido para a habilitação[7].

         É comum exigir a prova física nos concursos de carreira policial, porém nem sempre a mesma é pertinente e os Tribunais já estão se atentando quanto a essa questão. Isso porque os concursos da área policial não se limitam a seleção de agentes ou policiais, mas também a diversos outros cargos cuja exigência de prova física se mostra completamente impertinente.

         Façamos uma análise comparativa entre a exigência e a pertinência da avaliação física para o cargo de agente de policia e, por exemplo, um cargo de papiloscopista.

As diferenças de atividades a serem exercidas entre os agentes da policia e o papiloscopista policial são gritantes, conforme pode ser visto abaixo na descrição das atividades extraída do site do Ministério do Trabalho, chegando-se à óbvia conclusão que não há pertinência, razoabilidade, coerência racional em exigir prova física como requisito de aprovação para o cargo de papiloscopista.

No que se refere às atividades do agente de policia:

 

Nº da CBO: 5-82.20

Título: Agente de polícia

Descrição resumida: Faz respeitar a lei e mantém a ordem pública, adotando medidas ostensivas, preventivas ou repressivas, para proteger as pessoas e os bens contra os perigos e atos delituosos:

Descrição detalhada: investiga atos e fatos que caracterizam infrações penais, percorrendo sistematicamente a zona ou distrito que lhe foi confiado, e observando pessoas e estabelecimentos que lhe pareçam suspeitos, para possibilitar a tomada de medidas preventivas ou punitivas; executa intimações a indiciados, vítimas e testemunhas, fazendo comunicação direta ou apresentando notificação escrita, para permitir o esclarecimento de atos ou fatos em investigação; detém os infratores da lei ou auxilia a prisão dos mesmos, recolhendo-os em viatura policial e encaminhando-os à delegacia, para garantir a ordem pública e proteger a população; dirige a circulação de veículos em situações complicadas, valendo-se de sinais gesticulados, para evitar congestionamento do tráfego ou acidentes; intervém em caso de acidente, incêndio ou outros sinistros, apresentando suas credenciais, para providenciar ou tomar as medidas mais urgentes, como primeiros socorros às vítimas, manutenção da ordem e investigações; mantém o registro de suas atividades policiais, elaborando relatórios sobre as mesmas, para prestar declarações ante os tribunais de justiça. Pode especializar-se em determinado tipo de tarefa, utilizando determinados veículos ou exercer suas atividades em áreas específicas, e ser designado de acordo com a especialização. Pode proceder à busca de informações necessárias às ações do Departamento de Polícia Federal.

 

 

 

 

No que se refere às atividades do Papiloscopista policial:

Nº da CBO: 5-82.50

Título: Papiloscopista policial

Descrição resumida: Executa tarefas referentes à coleta, análise, classificação e arquivamento de impressões digitais, palmares e plantares, empregando processos técnicos-científicos para identificar pessoas:

Descrição detalhada: executa a coleta de impressões digitais, palmares e plantares de pessoas, valendo-se de técnicas adequadas, para permitir os registros individuais e o fornecimento das cédulas de identidade; executa a identificação datiloscópica de estrangeiros, empregando processos de rotina, para impedir a entrada no País de elementos indesejáveis e identificar criminosos, com vistas a recambiá-los ao país de origem; efetua a identificação datiloscópica e antropológica dos indiciados criminalmente pelo Departamento de Polícia Federal, valendo- se das técnicas apropriadas a cada tipo de identificação, para possibilitar a comprovação de culpa em atos delituosos; coleta impressões digitais, palmares ou plantares de cadáveres desfigurados, seguindo técnicas recomendadas, para possibilitar a identificação dos mesmos; faz a análise e classificação de impressões digitais, baseando-se nos métodos estabelecidos, para obter dados que permitam a identificação de pessoas criminosas, subversivos, desmemoriadas e outras; realiza o levantamento de impressões papilares em locais de crime, empregando pós, lentes e outras técnicas apropriadas, para possibilitar a realização da perícia; realiza perícia papiloscópica, analisando as impressões colhidas, classificando-as e confrontando-as com as arquivadas, para possibilitar a identificação do criminoso.

 

Veja-se que o agente da policia atuará nas ruas, na atividade de investigação ou mesmo agindo diretamente na repressão a pratica de atos delituosos e, por isso, precisará ter uma condição física aprimorada em razão da própria atividade que irá exercer. Já o papiloscopista, ele executa tarefas referentes à coleta, análise, classificação e arquivamento de impressões digitais, palmares e plantares, empregando processos técnicos-científicos para identificar pessoas, o que não requer qualquer condicionamento físico especial para exercer suas funções.

A exigência de prova física para o cargo de papiloscopista está na mesma dimensão de lesividade e falta de razoabilidade em se exigir, em um concurso para a magistratura, a aprovação em prova física para um candidato que concorre a uma vaga de juiz! Não tem sentido!

Assim, por mais que exista previsão no edital e em lei quanto à aplicação do teste, existe uma hierarquia normativa que deve ser observada, onde no ápice da pirâmide está a Constituição Federal.

Não há dúvidas que a exigência de prova física para o cargo de policial papiloscopista, por exemplo, lesiona de forma fatal o texto constitucional, especialmente aos primados da razoabilidade, proporcionalidade, do direito ao trabalho, da isonomia, dentre inúmeros outros, devendo o Poder Judiciário, quando provocado, fazer valer, nas palavras de HESSE, a “força normativa da Constituição” e afastar a aplicação das inconstitucionais regras do edital e da Lei que fizeram a abjeta exigência.

Isso pode ser feito por meio de decisão declarando incidentalmente a inconstitucionalidade dos preceitos restritivos e afastando sua aplicabilidade, como tem sido feito pelos demais Tribunais e pelo Supremo Tribunal Federal.

Analisando caso parecido, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL entendeu que a exigência do TAF não seria legitima em razão de não guardar relação com a função a ser desempenhada pelo candidato tendo em vista que se tratava de função burocrática, diferentemente do agente da policia.

Neste sentido:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – MATÉRIA LEGAL. O recurso extraordinário não é meio próprio a alcançar-se exame de controvérsia equacionada sob o ângulo estritamente legal. CONCURSO PÚBLICO – PROVA DE ESFORÇO FÍSICO. Caso a caso, há de perquirir-se a sintonia da exigência, no que implica fator de tratamento diferenciado com a função a ser exercida. No âmbito da polícia, ao contrário do que ocorre com o agente em si, não se tem como constitucional a exigência de prova física para a habilitação ao cargo de escrivão, cuja natureza é estritamente escriturária, muito embora de nível elevado. [8]

“DECISÃO CONCURSO PÚBLICO – PROVA DE ESFORÇO FÍSICO – MÉDICO LEGISTA – EXIGÊNCIA – IMPROPRIEDADE. AGRAVO DESPROVIDO.

[…]

  1. Na interposição deste agravo, foram observados os pressupostos de recorribilidade que lhe são inerentes. A peça, subscrita por procurador do Estado, veio acompanhada dos documentos previstos no artigo 544, § 1º, do Código de Processo Civil e restou protocolada no prazo em dobro a que tem jus o Agravante. Nem com um grande empenho, envolvido interesse próprio, é dado assentar a infringência à Constituição Federal. Ao contrário, o que decidido pela Corte de origem presta homenagem ao Diploma Maior. Coaduna-se com a razoabilidade a glosa da exigência de esforço físico em concurso voltado a preencher cargo de médico. A atuação deste, embora física, não se faz no campo da força bruta, mas a partir de técnica específica. Além dos princípios explícitos, a Carta da República abrange também os implícitos, entre os quais estão o da razoabilidade, o da proporcionalidade, aplicáveis ao caso concreto.”[9]

 

 

 

5.3 RAZOABILIDADE DOS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO

 

         Como meio idôneo a proporcionar a todos os cidadãos a oportunidade isonômica de ingresso em cargos e empregos públicos e, ao mesmo tempo, a possibilitar à Administração Pública a escolha de candidatos mais preparados intelectual, física e psicologicamente para o bom desempenho do cargo ou do emprego o instituto do concurso público rege-se por princípios inerentes ao regime jurídico administrativo, entre eles, a legalidade, a moralidade, a isonomia, a eficiência, a publicidade, a motivação e a razoabilidade.

         O princípio da razoabilidade é de observância obrigatória em todos os atos administrativos praticados em concurso público. Por isso, além da pertinência entre a exigência do exame de aptidão física e as funções a serem exercidas, também é indispensável que haja razoabilidade nos critérios estabelecidos para aferição da capacidade física dos candidatos, de modo a evitar a exigência de uma aptidão física muito superior ao necessário para o adequado desempenho do cargo ou emprego público oferecido pela Administração[10].

 

5.4 INCAPACIDADE FÍSICA TEMPORÁRIA

         A capacidade física dos candidatos deve ser aferida a partir de um estado físico e mental normal e sem sofrer influência de condições desfavoráveis passageiras, ou seja, todos os concorrentes serão avaliados pelo desempenho físico no mesmo grau de igualdade, assegurado aos participantes que todas as provas terão o mesmo grau de dificuldade, inerente tão-somente aos limites mínimos exigidos no Edital do concurso.

         Deste modo, mostra-se razoável permitir que o candidato realize a prova física em outra data quando ocorra qualquer alteração orgânica, psicológica e/ou fisiológica capaz de reduzir suas aptidões físicas, desde que essa anormalidade seja temporária e comprovada de forma inequívoca.

         Submeter o candidato ao teste de aptidão física em data diversa da previamente agendada pela Administração não acarretará nenhum prejuízo à execução do certame, pois nessa prova não se aplica o critério da simultaneidade. A realização das provas físicas não precisa ser simultânea como ocorre com as provas objetivas e discursivas, podendo ser aplicada em momentos distintos.

         Uma vez comprovado o estado de saúde do candidato por atestado médico, a Administração não pode excluí-lo por se encontrar impossibilitado de participar do exame de aptidão física na data marcada.

         O acometimento de alterações orgânicas, psicológicas e/ou fisiológicas capaz de reduzir as aptidões físicas é um fato alheio à vontade de candidato e por isso é visto pela jurisprudência como caso fortuito ou força maior. Neste caso, o princípio constitucional da isonomia somente será efetivado na realização das provas físicas se o candidato, que teve sua capacidade física reduzida temporariamente, realizar o teste em perfeito estado de saúde, tal como os demais candidatos.

         O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL tem decidido no sentido de ser possível a remarcação da prova física em concurso público, quando configurada situação que recomende o adiamento a fim de que seja observado o princípio da isonomia.

         Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREQUESTIONAMENTO. EXISTÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. PROVA DE APTIDÃO FÍSICA. CANDIDATA SUBMETIDA A PARTO OITO DIAS ANTES. NOVA DATA. DESIGNAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. A oposição de embargos declaratórios visando à manifestação do Tribunal a quo sobre matéria anteriormente suscitada atende ao requisito do prequestionamento, ainda que persista a omissão. 2. Permitir que a agravada realize o teste físico em data posterior não afronta o princípio da isonomia nem consubstancia qualquer espécie de privilégio. A própria situação peculiar na qual a agravada se encontrava requeria, por si só, tratamento diferenciado. Nego provimento ao agravo regimental[11].

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. Candidata submetida a teste de aptidão física onze dias após o parto. Possibilidade de remarcação do exame. Princípio da isonomia. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento[12].

CONCURSO PÚBLICO. PROVA DE ESFORÇO FÍSICO. FORÇA MAIOR. REFAZIMENTO. PRINCÍPIO ISONÔMICO. Longe fica de implicar ofensa ao princípio isonômico decisão em que se reconhece, na via do mandado de segurança, o direito de o candidato refazer a prova de esforço, em face de motivo de força maior que lhe alcançou a higidez física no dia designado, dela participando sem as condições normais de saúde[13].

 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROVA FÍSICA. REMARCAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Impossibilidade da análise prévia da legislação infraconstitucional e do reexame de provas (Súmula 279). Ofensa constitucional indireta. 2. Configuração de situação que recomenda o adiamento para que seja observado o princípio da isonomia[14].

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROVA FÍSICA. REMARCAÇÃO. CANDIDATA SUBMETIDA À CIRURGIA CESARIANA DIAS ANTES DA DATA MARCADA PARA O EXAME. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. Configuração de situação que recomenda o adiamento para que seja observado o princípio da isonomia. Precedentes[15].

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROVA FÍSICA. REMARCAÇÃO. POSSIBILIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO.

I – A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que não implica em ofensa ao princípio da isonomia a possibilidade de remarcação da data de teste físico, tendo em vista motivo de força maior.

II – Agravo regimental improvido.[16]

 

O mesmo direito é reconhecido pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, senão vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. VIOLAÇÃO RECONHECIDA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS.  NECESSIDADE DE REEXAME DO QUADRO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA Nº 7/STJ. ACÓRDÃO COM FUNDAMENTO EXCLUSIVAMENTE CONSTITUCIONAL.

  1. Reconhecida no acórdão impugnado, com base nas provas dos autos, violação do princípio da isonomia, em virtude da realização do exame de aptidão física em condições desiguais entre os participantes do concurso, a alegação em sentido contrário, a motivar insurgência especial, requisita exame do acervo fático-probatório, vedado na instância excepcional.
  2. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.” (Súmula do STJ, Enunciado nº 7).
  3. A questão de natureza exclusivamente constitucional é estranha ao âmbito de cabimento do recurso especial. 4. Agravo regimental improvido.[17]

 

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. TESTE DE APTIDÃO FÍSICA. FATO DE FORÇA MAIOR. RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. NOVA DATA. FIXAÇÃO. ARTS. 9º, VI, DA LEI 4.878/65, 8º, IV, DO DECRETO-LEI 2.320/87 E 3º DA LEI 8.666/93. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. AGRAVO NÃO PROVIDO.

  1. Para a abertura da via especial, requer-se o prequestionamento, ainda que implícito, da matéria infraconstitucional. Hipótese em que o Tribunal de origem não emitiu nenhum juízo de valor acerca dos arts. 9º, VI, da Lei 4.878/65, 8º, IV, do Decreto-Lei 2.320/87 e 3º da Lei 8.666/93. Incidência das Súmulas 282/STF e 211/STJ.
  2. Em nenhum momento a Turma Julgadora eximiu a impetrante de se submeter ao teste físico previsto como fase do concurso público, limitando-se a autorizá-la a realizar a fase de avaliação física em momento posterior, quando já em condições físicas para suportar o esforço exigido.
  3. A questão envolvendo a suposta quebra de isonomia entre a agravada e os demais candidatos refoge aos limites do recurso especial, uma vez que se trata de matéria de índole constitucional.
  4. Agravo regimental não provido.[18]

         No caso de candidata grávida ou em estado de pós-parto, o Pretório Excelso entende que permitir que a candidata realize o teste físico em data posterior não constitui afronta ao princípio da isonomia, nem consubstancia qualquer espécie de privilégio, pois ela se encontra em situação peculiar, que, por si só, demandava tratamento diferenciado, sendo essa mesma lição plenamente aplicável aos casos em que o candidato esteja doente, tenha sofrido alguma lesão ou trauma.

         No mesmo sentido, decidiu com acerto TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL. PROVA DE CAPACIDADE FÍSICA. LESÃO INCAPACITANTE. COMPROVAÇÃO. DESIGNAÇÃO DE NOVA DATA PARA A REALIZAÇÃO DA AVALIAÇÃO FÍSICA. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO ISONÔMICO. INEXISTÊNCIA.

  1. Acometida de incapacidade momentânea, em decorrência de lesão no ombro, devidamente comprovada, a candidata tem o direito de ser submetida à prova de esforço físico, em outra data, sem que tal procedimento constitua ofensa ao princípio isonômico. Haveria se, nesse contexto, negado fosse o pedido, eis que, no momento da realização dessa prova, não se encontrava ela em situação de igualdade em relação aos demais candidatos. 2. Apelação e remessa oficial desprovidas. Sentença mantida[19].

 

CONCURSO PÚBLICO. AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL. EDITAL 45/2001. MEDIDA CAUTELAR. PROVA DE CAPACIDADE FÍSICA. 1. Confirma-se sentença que julgou procedente o pedido cautelar para assegurar ao candidato a realização da prova de capacidade física em nova data, a ser fixada pela Administração, em razão de ter sido acometido por enfermidade, com prazo de incapacitação delimitado em atestado médico e compatível com o cronograma do concurso. 2. Apelação e remessa oficial a que se nega provimento[20].

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL. PROVA DE CAPACIDADE FÍSICA. CANDIDATO QUE SE APRESENTA TEMPORARIAMENTE INCAPACITADO PARA SUA REALIZAÇÃO, COMPROVADA POR ATESTADO MÉDICO. PRETENSÃO A SEGUNDA CHAMADA. POSSIBILIDADE. 1. Afigura-se ofensiva ao princípio da isonomia disposição, contida na Instrução Normativa n. 5/2001/ANP, que não leva em consideração, para efeito de realização da prova de aptidão física de candidatos a concurso público para provimento de cargos da Carreira Policial Federal, as alterações psicológicas e fisiológicas temporárias, comprovadas por atestado médico, como no caso. 2. Sentença concessiva da segurança, que se confirma. 3. Apelações e remessa oficial, esta tida por interposta, desprovidas[21].

         Como se vê, a jurisprudência dos tribunais tem flexibilizado as regras do edital quanto ao aspecto da não previsibilidade de evento imprevisível que possa afastar o candidato da realização do exame físico.

         Portanto, as alterações orgânicas, psicológicas e/ou fisiológicas com o potencial de reduzir as aptidões físicas dos candidatos, quando passageiras e puderem ser superadas em período razoável, de modo a não prejudicar a regular execução do certame, devem ser levadas em consideração para garantirem um tratamento diferenciado ao candidato por parte da Administração, permitindo que os concursandos com a capacidade física reduzida temporariamente, desde que devidamente comprovado, sejam submetidos ao teste de aptidão física em momento diverso do previamente designado pela Administração.

Por vezes o Estado (réu na ação judicial) afirma ou o juiz de ofício entende que o atendimento ao pleito do concursando implicará em tratamento diferenciado entre ele e os demais candidatos, ferindo, portanto, o princípio da isonomia.

Todavia, tal argumento não procede.

A isonomia não pode servir de obstáculo para a verificação e correção de irregularidades nas provas de concurso, quer seja no controle administrativo (pelo exercício da autotutela, exposto na Súmula 473/STF), quer seja pelo Poder Judiciário (tendo em vista sua inafastabilidade na apreciação de possíveis ilegalidades que causem lesão a direito, conforme art. 5º, XXXV, CF).

Vejamos em particular os votos dos MINISTROS MARCO AURÉLIO e SEPÚLVEDA PERTENCE no julgamento do RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 434708/RS, DE 21/06/2005:

MINISTRO MARCO AURÉLIO:

 

Há o problema da isonomia que é resolvido pelo fato, e diante do fato, de ninguém estar obrigado a recorrer ao Judiciário, a ingressar em juízo para questionar este ou aquele ato. Assegura-se tal ingresso e, uma vez o titular do direito substancial assim procedendo, dá-se a solução do conflito de interesses mediante a entrega da prestação jurisdicional.

 

MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE:

 

Antecipando-me a eventual embargos de declaração, digo que V.Exa. rejeitou bem a alegação, de todo improcedente, de violação ao princípio da isonomia, na medida em que se beneficiou a candidata que impetrou a segurança e não quem deixou de impugnar o ato em juízo: a pretensa discriminação é corolário absoluto da disponibilidade do direito de ação.

 

A esse respeito são precisas as palavras de FABIO OSORIO MEDINA[22], esclarecendo que:

“se a parte ajuíza uma ação para rever critérios equivocados ou distorcidos, é óbvio que sua pretensão será individualizada, inexistindo base para alegar quebra da isonomia perante outros candidatos avaliados pela Banca, não pelo judiciário. Nada impede que outros concursandos ingressem com idênticas demandas, buscando o abrigo da tutela jurisdicional. A isonomia está garantida no direito de ação e de petição aos órgãos públicos, não sendo viável tratar igualmente sujeitos cujas posturas são distintas. Quem busca a tutela do Judiciário assume determinados encargos, mas também pode beneficiar-se de decisões favoráveis. Quem fica inerte não pode pleitear a inércia dos demais em homenagem à isonomia, parece lógica essa linha interpretativa”.

 

O Autor ainda assevera que:

“…sempre que um administrado busca resguardar seus direitos perante o Judiciário, e outro administrado não o faz, é possível que uma decisão judicial alcance e modifique atos administrativos praticados em detrimento de alguns administrados, deixando ao desabrigo os direitos idênticos de outros, ante a inércia na provocação jurisdicional. Assim, vale a máxima, aqui, de que a igualdade consiste em aquinhoar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. São desiguais as pessoas que optam pelo ajuizamento de ação e as que optam pela inércia. É óbvio que essa desigualdade pode ensejar tratamentos desiguais”.

 

Perceba-se que se este argumento prosperar haverá grave lesão ao princípio do amplo acesso à justiça e sua efetividade, vez que jamais poderá ser concedida medida liminar, ou até mesmo sentença de procedência da ação, em razão de suposta violação à isonomia. O direito não socorre aos que dormem. Assim, as pessoas que se sentirem lesadas devem procurar o Poder Judiciário.

Maiores considerações sobre o tema foram apresentadas no capítulo referente aos princípios que regem o concurso público, especialmente na parte de análise do primado da isonomia.

 

5.5 LIBERDADE RELIGIOSA E DATA E HORÁRIO DE APLICAÇÃO DA PROVA

         De modo geral, a jurisprudência, em especial do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, tem se pronunciado no sentido de inexistir para o candidato direito de realizar a prova de aptidão física em data diversa da determinada, genérica e isonomicamente, para todos os concorrentes, sob o fundamento de convicção religiosa.

         Esse fundamento se baseia no fato de que o Estado brasileiro é laico, sendo-lhe vedado conferir tratamento discriminado aos cidadãos com base em crença religiosa destes, principalmente em concurso público, adstrito aos princípios da legalidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da igualdade.

         As atividades administrativas, desenvolvidas objetivando prover os cargos e empregos públicos, não podem estar condicionadas às crenças dos interessados, de modo a possibilitar-lhes realizar as etapas do processo de seleção segundo os preceitos da sua religião.

         Sobre o tema, citamos o seguinte precedente do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA[23]:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. TESTE DE CAPACIDADE FÍSICA. REALIZAÇÃO EM DIA DIVERSO DO PROGRAMADO. LIMINAR DEFERIDA. SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA. IMPOSSIBILIDADE. ISONOMIA E VINCULAÇÃO AO EDITAL. RECURSO DESPROVIDO.

I – A liminar foi deferida quando a recorrente, por ter deixado de realizar o teste de aptidão física na data prevista em edital de convocação, já estava eliminada do certame. Ao ser cassada pelo e. Tribunal a quo, quando do julgamento final do mandamus, a recorrente voltou à situação anterior de candidato eliminado do concurso, razão por que não poderia prosseguir no certame.

II – O direito à liberdade de crença, assegurado pela Constituição da República, não pode almejar criar situações que importem tratamento diferenciado – seja de favoritismo seja de perseguição – em relação a outros candidatos de concurso público que não professam a mesma crença religiosa. Precedente[24].

         No entanto, na prova de aptidão física onde não se aplica o critério da simultaneidade a realização das provas físicas não precisa ser simultânea como ocorre com as provas objetivas e discursivas, podendo ser aplicada em momentos distintos.

         Por isso, entendemos que quando for possível compatibilizar o interesse público com o exercício da liberdade religiosa, a Administração deve permitir que o candidato realize a prova física em data e horário que não contrarie suas convicções religiosas.

         Deste modo, quando num concurso público em que parte dos concorrentes tenham sido convocados para serem submetidos à prova física em um sábado e outra parte no domingo, se um candidato membro da Igreja Adventista do 7º dia, que tem como um de seus fundamentos a guarda do sábado, for convocado para realizar a prova no sábado, pode requerer administrativamente e de forma antecipada que seja possibilitado a realização de sua prova de capacidade física no domingo, ao invés de ser no sábado. Caso a Administração indefira o pedido pode impetrar mandado de segurança para garantir a efetividade do seu direito constitucional a liberdade religiosa.

         Na situação descrita acima e em qualquer outra em que o respeito à liberdade religiosa não interfira negativamente na boa condução do concurso, sem ocasionar risco a supremacia do interesse público, não há nenhum fundamento juridicamente plausível para que a Administração não altere a data e o horário de aplicação da prova física de determinado candidato por motivo de convicção religiosa.

         Assim decidiu o TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO[25]:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA OFICIAL. DIREITO DE PRESTAR PROVA FÍSICA DE CONCURSO EM DIA DIVERSO DO DETERMINADO. LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA. 1. Tratando-se de prova física, sem necessidade de sigilo ou simultaneidade, não ha prejuízo ao interesse publico, nem ao procedimento do concurso, se por força de liminar a impetrante realizou a prova em momento não conflitante com sua crença religiosa, por pertencer a igreja adventista do sétimo dia, que tem o sábado como dia de guarda. 2. Resguardo do princípio constitucional que assegura a liberdade de crença e de consciência, bem como aqueles que regem a administração quando se trata de concurso publico. 3. Remessa oficial improvida[26].

         Ademais, a pretensão do candidato encontra respaldo na inteligência dos incisos VI e VIII do artigo 5º da Constituição Federal, que preserva e assegura o direito fundamental à liberdade de culto, não pretendendo o candidato, neste caso, eximir-se de obrigação legal a todos imposta ou recusar-se a cumprir prestação alternativa, mas, apenas, cumprir obrigação, que é imposta a todos os candidatos do concurso, em horário compatível com a preservação de seu direito fundamental à liberdade religiosa.

 

 

[1] RE 89448, Relator Ministro Cordeiro Guerra, Segunda Turma, julgado em 20/04/1979.

[2] RE 93061, Relator Ministro Cordeiro Guerra, Segunda Turma, julgado em 16/09/1980.

[3] RMS 23.613/SC, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 07/12/2010.

[4] RE 511588 AgR, Relator  Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 10/05/2011.

[5] Ag.Reg. no Agravo de Instrumento 851.587 Santa Catarina, Relator :Min. Marco Aurélio, 19/06/2012.

 

[6] Ag.Reg. no Agravo de Instrumento 851.587 Santa Catarina, Relator :Min. Marco Aurélio, 19/06/2012.

[7] RMS 25.703/MS, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 02/06/2009.

[8] RE 511588 AgR, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 10/05/2011, DJe-109 DIVULG 07-06-2011 PUBLIC 08-06-2011 EMENT VOL-02539-02 PP-00203.

[9] AI 278127, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 18/08/2000, publicado em DJ 26/09/2000 PP-00056)

[10] Concurso público. Agente de Polícia Civil. Prova de aptidão física: decisão que não negou a necessidade do exame de esforço físico para o concurso em causa, mas considerou exagerado o critério adotado pela administração para conferir a tal prova, sem base legal e científica, o caráter eliminatório: inexistência de afronta ao art. 37, I, da Constituição, que assegura que “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei” e falta de prequestionamento dos artigos 2º e 5º, caput, da Constituição (Súmula 282). (STF, RE 344833, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 10/06/2003)

[11] RE 376607 AgR, Relator  Ministro Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 28/03/2006.

[12] RE 598759 AgR, Relator  Ministro Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 27/10/2009.

[13] RE 179.500/RS, Relator Ministro Marco Aurélio, julgado em 26/10/1998.

[14] AI 630487 AgR, Relator  Ministro Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 16/12/2008.

[15] RE 497350 AgR, Relatora  Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 26/05/2009.

[16] .(AI 825545 AgR, Relator (a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 13/04/2011, DJe-084 DIVULG 05-05-2011 PUBLIC 06-05-2011 EMENT VOL-02516-03 PP-00623).

[17] AgRg no REsp 886.849/DF, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 10/06/2008, DJe 01/09/2008

[18] AgRg no REsp 1197922/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/08/2011, DJe 15/08/2011.

[19] AC 2005.34.00.002362-7/DF, Relator Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, Sexta Turma, julgado em 18/03/2011.

[20] AC 2002.38.00.009731-0/MG, Rel. Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues, Sexta Turma, julgado em 08/03/2004.

[21] AMS 2002.34.00.010540-4/DF, Relator Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, Sexta Turma, julgado em 03/11/2003.

[22] OSORIO, Fábio Medina. Os limites da discricionariedade técnica e as provas nos concursos públicos de ingresso nas carreiras jurídicas. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE). Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 22, abril/maio/junho de 2010. Disponível na internet: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-22-ABRIL-2010-FABIOOSORIO.pdf>.

[23] O Superior Tribunal de Justiça adotou o mesmo entendimento quanto à data e horário de aplicação das provas discursivas: CONCURSO PÚBLICO. PROVAS DISCURSIVAS DESIGNADAS PARA O DIA DE SÁBADO. CANDIDATO MEMBRO DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. PEDIDO ADMINISTRATIVO PARA ALTERAÇÃO DA DATA DA PROVA INDEFERIDO. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. NÃO VIOLAÇÃO DO ART. 5º, VI E VII, CR/88. ISONOMIA E VINCULAÇÃO AO EDITAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. O concurso público subordina-se aos princípios da legalidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da isonomia, de modo que todo e qualquer tratamento diferenciado entre os candidatos tem que ter expressa autorização em lei ou no edital. 2. O indeferimento do pedido de realização das provas discursivas, fora da data e horário previamente designados, não contraria o disposto nos incisos VI e VIII, do art. 5º, da CR/88, pois a Administração não pode criar, depois de publicado o edital, critérios de avaliação discriminada, seja de favoritismo ou de perseguição, entre os candidatos. 3. Recurso não provido. (RMS 16107/PA, Relator Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em 31/05/2005)

[24] RMS 22.825/RO, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 26/06/2007.

[25] O Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu de maneira semelhante, mas em relação à alteração da data e do horário de aplicação da prova discursiva: MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA. INCISOS VI E VIII DO ARTIGO 5º DA CF/88. ADVENTISTAS DO 7º DIA. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA PARA ASSEGURAR A REALIZAÇÃO DA PROVA EM HORÁRIO ESPECIAL. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. Candidato/impetrante membro da Igreja Adventista do 7º dia, que tem como um de seus pilares a guarda do sábado, restando ferido seu direito constitucional de liberdade de consciência religiosa, previsto nos incisos VI e VIII do art. 5º da CF, se imposta a realização da prova nesse dia. Além do mais, o condutor monocrático ao deferir a liminar determinou que os impetrantes chegassem no horário normal de realização das provas e ficassem incomunicáveis em sala diversa dos demais candidatos até às 18 horas, quando lhe seria facultada a realização da prova objetiva 1, com término às 22h do mesmo dia. 2 Não afeta direito de terceiro ou o interesse público, permitir a realização de prova de concurso público no dia seguinte àquele que, por imposição de fé religiosa, não pode participar de atividades civis, profanas, no dia do sábado. Precedente da Corte Especial: MS 2007.01.00.043148-4/DF, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Corte Especial,e-DJF1 p.22 de 05/05/2008. 3. Apelação e remessa, não providas. (AMS 2004.34.00.008688-1/DF, Rel. Desembargadora Federal Selene Maria De Almeida, Conv. Juiz Federal Avio Mozar Jose Ferraz De Novaes, Quinta Turma, e-DJF1 p.354 de 10/12/2008)

[26] TRF da 4ª Região, REO 9504092560, Silvia Maria Gonçalves Goraieb, Quarta Turma, julgado em 24/01/1996.

A IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL NOS CONCURSOS PÚBLICOS

PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO

            Dentre os princípios que regem o concurso público destaca-se o princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Isso significa que “todos os atos que regem o concurso público ligam-se e devem obediência ao edital que não só é o instrumento que convoca candidatos interessados em participar do certame como também contém os ditames que o regerão[1], afinal, o edital cristaliza a competência discricionária da Administração que se vincula a seus termos.

            Em tema de concurso público, é cediço que o Edital é lei entre as partes, estabelecendo regras às quais estão vinculados tanto a Administração quanto os candidatos, a teor doa artigos 18 e 19 do Decreto nº6944/2209.

            A doutrina e a jurisprudência já sedimentaram que o princípio da vinculação ao edital nada mais é que faceta dos princípios da impessoalidade, da legalidade e da moralidade, mas que merece tratamento próprio em razão de sua importância.

            Com efeito, o edital é ato normativo confeccionado pela Administração Pública para disciplinar o processamento do concurso público. Sendo ato normativo elaborado no exercício de competência legalmente atribuída, o edital encontra-se subordinado à lei e a Constituição e vincula, em observância recíproca, Administração e candidatos, que dele não podem se afastar.

            A Administração deve pautar suas ações na mais estrita previsibilidade, obedecendo às previsões do ordenamento jurídico, não se admitindo assim, que se “desrespeite as regras do jogo, estabeleça uma coisa e faça outra,” [afinal], a confiança na atuação de acordo com o Direito posto é o mínimo que esperam os cidadãos concorrentes a um cargo ou emprego público[2].

            O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já decidiu que:

“CONCURSO PÚBLICO – PARÂMETROS – EDITAL. O edital de concurso, desde que consentâneo com a lei de regência em sentido formal e material, obriga candidatos e Administração Pública.”[3]

“MANDADO DE SEGURANÇA. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CONCURSO PARA A MAGISTRATURA DO ESTADO DO PIAUÍ. CRITÉRIOS DE CONVOCAÇÃO PARA AS PROVAS ORAIS. ALTERAÇÃO DO EDITAL NO CURSO DO PROCESSO DE SELEÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. (…)

Após a publicação do edital e no curso do certame, só se admite a alteração das regras do concurso se houver modificação na legislação que disciplina a respectiva carreira. Precedentes. (RE 318.106, rel. min. Ellen Gracie, DJ 18.11.2005). 3. No caso, a alteração das regras do concurso teria sido motivada por suposta ambigüidade de norma do edital acerca de critérios de classificação para a prova oral. Ficou evidenciado, contudo, que o critério de escolha dos candidatos que deveriam ser convocados para as provas orais do concurso para a magistratura do Estado do Piauí já estava claramente delimitado quando da publicação do Edital nº 1/2007. 4. A pretensão de alteração das regras do edital é medida que afronta o princípio da moralidade e da impessoalidade, pois não se pode permitir que haja, no curso de determinado processo de seleção, ainda que de forma velada, escolha direcionada dos candidatos habilitados às provas orais, especialmente quando já concluída a fase das provas escritas subjetivas e divulgadas as notas provisórias de todos os candidatos. 5. Ordem denegada”[4]

            Vejamos uma situação prática em que o princípio da vinculação ao instrumento convocatório é aplicado. O edital de abertura do concurso deve prever o conteúdo programático tanto das provas objetivas quanto das provas discursivas, todas as questões ao serem elaboradas devem observá-lo. Uma vez estabelecido o conteúdo programático e publicado o edital não existe mais discricionariedade da Administração em escolher quais serão os temas avaliados nas provas, ou seja, a partir da publicação do edital a Administração fica estritamente vincula ao conteúdo programático.

Assim, qualquer questão que aborde um tema não abrangido pelo conteúdo programático do edital deverá ser anulada em razão da violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Quanto a isso a jurisprudência é pacifica, esse é o entendimento adotado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO NÃO PREVISTA NO EDITAL DO CONCURSO.

O Supremo Tribunal Federal entende admissível o controle jurisdicional em concurso público quando ‘não se cuida de aferir da correção dos critérios da banca examinadora, na formulação das questões ou na avaliação das respostas, mas apenas de verificar que as questões formuladas não se continham no programa do certame, dado que o edital – nele incluído o programa – é a lei do concurso’[5].

CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO NÃO PREVISTA NO EDITAL DO CONCURSO.

O Supremo Tribunal Federal entende admissível o controle jurisdicional em concurso público quando ‘não se cuida de aferir da correção dos critérios da banca examinadora, na formulação das questões ou na avaliação das respostas, mas apenas de verificar que as questões formuladas não se continham no programa do certame, dado que o edital – nele incluído o programa – é a lei do concurso’.[6]

CONCURSO PÚBLICO: controle jurisdicional admissível, quando não se cuida de aferir da correção dos critérios da banca examinadora, na formulação das questões ou na avaliação das respostas, mas apenas de verificar que as questões formuladas não se continham no programa do certame, dado que o edital – nele incluído o programa – é a lei do concurso.[7]

 

Na mesma trilha caminha a jurisprudência do EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. MAGISTRATURA. QUESTÃO DISCURSIVA. CONTEÚDO NÃO PREVISTO NO EDITAL DE ABERTURA DO CERTAME. ANULAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA VINCULAÇÃO AO EDITAL.

1 – A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem entendido ser possível a intervenção do Poder Judiciário nos atos que regem os concursos públicos, principalmente em relação à observância dos princípios da legalidade e da vinculação ao edital.

2 – In casu, não se trata de revisão dos critérios estabelecidos pela banca examinadora, mas, sim, de dar ao edital do certame interpretação que assegure o cumprimento das regras nele estabelecidas e em relação às quais estavam vinculados tanto a Administração quanto os candidatos.

3 – Não se desconhece que o exercício do cargo de Juiz de Direito exige conhecimento aprofundado sobre os mais variados ramos da ciência jurídica. Essa premissa, contudo, não tem o condão de afastar os já referidos princípios da legalidade e da vinculação ao edital, não se mostrando razoável que candidatos tenham que expor conhecimentos de temas que não foram prévia e expressamente exigidos no respectivo edital da abertura.4 – Recurso provido. [8]

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PROVAS. CONTROLE JURISDICIONAL. LIMITES.

Não é vedado ao Judiciário o exame de questão de prova de concurso público para aferir se esta foi formulada em obediência ao conteúdo programático, porquanto a Administração, na formulação das questões, vincula-se às regras estabelecidas no instrumento convocatório. Precedentes do STJ e STF. Recurso ordinário provido para determinar o retorno dos autos ao e. Tribunal a quo, para que julgue o writ nos estritos limites do pedido.[9]

 

Nesse caso não há revisão dos critérios estabelecidos pela Banca Examinadora, apenas se dará ao edital do certame interpretação que assegure o cumprimento das regras nele estabelecidas e em relação às quais estavam vinculados tanto a Administração quanto os candidatos, trata-se de um controle de legalidade[10].

A cobrança de matérias na prova não compreendida no conteúdo programático não viola apenas ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, mas também aos princípios da boa-fé administrativa e da proteção à confiança.

Precisando o sentido dos princípios da proteção à confiança e da boa-fé administrativa ALMIRO DO COUTO E SILVA[11] esclarece que boa-fé diz respeito à lealdade, correção e lisura do comportamento das partes, reciprocamente, que devem comprometer-se com a palavra empenhada. Já o princípio da proteção à confiança é atributo da segurança jurídica, que pode ser decomposto em duas partes: uma objetiva, que cuida dos limites à retroatividade dos atos estatais, e outra subjetiva, tocante propriamente à proteção da confiança das pessoas na atuação estatal.

            A Administração ao publicar o edital do concurso contendo o conteúdo programático desperta no concursando a legítima expectativa de que somente as matérias ali compreendidas serão objeto de avaliação e o candidato ao se inscrever no certame concorda com os termos do edital se comprometendo a cumprir todas suas regras e a estudar as matérias elencadas pelo instrumento.

Na relação entre Estado e concursando deve haver reciprocidade de compromissos. Por isso enquanto o candidato se empenha em fazer tudo o que a Administração determina, esta deve respeitar todas as regras estabelecidas por ela mesma no edital.

            Os candidatos partem do princípio de que a Administração respeitará a reciprocidade de compromissos assumida com todos os administrados que se inscreveram no concurso, assim se dedicam por horas durante vários dias ou até mesmo meses ao estudo das matérias previstas no conteúdo programático, mas no momento da aplicação da prova objetiva podem ser surpreendidos com a cobrança de uma matéria que a Administração se comprometeu a não avaliar. Esse comportamento da Administração representa um ato de deslealdade e um desrespeito ao compromisso assumido com todos os candidatos culminando na violação aos princípios da boa-fé administrativa e proteção à confiança.

            Nesse caso não há revisão dos critérios estabelecidos pela Banca Examinadora, apenas se dará ao edital do certame interpretação que assegure o cumprimento das regras nele estabelecidas e em relação às quais estavam vinculados tanto a Administração quanto os candidatos. Trata-se de um controle de legalidade.

 [1] MOTTA, Fabrício. (Coord.). Concurso público e constituição. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2005, p. 143.

[2] Idem, p. 146.

[3] RE nº 480.129/DF, Relator o Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe de 23/10/09.

[4] MS nº 27.160/DF, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJe de 6/3/09

[5] STF, RE 440.335-AgR/RS, Rel. Mininistro Eros Grau, julgamento em 17/06/2008.

[6] RE 440.335-AgR / RS, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 17-6-08, DJE de 1º-8-08.

[7] RE 434.708/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgamento em 21-6-05, DJ de 9-9-05

[8] RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 28.854 – AC (2009/0031841-2). Relator Paulo Gallotti.

[9] RMS 21197 / MA, rel. Min. Felix Fischer, j. 19/06/2007

[10] STJ, RMS 28854/AC, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 09/06/2009.

[11] O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à confiança) no Direito Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 1, n. 6, jul-set. 2004, p. 9.

QUANDO E COMO FAZER USO DO PRINCÍPIO DA RAZOALIDADE PARA A DEFESA DO CANDIDATO EM UM CONCURSO PÚBLICO

Avaliar se o candidato tem idoneidade moral ou reputação ilibada nem sempre é uma tarefa simples e pode dar margem a arbitrariedades praticas pela Administração. Para que a investigação social seja realizada de forma razoável é indispensável que a condição social e moral do candidato seja realmente incompatíveis com as funções do cargo ou emprego público. 

Os fatos que motivarem a inaptidão do candidato devem ser graves. Não é qualquer fato comprovado pela Administração que tem o potencial de eliminá-lo, conforme entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. EXCLUSÃO DE CANDIDATO NO CURSO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL. DECRETO-LEI 2.320/87. INQUÉRITO POLICIAL E SINDICÂNCIA. AUSÊNCIA DE FATO COMETIDO PELO CANDIDATO DO QUAL RESULTASSE CONDENAÇÃO.

  1. O Decreto-lei 2.320/87, art. 8º, I, estabelece como requisito para matrícula em curso da Academia Nacional de Polícia ter o candidato procedimento irrepreensível e idoneidade moral inatacável.
  2. É legítima a exigência de requisitos de conduta dos candidatos a serem verificados em investigação social de caráter eliminatório.
  3. Não há que se confundir presunção de inocência com requisitos de boa conduta, para o ingresso no cargo de agente de polícia federal. Não se confundem primariedade e bons antecedentes no âmbito do Direito Penal, com conduta social.
  4. A discricionariedade da Administração Pública na análise da conduta social não pode implicar em arbitrariedade a ponto de considerar punição de 2 (dois) dias de detenção em posto por falta de um parafuso no armamento e a absolvição em sindicância, como motivação para exclusão de candidato do curso de formação profissional.
  5. A aferição dos fatos que conduzem a juízo de inidoneidade moral há de considerar a gravidade do fato, sua contumácia e o resultado do inquérito e/ou a sindicância[1].

O motivo alegado pela Administração para eliminação do candidato somente será válido se este, por si só, for potencialmente lesivo ao interesse público. Se a conduta do candidato em nada ferir o interesse público, esta não poderá ser usada como argumento de eliminação, pois o que a Administração busca, em essência, é preservar o interesse público e não simplesmente punir eventuais condutas desabonadoras dos pretensos candidatos ao cargo público.

Assim, caso a Administração elimine candidato na fase de investigação social por qualquer fato que em nada contraria o interesse público, estará violando o princípio da razoabilidade[2].

 

4.4 AÇÃO PENAL E INQUÉRITO POLICIAL

 

Na fase de investigação social a Administração Pública, em alguns casos, tem considerado como motivo suficiente para eliminação de candidatos a existência de ação penal ou até mesmo de inquérito policial, que, do ponto de vista constitucional, é inaceitável.

A Constituição Federal estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, inciso LVII), consagrando a presunção de inocência, um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, como garantia processual penal. Por isso, é necessária a comprovação da culpabilidade do indivíduo, sendo esta uma incumbência atribuída essencialmente ao Estado.

O princípio constitucional da presunção de inocência não tem seu âmbito de aplicação restrito ao direito penal, pois é aplicável no direito administrativo, em especial em matéria de concurso público.

A fase de investigação social não pode ser pautada em critérios estabelecidos pelo arbítrio do administrador sem qualquer compatibilidade com a Constituição. Se a Constituição assegura que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, o indivíduo que responde a ação penal sem trânsito em julgado deve ser considerado inocente não apenas para efeitos penais, mas também para quaisquer outros fins, inclusive para efeito de aprovação em concurso público.

Por isso, é inconstitucional excluir candidatos na fase de investigação social por figurar com réu em ação penal que não possui sentença condenatória transitada em julgado. Com muito mais razão, é igualmente inconstitucional excluir candidatos que respondem ou responderam a inquérito policial, que é um procedimento inquisitório onde não é observado o princípio da ampla defesa e do contraditório.

Assim tem decidido o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR. CANDIDATO. ELIMINAÇÃO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. ART. 5º, LVII, DA CF. VIOLAÇÃO. Viola o princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, a exclusão de candidato de concurso público que responde a inquérito ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes[3].

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL. INQUÉRITO POLICIAL. EXCLUSÃO DO CERTAME. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que viola o princípio constitucional da presunção de inocência a exclusão de candidato de concurso público que responde a inquérito ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. [4]

            No mesmo sentido é o entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. EXCLUSÃO DO CANDIDATO NA ETAPA DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE PROCESSO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. PRELIMINARES DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL AFASTADA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

[…]. Não se mostra admissível a exclusão de candidato pela verificação de existência de processos criminais, mesmo na fase de investigação social, se inexistir condenação transitada em julgado, sendo certo que o princípio constitucional da presunção de inocência não incide exclusivamente na esfera penal, mas também na seara administrativa. Precedentes desta Corte.

É possível a revisão do ato impugnado pelo Poder Judiciário, a quem cabe examinar a legalidade de todo procedimento administrativo, inclusive afastando decisões que se mostrem desarrazoadas e desproporcionais[5].

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.  CONCURSO PÚBLICO. EXCLUSÃO DE CANDIDATO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. INQUÉRITO POLICIAL ARQUIVADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

I – Consoante já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, o simples fato de o candidato haver sido investigado em inquérito policial posteriormente arquivado, não pode ser considerado como desabonador de sua conduta, de forma a impedir sua participação no concurso público. Precedentes.

II – A aferição sobre a exclusão de candidato do processo seletivo em virtude da simples existência de inquérito policial arquivado não implica revolvimento, cotejo, ou exame de prova, não sendo aplicável a Súmula 07/STJ[6].

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. EXCLUSÃO DE CANDIDATO POR CONDENAÇÃO NA ESFERA PENAL. SENTENÇA NÃO TRANSITADA EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. Em observância ao princípio da presunção de inocência – art. 5º, LVII, da Constituição Federal -, não se admite, na fase de investigação social de concurso público, a exclusão de candidato condenado na esfera criminal por sentença não transitada em julgado. Precedentes do STF e do STJ. 2. Recurso ordinário provido. [7]

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DETETIVE DA POLÍCIA CIVIL. APROVAÇÃO. POSTERIOR INABILITAÇÃO EM INVESTIGAÇÃO SOCIAL. NOMEAÇÃO TORNADA SEM EFEITO. DESCABIMENTO. DIREITO À POSSE. COMETIMENTO DE ATO INFRACIONAL. CUMPRIMENTO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. INABILITAÇÃO INDEVIDA. 1. Constitui entendimento já consagrado por este Tribunal Superior que o candidato nomeado, após regular aprovação em concurso público, tem direito à posse. Precedentes. 2. Conquanto se trate o ato de nomeação, de ato discricionário, gera direitos para o nomeado, não podendo, pois, ser desconstituído sem o devido processo legal, como ocorrera na espécie. 3. Ademais, da leitura dos autos depreende-se que o motivo que culminou com a aludida inabilitação consiste na imposição ao Impetrante de medida sócio-educativa já cumprida, em razão do cometimento de delito há mais de 7 (sete) anos. Vale dizer, em época em que o Recorrente ainda era inimputável. 4. Nessa esteira, merece reforma o aresto hostilizado, na medida em que contrário à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, afrontando, outrossim, os princípios que informam a própria Política Criminal, tendo em vista as finalidades do nosso sistema jurídico-penal, principalmente, no que diz respeito ao caráter ressocializante da pena (ou medida sócio-educativa), com vistas à harmônica integração social do apenado (ou do infrator). 5. Recurso conhecido e provido. [8]

É pacífico nos Tribunais Superiores que ação penal sem sentença condenatória com trânsito em julgado não é motivo legítimo para excluir candidato na fase de investigação social, por ser um critério que afronta o princípio da presunção de inocência.

Mas por quanto tempo uma condenação criminal pode obstar o ingresso no serviço público? O Código Penal elimina de nosso sistema a perpetuidade dos efeitos da condenação criminal determinando em seu art. 64, inciso I, que não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação.

Em matéria de concurso público entendemos ser razoável aplicar esse prazo. Assim, uma pessoa que tenha sido condenada criminalmente, após 5 anos do cumprimento da pena não pode ser eliminada de concurso público na fase de investigação social por ter se envolvido em práticas delituosas no passado. Pensar de modo contrário permitiria a imposição de penas de caráter perpétuo, o que é vedado pela Constituição Federal (art. 5º, XLVII, “b”). Além disso, presumir a irrecuperabilidade de quem já cometeu delito penal jogaria por terra toda a política criminal da reabilitação e reintegração do delinquente a seu meio social.

Também é ilegítimo ato administrativo que, em sede de investigação social, elimina de concurso público candidato beneficiado por sentença penal que declara a extinção da punibilidade.

O fato de um candidato ter respondido a ação penal que resultou na extinção da punibilidade não configura fator suficiente para desabonar a sua conduta, em se considerando, sobretudo, que não se trata de condenação. Por isso, uma eliminação com base nesse motivo viola o princípio da presunção de inocência.

Nesse sentido, é a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

CONCURSO PÚBLICO. CAPACITAÇÃO MORAL. PROCESSO-CRIME. PRESCRIÇÃO. Uma vez declarada a prescrição da pretensão punitiva do Estado, descabe evocar a participação do candidato em crime, para se dizer da ausência da capacitação moral exigida relativamente a concurso público[9].

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO DO DF. INVESTIGAÇÃO SOCIAL E FUNCIONAL. SENTENÇA PENAL EXTINTIVA DE PUNIBILIDADE. OFENSA DIRETA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. MATÉRIA INCONTROVERSA. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279. AGRAVO IMPROVIDO.

Viola o princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal a exclusão de candidato de concurso público que foi beneficiado por sentença penal extintiva de punibilidade[10].

            A prescrição da pretensão punitiva não implica responsabilidade do acusado, não desabona seus antecedentes, nem induz futura reincidência. Assim, a extinção da punibilidade não deixa sequelas jurídicas na vida do acusado[11]. Isso justifica a ilegitimidade de ato administrativo que na fase de investigação social elimina candidato beneficiado por sentença que extingue a punibilidade.

[1] TRF da 1ª Região, AMS 2002.34.00.039562-3/DF, Relatora Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Quinta Turma, julgado em 19/11/2004.

[2] MADEIRA, José Maria Pinheiro. Servidor Público na Atualidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 138.

[3] RE 559135 AgR, Relator  Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 20/05/2008.

[4] AgRg no AI 769.433/CE, Rel. Min. EROS GRAU, DJU 12.02.2010

[5] AgRg no Ag 1282323/RJ, Relator Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador Convocado do TJ/CE), Sexta Turma, julgado em 22/02/2011.

[6] AgRg no REsp 1173592/MG, Relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 23/11/2010.

[7] STJ – RMS 32.657 – RO – Proc. 2010/0139321-3 – 1ª T. – Rel. Min. Arnaldo Esteves

[8] STJ – RMS 18613 – MG – 5ª T. – Rel. Min. Laurita Vaz – DJU 07.11.2005 p. 312

[9] RE 212198, Relator Ministro Marco Aurélio, Segunda Turma, julgado em 14/08/2001.

[10] RE 450971 AgR, Relator  Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 01/02/2011.

[11] Ver HC 72844, Relator Ministro Francisco Rezek, Segunda Turma, julgado em 26/09/1995.

OS CONCURSOS PÚBLICOS E A DEVIDA OBSERVÂNCIA À ISONOMIA

O princípio da isonomia está expresso no caput do art. 5º da Constituição Federal, despontando como um dos principais Direitos Fundamentais:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, […]:

A isonomia pode ser estudada por um aspecto material e formal. Em regra, nos concursos, vige a isonomia formal, que significa que deve a todos ser dispensando o mesmo tratamento. Em alguns casos especiais, como, por exemplo, reserva de vagas para portadores de necessidades especiais, prova física diferenciada para candidatas do sexo feminino, há uma incidência tópica do princípio da isonomia material, que traduz a ideia de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.

Sobre a importância da aplicação do princípio da isonomia nos concursos, ADILSON ABREU DALLARI[1] deixa bem claro que “concurso público não se confunde com simulacro de concurso público. Não atende aos princípios constitucionais o chamamento ou a inscrição de apenas alguns apaniguados, que simularão uma disputa apenas para aparentar a realização de um concurso público. Não é concurso público o certame que se desenvolve sem observância do princípio da isonomia. É essencial que todo e qualquer interessado seja tratado com igualdade, para que vençam os melhores”.

A isonomia deve está presente em todas as fases do concurso público, devendo ser aplicada em seus diferentes aspectos (formal e material) conforme as peculiaridades de cada exigência. De outra forma não poderia ser, visto que é através do concurso público que se materializa o direito de amplo acesso aos cargos e empregos públicos e, para isso, deve haver igualdade de oportunidades para todos os interessados. Sendo assim, podemos afirmar que a isonomia permeia todo procedimento do concurso público.

Em matéria de concurso público, a observância ao princípio da isonomia impõe que as regras que regulamentam o certame não sejam direcionadas para determinada pessoa ou grupo de pessoas. A violação ao princípio da isonomia não decorre do fato de a norma que regulamente o concurso público contemplar um único indivíduo ou grupo de indivíduos, mas do fato de serem estes indivíduos ou grupo de indivíduos previamente conhecidos e a norma ser direcionada apenas para eles[2].

Sobre o assunto, a SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL decidiu que dispensar servidores, que integram o quadro de pessoal da Entidade que promove o concurso, de realizar de determinadas provas, que são obrigatórias para os demais candidatos, ofende o princípio da isonomia.

Esse entendimento ficou assentado no seguinte acórdão:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. PROVAS DE CAPACITAÇÃO FÍSICA E INVESTIGAÇÃO SOCIAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO 6° DO ART. 10 DA LEI N° 699, DE 14.12.1983, ACRESCENTADO PELA LEI N° 1.629, DE 23.03.1990, AMBAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, COM ESTE TEOR: “§ 6º – Os candidatos integrantes do Quadro Permanente da Polícia Civil do Estado ficam dispensados da prova de capacitação física e de investigação social a que se referem o inciso, I, ‘in fine’, deste artigo, e o § 2°, ‘in fine’, do artigo 11”. 1. Não há razão para se tratar desigualmente os candidatos ao concurso público, dispensando-se, da prova de capacitação física e de investigação social, os que já integram o Quadro Permanente da Polícia Civil do Estado, pois a discriminação implica ofensa ao princípio da isonomia. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente pelo Plenário do S.T.F[3].

Como a isonomia deve existir entre todos os candidatos e em todas as fases do certame, permitir que determinados candidatos não sejam submetidos a certas provas, previamente relacionadas em edital de concurso público, em detrimento de outros, implica em ofensa ao referido princípio.

O Pretório Excelso, de forma semelhante, reconheceu que ofende o princípio da isonomia a criação de requisitos diferenciados de acessibilidade aos cargos públicos aplicáveis a grupos distintos de pessoas.

Isso ocorreu em um concurso público para Primeiro Tenente Médico Policial Militar do Quadro de Oficiais de Saúde do Estado de São Paulo, em que o edital exigia idade máxima de 35 anos apenas dos candidatos civis, não estabelecendo qualquer limite etário em relação aos candidatos militares.

 Essa regra tinha como propósito favorecer determinado grupo de pessoas – os candidatos militares –, por isso o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL afastou a sua incidência diante do caso concreto restaurando a ordem jurídica e garantindo a efetividade do princípio da isonomia.

Vejamos a ementa do acórdão.

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. CONCURSO PÚBLICO. MÉDICO MILITAR. LIMITE DE IDADE. 1. O recorrido, aprovado em concurso público para Primeiro Tenente Médico Policial Militar do Quadro de Oficiais de Saúde do Estado de São Paulo, não pôde ser empossado, sob o argumento de que, na época da inscrição para o certame, tinha mais de 35 anos de idade. 2. Edital que fixou idade máxima, em concurso para médico militar, apenas para inscrição de candidatos civis. A Corte de origem afastou essa diferenciação e determinou a posse do recorrido. 3. Se o bom desempenho das atividades de médico da Polícia Militar demanda a força física peculiar ao jovem, a exigência de 35 anos de idade máxima deveria ser atribuída a todo e qualquer candidato e não apenas aos civis. Fica claro que a distinção em debate foi criada para favorecer os militares. Precedente: RMS 21.046. 4. Agravo regimental improvido[4].

            Ainda, e isso tem ocorrido muito e é extremamente preocupante, o julgamento das provas discursivas nos concursos públicos tem se afastado do primado da isonomia, principalmente por outro vício anterior que é a falta de critérios objetivos de correção da prova, os quais deveriam vir expressos em uma “grade de correção”. .

            Nota-se que a partir do momento em que não há critérios objetivos de correção das provas de redação, seja quanto à estrutura, conteúdo, quanto às questões gramaticais, o julgamento passa a ser totalmente subjetivo e por isso incompatível com o princípio da isonomia.

            Quanto a essa conduta ilegal, FRACISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA[5], em obra especializada sobre o tema, adverte que:

A correta aplicação das provas de conhecimento depende de um tratamento adequado desde o edital do concurso. Como ato administrativo em que se extingue a discricionariedade do administrador, o edital deve descrever, com a maior riqueza de detalhes, o procedimento que será obedecido na aplicação das provas, sua forma, os critérios e métodos de avaliação e as notas mínimas exigidas, no caso de provas de natureza mista. Apenas os elementos indispensáveis para a efetividade das provas poderão permanecer em sigilo após a publicação do edital.

A chave de correção e o gabarito são os documentos que contém as respostas que se esperava dos candidatos e que serão consideradas certas na correção das provas. Terá a função de orientar os examinadores na correção das provas e de informar aos candidatos as respostas esperadas, permitindo-lhes verificar se não houve erros na correção de sua prova.

Conforme adverte o referido autor, “quanto menos objetiva a prova, mais detalhado deverá ser o gabarito a fim de evitar interferências subjetivas do examinador na correção das provas. No caso das questões escritas, deve ser elaborado um roteiro com todas as informações que se esperava que o candidato incluísse em sua resposta e os valores que lhes serão atribuídos. Quando houver outras habilidades sendo avaliadas – como clareza na exposição do raciocínio, ortografia etc. -, o gabarito deve conter descrição minudente do método de avaliação e pontuação destes fatores. Isto porque a principal função do gabarito é orientar o examinador na correção das provas, vinculando sua atuação e garantindo a objetividade na correção da prova”.

            É muito comum nos concurso, principalmente os feitos por bancas examinadoras pouco experientes, que não seja apresentado qualquer gabarito ou chave de correção, acarretando uma correção subjetiva e anti-isonômica das avaliações dos candidatos, pois há total falta de parâmetros.

            Em casos como estes deve o candidato pleitear administrativa e/ou judicialmente que a Banca divulgue a chave de correção com os critérios objetivos levados em consideração quando do julgamento de todas as provas.

            Para confirmar se a chave de correção foi utilizada de forma isonômica entre todos os candidatos, deve a Administração Pública, ou a Banca Examinadora, agir de forma transparente e liberar o acesso de todas as provas discursivas a todos os candidatos, pois ao final de contas o procedimento do concurso é publico e não há motivo para sigilo. Ainda, apenas pela comparação é que terá como se saber se houve ou não lesão ao princípio da isonomia no caso concreto, razão pela qual, como a Administração muitas vezes não divulga as provas dos demais candidatos, o interessado, para a defesa de seus direitos, poderá pleiteá-la judicialmente.

            Só assim é possível verificar se houve ou não isonomia e impessoalidade no julgamento das questões.

 Registra-se que não existe fundamento para o indeferimento do pedido, pois, por se tratar de processo seletivo, competitivo e pautado nos princípios que regem a conduta da Administração, as provas devem ser públicas da mesma forma que em uma licitação os documentos de habilitação e as propostas o são, sob pena de inviabilidade de controle e facilitação de ilegalidade.

            Não se trata de assunto ligado à segurança nacional e nem mesmo à intimidade das pessoas, que são as exceções constitucionais quanto à publicidade, mas sim de procedimento de contratação pública que seleciona os mais capacitados para trabalharem junto ao Poder Público.

[1] Princípio da Isonomia e Concursos Públicos. Revista Eletrônica de Direito do Estado. Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 6, abril/maio/junho, 2006. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>.

[2] ROCHA, Francisco Lobello de Oliveira. Regime jurídico dos Concursos públicos. São Paulo: Dialética, 2006, p. 30.

[3] ADI 1072, Relator Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2003.

[4] RE 215988 AgR, Relatora  Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 18/10/2005.

[5] Regime Jurídico dos Concursos Públicos, Ed. Dialética, São Paulo, 2006, p. 125-126.

ALESSANDRO DANTAS

⇒ Advogado especialista em Concursos Públicos

⇒ Especialista e Mestre na área de Direito Público;

⇒ Professor de Direito Administrativo em graduação e em pós-graduação;

⇒Foi professor de Direito Administrativo da Escola da Magistratura do Estado do Espírito Santo, 

⇒ foi professor de Direito Administrativo da Escola Superior do Ministério Público do Estado do Espírito Santo.

⇒ É também professor de Direito Administrativo em Cursos Preparatórios no ES ;

⇒ Palestrante e Ex-Coordenador Técnico do Congresso Brasileiro de Concurso Público;

⇒ Palestrante e Instrutor de Licitações e Contratos administrativos da Negócios Públicos;

 Instrutor e palestrante sobre concursos públicos da ERX do Brasil, do Grupo Negócios Públicos;

⇒ Ex-Coordenador técnico do seminários avançado de PAD da ERX do Brasil;

⇒ Autor do Livro: Licitações e Contratos Administrativos em Esquemas, 3ª edição, 2012, editora Impetus;

⇒ Colaborador da revista LICICON;

⇒ Colaborador da revista Negócios Públicos;

⇒ Colaborador do site jusNavegandi;

 Advogado Especialista em Concurso Público;

 Ex-Consultor Jurídico da ANDACON  –  Associação Nacional de Defesa e Apoio ao Concurseiro;

 Palestrante em Eventos Nacionais sobre Concurso Público;

 Professor e Palestrante sobre direitos dos concurseiros da LFG.

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VIOLAÇÕES AO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE NOS CONCURSOS PÚBLICOS

– PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

 

            Existe toda uma estrutura administrativa, formada por pessoas jurídicas, órgãos e agentes que será responsável pela gestão desses interesses públicos. Tendo em vista que compete ao gestor público administrar interesse alheio, ou seja, o interesse público, deve a Administração prestar contas de suas condutas com o legítimo e verdadeiro titular do poder: o povo.

            É nesse sentido que o princípio da publicidade desponta como aquele que determina ao gestor prestar contas com a coletividade, que seja transparente, pois, ao fim e ao cabo, administra algo que é da coletividade.

            A publicidade do ato, da conduta, da atividade é condição de eficácia dos mesmos. Por outras palavras, significa dizer que o ato apenas produzirá seus efeitos após a devida publicidade, que pode ser veiculadas por diversos meios, conforme a forma que prescrever a lei, muitas vezes influenciada pelo objetivo da publicidade.

            Em âmbito de concurso público, o princípio da publicidade impõe a mais ampla e efetiva divulgação dos atos, a começar pela publicação do edital de abertura do concurso no órgão oficial, bem como na imprensa e até mesmo na internet, possibilitando que o maior número de candidatos tenha conhecimento do certame.

            A publicidade não fica restrita ao edital que regulamenta o concurso, o resultado de todas as fases (provas objetivas, discursivas, psicotécnico, teste físico, etc.) deve receber ampla divulgação, de forma clara e precisa, para que os candidatos interessados tenham subsídios para interporem recursos e para que se tenha transparência nos atos praticados pela Administração.

Informa FRANCISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA[1] que nos concursos públicos a publicidade significa a ampla e efetiva comunicação de todos os atos, em cada fase do concurso, informando os candidatos sobre seus deveres e obrigações e garantindo o controle destes, bem como da sociedade como um todo, sobre os atos praticados pela Administração.

Além do edital de abertura do concurso e do resultado das fases que compõem o certame, o princípio da publicidade também impõe a divulgação dos critérios levados em consideração na correção das provas e na aplicação do exame psicotécnico, sendo injustificável a negativa de vista das provas.

Inclusive neste ponto o artigo 3ª da Resolução n.º 01/2002 do Conselho Federal de Psicologia estabelece que “o edital deverá conter informações, em linguagem compreensível ao leigo, sobre a avaliação psicológica a ser realizada e os critérios de avaliação, relacionando-os aos aspectos psicológicos considerados compatíveis com o desempenho esperado para o cargo”.

Nesse sentido é pacífica a jurisprudência de nossos Tribunais, senão vejamos:

“2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido da possibilidade da exigência do exame psicotécnico quando previsto em lei e com a adoção de critérios objetivos para a realização do exame. Precedentes. [2]

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXAME PSICOTÉCNICO. CONCURSO PÚBLICO. NECESSIDADE DE CRITÉRIOS OBJETIVOS E PREVISÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. REEXAME DOS CRITÉRIOS UTILIZADOS PARA A REALIZAÇÃO DO PSICOTÉCNICO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 279 DESTA CORTE. 1. É firme a orientação desta Corte no sentido de que ‘o exame psicotécnico pode ser estabelecido para concurso público desde que seja feito por lei, e que tenha por base critérios objetivos de reconhecido caráter científico, devendo existir, inclusive, a possibilidade de reexame’. 2. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a que se nega provimento.[3]

AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535, II, DO CPC, NÃO VERIFICADA. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 6º E 8º, INCISOS I, II E V DO DL Nº 2.620/87 E 5º, VI, § 1º DA LEI Nº 8.112/90. INOCORRÊNCIA.

[…]

  1. É pacífico o entendimento segundo o qual, além de o exame psicotécnico estar legalmente previsto, devem ser respeitadas a objetividade dos critérios adotados, a publicidade dos resultados e a possibilidade de revisão do resultado obtido, por parte do concursando, o que não foi cumprido, in totum, na espécie.

[…]

  1. Agravo regimental improvido. [4]

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – CONCURSO PÚBLICO – EXAME PSICOTÉCNICO – AUSÊNCIA DE OBJETIVIDADE – ANULAÇÃO – NECESSIDADE DE NOVO EXAME.1. A legalidade do exame psicotécnico em provas de concurso público está condicionada à observância de três pressupostos necessários: previsão legal, cientificidade e objetividade dos critérios adotados, e possibilidade de revisão do resultado obtido pelo candidato.

[…]

Agravo regimental parcialmente provido.[5]

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. EXAME PSICOTÉCNICO PREVISTO EM LEI E PAUTADO EM CRITÉRIOS OBJETIVOS. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. INCURSÃO NO MÉRITO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. 1. É lícita a exigência de aprovação em exame psicotécnico para preenchimento de cargo público, desde que claramente previsto em lei e pautado em critérios objetivos, possibilitando ao candidato o conhecimento da fundamentação do resultado, a fim de oportunizar a interposição de eventual recurso.

[…]

  1. Agravo regimental desprovido.[6]

 

Ainda, é possível registrar que o princípio da publicidade ordena que o gestor informe quais os critérios de correção (grade de correção) levará em consideração quando do julgamento de uma prova discursiva.

Neste tipo de prova a Banca Examinadora ao lançar o tema deve apresentar quanto vale cada ponto (subtema) a ser dissertado e junto com a divulgação do resultado deve ser apresentada a grade de correção com os critérios que foram levados em consideração na avaliação das provas. É essencial que exista pertinência entre o que foi pedido na questão e os critérios que foram levados em consideração na correção das provas.

Por exemplo, em uma questão sobre atributos os ato administrativo que vale 5 (cinco) pontos deve a questão informar como serão distribuídos os pontos da questão. Isso quer dizer que o candidato apenas perderá pontos se errar a pergunta, não podendo, sob nenhuma hipótese, perder pontos por não ter desenvolvido outros temas, como, por exemplo, elementos dos atos administrativos, que não foi objeto da questão.

Caso a Banca Examinadora seja omissa ao informar os critérios de correção, por exemplo, como poderia se obter isso em juízo?

 Há julgado do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA no qual se decidiu caso em que foi impetrado habeas data impetrado para obter informações quanto aos critérios utilizados na correção de prova discursiva de redação realizada em concurso.

 O Min. Relator do caso, João Otávio de Noronha, lembrou que o habeas data é remédio constitucional que tem por fim assegurar ao indivíduo o conhecimento de informações relativas à sua pessoa registradas em banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público, para eventual retificação. A Lei no 9.507/1997, art. 7o, elenca as hipóteses em que se justifica sua impetração e, entre elas, segundo o relator, não existe revolver os critérios utilizados na correção de provas em concurso público.[7]

Lancemos algumas notas sobre o referido instituto para ao depois comentar a referida decisão.

O habeas data está previsto no art. 5º, LXXII, “a”, da CF e configura um instrumento destinado à proteção do direito de informação. Ressalta-se que o direito a informação possui uma dupla faceta: a primeira cinge-se ao conhecimento da informação e a segunda revela-se pela possibilidade de retificação da informação.

O procedimento adotado para a ação é o previsto na Lei no 9.507/97.

O legitimado à propositura do habeas data é, necessariamente, o titular do direito ao conhecimento ou à retificação da informação. Inclusive alguns Tribunais já se manifestam no sentido de que tal direito possui caráter intuito persona – personalíssimo – impassível de transferência a terceiros.

Já o sujeito passivo do habeas data será a entidade pública ou privada responsável pelo registro das informações. Segundo a própria Constituição, o enquadramento da entidade privada no polo passivo da ação se dá através do caráter público de suas informações como, por exemplo, as entidades mantenedoras de cadastro de devedores.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, sobre o habeas data, já decidiu que: “a Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos, enunciou preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível. – O modelo político-jurídico, plasmado na nova ordem constitucional, rejeita o poder que oculta e o poder que se oculta. Com essa vedação, pretendeu o constituinte tornar efetivamente legítima, em face dos destinatários do poder, a prática das instituições do Estado. – O habeas data configura remédio jurídico-processual, de natureza constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: (a) direito de acesso aos registros; (b) direito de retificação dos registros e (c) direito de complementação dos registros. – Trata-se de relevante instrumento de ativação da jurisdição constitucional das liberdades, a qual representa, no plano institucional, a mais expressiva reação jurídica do Estado às situações que lesem, efetiva ou potencialmente, os direitos fundamentais da pessoa, quaisquer que sejam as dimensões em que estes se projetem. – O acesso ao habeas data pressupõe, dentre outras condições de admissibilidade, a existência do interesse de agir. Ausente o interesse legitimador da ação, torna-se inviável o exercício desse remédio constitucional. – A prova do anterior indeferimento do pedido de informação de dados pessoais, ou da omissão em atendê-lo, constitui requisito indispensável para que se concretize o interesse de agir no habeas data. Sem que se configure situação prévia de pretensão resistida, há carência da ação constitucional do habeas data” (apesar de o introito ser longo demais para uma carência de ação, pareceu-me interessante o nele arrazoado)[8].

No caso, apesar do julgado do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ser contra a possibilidade de se utilizar o Habeas Data para obter os critérios de correção de uma prova discursiva o fato é que existem decisões em sentido contrário, admitindo o manejo do remédio constitucional para tal fim.

Vide os seguintes arestos:

CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. INFORMAÇÕES RELATIVAS À CONCURSO PÚBLICO – ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.

1 – Correta é a utilização do habeas data para obter-se informações constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais (Constituição Federal, art. 5, LXXII, a), aí inseridas aquelas relativas à pontuação e classificação em concurso público. Precedentes do Tribunal.

2 – Apelação provida. Sentença anulada” [9]

“CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. REMESSA OFICIAL. CF, Art. 5o, XXXIII.

  1. “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” (C.F. art. 5o, XXXIII).
  2. Irreparável a sentença que concedeu a ordem para determinar à autoridade impetrada que forneça a certidão ao impetrante informando a pontuação e classificação obtidas no Concurso Público para o cargo de Auditor Fiscal do Tesouro Nacional.

III. Negado provimento à remessa”[10]

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. Art. 5o, XIV, XXXIV E LXXII. ACESSO DO CANDIDATO A SUA PROVA, PRESTADA EM EXAME DE SELEÇÃO. INFORMAÇÕES PESSOAIS. OBJETO DA AÇÃO. CABIMENTO.

  1. O remédio constitucional do habeas data deve ser concedido em benefício de quem se encontra impedido, por norma editalícia, de ter acesso às provas realizadas em certame público, por ferir direito fundamental à informação, consagrado na Carta Magna.
  2. É de se considerar como informações pessoais, para efeito de concessão do habeas data, as provas prestadas em concurso público, se houver interesse pessoal no conteúdo das mesmas para eventual impugnação posterior.
  3. O objeto do habeas data é a concessão da ordem para permitir o acesso às informações de interesse do impetrante ante a recusa indevida por parte da administração, não importando em qualquer análise do mérito do ato administrativo de correção das provas.
  4. Apelação e Remessa Oficial improvidas”[11]

De todo modo, mesmo que se entenda não cabível o manejo do Habeas Data, caso não sejam apresentados os critérios de correção da prova, é cabível a impetração de Mandado de Segurança.

Isso porque é direito dos candidatos saber quais são os critérios de correção da prova, pois, caso contrário, não teria como se assegurar um julgamento objetivo, e, portanto, isonômico e impessoal.

 

Sobre os critérios de correção de uma prova FRACISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA[12] adverte que:

Os critérios de avaliação são os parâmetros de valoração do desempenho dos candidatos nas provas. Sua determinação passa por um juízo discricionário da Administração que, no entanto, deve levar em conta os princípios da igualdade, da razoabilidade, da impessoalidade e da eficiência.

Preservar o princípio da igualdade na valoração do desempenho dos candidatos implica a utilização de critérios objetivos e padronizados, que não devem permitir que candidatos que demonstrarem o mesmo desempenho recebam tratamentos diferentes.

A razoabilidade deverá estar presente para garantir que os pontos atribuídos ao candidato sejam proporcionais aos conhecimentos demonstrados pelo candidato e à importância que tais conhecimentos terão no exercício do cargo ou emprego.

O princípio da eficiência deverá estar presente para garantir que os critérios de avaliação possibilitem garantir a avaliação mais fiel possível dos méritos dos candidatos. Assim, a lista de classificação será um retrato fiel do mérito demonstrado pelos candidatos, fazendo com que a Administração contrate somente os melhores.

Muitas vezes o edital do concurso é vago quanto aos critérios de correção da prova discursiva.

Imaginemos um edital cujos “pseudos” critérios são os seguintes:

Conteúdo da Resposta

Tema

Questão

Capacidade de argumentação

até – 12

até – 4

Sequência lógica do pensamento

até – 8

até – 2

Alinhamento ao tema

até – 8

até – 2

Cobertura dos tópicos apresentados

até – 12

até – 4

 

Note-se uma série de siglas onde há não o valor de cada vício. Peguemos, por exemplo, o tópico sequência lógica de pensamento. Segundo este critério poderá ser descontado sob este título até 8 (oito) pontos.

A pergunta que se faz é: quanto vale, por exemplo, um erro decorrente da falta de sequência lógica do pensamento? 1, 2, 3, 8 pontos? Poderia se tirar todos os 8 pontos apenas por um erro desta natureza?

Note-se que da forma como foi feito, a depender o julgador, um mesmo erro pode valer de 1, 2, 5, ou 8 pontos, gerando um julgamento subjetivo e quebrando, com isso, a base principiológica que rege os concursos públicos: a isonomia.

Ainda existe induvidosamente violação ao princípio da segurança jurídica, pois não se sabe exatamente quanto vale cada aspecto da correção, gerando, por conseqüência, julgamentos sem critérios estáveis, fixos.

Por este motivo é imperioso ao Judiciário ao se deparar com situações como esta que profira decisões concedendo liminares com o objetivo de determinar à Banca Examinadora que junte aos autos a grade de correção de forma objetiva e informando quanto vale cada item que foi analisado.

Voltando ao exemplo, analisando a “pseudo” grade de correção percebe-se sem muita dificuldade que a mesma foi completamente omissa quanto à forma específica que seria feito o julgamento das provas discursivas, dando azo à extrema insegurança jurídica, a uma avaliação subjetiva e anti-isonômica.

Quanto à necessidade de exposição dos critérios de avaliação das provas, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no julgamento do RECURSO EXTRAORDINÁRIO N.º 451207, cuja relatoria coube ao Excelentíssimo Ministro EROS GRAU já assentou que:

(…) Exame psicotécnico com caráter eliminatório. Avaliação realizada com base em critérios não revelados. Ilegitimidade do ato, pois impede o acesso ao Poder Judiciário para conhecer de eventual lesão ou ameaça de direito ocasionada pelos critérios utilizados. Agravo regimental a que se nega provimento. [13]

O caso em tela é idêntico ao do psicotécnico, sendo que apenas foram apresentados critérios genéricos de correção, sem especificar corretamente como seriam feitos os descontos dos pontos dos candidatos.

Ainda, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA reconheceu que é ilegal a correção de prova discursiva sem critérios objetivos:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PERTINÊNCIA TEMÁTICA DE REDAÇÃO COM O EDITAL. CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA CORREÇÃO DE PROVA. CARACTERIZAÇÃO.

  1. Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto por Marcelo Magalhães Silva de Sousa contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina em que se reconheceu (i) a legitimidade passiva da autoridade coatora, (ii) a necessidade de análise do pleito do candidato-recorrente mesmo após o fim do concurso, (iii) a perda de objeto da segurança em relação ao acesso à prova de redação e à possibilidade de interposição de recurso administrativo contra a nota a ela atribuída, (iv) a adequação entre o tema da redação, as previsões do edital e as habilidades requeridas para o exercício do cargo pretendido, (v) a existência de critérios de correção das redações bem definidos no edital e (vi) a impossibilidade de o Judiciário imiscuir-se na correção efetuada pela banca examinadora.

[…]

  1. No mais, correto o impetrante-recorrente quando aponta a ausência de critérios apontados no edital para fins de correção da prova de redação são por demais amplos, não permitindo qualquer tipo de controle por parte dos candidatos.
  2. Eis a norma editalícia pertinente: “5.2.15.6. Os textos dissertativos produzidos pelos candidatos serão considerados nos planos do conteúdo e da expressão escrito, quanto à (ao): a) adequação ao tema propostos; b) modalidade escrita na variedade padrão; c) vocabulário; d) coerência e coesão; e) nível de informação e de argumentação”.
  3. Realmente, de plano, já não se sabe qual o peso ou a faixa de valores (“padrão Cespe”) para cada quesito, nem o verdadeiro conteúdo de cada um deles, nem o valor de cada erro (“padrão ESAF”).
  4. Mas a situação fica pior quando se tem contato com a folha de redação do candidato (fls. 197/198, e-STJ), da qual não consta nenhuma anotação – salvo o apontamento de erros de português – apta a embasar o resultado final por ele obtido na referida prova. Enfim, tem-se, aqui, ato administrativo sem motivação idônea, daí porque inválido.
  5. O problema que surge é o seguinte: a ausência de motivação anterior ou contemporânea ao ato administrativo (correção da prova do candidato) importa nulidade do mesmo, mas o concurso já foi homologado e não há como, agora, deferir uma nova correção de prova – porque, deste jeito, a motivação existiria, mas seria posterior e prejudicaria todo o certame.
  6. Para resolver o dilema, observa-se que o candidato foi eliminado no certame por 0,5 ponto (meio ponto) e fez pedido alternativo nos autos para que lhe fosse conferida a pontuação mínima para ser aprovado, gerando nova ordem de classificação.
  7. Portanto, considera-se que atribuir-lhe a referida nota mínima na redação – ainda mais quando consistente em acréscimo pequeno de meio ponto – sana a nulidade de forma mais proporcional em relação aos demais candidatos e ao concurso como um todo (homologado em 17.6.2010 – v. fl. 91, e-STJ).
  8. Contudo, é de se asseverar que a inclusão do candidato na lista de aprovados geraria nova ordem de classificação. Ocorre que, tendo em conta que já se passou quase um ano da homologação final do concurso, com eventual posse e exercícios dos demais candidatos aprovados, e observando que a nova ordem de classificação normalmente influi na lotação dos servidores, é caso de permitir a aprovação do candidato, mas consolidada na última colocação entre os aprovados, a fim de que a coisa julgada na presente ação não atinja terceiros que não participaram dos autos.
  9. Recurso ordinário em mandado de segurança parcialmente provido para, acolhendo apenas o pedido “c” formulado nas razões recursais em análise nos termos expostos no parágrafo anterior.[14]

Outro caso bem comum de violação ao princípio da publicidade ocorre quando há um tempo muito longo entre as fases do concurso ou após a homologação do certame a Administração leva anos para nomear o candidato aprovado e o faz apenas por meio de Diário Oficial.

Vejamos.

Prescreve o caput do art. 37 da Constituição Federal que:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

Nota-se que dentre os princípios capitulares do art. 37 desponta o princípio da publicidade. Em especial, no que toca ao Processo Administrativo, a Lei 9.784/99 enuncia em seus arts. 26, §3º e 27 que:

Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.

  • 3º A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.

Art. 27. O desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado.

Comentando o dispositivo legal, JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO[15], com a nobreza que lhe é peculiar, averba que:

O aspecto da formalização das intimações guarda estreita relação com o fim a que se destinam. Os instrumentos empregados para as intimações devem propiciar a efetiva ciência, pelo destinatário, de que houve certa decisão no processo administrativo ou é necessário efetivar alguma diligência.

Muitas vezes o instrumento convocatório nada diz sobre as datas prováveis de convocação dos candidatos, o que gera uma grande insegurança jurídica para os mesmos que, se correta for a interpretação no sentido que a convocação deve ser feita apenas via Diário Oficial, deveriam ficar escravos da leitura do Diário Oficial por muito tempo.

Nada mais absurdo!

Nesse sentido, reconhecendo-se o absurdo de se exigir que o candidato leia o Diário Oficial diariamente, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA julgou um Recurso Ordinário em Mandado de Segurança[16], cuja ementa ficou da seguinte forma[17]:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE DE POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DA BAHIA. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE. NÃO-OBSERVÂNCIA. RECURSO PROVIDO.

  1. O edital, em regra, deve prever a forma como tornará pública a convocação dos candidatos para as etapas do concurso público e, se possível, a data em que ocorrerá tal ato, considerando o princípio da publicidade e a circunstância de não ser razoável exigir do cidadão que, diariamente, leia o Diário Oficial.
  2. Hipótese em que, no concurso público para provimento do cargo de Agente de Polícia Civil do Estado da Bahia, regido pelo Edital SAEB/001-97, não existe essa previsão editalícia. Houve tão-somente a simples publicação do ato convocatório para 3ª etapa no Diário Oficial, não havendo notícia de que tenha ocorrido nenhuma outra forma de chamamento. Dessa forma, houve violação do princípio da publicidade.
  3. Ademais, o ato de convocação publicado no Diário Oficial em novembro de 1999 foi para que o candidato habilitado manifestasse interesse por vagas existentes para as regiões de Barreiras/BA e Porto Seguro/BA. Ocorre que o ora recorrente concorreu para a região de Salvador/BA, não havendo, também, nenhuma regra editalícia que o obrigasse a se manifestar a respeito de convocação para região diversa.
  4. Recurso ordinário provido.

Da análise dos votos deste recurso, cuja relatoria coube ao Excelentíssimo Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, colhe-se a seguinte passagem, que merece destaque:

Conforme bem ressaltado pelo recorrente, o Edital SAEB⁄001-97, que rege o concurso público para provimento do cargo de Agente de Polícia Civil do Estado da Bahia, não discorre a respeito de datas, tampouco da forma em que se dará a publicidade da convocação para as etapas do certame.

Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça já assentou: “Desarrazoável é exigir que os cidadãos devem ler diariamente o diário oficial para não serem desavisadamente afetados nos seus direitos” (REsp 24.046⁄RJ, Rel. Min. ADHEMAR MACIEL, Segunda Turma, DJ de 8⁄3⁄99).

De outra parte, sobre o princípio da publicidade, que informa a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do art. 37, caput, da Constituição Federal, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo, 12ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 84):

 Consagra-se nisto o dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos. Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida.

 Em consequência, o edital, em regra, deve prever a forma como tornará pública a convocação dos candidatos para as etapas do concurso público e, se possível, a data em que ocorrerá tal ato, considerando o princípio da publicidade e a circunstância de não ser razoável exigir do cidadão que, diariamente, leia o Diário Oficial.

Com efeito, não haverá nenhuma ilegalidade se o edital preconizar que os candidatos serão considerados convocados pela publicação em órgão oficial, DESDE QUE fixe uma data ou um período para realização desse ato de chamamento.

Na hipótese em exame, todavia, não existe essa previsão editalícia. Houve tão-somente a simples publicação do ato convocatório para 3ª etapa no diário oficial. Não há notícia de que tenha ocorrido nenhuma outra forma de chamamento. Em consequência, não se mostrou atendido o princípio da publicidade.

Veja-se ainda que no RMS 22508/BA, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA considerou que 2 anos já configuravam tempo excessivo para que uma convocação ocorresse somente pelo Diário de Justiça.

Registre-se o seguinte trecho do voto relator:

É oportuno registrar que o resultado da 1ª etapa do concurso público em exame foi publicado no Diário Oficial de maio de 1997 (fls. 17 e 18). A convocação para a etapa seguinte, qual seja, a 3ª para os candidatos ao cargo de Agente de Polícia Civil (fl. 14), no tocante ao ora recorrente, aprovado na posição 636 (seiscentos e trinta e seis), deu-se em novembro de 1999, quando transcorrido prazo superior a 2 (dois) anos.

Mencionado fato demonstra, com mais propriedade, a inexistência de razoabilidade na exigência de que candidatos observem, diariamente, a publicação no órgão oficial das convocações para etapas do concurso público.

Assim, em casos como o em comento, a publicidade deveria ter se concretizado por meio de notificação pessoal, razão pela qual a inobservância a esta regra torna ineficaz o ato, não podendo, por isso, produzir qualquer efeito contra o candidato lesado.

Importante ressaltar que a Administração e a Banca Examinadora possuem informações sobre o candidato, tais como endereço, telefone e e-mail, pois todas essas informações foram disponibilizadas no documento de inscrição dos mesmos.

Os organizadores do certame possuem dados e meios suficientes para contatar os candidatos diretamente e esta seria a conduta mais razoável, dado o grande lapso temporal entre as fases, quando o concurso foge do padrão e se alonga prazo excessivo, mas, mesmo assim, eles optam por fazer publicação apenas no Diário Oficial, o que se mostra ilegal, conforme demonstrado acima.

 

2.5 – PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA.

 

Trata-se de princípio de grande importância e que foi inserido expressamente no texto constitucional por meio da Emenda Constitucional n.º 19/98.

O princípio da eficiência impõe à Administração Pública a obrigatoriedade de uma atuação de qualidade, que seja capaz de alcançar os objetivos colimados na Constituição e na legislação infraconstitucional. 

Em matéria de concursos públicos, atender à eficiência é buscar, através do certame, contratar aquele candidato mais habilitado para o desempenho de determinada atividade. Significa fazer um juízo de adequação entre a função a ser exercida e as qualidades específicas dos candidatos, de forma que se possa ter uma presunção de que os aprovados possam contribuir no desempenho das atividades administrativas.

Esse princípio e sua aplicação aos concursos públicos é amplamente reconhecida pela jurisprudência pátria, especialmente a do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

A despeito de ainda se encontrar certa divergência doutrinária sobre a natureza jurídica do concurso público, a maior e expressiva parte da doutrina o reconhece como espécie de licitação. […]

Dentre os princípios informadores do instituto do concurso público, destacam-se o princípio democrático, o princípio da eficiência e o princípio da isonomia. Nesse sentido, como conciliar esses princípios (democracia, eficiência e isonomia), em face de algumas discriminações previstas e admitidas por lei, pela doutrina e pela jurisprudência, em edital de concurso público?

Penso que o concurso público deve possibilitar a participação de todos aqueles que se enquadram nas disposições e condições estabelecidas no ato convocatório, de forma que se atenda, assim, ao princípio da democracia.

Urge que ele seja conduzido de modo totalmente objetivo, sem o favorecimento de determinados candidatos, nem a perseguição de outros, conforme reza o princípio da isonomia.

Ao mesmo tempo, em atenção ao princípio da eficiência, o concurso público visa à seleção dos candidatos que revelem possuir os maiores méritos (capacidade intelectual, habilidades e aptidões), para o exercício das funções estatais, estas concebidas, por certo, de forma individualizada e específica[18].

O exercício das atribuições atinentes aos cargos públicos exigirá do servidor habilidades específicas relacionadas à sua função. Portanto, será mais eficiente a Administração que possuir em seus quadros os servidores mais preparados, mais qualificados.

Neste sentido, é elucidativa a lição de HELY LOPES MEIRELLES[19], segundo o qual “a eficiência é o dever que se impõe a todo e qualquer agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros”

Sob este aspecto, de atuação do agente público, a eficiência significa que do agente se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições para que seja possível lograr os melhores resultados.

 

2.5.1 Princípio da eficiência e o aproveitamento de excedentes no concurso público.

A título de exemplo, ofende ao princípio da eficiência o não aproveitamento de excedentes que possam ser absorvidos no certame quando há necessidade de contratação de pessoal, principalmente quando não há tempo hábil para a realização de novo concurso sem prejuízo ao interesse público.

            Uma boa gestão pública obrigatoriamente deve estar alinhada ao desempenho eficiente dos serviços públicos, pois esta exigência é decorrente de princípios expressos no artigo 37, caput, da Constituição Federal.

            Até porque o desempenho das atividades administrativas é voltado ao alcance e maior satisfação possível do interesse público, que, como sabido, é indisponível. Por isso RUY CIME LIMA ter afirmado que a Administração em direito público também significa a atividade do que não é senhor absoluto.

            Muitas vezes, o não aproveitamento dos excedentes – candidatos até então aprovados em todas as fases e aptos a serem absorvidos[20], viola uma série de princípios constitucionais, o que é inadmissível, uma vez que, como doutrina SÉRGIO FERRAZ e ADILSON ABREU DALLARI[21]os princípios não são meras declarações de sentimentos ou intenções ou, ainda, meros postulados de um discurso moral. Em verdade, são normas dotadas de positividade que têm o condão de determinar condutas ou impedir comportamentos com eles incompatíveis“.

Na mesma toada é o ensinamento do mestre argentino AGUSTÍN GORDILLO[22] quando afirma que os princípios são a base de uma sociedade livre e republicana, sendo os elementos fundamentais e necessários da sociedade e de todos os atos de seus componentes.

            Todas estas circunstâncias concretas denotam que muitas vezes a conduta que atende ao dever de boa administração, que se alinha aos princípios da eficiência e economicidade é o aproveitamento dos candidatos excedentes.

            Isso porque pode ser lenta, cansativa, cara, burocrática, a conduta da Administração Pública de simplesmente deixar escoar o prazo de validade do certame e logo após iniciar novo concurso público para a contratação de pessoal, que poderia ser aproveitado sem estes encargos à custa do interesse público.

            O que justifica jurídica, econômica e tecnicamente um comportamento desta natureza?

Em muitos casos, se os excedentes não forem aproveitados, diante das circunstâncias e peculiaridades envolvidas no caso concreto, poderá haver um flagrante atentado aos princípios da Administração Pública, aos deveres do administrador e uma burla aos direitos destes candidatos.

            Lembre-se que, em casos com estas peculiaridades, e isso será explorado mais adiante, não há espaço para liberdade do administrador. A discricionariedade abstrata não é a mesma que poderá estar presente no caso concreto e, por isso, os candidatos aprovados não possuem mera expectativa de direito, mas direito subjetivo ao aproveitamento!

            Atuação contrária vai de encontro com um princípio fundamental da Administração que é o primado da eficiência e de um dever e, como contraponto, a um direito fundamental do cidadão, que é o princípio da “boa administração”.

            Das autorizadas lições de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO[23] extrai-se que:

A Constituição se refere, no art. 37, ao princípio da eficiência. Advirta-se que tal princípio não pode ser concebido (entre nós nunca é demais fazer ressalvas óbvias) senão na intimidade do princípio da legalidade, pois jamais uma suposta busca de eficiência justificaria postergação daquele que é o dever administrativo por excelência. O fato é que o princípio da eficiência não parece ser mais do que uma faceta de um princípio mais amplo já superiormente tratado, de há muito, no Direito italiano: o princípio da “boa administração“. Este último significa, como resulta das lições de Guido Falzone, em desenvolver a atividade administrativa “do modo mais congruente, mais oportuno e mais adequado aos fins a serem alcançados, graças à escolha dos meios e da ocasião de utilizá-los, concebíveis como os mais idôneos para tanto“.

Tal dever, como assinala Falzone, “não se põe simplesmente como um dever ético ou como mera aspiração deontológica, senão como um dever atual e estritamente jurídico”. Em obra monográfica, invocando lições do citado autor, assinalamos este caráter e averbamos que, nas hipóteses em que há discrição administrativa, “a norma só quer a solução excelente”. Juarez Freitas, em oportuno e atraente estudo – no qual pela primeira vez entre nós é dedicada toda uma monografia ao exame da discricionariedade em face do direito à boa administração, com precisão irretocável, afirmou o caráter vinculante do direito fundamental à boa administração.

É certo que o princípio da eficiência sempre norteou a atividade administrativa, uma vez que não se pode pensar em atividade desempenhada pela Administração Pública desprovida de eficiência, ou seja, sem a busca de melhores resultados. A boa gestão da coisa pública é requisito do desempenho de qualquer função administrativa.

Em âmbito constitucional, além de sua expressa previsão no artigo 37 caput, o princípio da eficiência acompanha a Carta Constitucional de 1988 desde a sua origem. O artigo 74, II, da Constituição Capitã prescreve que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado.

MARINO PAZZAGLINI FILHO[24] sintetiza com precisão cirúrgica o sentido que deve ser alcançado pela norma quando afirma que o princípio da eficiência consiste no dever de alcançar a solução que seja ótima para o atendimento das finalidades públicas. Seria a atuação administrativa visando à extração do maior número de efeitos positivos para o administrado.

2.6 – PRINCÍPIO DA ISONOMIA

 

O princípio da isonomia está expresso no caput do art. 5º da Constituição Federal, despontando como um dos principais Direitos Fundamentais:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, […]:

A isonomia pode ser estudada por um aspecto material e formal. Em regra, nos concursos, vige a isonomia formal, que significa que deve a todos ser dispensando o mesmo tratamento. Em alguns casos especiais, como, por exemplo, reserva de vagas para portadores de necessidades especiais, prova física diferenciada para candidatas do sexo feminino, há uma incidência tópica do princípio da isonomia material, que traduz a ideia de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.

Sobre a importância da aplicação do princípio da isonomia nos concursos, ADILSON ABREU DALLARI[25] deixa bem claro que “concurso público não se confunde com simulacro de concurso público. Não atende aos princípios constitucionais o chamamento ou a inscrição de apenas alguns apaniguados, que simularão uma disputa apenas para aparentar a realização de um concurso público. Não é concurso público o certame que se desenvolve sem observância do princípio da isonomia. É essencial que todo e qualquer interessado seja tratado com igualdade, para que vençam os melhores”.

A isonomia deve está presente em todas as fases do concurso público, devendo ser aplicada em seus diferentes aspectos (formal e material) conforme as peculiaridades de cada exigência. De outra forma não poderia ser, visto que é através do concurso público que se materializa o direito de amplo acesso aos cargos e empregos públicos e, para isso, deve haver igualdade de oportunidades para todos os interessados. Sendo assim, podemos afirmar que a isonomia permeia todo procedimento do concurso público.

Em matéria de concurso público, a observância ao princípio da isonomia impõe que as regras que regulamentam o certame não sejam direcionadas para determinada pessoa ou grupo de pessoas. A violação ao princípio da isonomia não decorre do fato de a norma que regulamente o concurso público contemplar um único indivíduo ou grupo de indivíduos, mas do fato de serem estes indivíduos ou grupo de indivíduos previamente conhecidos e a norma ser direcionada apenas para eles[26].

Sobre o assunto, a SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL decidiu que dispensar servidores, que integram o quadro de pessoal da Entidade que promove o concurso, de realizar de determinadas provas, que são obrigatórias para os demais candidatos, ofende o princípio da isonomia.

Esse entendimento ficou assentado no seguinte acórdão:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. PROVAS DE CAPACITAÇÃO FÍSICA E INVESTIGAÇÃO SOCIAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO 6° DO ART. 10 DA LEI N° 699, DE 14.12.1983, ACRESCENTADO PELA LEI N° 1.629, DE 23.03.1990, AMBAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, COM ESTE TEOR: “§ 6º – Os candidatos integrantes do Quadro Permanente da Polícia Civil do Estado ficam dispensados da prova de capacitação física e de investigação social a que se referem o inciso, I, ‘in fine’, deste artigo, e o § 2°, ‘in fine’, do artigo 11”. 1. Não há razão para se tratar desigualmente os candidatos ao concurso público, dispensando-se, da prova de capacitação física e de investigação social, os que já integram o Quadro Permanente da Polícia Civil do Estado, pois a discriminação implica ofensa ao princípio da isonomia. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente pelo Plenário do S.T.F[27].

Como a isonomia deve existir entre todos os candidatos e em todas as fases do certame, permitir que determinados candidatos não sejam submetidos a certas provas, previamente relacionadas em edital de concurso público, em detrimento de outros, implica em ofensa ao referido princípio.

O Pretório Excelso, de forma semelhante, reconheceu que ofende o princípio da isonomia a criação de requisitos diferenciados de acessibilidade aos cargos públicos aplicáveis a grupos distintos de pessoas.

Isso ocorreu em um concurso público para Primeiro Tenente Médico Policial Militar do Quadro de Oficiais de Saúde do Estado de São Paulo, em que o edital exigia idade máxima de 35 anos apenas dos candidatos civis, não estabelecendo qualquer limite etário em relação aos candidatos militares.

 Essa regra tinha como propósito favorecer determinado grupo de pessoas – os candidatos militares –, por isso o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL afastou a sua incidência diante do caso concreto restaurando a ordem jurídica e garantindo a efetividade do princípio da isonomia.

Vejamos a ementa do acórdão.

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. CONCURSO PÚBLICO. MÉDICO MILITAR. LIMITE DE IDADE. 1. O recorrido, aprovado em concurso público para Primeiro Tenente Médico Policial Militar do Quadro de Oficiais de Saúde do Estado de São Paulo, não pôde ser empossado, sob o argumento de que, na época da inscrição para o certame, tinha mais de 35 anos de idade. 2. Edital que fixou idade máxima, em concurso para médico militar, apenas para inscrição de candidatos civis. A Corte de origem afastou essa diferenciação e determinou a posse do recorrido. 3. Se o bom desempenho das atividades de médico da Polícia Militar demanda a força física peculiar ao jovem, a exigência de 35 anos de idade máxima deveria ser atribuída a todo e qualquer candidato e não apenas aos civis. Fica claro que a distinção em debate foi criada para favorecer os militares. Precedente: RMS 21.046. 4. Agravo regimental improvido[28].

            Ainda, e isso tem ocorrido muito e é extremamente preocupante, o julgamento das provas discursivas nos concursos públicos tem se afastado do primado da isonomia, principalmente por outro vício anterior que é a falta de critérios objetivos de correção da prova, os quais deveriam vir expressos em uma “grade de correção”. .

            Nota-se que a partir do momento em que não há critérios objetivos de correção das provas de redação, seja quanto à estrutura, conteúdo, quanto às questões gramaticais, o julgamento passa a ser totalmente subjetivo e por isso incompatível com o princípio da isonomia.

            Quanto a essa conduta ilegal, FRACISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA[29], em obra especializada sobre o tema, adverte que:

A correta aplicação das provas de conhecimento depende de um tratamento adequado desde o edital do concurso. Como ato administrativo em que se extingue a discricionariedade do administrador, o edital deve descrever, com a maior riqueza de detalhes, o procedimento que será obedecido na aplicação das provas, sua forma, os critérios e métodos de avaliação e as notas mínimas exigidas, no caso de provas de natureza mista. Apenas os elementos indispensáveis para a efetividade das provas poderão permanecer em sigilo após a publicação do edital.

A chave de correção e o gabarito são os documentos que contém as respostas que se esperava dos candidatos e que serão consideradas certas na correção das provas. Terá a função de orientar os examinadores na correção das provas e de informar aos candidatos as respostas esperadas, permitindo-lhes verificar se não houve erros na correção de sua prova.

Conforme adverte o referido autor, “quanto menos objetiva a prova, mais detalhado deverá ser o gabarito a fim de evitar interferências subjetivas do examinador na correção das provas. No caso das questões escritas, deve ser elaborado um roteiro com todas as informações que se esperava que o candidato incluísse em sua resposta e os valores que lhes serão atribuídos. Quando houver outras habilidades sendo avaliadas – como clareza na exposição do raciocínio, ortografia etc. -, o gabarito deve conter descrição minudente do método de avaliação e pontuação destes fatores. Isto porque a principal função do gabarito é orientar o examinador na correção das provas, vinculando sua atuação e garantindo a objetividade na correção da prova”.

            É muito comum nos concurso, principalmente os feitos por bancas examinadoras pouco experientes, que não seja apresentado qualquer gabarito ou chave de correção, acarretando uma correção subjetiva e anti-isonômica das avaliações dos candidatos, pois há total falta de parâmetros.

            Em casos como estes deve o candidato pleitear administrativa e/ou judicialmente que a Banca divulgue a chave de correção com os critérios objetivos levados em consideração quando do julgamento de todas as provas.

            Para confirmar se a chave de correção foi utilizada de forma isonômica entre todos os candidatos, deve a Administração Pública, ou a Banca Examinadora, agir de forma transparente e liberar o acesso de todas as provas discursivas a todos os candidatos, pois ao final de contas o procedimento do concurso é publico e não há motivo para sigilo. Ainda, apenas pela comparação é que terá como se saber se houve ou não lesão ao princípio da isonomia no caso concreto, razão pela qual, como a Administração muitas vezes não divulga as provas dos demais candidatos, o interessado, para a defesa de seus direitos, poderá pleiteá-la judicialmente.

            Só assim é possível verificar se houve ou não isonomia e impessoalidade no julgamento das questões.

 Registra-se que não existe fundamento para o indeferimento do pedido, pois, por se tratar de processo seletivo, competitivo e pautado nos princípios que regem a conduta da Administração, as provas devem ser públicas da mesma forma que em uma licitação os documentos de habilitação e as propostas o são, sob pena de inviabilidade de controle e facilitação de ilegalidade.

            Não se trata de assunto ligado à segurança nacional e nem mesmo à intimidade das pessoas, que são as exceções constitucionais quanto à publicidade, mas sim de procedimento de contratação pública que seleciona os mais capacitados para trabalharem junto ao Poder Público.

[1] FRANCISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA. Regime jurídicos dos concursos públicos. São Paulo: Dialética, 2006. p. 39/40.

 

[2] STF – AI-Ag. 707590 – 1ª T. – Relª Minª Cármen Lúcia – DJ 13.02.2009

[3] STF – AI 501702 – MG – 1ª T. – Rel. Min. Eros Grau – DJU 13.05.2005

[4] AgRg nos EDcl no REsp 1.163.858/RJ, Rel. Min. Maria Thereza Assis de Moura, Sexta Turma, DJe 16.8.2010.

[5] AgRg no Ag 1.291.819/DF, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 21.6.2010.

[6] AgRg no RMs 29.811/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 8.3.2010.

[7] AgRg no HD 127-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 14/6/2006 (Informativo 288).

 

 

[8] STF – RHD 22 – DF – T.P. – Rel. Conv. p/ Ac. Min. Celso de Mello – DJU 01/09/1995.

[9] TRF/1ª Região, Processo: 200032000057912/AM, Sexta Turma, julgado em 19/11/2001, DJ 07/02/2002, p. 218.

[10] TRF/1ª Região, Processo: 199801000038470/DF, Segunda Turma, julgado em 08/09/1998, DJ 17/12/1998, p. 59.

[11] TRF/5a Região, Processo: 9605244152 / PE, Segunda Turma, Rel. Des. Fed. Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho, julgado em 02/09/1997, DJ 24/10/1997, p. 89.440.

[12]

[13] RE 451207 AgR, Primeira Turma, julg. em 29/06/2005.

[14] RMS 33825/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 07/06/2011, DJe 14/06/2011.

 

[15] In: Processo Administrativo Federal, 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. pg. 163

[16] ROMS 22508 / BA; Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, Quinta Turma, Julgamento 03/04/2008; Publicação/Fonte DJ 02.06.2008 p. 1.

[17] Esse mesmo entendimento ainda pode ser encontrado nos seguintes julgados: RMS 20851 / MS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, de 26/06/2007; no RMS 24716 / BA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, de 02/09/2008; no RMS 22508 / BA, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, de 03/04/2008; e no REsp 24046 / RJ; Rel. Min. Adhemar Maciel, de 04/08/1999.

 

[18] RMS 18401/PR, Relator Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, Julgado em 04/04/2006.

[19] Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 102.

[20] Em âmbito federal o limite é de até 50% do número de vagas inicialmente ofertado, conforme o Decreto n.º 6.944/2009.

[21] Ferraz, Sérgio, Dallari, Adilson Abreu. Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 45.

[22] Gordillo, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 1998, pp. 37-VI. Tomo 1

[23] Curso de Direito Administrativo, Ed. Malheiros,  29ª edição, 2012, São Paulo, p 125/126.

[24] Pazzaglini Filho, Marino. Princípios Constitucionais Reguladores da Administração pública. São Paulo: Atlas, 2000, p. 32

 

[25] Princípio da Isonomia e Concursos Públicos. Revista Eletrônica de Direito do Estado. Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 6, abril/maio/junho, 2006. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>.

[26] ROCHA, Francisco Lobello de Oliveira. Regime jurídico dos Concursos públicos. São Paulo: Dialética, 2006, p. 30.

[27] ADI 1072, Relator Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2003.

[28] RE 215988 AgR, Relatora  Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 18/10/2005.

[29] Regime Jurídico dos Concursos Públicos, Ed. Dialética, São Paulo, 2006, p. 125-126.

IDENTIFICANDO ATOS QUE VIOLAM O PRINCÍPIO DA MORALIDADE EM UM CONCURSO PÚBLICO

Pelo princípio da moralidade o administrador deve agir com honestidade, lealdade, boa fé. Muitas vezes o ato aparenta ser legal, porém é feito com desonestidade, em meio a conluios, o que nulifica a conduta. Se analisar a história evolutiva do referido princípio constatar-se-á que o mesmo surgiu inicialmente como uma das formas para o controle jurisdicional do desvio de poder.

É importante registrar que o fato de o administrador seguir a lei não significa, necessariamente, que agiu com moralidade. A conduta de acordo com o princípio da moralidade até se presume, pois em razão da legitimidade do ato administrativo há a presunção de que o ato foi feito corretamente. Ocorre que uma coisa é a presunção, outra bem diferente é afirmar que o ato feito de acordo com a lei também foi feito com esteio na honestidade, lealdade, etc.

A verdade é que nem sempre quando o administrador segue a lei ele estará agindo com honestidade. Por exemplo, nos autos de um concurso público todos os atos aparentemente estarão de acordo com a lei, não havendo, por isso, qualquer ilegalidade, porém, e isso não constará no processo, pode ser que o gabarito da prova tenha sido antecipado a algumas pessoas, em flagrante ato de desonestidade. Assim, apesar da aparente legalidade, se descoberta a antecipação do gabarito, o concurso será anulado por violação ao princípio da moralidade.

A importância dada ao princípio é tão grande que atos que atentem aos deveres de honestidade, lealdade são tipificados com atos de improbidade, sujeitando o seu infrator às penas da Lei 8.429/92, tais como: suspensão dos direitos políticos, perda do cargo ou função, etc.

            Nos concursos públicos em diversas situações verificamos a violação ao princípio da moralidade. Um caso típico é quando é exigido do candidato matéria fora do programa do edital. Além da flagrante violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, segurança jurídica e outros, há leão à moralidade.

Ensina a preclara professora ODETE MEDAUAR[1] que “em geral, a percepção da imoralidade administrativa ocorre no enfoque contextual; ou melhor, ao se considerar o contexto em que a decisão foi ou será tomada, A decisão, de regra. destoa do contexto, destoa do conjunto de regras de conduta norteadoras da disciplina geral norteadora da Administração.”

Pode-se dizer que o princípio da moralidade significa, portanto, a vinculação da norma aos valores e princípios morais que motivaram sua promulgação e, por consequência, a vinculação do Administrador a estes. Quer dizer que se a norma não cumpre suas finalidades esvazia-se, restando-lhe apenas a aparência de licitude.

Nota-se que no exemplo dado o comportamento adotado pela Administração ou pela Banca Examinadora não resiste a um teste de juridicidade frente a este sacramental princípio. Isso é de fácil percepção, pois internamente é apresentado um conteúdo programático no edital, onde há a presunção de que o mesmo será observado, porém na prática, de forma astuciosa e quebrando o pacto de confiança com o administrado-candidato, exige-se o conhecimento de conteúdos não explicitados no instrumento convocatório, agindo assim de forma imoral.

É certo que o ato administrativo quando produzido goza do atributo da presunção de legitimidade. Há a presunção de que foi o mesmo feito corretamente e que a Administração agiu de forma límpida e ética, porém demonstrado administrativa ou judicialmente o vício, deve a Administração, no exercício da autotutela administrativa, ou o Judiciário, em razão da inafastabilidade da jurisdição, combater o ato ilegal e anulá-lo. A presunção informada é apenas juris tantum, admitindo, por isso, prova em sentido contrário invalidação em do ato em caso de ilegalidade.

Neste contexto cai como uma luva a precisa lição de RÉGIS DE OLIVEIRA[2], quando afirma que:

“O administrador público não só tem que parecer honesto, como tem o dever de assim se comportar. Independentemente de ser um princípio constitucional previsto no art. 37 da Constituição da República, há o dever ético de ter conduta impecável. Não se trata do fato de confundir princípios morais com jurídicos. Cuida-se da incorporação de deveres éticos ao ordenamento normativo. As condutas humanas são captadas, como ímã, da realidade fática e trazidas ao inundo jurídico.

Ser probo na gestão de cargo ou função pública deixa de ser seu pressuposto ou mera obrigação moral para constituir-se em dever jurídico. A legislação incorporou a conduta ética, transformando-a em norma de direito.”

Não se comporta de maneira ética a Banca Examinadora quando apresenta um programa sobre o qual o candidato na confiança vai estudar, para na hora da prova ser cobrada questões completamente fora da realidade daquilo que foi “pactuado” no edital.

Em superficial comparação é como se um concurso apresentasse no edital como conteúdo programático a Lei 8.666/93 e cobrasse na prova uma questão de profundo conhecimento sobre registro de preços ou regras licitatórias nas parecerias públicos privadas, que, como sabido, estão previstas na lei 11.049/2004!

Não há dúvida da falta de ética e da astúcia do administrador no caso em comento, não podendo, sob nenhuma circunstância, passar essa ilegalidade de forma indiferente pelo Poder Judiciário.

[1] Direito Administrativo Moderno. São Paulo; RT, 1996, p. 142.

[2] OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Responsabilidade Fiscal São Paulo: RT, 2001, p. 5.

COMO IDENTIFICAR SE ESTÁ HAVENDO VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE EM UM CONCURSO PÚBLICO E COMO REOOLVER

 Como sabido a Administração deve atuar voltada para alcançar o interesse público, sendo esta única razão pela qual possui uma série de prerrogativas e poderes diferenciados.

Note-se que a Administração é impessoal. Quando o agente está em ação, em verdade quem está agindo é o Estado, que possui como contingente humano seus agentes. Porém, pela teoria do órgão – que é baseada na imputação – a conduta praticada pelo agente é imputada ao Estado.

Outro enfoque dado ao princípio da impessoalidade liga-se ao fato que está vedada qualquer conduta do gestor voltada para outro fim que não a satisfação do interesse coletivo, sob pena de desvio de poder e ilegalidade da conduta. Isso porque as prerrogativas que foram conferidas aos gestores lhes foram dadas para que os mesmos atuassem focados no objetivo de alcançar e satisfazer o interesse público.

Por esta razão são proibidas condutas voltadas a prejudicar ou beneficiar terceiros, sendo que a meta deve ser sempre a busca do interesse coletivo, o bem comum.

O concurso público é um dos instrumentos que garante a efetivação do princípio da impessoalidade na seleção de pessoal, por meio dele os servidores contratados pela Administração são selecionados sem a ingerência dos gestores públicos, impedindo o favorecimento ou o propósito de prejudicar os interessados em ingressarem no serviço público.

O concurso público é formado por uma série de atos ordenados e vinculantes, da mesma forma que a licitação. Convergindo o que foi exposto à matéria, tem-se que na elaboração do edital e na condução do certame a Administração, ou a Banca que esteja executando o mesmo, não pode praticar comportamentos que direcionem o procedimento.

Assim, a exigência de títulos que poucos candidatos possuem, além de aviltar o princípio da isonomia, atenta contra o primado da impessoalidade. É o caso, por exemplo, em um concurso para Delegado da Polícia Federal, ser atribuído título para quem já for policial federal. Há, no caso, um favorecimento aos agentes da Polícia Federal no concurso em detrimento aos demais policiais e, por isso, a regra está eivada de ilegalidade.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já decidiu que é desarrazoado o critério previsto em edital de concurso público que empresta ao tempo de serviço público pontuação superior àquela referente a títulos de pós-graduação.[1]

Ainda, este e o princípio da isonomia têm sido muito violados no momento da correção das provas de caráter discursivo, pois muitas vezes os critérios de correção não tem sido os mesmos gerando vantagens indevidas a uns e prejuízos não merecidos a outros.

Infelizmente essa é uma situação comum e o Judiciário se provocado deve analisar o caso e verificar se esta havendo julgamentos diferentes e se confirmado a falta de critérios ou inobservância dos mesmos deve ser anulado o ato de correção e determinada uma nova correção ou ser atribuída diretamente nota ao candidato como efeito da anulação do ato.

É claro que o ato praticado pela Administração ou pela Banca Examinadora possui a presunção de legitimidade, cabendo, por isso, o ônus da prova ao candidato que ingressa em juízo que deve em sua demanda provar de forma clara e quebra da isonomia e a falta de tratamento impessoal.

Muitas vezes o candidato não tem provas materiais e imediatas para confirmar sua pretensão, porém tem conhecimento do tratamento diferenciado. Nesta situação, se pedido em juízo, deve o magistrado determinar que a Administração ou a Banca Examinadora apresente em juízo as provas solicitadas para servir de parâmetro de comparação.

A única forma de garantir que tais princípios sejam observados é por meio de uma análise comparativa das provas entre candidatos e a chave de correção. Como procedimento público, competitivo, isonômico, os atos do concurso público devem ser públicos, razão pela qual o candidato tem o direito de obter acesso às provas e grades de correção com as notas de outros candidatos. Só assim é possível verificar se houve ou não isonomia e impessoalidade no julgamento das questões.

Registra-se que não existe fundamento para o indeferimento do pedido, pois, por se tratar de processo seletivo, competitivo e pautado nos princípios da Administração, as provas devem ser públicas da mesma forma que em uma licitação os documentos de habilitação e as propostas o são, sob pena de inviabilidade de controle e facilitação de ilegalidade.

Não se trata de assunto ligado à segurança nacional e nem mesmo à intimidade das pessoas, que são as exceções constitucionais quanto à publicidade, mas sim de procedimento de contratação pública que seleciona os mais capacitados para trabalharem junto ao Poder Público.

[1] .RE nº (Agr.Reg.) 205.535~RS, 2ª Turma, ReI. Min. MARCO AURÉLIO, em 22/5/1998 (Infonnativo STFnº 111, pubI. no DJ de 27/5/1998)

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CURRICULLUM

ALESSANDRO DANTAS

⇒ Advogado Especialista em Concurso Público, defendendo atualmente o interesse de mais de 1500 clientes;

⇒ Especialista e Mestre na área de Direito Público;

⇒ Professor de Direito Administrativo em graduação e em pós-graduação;

⇒ Professor de Direito Administrativo da Escola da Magistratura do Estado do Espírito Santo, 

⇒ Professor de Direito Administrativo da Escola Superior do Ministério Público do Estado do Espírito Santo

⇒ Palestrante e Ex-Coordenador Técnico do Congresso Brasileiro de Concurso Público;

⇒ Palestrante e Instrutor de Licitações e Contratos administrativos da Negócios Públicos;

⇒ Instrutor e palestrante sobre concursos públicos da ERX do Brasil, do Grupo Negócios Públicos;

⇒ Ex-Coordenador técnico do seminários avançado de PAD da ERX do Brasil;

⇒ Autor de 18 obras jurídicas, dentre as quais 5 tratam sobre o tema de concurso público;

⇒ Colaborador da revista LICICON;

⇒ Colaborador da revista Negócios Públicos;

⇒ Colaborador do site jusNavegandi;

⇒ Advogado Especialista em Concurso Público;Ex-Consultor Jurídico da ANDACON  –  Associação Nacional de Defesa e Apoio ao Concurseiro;

⇒ Advogado Especialista em Concurso Público;Palestrante em Eventos Nacionais sobre Concurso Público;

⇒ Advogado Especialista em Concurso Público;Professor e Palestrante sobre direitos dos concurseiros da LFG.

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DIREITOS DOS CANDIDATOS LIGADOS À HOMOLOGAÇÃO DO CONCURSO PÚBLICO

HOMOLOGAÇÃO.

Como visto, o concurso publico é o meio eficiente e democrático de o Estado contratar pessoal para trabalhar de forma permanente junto ao Poder Publico. Sua exigência decorre dos princípios da isonomia, impessoalidade, moralidade, indisponibilidade do interesse publico, dentre outros vetores principiológicos.

O concurso encerra um procedimento administrativo, portanto, formado por uma serie de atos, tendo na homologação seu termo.

A homologação nada mais é que um ato administrativo vinculado, decorrente de controle interno de legalidade, que confirma a legitimidade e legalidade do procedimento, podendo, a partir deste momento, a Administração promover a nomeação dos candidatos aprovados, seja dentro ou fora do número inicial de vagas apresentadas.

1.6.1 – A homologação pode ser total ou parcial

Como ato confirmatório da legalidade de outro(s) ato(s) a homologação pode recair sobre todo concurso ou sobre parte dele.

Quando se tratar de concurso sem etapa de curso de formação a homologação deve ser total. Por exemplo, em um concurso para o provimento de 1000 (mil) cargos de analista judiciário de um Tribunal qualquer, onde as fases do concurso foram apenas provas objetivas, discursivas e análises de títulos, finalizada a competição e encerradas as fases do certame, cabe agora à Administração promover a homologação do concurso que, seja de forma expressa ou não, será total, pelo menos para este cargo.

Assim, após o concurso homologado, existirão candidatos reprovados, e, portanto, eliminados, e candidatos aprovados, alguns dentro e outros fora do número de vagas inicialmente apresentadas. É direito dos candidatos aprovados dentro do número de vagas apresentadas no edital sua nomeação, porém, em situação de normalidade, cabe a Administração a escolha quanto ao momento, dentro do prazo de validade do concurso, de realizar o provimento do cargo.

1.6.2 – Possibilidade de aproveitamento de excedentes (cadastro de reserva).

Já em relação aos candidatos aprovados fora do número de vagas, como foram aprovados, os mesmos podem ser aproveitados ao longo do prazo de validade do certame. São candidatos que estão no cadastro de reserva, seja atribuída ou não esta nomenclatura no edital. São os popularmente conhecidos “excedentes”.

A princípio e em situação de normalidade estes excedentes possuem apenas expectativa de direito à nomeação, porém tal expectativa, a depender do caso concreto, pode se converter em direito à nomeação, o que deverá ser buscado em juízo.

1.6.3 – Possibilidade de o concurso ter vários homologações parciais e vários cursos de formação.

Já em relação aos concursos que possuem curso de formação como etapa própria do certame é possível a homologação parcial do mesmo, homologando, em verdade, o resultado do concurso em relação aquele contingente que realizou o curso de formação, passando, a partir daí, a correr o prazo para nomeação dos candidatos totalmente aprovados no certame.

Quanto aos demais candidatos até então aprovados no certame, pode a Administração convocá-los para realizar um novo curso de formação e, posteriormente, aproveitá-los. Isso acontece muito quando há muitas vagas a serem preenchidas ou outras surgirem e, por falta de estrutura operacional ou até mesmo por conveniência e oportunidade, a Administração decide fazer turmas diferentes.

Para exemplificar, imagine-se um concurso para o provimento de 2000 (dois mil) cargos de soldado combatente da Policia Militar. Imaginemos que a academia de polícia apenas comporte turmas com no máximo 1000 (mil) alunos. Percebe-se que operacionalmente não dá para colocar todos e por isso são feitas várias turmas.

A pergunta é: mas o que isso tem a ver com homologação parcial? Tudo, pois a nomeação apenas pode ser feita após a homologação e, por isso, para nomear os candidatos que finalizaram o curso de formação com êxito é necessário que haja homologação do mesmo. Neste caso houve uma homologação parcial e com isso inicia o prazo para nomeação dos candidatos aprovados, porém é possível a continuidade do concurso em relação aos candidatos até então aprovados, porém que não fizeram o curso de formação.

O ideal é o edital disciplinar a matéria pelo menos quanto aos aprovados, pois, sendo aprovado, mesmo que parcialmente no concurso, é possível a continuidade do certame em relação aos mesmos. Se o edital for omisso, deve ser aplicado, pelo menos em âmbito federal, o artigo 16 do Decreto 6944/2009, que dispõe sobre o número de aprovados na primeira etapa em caso de concursos com mais de uma etapa.

Assim, de um único concurso é possível realizar vários cursos de formação, ter várias homologações até, em tese, não existirem mais candidatos aprovados e aptos a serem absorvidos.

Condutas como ato expresso de homologação total do concurso, regras no edital no sentido de que haverá apenas um único curso de formação e quem não participou está eliminado ou a abertura de outro concurso demonstram que a Administração optou por não dar seguimento ao concurso em relação àquele contingente. Registre-se que isso apenas para os casos de candidatos aprovados fora do número de vagas, pois para os classificados dentro do quantitativo de vagas apresentadas no edital é direito dos mesmos e dever da Administração a continuidade do certame em relação a eles.

ALESSANDRO DANTAS

Especialista e Mestre na área de Direito Público; Professor de Direito Administrativo em graduação e em pós-graduação; Foi professor de Direito Administrativo da Escola da Magistratura do Estado do Espírito Santo, também foi professor de Direito Administrativo da Escola Superior do Ministério Público do Estado do Espírito Santo. É também professor de Direito Administrativo em Cursos Preparatórios no ES e em SP; Palestrante e Ex-Coordenador Técnico do Congresso Brasileiro de Concurso Público; Foi instrutor de Licitações e Contratos administrativos do ESESP ? Escola de Servidores Públicos do Espírito Santo; Palestrante e Instrutor de Licitações e Contratos administrativos da Negócios Públicos; Instrutor e palestrante sobre concursos públicos da ERX do Brasil, do Grupo Negócios Públicos; Ex-Coordenador técnico do seminários avançado de PAD da ERX do Brasil; Autor do Livro: Licitações e Contratos Administrativos em Esquemas, 3ª edição, 2012, editora Impetus; Autor do Livro: Os principais julgamentos do STJ e STF ano 2007, Editora Impetus; Autor do Livro: Os principais julgamentos do STJ e STF ano 2008, Editora Impetus; Autor do Livro: O Direito Administrativo no STJ no século XXI, 2010 ? Editora Impetus; Autor do Livro: Vade Mecum de Direito Administrativo, 2010 ? Editora Impetus; Autor do Livro: Legislação de Direito Administrativo, 2012, Editora Lei Nova; Autor do Livro: CESPE- questões comentadas. 2ª Edição 2012, Editora Impetus; Co-autor, com William Douglas, do livro: As principais ilegalidades no concurso público e seu controle jurisdicional, previsto para lançamento no segundo semestre deste ano; Co-autor, com diversos autores, inclusive William Douglas, do livro: comentários ao Decreto Federal n.º 6.944/2009?; Autor do Livro: Concurso Público: direitos fundamentais do candidato, Ed. GEN 2014; Co-autor do livro Manual de Direito Administrativo – Volume único, Ed. Gen, 2015; Colaborador da revista LICICON; Colaborador da revista Negócios Públicos; Colaborador do site jusNavegandi; Advogado Especialista em Concurso Público; Ex-Consultor Jurídico da ANDACON ? Associação Nacional de Defesa e Apoio ao Concurseiro; Palestrante em Eventos Nacionais sobre Concurso Público; Professor e Palestrante sobre direitos dos concurseiros da LFG.

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IMPUGNAÇÃO DO EDITAL

                                                   IMPUGNAÇÃO DO EDITAL.

Por fim, cabem algumas considerações sobre a impugnação do edital.

Normalmente o edital, de forma ilegal e abusiva, não prevê uma sistemática administrativa de impugnação de suas regras. Todavia, mesmo na ausência de regras oportunizando o questionamento do edital, ao contrário do que existe em relação à lei de Licitações, que em seu artigo 41 prevê a impugnação do instrumento convocatório, aqui, no concurso, o questionamento é possível, seja pela supressão de lacuna por meio de analogia com a lei de licitação, seja com base no direito constitucional de petição previsto no artigo 5º, inciso XXXIV, “a” da CF, cujo teor é o seguinte: são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.  

Judicialmente, o meio mais adequado de impugnar o edital é por meio de mandado de segurança:

O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado.

Esta ciência poderá se dar de duas maneiras: pela publicação do ato coator em algum veículo da imprensa oficial ou ainda através da intimação pessoal do administrado. Em todo caso, a fluência do prazo decadencial no mandando de segurança tem início na data em que o interessado tiver ciência inequívoca da lesão ao seu direito.

Importante ficar claro que, se após a publicação do ato no diário oficial houver intimação pessoal, o prazo de 120 dias não é reaberto, permanecendo válido como dies a quo o dia da publicação.  A recíproca é verdadeira: se após a intimação pessoal do ato coator houver publicação do ato no diário oficial, o prazo de 120 dias não é reaberto, permanecendo válido como dies a quo o dia da intimação pessoal.

Ou seja: vale o que ocorrer primeiro, sendo que posterior ciência do interessado não reabre o prazo.

Para a contagem do prazo vale a regra prevista no art. 184 do Código de Processo Civil de que se exclui o dia do início e inclui o dia do fim.

Trata-se de prazo decadencial, ou seja, passado o prazo de 120 dias, a parte não perde o direito em si, apenas perde a possibilidade de fazer uso da ação de mandado de segurança – podendo ainda se valer de ação ordinária ou de outra ação cabível no caso concreto.

Por se tratar de prazo decadencial, ele não se suspende nem se interrompe, nem naquelas situações previstas nos arts. 207 a 211 do Código Civil, nem mesmo durante as férias forenses

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ALESSANDRO DANTAS

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⇒ Palestrante e Instrutor de Licitações e Contratos administrativos da Negócios Públicos;

⇒ Instrutor e palestrante sobre concursos públicos da ERX do Brasil, do Grupo Negócios Públicos;

⇒ Ex-Coordenador técnico do seminários avançado de PAD da ERX do Brasil;

⇒ Autor de 18 obras jurídicas, dentre as quais 5 tratam sobre o tema de concurso público;

⇒ Colaborador da revista LICICON;

⇒ Colaborador da revista Negócios Públicos;

⇒ Colaborador do site jusNavegandi;

⇒ Advogado Especialista em Concurso Público;Ex-Consultor Jurídico da ANDACON  –  Associação Nacional de Defesa e Apoio ao Concurseiro;

⇒ Advogado Especialista em Concurso Público;Palestrante em Eventos Nacionais sobre Concurso Público;

⇒ Advogado Especialista em Concurso Público;Professor e Palestrante sobre direitos dos concurseiros da LFG.

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