Entendendo a prova física nos concursos públicos

AS PROVAS FÍSICAS

5.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

         As provas físicas ou exame de aptidão física tem a finalidade de avaliar a capacidade do candidato para suportar, física e organicamente, as exigências de esforços físicos que terá que fazer para o bom desempenho das tarefas típicas da categoria funcional que pretende ingressar.

         Essa fase deve possuir caráter exclusivamente eliminatório, pois o candidato somente prosseguirá nas demais fases do concurso se demonstrar que tem as condições físicas mínimas estabelecidas para o exercício do cargo ou emprego público oferecido e, uma vez aprovado nessa fase, sua classificação permanecerá a mesma, independentemente do desempenho apresentado no exame.

         Devido a essa finalidade específica, o teste de aptidão física deve ser aplicado por examinador com formação profissional compatível com a natureza dos testes a serem aplicados.

         Em qualquer prova de qualquer concurso público deve haver critérios objetivos de julgamento da capacidade dos candidatos. Critérios objetivos são necessários para garantir a lisura do julgamento, evitar arbitrariedades e para proporcionar aqueles que se julguem prejudicados o recurso adequado a quem de direito.

         Nas provas de aptidão física não é diferente, visto que o edital e o regulamento do concurso devem prever todas as condições e parâmetros necessários para a aplicação dos testes, sob pena de violar o princípio da isonomia com a adoção de critérios subjetivos.

         Esse é o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

Concurso público. Exigências restritivas de caráter físico não fundamentadas em critérios objetivos. Inadmissibilidade. RE não conhecido[1].

Concurso público. Legitima a exigência de aptidão física dos candidatos, quando fundada a regulamentação em critérios objetivos, de modo a evitar discriminação e arbítrio nas provas seletivas. Inocorrente essa hipótese legitima-se a concessão de segurança. Recurso Extraordinário Não Conhecido[2].

         Esse entendimento também tem contado com o beneplácito da jurisprudência do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, que admite a exigência de aprovação em exame físico para preenchimento de cargo público, desde que claramente previsto em lei e pautado em critérios objetivos, possibilitando ao candidato o conhecimento da fundamentação do resultado, bem como o exercício do contraditório e da ampla defesa:

RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EXAME FÍSICO SIGILOSO E IRRECORRÍVEL. NULIDADE. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE NOVO EXAME. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE JULGAMENTO EXTRA PETITA.

  1. Do mesmo modo que nos exames psicotécnicos em concursos públicos, também nos testes físicos deve ser vedada a sua realização segundo critérios subjetivos do avaliador, bem como a ocorrência de sigilo no resultado do exame e de irrecorribilidade, sob pena de violação dos princípios da legalidade e da impessoalidade.
  2. Reconhecida a nulidade do exame físico, no caso caracterizado por seu caráter sigiloso e irrecorrível, deve o candidato submeter-se a novo exame a fim de que, caso aprovado, possa ser nomeado e devidamente empossado.
  3. A determinação de que seja realizado novo exame físico independentemente de pedido expresso da parte, não implica em julgamento extra petita, mas é consequência lógica do reconhecimento da ilegalidade do primeiro exame.
  4. Recurso ordinário provido em parte, para reconhecer a nulidade do teste físico bem como o direito líquido e certo do recorrente à realização de novo exame[3].

         As provas físicas devem ser padronizadas e uniformes para assegurar o direito do candidato de realizá-las em igualdade de condições com os demais concorrentes. De tal modo, os locais de realização das provas e os equipamentos utilizados devem ter as mesmas condições. Além disso, também é necessário que as provas sejam aplicadas sob condições climáticas semelhantes quando aplicadas em horários diferentes, assim, não seria isonômico submeter candidatos ao exame físico em pleno meio dia, enquanto outros realizam os testes no período da manhã.

        

5.2 PERTINÊNCIA DA PROVA COM AS FUNÇÕES A SEREM EXERCIDAS

         A regulamentação de concursos para ingresso no serviço público não pode extravasar às exigências normais, previstas em lei, para a aferição da capacidade física, mental e intelectual dos candidatos ao exercício das funções que vierem a exercer. Devem, portanto, obediência ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade.

         Sob esse prisma, se para o bom desempenho de determinada função pública não for necessário capacidade física extraordinária ou excepcional, bastando à capacidade física normal, exigível para qualquer outra função, é ilegal a exigência de exame de aptidão física.

         A jurisprudência tem reconhecido a necessidade haver pertinência do exame de aptidão física com as funções a serem exercidas pelo candidato após aprovação no certame. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL entendeu que fere o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade estabelecer exame de aptidão física em concurso público destinado a preencher cargo de escrivão de polícia, pois as atividades desse cargo são meramente burocráticas:

CONCURSO PÚBLICO – PROVA DE ESFORÇO FÍSICO. Caso a caso, há de perquirir-se a sintonia da exigência, no que implica fator de tratamento diferenciado com a função a ser exercida. No âmbito da polícia, ao contrário do que ocorre com o agente em si, não se tem como constitucional a exigência de prova física para a habilitação ao cargo de escrivão, cuja natureza é estritamente escriturária, muito embora de nível elevado[4].

         Ainda, no mesmo sentido, entendeu desproporcional a exigência para o cargo de auxiliar de médico legista:

CONCURSO PÚBLICO – PROVA DE ESFORÇO FÍSICO. Caso a caso, há de perquirir-se a sintonia da exigência, no que implica fator de tratamento diferenciado com a função a ser exercida. Não se tem como constitucional a exigência de prova física desproporcional à habilitação ao cargo de auxiliar médico-legista, porquanto a atuação deste, embora física, não se faz no campo da força bruta, mas a partir de técnica específica. [5]

No corpo do voto deste julgamento, destacou o eminente Relator que:

“Ora, nem com um grande empenho é dado assentar, no caso, a infringência à Carta da República. O que decidido na origem presta homenagem ao Diploma Maior, no que tange à necessidade de razoabilidade e proporcionalidade na exigência de teste de aptidão física em concurso voltado a preencher cargo de auxiliar médico-legista, porquanto a atuação deste, embora física, não se faz no campo da força bruta, mas a partir de técnica específica.

Valho-me do que já tive a oportunidade de proclamar sobre o tema:

Ora, a espécie dos autos revela a feitura do concurso público para preenchimento não do cargo de agente de polícia civil, quando, então, é viável exigir-se uma certa compleição física. A Recorrente inscreveu-se visando a ocupar o cargo burocrático de escrivão de polícia, logrando êxito no certame, vindo a cursar a Academia de Polícia e tendo alcançado a concessão da segurança pelo Juízo. Tenho me defrontado com outras situações concretas oriundas do Estado de Mato Grosso do Sul, como a verificada no Recurso Extraordinário nº 148.095- 5, em que o cargo em questão mostrou-se o de agente de polícia. Em tal âmbito, o discrímen mostra-se próprio à função a ser exercida. Na carreira policial, exsurge com peculiaridades a função de agente de polícia. Relativamente ao cargo de escrivão, não se pode cogitar da necessidade de estampa que se mostre, até mesmo, intimidadora, isso visando ao automático respeito pelos cidadãos em geral”.[6]

No mesmo sentido no julgamento do RE 598.969 AGR / SE, onde a relatoria coube ao MINISTRO AIRES BRITO consignou-se que:

“4. Tenho que a insurgência não merece acolhida. Isso porque, na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os requisitos que restrinjam o acesso a cargos públicos apenas se legitimam quando em conformidade com o princípio da legalidade e estritamente relacionados à natureza e às atribuições inerentes ao cargo público a ser provido (confiram-se, por amostragem, os seguintes precedentes: AIs 486.439, da relatoria do ministro Joaquim Barbosa; e 746.070, da relatoria do ministro Marco Aurélio; REs 141.357, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence; 511.588-AgR, da relatoria do ministro Marco Aurélio; 523.737-AgR, da relatoria da ministra Ellen Gracie; e 581.251, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski; e MSs 29.920 e 29.963, ambos da relatoria do ministro Gilmar Mendes).

  1. Com efeito, no particularizado caso destes autos, não vislumbro na natureza do cargo a ser provido (1º Tenente do Quadro de Oficiais da Saúde, na área de odontologia), ou nas atividades que serão desempenhadas (descritas às fls. 60), especificidade que justifique a exigência do teste de aptidão física imposto pelo […] edital do concurso. É de vaga alusiva à área de saúde que se cuida. Pelo que, a meu sentir, não se revela razoável ou proporcional a exigência do “teste dinâmico de barra”.

Isso posto, e frente ao caput do art. 557 do CPC e ao § 1º do art. 21 do RI/STF, nego seguimento ao recurso.”

         O posicionamento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA não é diferente. Esta Corte entende que o exame de aptidão física tem sua legalidade subordinada à sua previsão legal em estrita consideração às funções a serem exercidas pelo Servidor:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA O CARGO DE SOLDADO DA POLÍCIA MILITAR. PROVA DE APTIDÃO FÍSICA. PERTINÊNCIA COM AS FUNÇÕES A SEREM EXERCIDAS. MOTIVAÇÃO DO ATO DE REPROVAÇÃO. LEGALIDADE. RECURSO DESPROVIDO.

  1. Admite-se a exigência de aprovação em exame físico para preenchimento de cargo público, desde que claramente previsto em lei, guarde pertinência com a função a ser exercida e seja pautado em critérios objetivos, possibilitando ao candidato o conhecimento da fundamentação do resultado. Precedentes.
  2. Todos os critérios utilizados para avaliar a aptidão física do candidato para o cargo foram expressa e previamente especificados no Edital regente do certame, que trouxe, inclusive, tabelas explicativas da correlação entre o tempo despendido para a realização do exercício da forma exigida e sua pontuação.
  3. Além disso, a Administração juntou documento assinado pela própria impetrante, informando-a os motivos que ensejaram sua reprovação, com a descrição do tempo/número de exercícios praticados pela candidata e correspondente pontuação, sendo certo que a soma não atinge o mínimo exigido para a habilitação[7].

         É comum exigir a prova física nos concursos de carreira policial, porém nem sempre a mesma é pertinente e os Tribunais já estão se atentando quanto a essa questão. Isso porque os concursos da área policial não se limitam a seleção de agentes ou policiais, mas também a diversos outros cargos cuja exigência de prova física se mostra completamente impertinente.

         Façamos uma análise comparativa entre a exigência e a pertinência da avaliação física para o cargo de agente de policia e, por exemplo, um cargo de papiloscopista.

As diferenças de atividades a serem exercidas entre os agentes da policia e o papiloscopista policial são gritantes, conforme pode ser visto abaixo na descrição das atividades extraída do site do Ministério do Trabalho, chegando-se à óbvia conclusão que não há pertinência, razoabilidade, coerência racional em exigir prova física como requisito de aprovação para o cargo de papiloscopista.

No que se refere às atividades do agente de policia:

 

Nº da CBO: 5-82.20

Título: Agente de polícia

Descrição resumida: Faz respeitar a lei e mantém a ordem pública, adotando medidas ostensivas, preventivas ou repressivas, para proteger as pessoas e os bens contra os perigos e atos delituosos:

Descrição detalhada: investiga atos e fatos que caracterizam infrações penais, percorrendo sistematicamente a zona ou distrito que lhe foi confiado, e observando pessoas e estabelecimentos que lhe pareçam suspeitos, para possibilitar a tomada de medidas preventivas ou punitivas; executa intimações a indiciados, vítimas e testemunhas, fazendo comunicação direta ou apresentando notificação escrita, para permitir o esclarecimento de atos ou fatos em investigação; detém os infratores da lei ou auxilia a prisão dos mesmos, recolhendo-os em viatura policial e encaminhando-os à delegacia, para garantir a ordem pública e proteger a população; dirige a circulação de veículos em situações complicadas, valendo-se de sinais gesticulados, para evitar congestionamento do tráfego ou acidentes; intervém em caso de acidente, incêndio ou outros sinistros, apresentando suas credenciais, para providenciar ou tomar as medidas mais urgentes, como primeiros socorros às vítimas, manutenção da ordem e investigações; mantém o registro de suas atividades policiais, elaborando relatórios sobre as mesmas, para prestar declarações ante os tribunais de justiça. Pode especializar-se em determinado tipo de tarefa, utilizando determinados veículos ou exercer suas atividades em áreas específicas, e ser designado de acordo com a especialização. Pode proceder à busca de informações necessárias às ações do Departamento de Polícia Federal.

 

 

 

 

No que se refere às atividades do Papiloscopista policial:

Nº da CBO: 5-82.50

Título: Papiloscopista policial

Descrição resumida: Executa tarefas referentes à coleta, análise, classificação e arquivamento de impressões digitais, palmares e plantares, empregando processos técnicos-científicos para identificar pessoas:

Descrição detalhada: executa a coleta de impressões digitais, palmares e plantares de pessoas, valendo-se de técnicas adequadas, para permitir os registros individuais e o fornecimento das cédulas de identidade; executa a identificação datiloscópica de estrangeiros, empregando processos de rotina, para impedir a entrada no País de elementos indesejáveis e identificar criminosos, com vistas a recambiá-los ao país de origem; efetua a identificação datiloscópica e antropológica dos indiciados criminalmente pelo Departamento de Polícia Federal, valendo- se das técnicas apropriadas a cada tipo de identificação, para possibilitar a comprovação de culpa em atos delituosos; coleta impressões digitais, palmares ou plantares de cadáveres desfigurados, seguindo técnicas recomendadas, para possibilitar a identificação dos mesmos; faz a análise e classificação de impressões digitais, baseando-se nos métodos estabelecidos, para obter dados que permitam a identificação de pessoas criminosas, subversivos, desmemoriadas e outras; realiza o levantamento de impressões papilares em locais de crime, empregando pós, lentes e outras técnicas apropriadas, para possibilitar a realização da perícia; realiza perícia papiloscópica, analisando as impressões colhidas, classificando-as e confrontando-as com as arquivadas, para possibilitar a identificação do criminoso.

 

Veja-se que o agente da policia atuará nas ruas, na atividade de investigação ou mesmo agindo diretamente na repressão a pratica de atos delituosos e, por isso, precisará ter uma condição física aprimorada em razão da própria atividade que irá exercer. Já o papiloscopista, ele executa tarefas referentes à coleta, análise, classificação e arquivamento de impressões digitais, palmares e plantares, empregando processos técnicos-científicos para identificar pessoas, o que não requer qualquer condicionamento físico especial para exercer suas funções.

A exigência de prova física para o cargo de papiloscopista está na mesma dimensão de lesividade e falta de razoabilidade em se exigir, em um concurso para a magistratura, a aprovação em prova física para um candidato que concorre a uma vaga de juiz! Não tem sentido!

Assim, por mais que exista previsão no edital e em lei quanto à aplicação do teste, existe uma hierarquia normativa que deve ser observada, onde no ápice da pirâmide está a Constituição Federal.

Não há dúvidas que a exigência de prova física para o cargo de policial papiloscopista, por exemplo, lesiona de forma fatal o texto constitucional, especialmente aos primados da razoabilidade, proporcionalidade, do direito ao trabalho, da isonomia, dentre inúmeros outros, devendo o Poder Judiciário, quando provocado, fazer valer, nas palavras de HESSE, a “força normativa da Constituição” e afastar a aplicação das inconstitucionais regras do edital e da Lei que fizeram a abjeta exigência.

Isso pode ser feito por meio de decisão declarando incidentalmente a inconstitucionalidade dos preceitos restritivos e afastando sua aplicabilidade, como tem sido feito pelos demais Tribunais e pelo Supremo Tribunal Federal.

Analisando caso parecido, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL entendeu que a exigência do TAF não seria legitima em razão de não guardar relação com a função a ser desempenhada pelo candidato tendo em vista que se tratava de função burocrática, diferentemente do agente da policia.

Neste sentido:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – MATÉRIA LEGAL. O recurso extraordinário não é meio próprio a alcançar-se exame de controvérsia equacionada sob o ângulo estritamente legal. CONCURSO PÚBLICO – PROVA DE ESFORÇO FÍSICO. Caso a caso, há de perquirir-se a sintonia da exigência, no que implica fator de tratamento diferenciado com a função a ser exercida. No âmbito da polícia, ao contrário do que ocorre com o agente em si, não se tem como constitucional a exigência de prova física para a habilitação ao cargo de escrivão, cuja natureza é estritamente escriturária, muito embora de nível elevado. [8]

“DECISÃO CONCURSO PÚBLICO – PROVA DE ESFORÇO FÍSICO – MÉDICO LEGISTA – EXIGÊNCIA – IMPROPRIEDADE. AGRAVO DESPROVIDO.

[…]

  1. Na interposição deste agravo, foram observados os pressupostos de recorribilidade que lhe são inerentes. A peça, subscrita por procurador do Estado, veio acompanhada dos documentos previstos no artigo 544, § 1º, do Código de Processo Civil e restou protocolada no prazo em dobro a que tem jus o Agravante. Nem com um grande empenho, envolvido interesse próprio, é dado assentar a infringência à Constituição Federal. Ao contrário, o que decidido pela Corte de origem presta homenagem ao Diploma Maior. Coaduna-se com a razoabilidade a glosa da exigência de esforço físico em concurso voltado a preencher cargo de médico. A atuação deste, embora física, não se faz no campo da força bruta, mas a partir de técnica específica. Além dos princípios explícitos, a Carta da República abrange também os implícitos, entre os quais estão o da razoabilidade, o da proporcionalidade, aplicáveis ao caso concreto.”[9]

 

 

 

5.3 RAZOABILIDADE DOS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO

 

         Como meio idôneo a proporcionar a todos os cidadãos a oportunidade isonômica de ingresso em cargos e empregos públicos e, ao mesmo tempo, a possibilitar à Administração Pública a escolha de candidatos mais preparados intelectual, física e psicologicamente para o bom desempenho do cargo ou do emprego o instituto do concurso público rege-se por princípios inerentes ao regime jurídico administrativo, entre eles, a legalidade, a moralidade, a isonomia, a eficiência, a publicidade, a motivação e a razoabilidade.

         O princípio da razoabilidade é de observância obrigatória em todos os atos administrativos praticados em concurso público. Por isso, além da pertinência entre a exigência do exame de aptidão física e as funções a serem exercidas, também é indispensável que haja razoabilidade nos critérios estabelecidos para aferição da capacidade física dos candidatos, de modo a evitar a exigência de uma aptidão física muito superior ao necessário para o adequado desempenho do cargo ou emprego público oferecido pela Administração[10].

 

5.4 INCAPACIDADE FÍSICA TEMPORÁRIA

         A capacidade física dos candidatos deve ser aferida a partir de um estado físico e mental normal e sem sofrer influência de condições desfavoráveis passageiras, ou seja, todos os concorrentes serão avaliados pelo desempenho físico no mesmo grau de igualdade, assegurado aos participantes que todas as provas terão o mesmo grau de dificuldade, inerente tão-somente aos limites mínimos exigidos no Edital do concurso.

         Deste modo, mostra-se razoável permitir que o candidato realize a prova física em outra data quando ocorra qualquer alteração orgânica, psicológica e/ou fisiológica capaz de reduzir suas aptidões físicas, desde que essa anormalidade seja temporária e comprovada de forma inequívoca.

         Submeter o candidato ao teste de aptidão física em data diversa da previamente agendada pela Administração não acarretará nenhum prejuízo à execução do certame, pois nessa prova não se aplica o critério da simultaneidade. A realização das provas físicas não precisa ser simultânea como ocorre com as provas objetivas e discursivas, podendo ser aplicada em momentos distintos.

         Uma vez comprovado o estado de saúde do candidato por atestado médico, a Administração não pode excluí-lo por se encontrar impossibilitado de participar do exame de aptidão física na data marcada.

         O acometimento de alterações orgânicas, psicológicas e/ou fisiológicas capaz de reduzir as aptidões físicas é um fato alheio à vontade de candidato e por isso é visto pela jurisprudência como caso fortuito ou força maior. Neste caso, o princípio constitucional da isonomia somente será efetivado na realização das provas físicas se o candidato, que teve sua capacidade física reduzida temporariamente, realizar o teste em perfeito estado de saúde, tal como os demais candidatos.

         O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL tem decidido no sentido de ser possível a remarcação da prova física em concurso público, quando configurada situação que recomende o adiamento a fim de que seja observado o princípio da isonomia.

         Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREQUESTIONAMENTO. EXISTÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. PROVA DE APTIDÃO FÍSICA. CANDIDATA SUBMETIDA A PARTO OITO DIAS ANTES. NOVA DATA. DESIGNAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. A oposição de embargos declaratórios visando à manifestação do Tribunal a quo sobre matéria anteriormente suscitada atende ao requisito do prequestionamento, ainda que persista a omissão. 2. Permitir que a agravada realize o teste físico em data posterior não afronta o princípio da isonomia nem consubstancia qualquer espécie de privilégio. A própria situação peculiar na qual a agravada se encontrava requeria, por si só, tratamento diferenciado. Nego provimento ao agravo regimental[11].

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. Candidata submetida a teste de aptidão física onze dias após o parto. Possibilidade de remarcação do exame. Princípio da isonomia. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento[12].

CONCURSO PÚBLICO. PROVA DE ESFORÇO FÍSICO. FORÇA MAIOR. REFAZIMENTO. PRINCÍPIO ISONÔMICO. Longe fica de implicar ofensa ao princípio isonômico decisão em que se reconhece, na via do mandado de segurança, o direito de o candidato refazer a prova de esforço, em face de motivo de força maior que lhe alcançou a higidez física no dia designado, dela participando sem as condições normais de saúde[13].

 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROVA FÍSICA. REMARCAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Impossibilidade da análise prévia da legislação infraconstitucional e do reexame de provas (Súmula 279). Ofensa constitucional indireta. 2. Configuração de situação que recomenda o adiamento para que seja observado o princípio da isonomia[14].

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROVA FÍSICA. REMARCAÇÃO. CANDIDATA SUBMETIDA À CIRURGIA CESARIANA DIAS ANTES DA DATA MARCADA PARA O EXAME. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. Configuração de situação que recomenda o adiamento para que seja observado o princípio da isonomia. Precedentes[15].

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROVA FÍSICA. REMARCAÇÃO. POSSIBILIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO.

I – A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que não implica em ofensa ao princípio da isonomia a possibilidade de remarcação da data de teste físico, tendo em vista motivo de força maior.

II – Agravo regimental improvido.[16]

 

O mesmo direito é reconhecido pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, senão vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. VIOLAÇÃO RECONHECIDA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS.  NECESSIDADE DE REEXAME DO QUADRO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA Nº 7/STJ. ACÓRDÃO COM FUNDAMENTO EXCLUSIVAMENTE CONSTITUCIONAL.

  1. Reconhecida no acórdão impugnado, com base nas provas dos autos, violação do princípio da isonomia, em virtude da realização do exame de aptidão física em condições desiguais entre os participantes do concurso, a alegação em sentido contrário, a motivar insurgência especial, requisita exame do acervo fático-probatório, vedado na instância excepcional.
  2. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.” (Súmula do STJ, Enunciado nº 7).
  3. A questão de natureza exclusivamente constitucional é estranha ao âmbito de cabimento do recurso especial. 4. Agravo regimental improvido.[17]

 

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. TESTE DE APTIDÃO FÍSICA. FATO DE FORÇA MAIOR. RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. NOVA DATA. FIXAÇÃO. ARTS. 9º, VI, DA LEI 4.878/65, 8º, IV, DO DECRETO-LEI 2.320/87 E 3º DA LEI 8.666/93. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. AGRAVO NÃO PROVIDO.

  1. Para a abertura da via especial, requer-se o prequestionamento, ainda que implícito, da matéria infraconstitucional. Hipótese em que o Tribunal de origem não emitiu nenhum juízo de valor acerca dos arts. 9º, VI, da Lei 4.878/65, 8º, IV, do Decreto-Lei 2.320/87 e 3º da Lei 8.666/93. Incidência das Súmulas 282/STF e 211/STJ.
  2. Em nenhum momento a Turma Julgadora eximiu a impetrante de se submeter ao teste físico previsto como fase do concurso público, limitando-se a autorizá-la a realizar a fase de avaliação física em momento posterior, quando já em condições físicas para suportar o esforço exigido.
  3. A questão envolvendo a suposta quebra de isonomia entre a agravada e os demais candidatos refoge aos limites do recurso especial, uma vez que se trata de matéria de índole constitucional.
  4. Agravo regimental não provido.[18]

         No caso de candidata grávida ou em estado de pós-parto, o Pretório Excelso entende que permitir que a candidata realize o teste físico em data posterior não constitui afronta ao princípio da isonomia, nem consubstancia qualquer espécie de privilégio, pois ela se encontra em situação peculiar, que, por si só, demandava tratamento diferenciado, sendo essa mesma lição plenamente aplicável aos casos em que o candidato esteja doente, tenha sofrido alguma lesão ou trauma.

         No mesmo sentido, decidiu com acerto TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL. PROVA DE CAPACIDADE FÍSICA. LESÃO INCAPACITANTE. COMPROVAÇÃO. DESIGNAÇÃO DE NOVA DATA PARA A REALIZAÇÃO DA AVALIAÇÃO FÍSICA. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO ISONÔMICO. INEXISTÊNCIA.

  1. Acometida de incapacidade momentânea, em decorrência de lesão no ombro, devidamente comprovada, a candidata tem o direito de ser submetida à prova de esforço físico, em outra data, sem que tal procedimento constitua ofensa ao princípio isonômico. Haveria se, nesse contexto, negado fosse o pedido, eis que, no momento da realização dessa prova, não se encontrava ela em situação de igualdade em relação aos demais candidatos. 2. Apelação e remessa oficial desprovidas. Sentença mantida[19].

 

CONCURSO PÚBLICO. AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL. EDITAL 45/2001. MEDIDA CAUTELAR. PROVA DE CAPACIDADE FÍSICA. 1. Confirma-se sentença que julgou procedente o pedido cautelar para assegurar ao candidato a realização da prova de capacidade física em nova data, a ser fixada pela Administração, em razão de ter sido acometido por enfermidade, com prazo de incapacitação delimitado em atestado médico e compatível com o cronograma do concurso. 2. Apelação e remessa oficial a que se nega provimento[20].

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL. PROVA DE CAPACIDADE FÍSICA. CANDIDATO QUE SE APRESENTA TEMPORARIAMENTE INCAPACITADO PARA SUA REALIZAÇÃO, COMPROVADA POR ATESTADO MÉDICO. PRETENSÃO A SEGUNDA CHAMADA. POSSIBILIDADE. 1. Afigura-se ofensiva ao princípio da isonomia disposição, contida na Instrução Normativa n. 5/2001/ANP, que não leva em consideração, para efeito de realização da prova de aptidão física de candidatos a concurso público para provimento de cargos da Carreira Policial Federal, as alterações psicológicas e fisiológicas temporárias, comprovadas por atestado médico, como no caso. 2. Sentença concessiva da segurança, que se confirma. 3. Apelações e remessa oficial, esta tida por interposta, desprovidas[21].

         Como se vê, a jurisprudência dos tribunais tem flexibilizado as regras do edital quanto ao aspecto da não previsibilidade de evento imprevisível que possa afastar o candidato da realização do exame físico.

         Portanto, as alterações orgânicas, psicológicas e/ou fisiológicas com o potencial de reduzir as aptidões físicas dos candidatos, quando passageiras e puderem ser superadas em período razoável, de modo a não prejudicar a regular execução do certame, devem ser levadas em consideração para garantirem um tratamento diferenciado ao candidato por parte da Administração, permitindo que os concursandos com a capacidade física reduzida temporariamente, desde que devidamente comprovado, sejam submetidos ao teste de aptidão física em momento diverso do previamente designado pela Administração.

Por vezes o Estado (réu na ação judicial) afirma ou o juiz de ofício entende que o atendimento ao pleito do concursando implicará em tratamento diferenciado entre ele e os demais candidatos, ferindo, portanto, o princípio da isonomia.

Todavia, tal argumento não procede.

A isonomia não pode servir de obstáculo para a verificação e correção de irregularidades nas provas de concurso, quer seja no controle administrativo (pelo exercício da autotutela, exposto na Súmula 473/STF), quer seja pelo Poder Judiciário (tendo em vista sua inafastabilidade na apreciação de possíveis ilegalidades que causem lesão a direito, conforme art. 5º, XXXV, CF).

Vejamos em particular os votos dos MINISTROS MARCO AURÉLIO e SEPÚLVEDA PERTENCE no julgamento do RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 434708/RS, DE 21/06/2005:

MINISTRO MARCO AURÉLIO:

 

Há o problema da isonomia que é resolvido pelo fato, e diante do fato, de ninguém estar obrigado a recorrer ao Judiciário, a ingressar em juízo para questionar este ou aquele ato. Assegura-se tal ingresso e, uma vez o titular do direito substancial assim procedendo, dá-se a solução do conflito de interesses mediante a entrega da prestação jurisdicional.

 

MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE:

 

Antecipando-me a eventual embargos de declaração, digo que V.Exa. rejeitou bem a alegação, de todo improcedente, de violação ao princípio da isonomia, na medida em que se beneficiou a candidata que impetrou a segurança e não quem deixou de impugnar o ato em juízo: a pretensa discriminação é corolário absoluto da disponibilidade do direito de ação.

 

A esse respeito são precisas as palavras de FABIO OSORIO MEDINA[22], esclarecendo que:

“se a parte ajuíza uma ação para rever critérios equivocados ou distorcidos, é óbvio que sua pretensão será individualizada, inexistindo base para alegar quebra da isonomia perante outros candidatos avaliados pela Banca, não pelo judiciário. Nada impede que outros concursandos ingressem com idênticas demandas, buscando o abrigo da tutela jurisdicional. A isonomia está garantida no direito de ação e de petição aos órgãos públicos, não sendo viável tratar igualmente sujeitos cujas posturas são distintas. Quem busca a tutela do Judiciário assume determinados encargos, mas também pode beneficiar-se de decisões favoráveis. Quem fica inerte não pode pleitear a inércia dos demais em homenagem à isonomia, parece lógica essa linha interpretativa”.

 

O Autor ainda assevera que:

“…sempre que um administrado busca resguardar seus direitos perante o Judiciário, e outro administrado não o faz, é possível que uma decisão judicial alcance e modifique atos administrativos praticados em detrimento de alguns administrados, deixando ao desabrigo os direitos idênticos de outros, ante a inércia na provocação jurisdicional. Assim, vale a máxima, aqui, de que a igualdade consiste em aquinhoar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. São desiguais as pessoas que optam pelo ajuizamento de ação e as que optam pela inércia. É óbvio que essa desigualdade pode ensejar tratamentos desiguais”.

 

Perceba-se que se este argumento prosperar haverá grave lesão ao princípio do amplo acesso à justiça e sua efetividade, vez que jamais poderá ser concedida medida liminar, ou até mesmo sentença de procedência da ação, em razão de suposta violação à isonomia. O direito não socorre aos que dormem. Assim, as pessoas que se sentirem lesadas devem procurar o Poder Judiciário.

Maiores considerações sobre o tema foram apresentadas no capítulo referente aos princípios que regem o concurso público, especialmente na parte de análise do primado da isonomia.

 

5.5 LIBERDADE RELIGIOSA E DATA E HORÁRIO DE APLICAÇÃO DA PROVA

         De modo geral, a jurisprudência, em especial do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, tem se pronunciado no sentido de inexistir para o candidato direito de realizar a prova de aptidão física em data diversa da determinada, genérica e isonomicamente, para todos os concorrentes, sob o fundamento de convicção religiosa.

         Esse fundamento se baseia no fato de que o Estado brasileiro é laico, sendo-lhe vedado conferir tratamento discriminado aos cidadãos com base em crença religiosa destes, principalmente em concurso público, adstrito aos princípios da legalidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da igualdade.

         As atividades administrativas, desenvolvidas objetivando prover os cargos e empregos públicos, não podem estar condicionadas às crenças dos interessados, de modo a possibilitar-lhes realizar as etapas do processo de seleção segundo os preceitos da sua religião.

         Sobre o tema, citamos o seguinte precedente do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA[23]:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. TESTE DE CAPACIDADE FÍSICA. REALIZAÇÃO EM DIA DIVERSO DO PROGRAMADO. LIMINAR DEFERIDA. SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA. IMPOSSIBILIDADE. ISONOMIA E VINCULAÇÃO AO EDITAL. RECURSO DESPROVIDO.

I – A liminar foi deferida quando a recorrente, por ter deixado de realizar o teste de aptidão física na data prevista em edital de convocação, já estava eliminada do certame. Ao ser cassada pelo e. Tribunal a quo, quando do julgamento final do mandamus, a recorrente voltou à situação anterior de candidato eliminado do concurso, razão por que não poderia prosseguir no certame.

II – O direito à liberdade de crença, assegurado pela Constituição da República, não pode almejar criar situações que importem tratamento diferenciado – seja de favoritismo seja de perseguição – em relação a outros candidatos de concurso público que não professam a mesma crença religiosa. Precedente[24].

         No entanto, na prova de aptidão física onde não se aplica o critério da simultaneidade a realização das provas físicas não precisa ser simultânea como ocorre com as provas objetivas e discursivas, podendo ser aplicada em momentos distintos.

         Por isso, entendemos que quando for possível compatibilizar o interesse público com o exercício da liberdade religiosa, a Administração deve permitir que o candidato realize a prova física em data e horário que não contrarie suas convicções religiosas.

         Deste modo, quando num concurso público em que parte dos concorrentes tenham sido convocados para serem submetidos à prova física em um sábado e outra parte no domingo, se um candidato membro da Igreja Adventista do 7º dia, que tem como um de seus fundamentos a guarda do sábado, for convocado para realizar a prova no sábado, pode requerer administrativamente e de forma antecipada que seja possibilitado a realização de sua prova de capacidade física no domingo, ao invés de ser no sábado. Caso a Administração indefira o pedido pode impetrar mandado de segurança para garantir a efetividade do seu direito constitucional a liberdade religiosa.

         Na situação descrita acima e em qualquer outra em que o respeito à liberdade religiosa não interfira negativamente na boa condução do concurso, sem ocasionar risco a supremacia do interesse público, não há nenhum fundamento juridicamente plausível para que a Administração não altere a data e o horário de aplicação da prova física de determinado candidato por motivo de convicção religiosa.

         Assim decidiu o TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO[25]:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA OFICIAL. DIREITO DE PRESTAR PROVA FÍSICA DE CONCURSO EM DIA DIVERSO DO DETERMINADO. LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA. 1. Tratando-se de prova física, sem necessidade de sigilo ou simultaneidade, não ha prejuízo ao interesse publico, nem ao procedimento do concurso, se por força de liminar a impetrante realizou a prova em momento não conflitante com sua crença religiosa, por pertencer a igreja adventista do sétimo dia, que tem o sábado como dia de guarda. 2. Resguardo do princípio constitucional que assegura a liberdade de crença e de consciência, bem como aqueles que regem a administração quando se trata de concurso publico. 3. Remessa oficial improvida[26].

         Ademais, a pretensão do candidato encontra respaldo na inteligência dos incisos VI e VIII do artigo 5º da Constituição Federal, que preserva e assegura o direito fundamental à liberdade de culto, não pretendendo o candidato, neste caso, eximir-se de obrigação legal a todos imposta ou recusar-se a cumprir prestação alternativa, mas, apenas, cumprir obrigação, que é imposta a todos os candidatos do concurso, em horário compatível com a preservação de seu direito fundamental à liberdade religiosa.

 

 

[1] RE 89448, Relator Ministro Cordeiro Guerra, Segunda Turma, julgado em 20/04/1979.

[2] RE 93061, Relator Ministro Cordeiro Guerra, Segunda Turma, julgado em 16/09/1980.

[3] RMS 23.613/SC, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 07/12/2010.

[4] RE 511588 AgR, Relator  Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 10/05/2011.

[5] Ag.Reg. no Agravo de Instrumento 851.587 Santa Catarina, Relator :Min. Marco Aurélio, 19/06/2012.

 

[6] Ag.Reg. no Agravo de Instrumento 851.587 Santa Catarina, Relator :Min. Marco Aurélio, 19/06/2012.

[7] RMS 25.703/MS, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 02/06/2009.

[8] RE 511588 AgR, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 10/05/2011, DJe-109 DIVULG 07-06-2011 PUBLIC 08-06-2011 EMENT VOL-02539-02 PP-00203.

[9] AI 278127, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 18/08/2000, publicado em DJ 26/09/2000 PP-00056)

[10] Concurso público. Agente de Polícia Civil. Prova de aptidão física: decisão que não negou a necessidade do exame de esforço físico para o concurso em causa, mas considerou exagerado o critério adotado pela administração para conferir a tal prova, sem base legal e científica, o caráter eliminatório: inexistência de afronta ao art. 37, I, da Constituição, que assegura que “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei” e falta de prequestionamento dos artigos 2º e 5º, caput, da Constituição (Súmula 282). (STF, RE 344833, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 10/06/2003)

[11] RE 376607 AgR, Relator  Ministro Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 28/03/2006.

[12] RE 598759 AgR, Relator  Ministro Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 27/10/2009.

[13] RE 179.500/RS, Relator Ministro Marco Aurélio, julgado em 26/10/1998.

[14] AI 630487 AgR, Relator  Ministro Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 16/12/2008.

[15] RE 497350 AgR, Relatora  Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 26/05/2009.

[16] .(AI 825545 AgR, Relator (a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 13/04/2011, DJe-084 DIVULG 05-05-2011 PUBLIC 06-05-2011 EMENT VOL-02516-03 PP-00623).

[17] AgRg no REsp 886.849/DF, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 10/06/2008, DJe 01/09/2008

[18] AgRg no REsp 1197922/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/08/2011, DJe 15/08/2011.

[19] AC 2005.34.00.002362-7/DF, Relator Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, Sexta Turma, julgado em 18/03/2011.

[20] AC 2002.38.00.009731-0/MG, Rel. Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues, Sexta Turma, julgado em 08/03/2004.

[21] AMS 2002.34.00.010540-4/DF, Relator Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, Sexta Turma, julgado em 03/11/2003.

[22] OSORIO, Fábio Medina. Os limites da discricionariedade técnica e as provas nos concursos públicos de ingresso nas carreiras jurídicas. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE). Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 22, abril/maio/junho de 2010. Disponível na internet: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-22-ABRIL-2010-FABIOOSORIO.pdf>.

[23] O Superior Tribunal de Justiça adotou o mesmo entendimento quanto à data e horário de aplicação das provas discursivas: CONCURSO PÚBLICO. PROVAS DISCURSIVAS DESIGNADAS PARA O DIA DE SÁBADO. CANDIDATO MEMBRO DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. PEDIDO ADMINISTRATIVO PARA ALTERAÇÃO DA DATA DA PROVA INDEFERIDO. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. NÃO VIOLAÇÃO DO ART. 5º, VI E VII, CR/88. ISONOMIA E VINCULAÇÃO AO EDITAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. O concurso público subordina-se aos princípios da legalidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da isonomia, de modo que todo e qualquer tratamento diferenciado entre os candidatos tem que ter expressa autorização em lei ou no edital. 2. O indeferimento do pedido de realização das provas discursivas, fora da data e horário previamente designados, não contraria o disposto nos incisos VI e VIII, do art. 5º, da CR/88, pois a Administração não pode criar, depois de publicado o edital, critérios de avaliação discriminada, seja de favoritismo ou de perseguição, entre os candidatos. 3. Recurso não provido. (RMS 16107/PA, Relator Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em 31/05/2005)

[24] RMS 22.825/RO, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 26/06/2007.

[25] O Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu de maneira semelhante, mas em relação à alteração da data e do horário de aplicação da prova discursiva: MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA. INCISOS VI E VIII DO ARTIGO 5º DA CF/88. ADVENTISTAS DO 7º DIA. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA PARA ASSEGURAR A REALIZAÇÃO DA PROVA EM HORÁRIO ESPECIAL. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. Candidato/impetrante membro da Igreja Adventista do 7º dia, que tem como um de seus pilares a guarda do sábado, restando ferido seu direito constitucional de liberdade de consciência religiosa, previsto nos incisos VI e VIII do art. 5º da CF, se imposta a realização da prova nesse dia. Além do mais, o condutor monocrático ao deferir a liminar determinou que os impetrantes chegassem no horário normal de realização das provas e ficassem incomunicáveis em sala diversa dos demais candidatos até às 18 horas, quando lhe seria facultada a realização da prova objetiva 1, com término às 22h do mesmo dia. 2 Não afeta direito de terceiro ou o interesse público, permitir a realização de prova de concurso público no dia seguinte àquele que, por imposição de fé religiosa, não pode participar de atividades civis, profanas, no dia do sábado. Precedente da Corte Especial: MS 2007.01.00.043148-4/DF, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Corte Especial,e-DJF1 p.22 de 05/05/2008. 3. Apelação e remessa, não providas. (AMS 2004.34.00.008688-1/DF, Rel. Desembargadora Federal Selene Maria De Almeida, Conv. Juiz Federal Avio Mozar Jose Ferraz De Novaes, Quinta Turma, e-DJF1 p.354 de 10/12/2008)

[26] TRF da 4ª Região, REO 9504092560, Silvia Maria Gonçalves Goraieb, Quarta Turma, julgado em 24/01/1996.

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Alessandro Dantas

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Alessandro Dantas, advogado especialista em ajudar candidatos de concursos públicos que sofrem injustiças e, também, servidores públicos perante atos ilegais praticados pela Administração Pública, atuando em Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e em Ações de Ato de Improbidade Administrativa.

Dr. Alessandro Dantas

Advogado Sênior Presidente

♦Advogado especialista em concursos públicos, nacionalmente conhecido;
♦Presidente da Comissão de Direito Administrativo da OAB.ES.
♦Especialista e Mestre na área de Direito Público.
♦Professor de Direito – Administrativo em graduação, em pós-graduação e em MBA
♦Professor de Direito Administrativo da Escola da Magistratura do Estado do Espírito Santo.
♦Professor de Direito Administrativo da Escola Superior do Ministério Público do Estado do Espírito Santo.
♦Professor de Direito Administrativo em Cursos Preparatórios no ES, DF e GO.
♦Coordenador do III Congresso Brasileiro de Concurso Público.

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