Protegido: Prova Objetiva
Tudo sobre investigação social nos concursos públicos
Tudo sobre investigação social nos concursos públicos
CONCEITO E CARACTERÍSTICAS
Tudo sobre investigação social nos concursos públicos.
A investigação social é um procedimento em que se averigua a idoneidade moral e a conduta social do candidato.
Geralmente esse exame é estabelecido para cargos que exigem um acentuado grau de responsabilidade, em que a figura do servidor é diretamente relacionada com a imagem da instituição, como é o caso da Magistratura, do Ministério Público, polícia (militar, civil, federal), dentre outras.
Assim como qualquer outro requisito de acessibilidade a cargos e empregos públicos, a investigação social deve observar o princípio da legalidade, ou seja, somente pode ser exigida se houver previsão em lei formal – ato normativo emanado do Poder Legislativo –, conforme expressa determinação constitucional (art. 37, inciso II).
Destarte, quando a natureza do cargo exigir e haver previsão legal, a Administração Pública estabelecerá a investigação social como requisito de aprovação em concurso público, sendo uma fase de caráter eliminatório.
Por ser uma fase do concurso, a investigação social deve ser realizada com base em critérios objetivos apresentados de forma detalhada no edital que rege o certame.
A jurisprudência das Cortes Superiores é pacífica no sentido de admitir a exigência de aprovação em investigação social para o provimento em certos cargos públicos, ressaltando que a investigação social não se limita a analisar a vida pregressa do candidato quanto às infrações penais que porventura tenha praticado.
Serve, também, para avaliar sua conduta moral e social no decorrer de sua vida, visando aferir seu comportamento frente aos deveres e proibições impostos ao ocupante de cargo público[1].
Apenas fatos devidamente comprovados podem motivar a exclusão de candidatos na fase de investigação social, como se verifica no seguinte julgado do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA JUIZ DE DIREITO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. FATOS INVERÍDICOS. ELIMINAÇÃO DE CANDIDATO APROVADO. ILEGALIDADE.
Embora seja a investigação social meio idôneo para averiguar a aptidão e a probidade de candidato ao exercício da magistratura, a sua eliminação deve fundar-se em fatos verídicos, demonstrativos da inidoneidade de comportamento, incompatível com o cargo.
Demonstrada a improcedência da acusação formulada contra candidato aprovado em todas as etapas do certame e classificado dentro do número de vagas previstas, impõe-se seja reconhecido o seu direito à nomeação para o cargo, sob pena de violação a princípios legais e constitucionais[2].
Se o candidato for eliminado na fase de investigação social com base em fatos inverídicos, aplica-se a teoria dos motivos determinantes, pois ao motivar o ato administrativo a Administração torna-se vinculada aos motivos ali expostos para todos os efeitos jurídicos.
Tal teoria preconiza a vinculação da Administração aos motivos ou pressupostos que fundamentaram o ato.
A motivação é que legitima e confere validade ao ato administrativo discricionário. Assim, a eliminação de candidato embasada em fatos inverídicos não tem validade jurídica porque fundado em motivo inexistente.
Exercício da ampla defesa e do contraditório na fase de investigação social nos concursos.
O exercício da ampla defesa e do contraditório, materializado no recurso administrativo, é indispensável em todas as fases do concurso público. Com a investigação social não é diferente.
A investigação social é um procedimento realizado unilateralmente pela Administração.
Se nessa fase se concluir pela inaptidão do candidato, o recurso administrativo é o meio pelo qual o mesmo terá a oportunidade de se manifestar sobre os fatos a ele atribuídos e demonstrar que possui uma conduta social e moral compatível com o serviço público.
Veja o entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o caso :
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CURSO DE FORMAÇÃO PARA O CARGO DE OFICIAL DA POLÍCIA MILITAR. ELIMINAÇÃO DE CANDIDATO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. ENVOLVIMENTO EM EVENTO DELITUOSO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. DIREITO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA.
Meras informações verbais quanto à existência de anterior envolvimento em delito de furto, fato que não possui qualquer registro documental, não constitui motivo para convalidar o ato que obstou o ingresso do candidato no Curso de Formação dos Oficiais da Polícia Militar do Estado de Pernambuco.
A investigação social destinada a avaliar a conduta compatível com a função policial militar impõe sejam observados requisitos formais e de conteúdo por parte da Administração, de modo a assegurar o exercício de pleno direito de defesa [3].
A NECESSIDADE DE PUBLICIDADE E MOTIVAÇÃO NA FASE DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL NOS CONCURSOS PÚBLICOS.
A publicidade do resultado da investigação social tem por finalidade permitir a fiscalização da conduta administrativa pelos interessados, possibilitando aos lesados que proponham as medidas judiciais e administrativas que entenderem pertinentes.
Entretanto, é necessário o sigilo da investigação a fim de proteger a privacidade do próprio candidato, contudo não se pode olvidar que este possui pleno direito de acesso às informações obtidas, sobretudo quando sentir-se prejudicado pelo resultado decorrente da investigação.
Por isso, o sigilo das informações não alcança o próprio candidato que tem o direito de ter conhecimento dos fatos que motivaram sua eliminação.
Nesse sentido veja o entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVENTUÁRIO DE CARTÓRIO. CONCURSO PÚBLICO. SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO PÚBLICO. NULIDADES PRESENTES NO EDITAL. INEXISTÊNCIA. […].
O sigilo das informações obtidas na investigação de vida pregressa, para a comprovação da idoneidade de candidato, objetiva apenas preservar a sua intimidade, não apresentando qualquer ilegalidade. Além disso, o sigilo não alcança o próprio candidato, que tem acesso às informações obtidas, assim como o direito de recorrer da decisão proveniente da investigação. [4]
Como esclarece ADILSON ABREU DALLARI[5] “durante muito tempo, especialmente no âmbito do Poder Judiciário, aceitou-se a prática de submeter postulantes a determinados cargos, de especial responsabilidade, como é o caso de juiz, a uma investigação social reservada, procedida mediante informações sigilosas, às quais o investigado não tinha acesso, e que poderia resultar na aceitação ou rejeição incontestável”.
Uma investigação social com caráter absolutamente sigiloso, como a descrita acima, não se coaduna com a atual ordem constitucional.
Esta assegura o direito a informação, estabelecendo que todos tem direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, inciso XXXIII da CF).
Além disso, a Administração não pode, num procedimento secreto, avaliar os antecedentes e a conduta do candidato para eliminá-lo de concurso público.
A divulgação dos dados em que se baseou a Administração é necessária, pois sem esses dados seria impossível a prestação da tutela jurisdicional, porque o Judiciário não teria condições de aferir o acerto ou não dos critérios utilizados para se averiguar a idoneidade moral do candidato em evidente afronta ao preceito constitucional insculpido no art. 5º, inciso XXXV – princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.
Se o candidato é excluído com base em informações que não vem a público, que não são levadas ao conhecimento do Judiciário, não pode este dizer se teria havido ou não lesão ao direito do candidato.
Dessa forma, não há discordância nos posicionamentos jurisprudenciais quanto ao fato de que é ilegal investigação social com caráter sigilosoão.
A ilegalidade desse tipo de procedimento foi fortalecida com a edição da Súmula 684 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no sentido de que “é inconstitucional o veto não motivado à participação de candidato a concurso público”, ressaltando a necessidade de motivação dos atos administrativos.
O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL não tem hesitado em declarar a nulidade de atos administrativos praticados em tais condições:
CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. JULGAMENTO SIGILOSO DA CONDUTA DO CANDIDATO. INCONSTITUCIONALIDADE. CF/67, ART. 153, PAR 4.. CF/88, ART. 5. XXXV.
I. Exame e avaliação de candidato com base em critérios subjetivos, como, por exemplo, a verificação sigilosa sobre a conduta, pública e privada, do candidato, excluindo-o do concurso sem que sejam fornecidos os motivos.
Ilegitimidade do ato, que atenta contra o princípio da inafastabilidade do conhecimento do Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito. E que, se a lesão é praticada com base em critérios subjetivos, ou em critérios não revelados, fica o Judiciário impossibilitado de prestar a tutela jurisdicional, porque não terá como verificar o acerto ou o desacerto de tais critérios. Por via obliqua, estaria sendo afastada da apreciação do Judiciário lesão a direito[6].
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. JULGAMENTO SIGILOSO DA CONDUTA DO CANDIDATO. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR ESTA CORTE. DEFICIÊNCIA NO TRASLADO.
1. Exame e avaliação de candidato com base em critérios subjetivos, excluindo-o do concurso sem que sejam fornecidos os motivos, atentam contra o princípio da inafastabilidade do conhecimento do Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito[7].
Portanto, em sede de investigação social, deve a Administração Pública informar ao candidato os motivos pelos quais ele foi considerado inapto para o exercício do cargo ou emprego público, sob pena de violar aos princípios da publicidade, motivação, ao direito de acesso a informação e, por conseguinte, do acesso à justiça.
RAZOABILIDADE NA FASE DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL NOS CONCURSOS PÚBLICOS
Avaliar se o candidato tem idoneidade moral ou reputação ilibada nem sempre é uma tarefa simples e pode dar margem a arbitrariedades praticas pela Administração.
Para que a investigação social seja realizada de forma razoável é indispensável que a condição social e moral do candidato seja realmente incompatíveis com as funções do cargo ou emprego público.
Os fatos que motivarem a inaptidão do candidato devem ser graves.
Não é qualquer fato comprovado pela Administração que tem o potencial de eliminá-lo, conforme entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. EXCLUSÃO DE CANDIDATO NO CURSO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL. DECRETO-LEI 2.320/87. INQUÉRITO POLICIAL E SINDICÂNCIA. AUSÊNCIA DE FATO COMETIDO PELO CANDIDATO DO QUAL RESULTASSE CONDENAÇÃO.
O Decreto-lei 2.320/87, art. 8º, I, estabelece como requisito para matrícula em curso da Academia Nacional de Polícia ter o candidato procedimento irrepreensível e idoneidade moral inatacável.
É legítima a exigência de requisitos de conduta dos candidatos a serem verificados em investigação social de caráter eliminatório.
Não há que se confundir presunção de inocência com requisitos de boa conduta, para o ingresso no cargo de agente de polícia federal. Não se confundem primariedade e bons antecedentes no âmbito do Direito Penal, com conduta social.
A discricionariedade da Administração Pública na análise da conduta social não pode implicar em arbitrariedade a ponto de considerar punição de 2 (dois) dias de detenção em posto por falta de um parafuso no armamento e a absolvição em sindicância, como motivação para exclusão de candidato do curso de formação profissional.
A aferição dos fatos que conduzem a juízo de inidoneidade moral há de considerar a gravidade do fato, sua contumácia e o resultado do inquérito e/ou a sindicância[8].
O motivo alegado pela Administração para eliminação do candidato somente será válido se este, por si só, for potencialmente lesivo ao interesse público. Se a conduta do candidato em nada ferir o interesse público, esta não poderá ser usada como argumento de eliminação, pois o que a Administração busca, em essência, é preservar o interesse público e não simplesmente punir eventuais condutas desabonadoras dos pretensos candidatos ao cargo público.
Assim, caso a Administração elimine candidato na fase de investigação social por qualquer fato que em nada contraria o interesse público, estará violando o princípio da razoabilidade[9].
AÇÃO PENAL E INQUÉRITO POLICIAL E OS IMPACTOS NA INVESTIGAÇÃO SOCIAL NOS CONCURSOS PÚBLICOS.
Na fase de investigação social a Administração Pública, em alguns casos, tem considerado como motivo suficiente para eliminação de candidatos a existência de ação penal ou até mesmo de inquérito policial, que, do ponto de vista constitucional, é inaceitável.
A Constituição Federal estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, inciso LVII), consagrando a presunção de inocência, um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, como garantia processual penal.
Por isso, é necessária a comprovação da culpabilidade do indivíduo, sendo esta uma incumbência atribuída essencialmente ao Estado.
O princípio constitucional da presunção de inocência não tem seu âmbito de aplicação restrito ao direito penal, pois é aplicável no direito administrativo, em especial em matéria de concurso público.
A fase de investigação social não pode ser pautada em critérios estabelecidos pelo arbítrio do administrador sem qualquer compatibilidade com a Constituição.
Se a Constituição assegura que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, o indivíduo que responde a ação penal sem trânsito em julgado deve ser considerado inocente não apenas para efeitos penais, mas também para quaisquer outros fins, inclusive para efeito de aprovação em concurso público.
Por isso, é inconstitucional excluir candidatos na fase de investigação social por figurar com réu em ação penal que não possui sentença condenatória transitada em julgado.
Com muito mais razão, é igualmente inconstitucional excluir candidatos que respondem ou responderam a inquérito policial, que é um procedimento inquisitório onde não é observado o princípio da ampla defesa e do contraditório.
Assim tem decidido o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR. CANDIDATO. ELIMINAÇÃO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. ART. 5º, LVII, DA CF. VIOLAÇÃO.
Viola o princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, a exclusão de candidato de concurso público que responde a inquérito ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes[10].
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL. INQUÉRITO POLICIAL. EXCLUSÃO DO CERTAME. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.
O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que viola o princípio constitucional da presunção de inocência a exclusão de candidato de concurso público que responde a inquérito ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. [11]
No mesmo sentido é o entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. EXCLUSÃO DO CANDIDATO NA ETAPA DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE PROCESSO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. PRELIMINARES DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL AFASTADA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
[…]. Não se mostra admissível a exclusão de candidato pela verificação de existência de processos criminais, mesmo na fase de investigação social, se inexistir condenação transitada em julgado, sendo certo que o princípio constitucional da presunção de inocência não incide exclusivamente na esfera penal, mas também na seara administrativa. Precedentes desta Corte.
É possível a revisão do ato impugnado pelo Poder Judiciário, a quem cabe examinar a legalidade de todo procedimento administrativo, inclusive afastando decisões que se mostrem desarrazoadas e desproporcionais[12].
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EXCLUSÃO DE CANDIDATO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. INQUÉRITO POLICIAL ARQUIVADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
I – Consoante já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, o simples fato de o candidato haver sido investigado em inquérito policial posteriormente arquivado, não pode ser considerado como desabonador de sua conduta, de forma a impedir sua participação no concurso público. Precedentes.
II – A aferição sobre a exclusão de candidato do processo seletivo em virtude da simples existência de inquérito policial arquivado não implica revolvimento, cotejo, ou exame de prova, não sendo aplicável a Súmula 07/STJ[13].
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. EXCLUSÃO DE CANDIDATO POR CONDENAÇÃO NA ESFERA PENAL. SENTENÇA NÃO TRANSITADA EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. RECURSO PROVIDO.
1. Em observância ao princípio da presunção de inocência – art. 5º, LVII, da Constituição Federal -, não se admite, na fase de investigação social de concurso público, a exclusão de candidato condenado na esfera criminal por sentença não transitada em julgado. Precedentes do STF e do STJ. 2. Recurso ordinário provido. [14]
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DETETIVE DA POLÍCIA CIVIL. APROVAÇÃO. POSTERIOR INABILITAÇÃO EM INVESTIGAÇÃO SOCIAL. NOMEAÇÃO TORNADA SEM EFEITO. DESCABIMENTO. DIREITO À POSSE. COMETIMENTO DE ATO INFRACIONAL. CUMPRIMENTO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. INABILITAÇÃO INDEVIDA.
1. Constitui entendimento já consagrado por este Tribunal Superior que o candidato nomeado, após regular aprovação em concurso público, tem direito à posse. Precedentes.
2. Conquanto se trate o ato de nomeação, de ato discricionário, gera direitos para o nomeado, não podendo, pois, ser desconstituído sem o devido processo legal, como ocorrera na espécie.
3. Ademais, da leitura dos autos depreende-se que o motivo que culminou com a aludida inabilitação consiste na imposição ao Impetrante de medida sócio-educativa já cumprida, em razão do cometimento de delito há mais de 7 (sete) anos. Vale dizer, em época em que o Recorrente ainda era inimputável.
4. Nessa esteira, merece reforma o aresto hostilizado, na medida em que contrário à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, afrontando, outrossim, os princípios que informam a própria Política Criminal, tendo em vista as finalidades do nosso sistema jurídico-penal, principalmente, no que diz respeito ao caráter ressocializante da pena (ou medida sócio-educativa), com vistas à harmônica integração social do apenado (ou do infrator).
5. Recurso conhecido e provido. [15]
É pacífico nos Tribunais Superiores que ação penal sem sentença condenatória com trânsito em julgado não é motivo legítimo para excluir candidato na fase de investigação social, por ser um critério que afronta o princípio da presunção de inocência.
Mas por quanto tempo uma condenação criminal pode obstar o ingresso no serviço público?
O Código Penal elimina de nosso sistema a perpetuidade dos efeitos da condenação criminal determinando em seu art. 64, inciso I, que não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação.
Em matéria de concurso público entendemos ser razoável aplicar esse prazo.
Assim, uma pessoa que tenha sido condenada criminalmente, após 5 anos do cumprimento da pena não pode ser eliminada de concurso público na fase de investigação social por ter se envolvido em práticas delituosas no passado.
Pensar de modo contrário permitiria a imposição de penas de caráter perpétuo, o que é vedado pela Constituição Federal (art. 5º, XLVII, “b”).
Além disso, presumir a irrecuperabilidade de quem já cometeu delito penal jogaria por terra toda a política criminal da reabilitação e reintegração do delinquente a seu meio social.
Também é ilegítimo ato administrativo que, em sede de investigação social, elimina de concurso público candidato beneficiado por sentença penal que declara a extinção da punibilidade.
O fato de um candidato ter respondido a ação penal que resultou na extinção da punibilidade não configura fator suficiente para desabonar a sua conduta, em se considerando, sobretudo, que não se trata de condenação. Por isso, uma eliminação com base nesse motivo viola o princípio da presunção de inocência.
Nesse sentido, é a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
CONCURSO PÚBLICO. CAPACITAÇÃO MORAL. PROCESSO-CRIME. PRESCRIÇÃO. Uma vez declarada a prescrição da pretensão punitiva do Estado, descabe evocar a participação do candidato em crime, para se dizer da ausência da capacitação moral exigida relativamente a concurso público[16].
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO DO DF. INVESTIGAÇÃO SOCIAL E FUNCIONAL. SENTENÇA PENAL EXTINTIVA DE PUNIBILIDADE. OFENSA DIRETA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. MATÉRIA INCONTROVERSA. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279. AGRAVO IMPROVIDO.
Viola o princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal a exclusão de candidato de concurso público que foi beneficiado por sentença penal extintiva de punibilidade[17].
A prescrição da pretensão punitiva não implica responsabilidade do acusado, não desabona seus antecedentes, nem induz futura reincidência. Assim, a extinção da punibilidade não deixa sequelas jurídicas na vida do acusado[18].
Isso justifica a ilegitimidade de ato administrativo que na fase de investigação social elimina candidato beneficiado por sentença que extingue a punibilidade.
INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO E SEUS IMPACTOS NA FASE DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL NOS CONCURSOS PÚBLICOS.
Investigar a idoneidade financeira do candidato, ao argumento de que o mesmo não seria moralmente apto a desempenhar suas funções em cargo ou emprego público, seria extrapolar a órbita do interesse público, pois o fato do candidato possuir inscrição em cadastro de restrição ao crédito não significa que ele é necessariamente uma pessoa desonesta e interessada em lesar terceiros.
O endividamento tem se tornado cada vez mais frequente entre os brasileiros, podendo ser voluntário como, por exemplo, aquele que ocorre com pessoas que compram de forma excessiva e desnecessariamente.
Ocorre que nem sempre o endividamento tem origem em um ato voluntário, pois as pessoas podem deixar de pagar suas contas por causa do desemprego ou se verem compelidas a gastarem em razão de alguma doença, comprometendo seriamente sua situação financeira.
O que podemos afirmar é que motivos para um endividamento involuntário é o que não faltam. Porém, sendo voluntário ou involuntário, o endividamento pode ocasionar a inscrição em cadastro de restrição ao crédito.
Contudo, essa inscrição não pode servir de parâmetro para generalizar a idoneidade de um candidato, imprimindo-lhe a característica de que se trata de uma pessoa desonesta, que não possui conduta ilibada ou idoneidade moral.
A jurisprudência dos Tribunais Superiores é firme no sentido de reconhecer ao cidadão e ao candidato em particular a proteção da inocência enquanto não encerrada a ação penal condenatória.
Daí compreensível a ilação possível de que também não haveria obstáculo à nomeação de candidato aprovado em concurso quando a conduta classificada como inidônea pela Administração limita-se a inadimplência que deu causa à inscrição em cadastro de restrição ao crédito.
Por isso, afronta o razoável a eliminação de um candidato em concurso público pelo só fato de seu nome ter sido inscrito em cadastro de restrição ao crédito, quando, diante da atual condição socioeconômica, o concurso público pode ser a única alternativa para o candidato auferir renda e pagar suas dívidas.
JURISPRUDÊNCIA.
Nesse sentido é o posicionamento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
1
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. DECADÊNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. EXCLUSÃO DO CANDIDATO DO CURSO DE FORMAÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.
(…) 2. Segundo jurisprudência consolidada desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, a existência de inquérito, ação penal, ou registro em cadastro de serviço de proteção ao crédito não são capazes de provocar a eliminação de candidato na fase de investigação social do concurso. Respeito ao princípio da presunção de inocência. 3. Agravo regimental improvido.[19]
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. INABILITAÇÃO NA FASE DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL. EXISTÊNCIA DE INQUÉRITOS POLICIAIS, AÇÕES PENAIS EM ANDAMENTO OU INCLUSÃO DO NOME DO CANDIDATO EM SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.
(…) 2. É desprovido de razoabilidade e proporcionalidade o ato que, na etapa de investigação social, exclui candidato de concurso público baseado no registro deste em cadastro de serviço de proteção ao crédito. 3. Recurso ordinário em mandado de segurança conhecido e provido.[20]
No mesmo sentido já decidiu o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, em acórdão assim emendado:
AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. CONCURSO PÚBLICO. SOLDADO COMBATENTE DA POLÍCIA MILITAR. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. INSCRIÇÃO NO SPC. EXAME MÉDICO. DEFICIÊNCIA VISUAL. RECURSO IMPROVIDO. A ausência de certidão do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) não justifica a reprovação de candidato no certame, vez que esta não é meio suficiente para fazer prova da idoneidade moral do candidato[21].
2
Por outro lado, não podemos desconsiderar que somente diante do caso concreto é que se poderá verificar se o candidato possui ou não idoneidade moral para ser considerado apto na fase de investigação social.
Essa análise deve ser feita dentro dos limites da razoabilidade, evitando excessos por parte da Administração Pública e, ao mesmo tempo, assegurando que candidatos moralmente idôneos não ingressem no serviço público.
Deste modo, dependendo da quantidade de inscrições em cadastro de restrição ao crédito e da forma como elas se originaram, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já entendeu ser legítima a exclusão de candidato em concurso público:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. TÉCNICO PENITENCIÁRIO. SINDICÂNCIA DE VIDA PREGRESSA E INVESTIGAÇÃO SOCIAL. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO. EMISSÃO REITERADA DE CHEQUES SEM FUNDO. CONTRAINDICAÇÃO DO CANDIDATO. PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO.
I – A questão está em apurar se as condutas — caracterizadas por 5 registros de inadimplência no serviço de proteção ao crédito; 8 registros de inadimplência em cheque lojista e 32 registros no cadastro de emitente de cheque sem fundo — que a administração tem por inidôneas para fins de nomeação para o cargo de agente penitenciário, são ou não incompatíveis com a natureza do cargo.
II – Remanesce, contudo, a questão em distinguir da coisa julgada ou da conduta penalmente punida, aquela que, não constituindo crime ainda, assim revela comportamentos potencialmente incompatíveis com a natureza, importância ou sensibilidade do cargo disputado.
III – Se o candidato, no período de 2004 a 2008 envolveu-se em tantos episódios que redundaram nas ocorrências mencionadas pelo acórdão local, primeiro não parece possível — já que se trata de mandado de segurança cuja prova é por definição pré-constituída — reabrir-se a instrução para contestar as referências ou circunstâncias dos eventos, e, depois, se ao administrador cabe avaliar as exigências da atividade de agente penitenciário por poder discricionário legalmente admissível, não pode o Tribunal substituir-se nesse juízo para o qual lhe falta tanto o poder de discrição quanto a oportunidade do exame da prova necessária[22].
Como se vê, neste caso analisado pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, o candidato possuía 5 registros de inadimplência no serviço de proteção ao crédito, 8 registros de inadimplência em cheques a lojista e 32 registros no cadastro de emitente de cheque sem fundos.
Essas condutas foram consideradas pela Administração como inidôneas para fins de nomeação para o cargo de agente penitenciário e recebeu o aval do Poder Judiciário.
Como explicou o MINISTRO GILSON DIPP, relator do RMS 30326/DF, “remanesce, contudo, a questão que me parece insistente, de distinguir da coisa julgada ou da conduta penalmente punida, aquela que, não constituindo crime, ainda assim revela comportamentos potencialmente incompatíveis com a natureza, importância ou sensibilidade do cargo disputado”.
Determinadas condutas, ainda que não tipificadas como crimes, não se coadunam com o exercício da função pública, sendo a investigação social indispensável para constatar a idoneidade moral do candidato.
Nesse julgado o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA deixou bem claro que não cuida a lei nem a jurisprudência de definir o que se deve entender por idoneidade moral, abrindo-se aí, por certo, espaço de discrição ao administrador para valorizar as condutas, sem embargo da evidente necessidade de justificar e provar as razões indicadas.
Isso assegura o controle dos atos administrativos que devem ser motivados e respeitar a razoabilidade.
DEPENDÊNCIA QUÍMICA E SEUS IMPACTOS NA INVESTIGAÇÃO SOCIAL NOS CONCURSOS PÚBLICOS.
Dentre os diversos motivos apresentados pela Administração Pública para excluir candidatos em concursos está o envolvimento com drogas comprovado na fase de investigação social. Resta saber se a exclusão de um candidato por esse motivo é ou não legal.
O regramento administrativo quando se trata de excluir a participação de candidato em certame deve estar lastreado em norma jurídica ou direcionado a uma necessidade social específica para justificar sua incidência, não podendo ficar ao sabor de valores pessoais imotivados do administrador, sob pena de ferir a sua finalidade.
É discriminatório e sem razoabilidade incluir como motivo determinante para exclusão de candidato o fato de algum dia ter sido dependente químico?
Por quanto tempo um erro cometido por uma pessoa pode prejudicar sua vida profissional? Para sempre?
Excluir um candidato de concurso pelo fato de ter sido dependente químico em algum momento de sua vida, mas que no momento da inscrição no certame se encontra totalmente recuperado, além de ser uma exigência sem razoabilidade e discriminatória, também representa uma pena perpétua imposta ao candidato, que jamais poderá participar de concursos públicos porque um dia usou drogas.
Ao vedar taxativamente a imposição de penas de caráter perpétuo, em seu art. 5º, XLVII “b”, a Constituição Federal não se referiu restritamente ao Código Penal, significando que o princípio deve ser considerado válido também quando envolve Direito Administrativo.
Assim, nenhum requisito de acessibilidade aos cargos e empregos públicos podem ser criados de modo a impedir definitivamente que um candidato possa participar do processo seletivo.
Além disso, a Constituição Federal determina em seu art. 3º, inciso IV, que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Da leitura do referido dispositivo constitucional percebe-se facilmente que a Constituição não elege como valores-objetivos invioláveis e imunes a quaisquer formas de discriminação tão somente a origem, a raça, o sexo, a cor e a idade da pessoa humana.
O inciso IV, do art. 3º, em sua parte final expressamente consigna que “quaisquer outras formas de discriminação” não serão toleradas.
O objetivo fundamental apontado pelo art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal, é a consagração da regra que veda qualquer tipo de discriminação ou preconceito, enunciando o princípio da isonomia, reiterado em diversos dispositivos constitucionais.
O fato de o candidato ter sido dependente químico e vencido o vício há muitos anos não pode conduzir, por si só, a sua eliminação no concurso público na fase de investigação social.
Um candidato que passou por tratamento e se encontra recuperado ao se inscrever em um concurso público e ser aprovado em suas fases – provas objetivas e/ou discursivas, testes físicos, avaliação psicológica – encontra-se apto para exercer qualquer cargo público.
O critério de exclusão relativo à dependência química, que já foi tratada, não tem qualquer fundamento legal, científico ou psicológico, limitando-se à criação de estereótipo imaginado hipoteticamente, que não afere, de nenhuma maneira, a capacidade de atuação do candidato enquadrado em tal circunstância.
Portanto, trata-se de regra discriminatória, pautada em discrímen absolutamente subjetivo e preconceituoso e que não apresenta qualquer fundamento juridicamente pertinente para a sua exigência.
Isso não é tudo, conforme entendimento pacífico dos Tribunais, candidato que esteja sendo processado criminalmente sem trânsito em julgado da sentença penal condenatória não pode ser eliminado de concurso público por esse motivo.
Para que o processo criminal seja instaurado e seja proferida sentença penal condenatória ao menos devem existir indícios fortíssimos da existência de pratica delituosa.
Mesmo assim, o candidato não poderá ser excluído do concurso, sob pena de ferir o princípio da presunção de inocência e da razoabilidade.
Destarte, com muito mais razão, um candidato que tenha sido dependente químico e no momento da inscrição no concurso se encontra totalmente recuperado também não poderá ser eliminado do concurso por ter se envolvido com drogas no passado.
Isto porque um candidato com sentença penal condenatória que ainda não transitou em julgado, que sem dúvida nenhuma é uma situação muito mais grave, não pode ser excluído do certame em respeito à presunção de inocência.
Indubitavelmente há violação ao princípio da razoabilidade, porque enquanto candidatos que foram condenados criminalmente sem transito em julgado da sentença penal não podem ser excluídos de concurso público, um candidato que superou há muito tempo a dependência química será eliminado.
Nesse sentido, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA tem reconhecido que é desarrazoada, discriminatória e uma verdadeira imposição de pena de caráter perpétuo a eliminação de candidato em concurso público na fase de investigação social em razão de dependência química ocorrida há vários anos:
JURISPRUDÊNCIA
RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO-OCORRÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. PERITO DA POLÍCIA FEDERAL. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. LAUDO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA. FATO OCORRIDO HÁ MAIS DE 10 ANOS DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. ELIMINAÇÃO DO CANDIDATO. MÉRITO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE, EM ALGUNS CASOS, PELO PODER JUDICIÁRIO. DESPROPORCIONALIDADE.
[…]. 2. A doutrina mais moderna vem aceitando a possibilidade de incursão do poder judiciário pelo mérito administrativo, quando o ato atacado esteja desproporcional ou desarrazoado em relação ao sentido comum e ético de uma sociedade. Jurisprudência.
3. Afigura-se desarrazoada e desproporcional a eliminação de um candidato na fase de investigação social de concurso para perito da polícia federal, em razão de fato ocorrido 10 anos antes do certame. Perpetuação de fato que não se amolda ao balizamento constitucional que veda a existência de penas perpétuas[23].
Por fim, é importante ressaltar que o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD, previsto na Lei 11.343/2006, tem como finalidade e princípio a reinserção social de usuários e dependentes de drogas (art. 3º, I e 4º VII).
Veja-se que é uma preocupação do SISNAD promover a reinserção social de usuários e dependentes de drogas, até mesmo quem ainda está lutando contra o vício tem direito ao seu espaço na sociedade.
Isso deixa bem claro que é totalmente incompatível com as diretrizes traçadas pelo SISNAD a imposição de qualquer requisito de acessibilidade que tente impedir ou dificultar a reinserção social de pessoas que foram dependentes químicas e por isso deve ter sua aplicação imediatamente afastada pelo Poder Judiciário.
Por fim, assista o presente vídeo que trata de forma bem interessante do assunto a fase de investigação social nos concursos públicos:
[1] RMS 22089/MS, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 26/06/2007.
[2] RMS 14.587/ES, Relator Ministro Vicente Leal, Sexta Turma, julgado em 10/09/2002.
[3] RMS 9772/PE, Relator Ministro Vicente Leal, Sexta Turma, julgado em 09/05/2000.
[4] STJ, RMS 13609/MG, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 18/03/2003
[5] Princípio da Isonomia e Concursos Públicos. Revista Eletrônica de Direito do Estado. Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 6, abril/maio/junho, 2006. Disponível em: <www.direitodoestado.com.br>.
[6] RE 125556, Relator Ministro Carlos Velloso, Tribunal Pleno, julgado em 27/03/1992.
[7] AI 179583 AgR, Relator: Ministro Maurício Corrêa, Segunda Turma, julgado em 15/04/1996.
[8] TRF da 1ª Região, AMS 2002.34.00.039562-3/DF, Relatora Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Quinta Turma, julgado em 19/11/2004.
[9] MADEIRA, José Maria Pinheiro. Servidor Público na Atualidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 138.
[10] RE 559135 AgR, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 20/05/2008.
[11] AgRg no AI 769.433/CE, Rel. Min. EROS GRAU, DJU 12.02.2010
[12] AgRg no Ag 1282323/RJ, Relator Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador Convocado do TJ/CE), Sexta Turma, julgado em 22/02/2011.
[13] AgRg no REsp 1173592/MG, Relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 23/11/2010.
[14] STJ – RMS 32.657 – RO – Proc. 2010/0139321-3 – 1ª T. – Rel. Min. Arnaldo Esteves
[15] STJ – RMS 18613 – MG – 5ª T. – Rel. Min. Laurita Vaz – DJU 07.11.2005 p. 312
[16] RE 212198, Relator Ministro Marco Aurélio, Segunda Turma, julgado em 14/08/2001.
[17] RE 450971 AgR, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 01/02/2011.
[18] Ver HC 72844, Relator Ministro Francisco Rezek, Segunda Turma, julgado em 26/09/1995.
[19] AgRg no RMS 24.283/RO, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 22/05/2012, DJe 08/06/2012.
[20] STJ – RMS 30.734/DF, Rel. Min. LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 20/09/2011, DJe 04/10/2011
[21] Agravo Interno na Rem Ex-officio nº 35080041219, Relator Desembargador Ney Batista Coutinho, Quarta Câmara Cível, julgamento em 23/02/2010.
[22] RMS 30326/DF, Relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 16/12/2010.
[23] REsp 200600255898, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 19/10/2009.
Tudo sobre psicotécnico nos concursos públicos
psicotécnico nos concursos públicos
Este post apresenta ao leitor tudo sobre psicotécnico nos concursos públicos especialmente as principais ilegalidades que ocorrem e como reverter sua eliminação
O concurso público é o meio de seleção de pessoal para trabalhar em caráter permanente na Administração Pública, sendo decorrência dos princípios da isonomia, impessoalidade, moralidade, indisponibilidade do interesse público e eficiência.
A Administração Pública, em todos os âmbitos da Federação e em todos os seus “Poderes”, precisa de pessoal permanente para desempenhar suas atividades. O concurso público aparece como meio apto a isso. Portanto, há uma premissa e uma meta. A premissa é ofertar a todos condições de participação, agir de forma impessoal e moral. A meta é selecionar os melhores, o que decorre do princípio da Indisponibilidade do Interesse Púbico e da Eficiência.
A realização, condução e conclusão do mesmo devem estar de acordo com estes pontos.
Não se nega a existência de uma margem discricionariedade da Administração ou de seus terceirizados na elaboração do certame, porém que fique claro que essa discricionariedade não é absoluta, devendo respeitar os princípios orientadores da Administração Pública, sob pena de o uso indevido da discricionariedade se converter em arbitrariedade e desrespeitar os direitos dos candidatos ao provimento de uma vaga.
Seja o concurso realizado pela própria Administração seja por empresas terceirizadas, o fato é que se trata de atividade administrativa e por isso a Banca Examinadora responsável por levar a cabo o concurso deve seguir em parte o Regime Jurídico Administrativo, sob pena dessa jogadilha se converter em um modo muito fácil da Administração escapar da observância de seu regime jurídico, da observância dos princípios que norteiam sua conduta.
Basta, para tanto, terceirizar a função e todas aquelas regras que conferem garantia ao cidadão passam a sumir em um passe de mágica, ou, melhor dizendo, numa “delegação contratual mágica”, pois a empresa terceirizada, normalmente da iniciativa privada, não precisaria seguir o Regime Jurídico Público e daí facilmente seria transformando o público em privado e estar-se-ia burlando todas as regras do concurso público.
Portanto, e isso é fora de dúvida ou discussão, seja quem for operacionalizar o certame, deverá seguir os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, proporcionalidade, razoabilidade, segurança jurídica, motivação, etc.
Isso é dito, pois o exame psicotécnico, conforme o caso, pode ser exigido em alguns concursos, porém, para tanto, é necessário a observância de vários requisitos, tais como: a) previsão em lei, b) não aferir perfil profissiográfico, c) ser pautado em critérios objetivos e científicos, d) ter os critérios de análises apresentados no edital, e) ter motivação clara e congruente e oportunizar o exercício da ampla defesa e contraditório de seu resultado na esfera administrativa.
10.2 – CONCEITO E FINALIDADE DO EXAME PSICOTÉCNICO
É sobre isso que recairá este capítulo, porém, antes, temos que entender o que é o exame psicotécnico.
A avaliação psicológica, segundo LUIZ PASQUALI, professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, refere-se a um conjunto de procedimentos confiáveis que permitem ao psicólogo julgar vários aspectos do indivíduo através da observação de seu comportamento em situações padronizadas e pré-definidas. Aplica-se ao estudo de casos individuais ou de grupos nas mais diversas situações. A submissão a testes psicológicos cientificamente desenvolvidos representa uma situação padronizada típica da avaliação psicológica.
10.3 – PRESSUPOSTOS
10.3.1 – Previsão em lei
Primeiro pressuposto para sua exigência: previsão em lei.
Enuncia claramente o artigo 37, incisos I e II da Carta Constitucional:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
A exigência de concurso público para acesso a cargos ou empregos públicos não é baseada no regime jurídico profissional de seus respectivos servidores. Trata-se de exigência constitucional, cujo fundamento é o sacramental princípio da indisponibilidade do interesse público, isonomia, impessoalidade, moralidade, dentre outros.
E reforçando as garantias dos cidadãos das investidas ilegais do Poder Público ficou assentado expressamente no texto constitucional que os requisitos de acesso aos cargos e empregos públicos devem ter previsão em lei, ou seja, não pode o edital criar os requisitos de acesso ao cargo, como, por exemplo, a exigência de exame psicotécnico.
Repita-se, por necessário, a ingente força normativa externada no comando constitucional do artigo 37, inciso II, do Texto Excelso, segundo o qual “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
Por isso o Decreto-Lei 2.320 de 26 de janeiro de 1987, que dispõe sobre o ingresso nas categorias funcionais da Carreira da Polícia Federal, enunciar em seus dispositivos (artigos 6º, 7º e 8º) os requisitos exigidos para o ingresso no cargo, tendo inclusive, de forma expressa em seu artigo 8º, inciso III, enunciado como requisito para a matrícula que o candidato possua “temperamento adequado ao exercício das atividades inerentes à categoria funcional a que concorrer, apurado em exame psicotécnico”.
Assim, o edital, sob nenhuma circunstâncias, pode impor em um concurso o exame psicotécnico como fase ou critério de aprovação do candidato sem que haja previsão legal.
Vejamos.
O edital é um ato administrativo, portanto de inferior hierarquia em relação à LEI e à CONSTITIUÇÃO FEDERAL. Assim, quando se diz que o edital é a “lei interna do concurso”, que o “edital vincula as partes” essa afirmativa somente é correta se o instrumento convocatório estiver em conformidade com a lei e a Constituição Federal, sob pena de subversão e inversão do sistema hierárquico existente entre as espécies normativas.
Deve se lembrar de que a relação da Administração com a lei não é uma relação de não contrariedade – como ocorre com o particular, mas uma relação de conformidade, uma relação de vinculação positiva à lei. Por isso afirma-se que a Administração só pode agir se existir uma lei autorizando ou determinando a conduta.
Neste sentido é a doutrina autorizada sobre o tema:
Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe-se à anulação. Seu campo de ação, como se vê, é bem menor que o do particular. De fato, este [particular] pode fazer tudo o que a lei permite e tudo o que a lei não proíbe; aquela [Administração] só pode fazer o que a lei autoriza e, ainda assim, quando e como autoriza. Vale dizer, se a lei nada dispuser, não pode a Administração Pública agir. [1]
Também no mesmo sentido caminha mansa e pacificamente a jurisprudência do Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. CONCURSO PÚBLICO. EXAME PSICOTÉCNICO INQUINADO DE ILEGALIDADES. DIREITO LÍQUIDO E CERTO EVIDENCIADO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N.º 182 DO STJ.
(…)
- In casu, é patente a ilegalidade do exame psicotécnico sub examine, verificada, aliás, em várias oportunidades. São elas: a) ausência de previsão legal, b) caráter subjetivo c) caráter irrecorrível – quando o edital previu apenas seletivo. (…)[2]
“1. Admite-se a exigência de aprovação em exame psicotécnico para provimento de certos cargos públicos, com vistas à avaliação pessoal, intelectual e profissional do candidato. No entanto, exige se a presença de certos pressupostos, a saber: a) previsão legal, sendo insuficiente mera exigência no edital; b) não seja realizado segundo critérios subjetivos do avaliador, que resultem em discriminação dos candidatos; c) seja passível de recurso pelo candidato. (…)[3]
“…..Não havendo prova da previsão legal da realização de exame psicotécnico, e tendo o mesmo sido realizado dentro de critérios subjetivos, sigilosos e irrecorríveis, é de se reconhecer a ofensa a direito líquido e certo do candidato a continuar no certame e a ser submetido a novo exame.” – Recurso ordinário a que se dá parcial provimento.[4]
Nessa trilha também caminha a jurisprudência do Excelso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – CONCURSO PÚBLICO – EXAME PSICOTÉCNICO – CF, art. 37, I. I. Exame psicotécnico: somente a Lei pode exigi-lo como requisito para o ingresso no serviço público. CF, art.37, I. No caso, o exame psicotécnico está previsto em ato administrativo, apenas: ilegitimidade. II. RE. Inadmitido. Agravo não provido.” (STF – RE- AgR 330546 – RN – 2ª T. – Rel. Min. Carlos Velloso – DJU 23.08.2002 – p. 112) JCF.37 JCF.37.
A matéria chegou a ser pacificada de tal forma que foi sumulada pela Suprema corte, conforme se verifica da análise do verbete sumular nº. 686:
Súmula 686: Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público.
Conclui-se, portanto, que os requisitos impostos à investidura de um candidato a cargo ou emprego público na disputa de certame devem estar de antemão previstos em lei em sentido estrito, não sendo permitido à Administração pública ferir o Princípio da Legalidade impondo exigências, por meio de editais, não amparadas em comando legal permissivo.
10.3.2 – Ser baseado em critérios objetivos e científicos.
O segundo pressuposto é o teste ser baseado em critérios objetivos e científicos.
Os exames psicotécnicos apenas não podem ser aplicados, como foram durante muitos anos, em caráter sigiloso, de forma imotivada, sem possibilidade de recursos, em método completamente arbitrário e incompatível com o Estado de Direito regente. Devem os mesmos, além disso tudo, serem baseados em critérios científicos, objetivos, sob pena de ilegalidade dos testes e possibilidade de controle jurisdicional dos mesmos.
Caso contrário, seria muito fácil burlar os princípios da isonomia, publicidade e impessoalidade, sendo o teste, na verdade, uma mera entrevista, cuja aprovação dependeria unicamente da avaliação subjetiva do examinador, muitas vezes despreparado para a função, principalmente por não ter parâmetros, critérios de avaliação. Seria rumar ao passado, às arbitrárias entrevistas sigilosas, prática combatida com vigor pelos Tribunais Superiores e incompatível com um Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, veja o entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o tema:
“…O exame psicotécnico, cuja principal característica é a objetividade de seus critérios, indispensável à garantia de sua legalidade, deve ter resultado que garanta a publicidade, bem assim a sua revisibilidade. Inadmissível, portanto, o caráter sigiloso e irrecorrível do referido exame. 3. O critério fixado no “perfil profissiográfico”, previsto no item 11.3 do edital, é elemento secreto, desconhecido dos próprios candidatos, e, portanto, incontrastável perante o Poder Judiciário, o que o fulmina de insanável nulidade, excedendo, assim, a autorização legal. 4. O fato de ser reconhecida a ilegalidade da correção do exame psicotécnico não exime a candidata de se submeter a novo exame, não podendo prosperar sua pretensão de ser diretamente nomeada ao cargo. Precedente. 5. Recurso parcialmente provido para reconhecer a nulidade do teste psicotécnico da Recorrente, devendo ela ser submetida a novo exame.[5]
No mesmo sentido caminha a mansa e pacífica jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO DE AGENTE PENITENCIÁRIO DE SEGUNDA CLASSE DA CARREIRA POLICIAL CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. AUSÊNCIA DE AMPLA RECORRIBILIDADE. CRITÉRIOS SUBJETIVOS. OFENSA ÀS GARANTIAS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. Os atos administrativos praticados na condução de concurso para provimento de cargos públicos devem-se pautar em critérios objetivos. Isto para permitir ao candidato a compreensão e eventual impugnação da nota que lhe foi atribuída em determinado exame. Precedentes: AI 265.933-AgR, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence; AI 467.616-AgR, da relatoria do ministro Celso de Mello; e RE 326.349-AgR, da relatoria do ministro Gilmar Mendes. Agravo regimental a que se nega provimento.[6]
Apenas para elucidar é muito comum o edital do concurso tratar vagamente a matéria e, por isso, descumprir o requisito da objetividade e apresentação dos critérios científicos do teste.
Veja-se, a título de exemplo, trecho de um edital de concurso para soldado combatente da Policia Militar de um determinado Estado, conduzido, em parte, pelo CESPE:
Prescreve os itens 12.2.3, 12.2.5 e 12.2.6 do edital que regeu o certame:
12.2.3 A avaliação psicossomática consistirá na aplicação e na utilização de instrumentos psicológicos visando avaliar a adequação do candidato ao perfil profissiográfico do cargo. Serão avaliadas características de personalidade, habilidades específicas e tipos de raciocínio compatíveis com o bom desempenho no cargo.
12.2.5 Na avaliação psicossomática, o candidato será considerado recomendado ou não recomendado. O resultado obtido na avaliação psicossomática será decorrente da análise conjunta das técnicas e instrumentos utilizados. Dessa análise resultará o parecer recomendado ou não recomendado.
12.2.6 Será considerado não recomendado e, consequentemente, eliminado do concurso o candidato que não apresentar os requisitos psicológicos necessários ao exercício do cargo.
Em nenhum momento são apresentados os critérios objetivos e científicos que serão levados em conta na execução do exame, o que vai ser analisado, como vai ser analisado, o que se espera objetiva e cientificamente do candidato para ele ser aprovado.
Simplesmente o edital se utilizada de frases soltas e vagas sobre o exame, como:
“…Serão avaliadas características de personalidade, habilidades específicas e tipos de raciocínio compatíveis com o bom desempenho no cargo.”
“…O resultado obtido na avaliação psicossomática será decorrente da análise conjunta das técnicas e instrumentos utilizados”
“… o candidato que não apresentar os requisitos psicológicos necessários ao exercício do cargo.”
Analisando caso onde o edital era muito similar o douto relator Ministro PAULO MEDINA deixou claro em seu voto que:
Não me parece aceitável que o edital de concurso, no item 6.2 (fls. 23), ao dispor que “a avaliação psicológica terá como objetivo selecionar candidatos que possuam as características de inteligência, de aptidão e de personalidade necessárias ao desempenho adequado às atividades atinentes ao cargo, inclusive para portar arma de fogo” tenha previsto, objetivamente, os critérios de seleção dos candidatos.
E nem se argumente que não é possível apresentar previamente no edital os critérios objetivos de avaliação do exame psicossomático. Apenas a título de exemplo, dentre os inúmeros existentes, registre-se casos em que o exame foi aplicado corretamente no concurso.
Veja como o instrumento convocatório objetivamente tratou a matéria no concurso público de provas e títulos para ingresso na classe inicial da carreira de Delegado de Polícia do grupo Polícia Civil do Estado de Mato Grosso do Sul, regido pelo edital N° 01/2006 – SEGES/SEJUSP/PC.
12 – DO EXAME PSICOTÉCNICO
“12.1 – O exame psicotécnico será realizado no dia 03 de maio de 2006, em local e horário a ser publicado no Diário Oficial do Estado de Mato Grosso do Sul do dia 26 de abril de 2006 e disponibilizado na Internet www.pc.ms.gov.br e www.fapec.org
12.2 – O Exame Psicotécnico terá por objetivo selecionar candidatos, mensurando, de forma objetiva e padronizada, identificando e quantificando escores, características de inteligência, aptidão e personalidade necessários ao desempenho e habilidades psicológicas do candidato ao Cargo de Delegado de Polícia do Grupo Polícia Civil/MS, de acordo com o perfil estabelecido, através do emprego de um conjunto de instrumentos e técnicas científicas, que favoreçam um prognóstico a respeito do desempenho, adaptação e adequação, ao cargo proposto, bem como no que diz respeito ao porte e uso de arma de fogo.
12.3 – Neste exame serão utilizados testes psicológicos, como medidas psicométricas para medir habilidades específicas (aptidões variadas, como: atenção, memória, percepção, etc.) e inteligência geral, bem como características de estrutura de personalidade, que são indicadores que permitem ao psicólogo avaliar, em termos de probabilidade, o potencial latente apresentado pelo candidato em questão, naquele momento da avaliação, sua capacidade para solução de problemas, além de verificar se o mesmo demonstra traços de personalidade, condições de equilíbrio e ajuste psicossocial adequados ao desempenho das atividades de polícia judiciária desenvolvidas pela Polícia Civil, subsidiando assim a decisão da Junta de Psicólogos, pela indicação ou não de exercer o Cargo de Delegado de Polícia do Grupo Polícia Civil/MS.
12.4 – O Exame Psicotécnico será feita através de aplicação coletiva da bateria de testes psicológicos. O candidato que não comparecer ou não demonstrar o perfil estabelecido será eliminado do concurso.
12.5 – O Exame Psicotécnico será realizado por instituição/empresa especializada, credenciada especificamente para este fim pela FAPEC, sendo que as despesas correrão às expensas do candidato.
12.6 – Os instrumentos utilizados para avaliar o perfil psicológico do candidato, a fim de verificar sua capacidade de adaptação e seu potencial de desempenho positivo, serão definidos segundo os parâmetros estabelecidos pela definição do perfil psicológico, adotado como padrão pela Polícia Civil-MS, por meio das seguintes características e dimensões (nível) respectivas: controle emocional (elevado); ansiedade (diminuída); impulsividade (adequada); domínio psicomotor (adequado); autoconfiança (elevada); resistência à frustração (elevada); potencial de desenvolvimento cognitivo (elevado); memórias auditiva e visual (boas); controle e canalização produtiva da agressividade (elevados); disposição para o trabalho (elevada); resistência à fadiga psicofísica (elevada); iniciativa (elevada); potencial de liderança (elevado); capacidade de cooperar e trabalhar em grupo (boa); relacionamento interpessoal (adequado); flexibilidade de conduta (adequada); criatividade (elevada); fluência verbal (elevada); sinais fóbicos e disrítmicos (ausentes), atenção concentrada (boa), percepção de detalhes (boa).
12.6.1 – Descrição das características a serem avaliadas:
- a) controle emocional: habilidade do candidato para reconhecer as próprias emoções, diante de um estímulo qualquer, antes que as mesmas interfiram em seu comportamento, controlando-as, a fim de que sejam manifestadas de maneira adequada no meio em que estiver inserido, devendo o candidato adaptar-se às exigências ambientais, mantendo intacta a capacidade de raciocínio.
- b) ansiedade: aceleração das funções orgânicas, causando agitação emocional que possa afetar a capacidade cognitiva do candidato, devido à antecipação de conseqüências futuras. A preocupação antecipada leva a um estado de preparação física e psicológica para defender a incolumidade pessoal contra uma possível adversidade, o que deixa o indivíduo em constante estado de alerta (fase 1 do ciclo de estresse).
- c) impulsividade: falta de capacidade para governar as próprias emoções, caracterizando-se pela surpresa às reações e pela tendência em reagir de forma involuntária, inesperada, intensa e brusca diante de um estímulo interno ou externo sem a possibilidade de haver prévio raciocínio sobre o fator motivante do ato impulsionado.
- d) domínio psicomotor: habilidade cinestésica, por meio da qual o corpo movimenta-se com eficiência, atendendo com presteza às solicitações psíquicas e/ou emocionais.
- e) autoconfiança: atitude de autodomínio do candidato, presença de espírito e confiança nos próprios recursos, estabelecendo contatos de forma resoluta e decidida. Capacidade de reconhecer suas características pessoais dominantes e acreditar em si mesmo.
- f) resistência à frustração: habilidade do candidato em manter suas atividades em bom nível qualitativo e quantitativo, quando privado da satisfação de uma necessidade pessoal, em uma dada situação de trabalho ou particular.
- g) potencial de desenvolvimento cognitivo: grau de inteligência geral (fator G), dentro de faixa mediana padronizada para a análise, aliado à receptividade para incorporar novos conhecimentos e reestruturar conceitos já estabelecidos, a fim de dirigir adequadamente seu comportamento.
- h) memória auditiva e visual: capacidade para memorizar sons e imagens, tornando-os disponíveis à consciência, para a lembrança imediata, a partir de um estímulo atual.
- i) controle e canalização produtiva da agressividade: capacidade do candidato de controlar a manifestação da energia agressiva a fim de que a mesma não surja de forma inadequada em seu comportamento, e para que, ao mesmo tempo, possa direcioná-la à realização de atividades que sejam benéficas para si e para a sociedade, mostrando-se uma pessoa combativa.
- j) disposição para o trabalho: capacidade para lidar, de maneira produtiva, com tarefas sob sua responsabilidade, participando delas de maneira construtiva.
- k) resistência à fadiga psicofísica: aptidão psíquica e somática do candidato para suportar uma longa exposição a agentes estressores, sem sofrer danos importantes em seu organismo e sem que tais agentes interfiram na sua capacidade cognitiva;
- l) iniciativa: capacidade de influenciar o curso dos acontecimentos, colocando-se de forma atuante, não passiva, diante das necessidades de tarefas ou situações . Tal capacidade implica uma disposição para agir ou empreender uma ação, tomando a frente em uma determinada situação.
- m) potencial de liderança: habilidade para agregar as forças latentes existentes em um grupo, canalizando-as no sentido de trabalharem de modo harmônico e coeso na solução de problemas comuns, visando atingir objetivos pré-definidos. Facilidade para conduzir, coordenar e dirigir as ações das pessoas, para que atuem com excelência e motivação, estando o futuro líder disponível para ser treinado em sua potencialidade.
- n) capacidade de cooperar e trabalhar em grupo: disposição do candidato para ceder às exigências do grupo, ao mesmo tempo em que se propõe a atender às solicitações de apoio, emprestando suas habilidades em prol da realização de ações para a conclusão das tarefas, visando atingir os objetivos definidos pelos seus componentes.
- o) relacionamento interpessoal: capacidade de perceber e reagir adequadamente às necessidades, sentimentos e comportamentos dos outros.
- p) flexibilidade de conduta: capacidade de diversificar seu comportamento, de modo adaptativo, atuando adequadamente, de acordo com as exigências de cada situação em que estiver inserido.
- q) criatividade: habilidade do candidato para tirar conclusões e revitalizar soluções antigas a que chegou pela própria experiência anterior e vivência interna, apresentando então novas soluções para os problemas existentes, procurando assim buscar formas cada vez mais eficazes de realizar ações e atingir objetivos, valendo-se dos meios disponíveis no momento.
- r) fluência verbal: facilidade para utilizar as construções lingüísticas na expressão do pensamento, por meio de verbalização clara e eficiente, manifestando-se com desembaraço, sendo eficaz na comunicação.
- s) sinais fóbicos e disrítmicos: o primeiro termo diz respeito à presença de sinais de medo irracional ou patológico. O termo seguinte refere-se à presença de traços de disritmia cerebral.
- t) percepção de detalhes: capacidade que o indivíduo tem na preocupação com minúcias e detalhes.
- u) atenção concentrada: capacidade de centralizar suas atenções durante toda a duração da tarefa.
12.6.2 – As características terão as seguintes Dimensões (Níveis):
- a) elevado: muito acima dos níveis medianos;
- b) bom: acima dos níveis medianos;
- c) adequado: dentro dos níveis medianos;
- d) diminuído: abaixo dos níveis medianos;
- e) ausente: não apresenta as características elencadas.
12.7 – O resultado deste exame será expresso pelos conceitos:
- a) Habilitado: significando que o candidato apresentou, no concurso, perfil psicológico pessoal compatível com o perfil psicológico profissional, descrito no presente Edital.
- b) Não Habilitado: significando que o candidato não apresentou, no concurso, perfil psicológico pessoal compatível com o perfil psicológico profissional, descrito no presente Edital.
12.8 – Será considerado Não Habilitado e não concorrerá às demais fases, o candidato que não apresentar as características necessárias ao cargo, e que apresente, por exemplo, traços patológicos de personalidade, agressividade, impulsividade inadequada, controle emocional inadequado, inteligência abaixo da média e outras características de personalidade e de habilidades específicas que o tornem incapaz para o exercício da função que requer uso de armamento letal e não letal e tomada de decisão em momentos de extrema tensão, dentre outros.
12.9 – Será contra indicado, de acordo com o perfil estabelecido o candidato que, após uma análise conjunta de todos os instrumentos utilizados e da junta de técnicos responsáveis pela avaliação, apresentar as seguintes características: prejudiciais (controle emocional inadequado, tendência depressiva, impulsividade inadequada, agressividade inadequada, inteligência abaixo da média); indesejáveis (capacidade de análise, síntese e julgamento inadequados, ansiedade, resistência à frustração inadequada e flexibilidade inadequada); e restritivas (sociabilidade inadequada e maturidade inadequada e atenção e memória com percentuais inferiores); sendo os critérios de corte os seguintes:
- a) 4 características prejudiciais;
- b) 3 características prejudiciais e 2 indesejáveis;
- c) 2 características prejudiciais, 2 indesejáveis e 1 restritiva;
- d) 3 características indesejáveis;
- e) 2 características prejudiciais, 1 indesejável e/ou 1 restritiva;
- f) 2 características indesejáveis e 2 restritivas;
- g) 1 prejudicial, 2 indesejáveis e 1 restritiva.
12.10 – A não habilitação no Exame Psicotécnico não pressupõe a existência de transtornos mentais. Indica, tão somente, que o avaliado não atende aos parâmetros exigidos para o exercício das funções do cargo de Delegado de Polícia.
12.11 – A não habilitação de candidato, integrante do Grupo Polícia Civil do Estado de Mato Grosso do Sul, quando ocorrer, produz efeitos apenas para o presente concurso, referindo-se aos padrões de adaptação e desempenho das funções a serem assumidas, em nada interferindo no que respeita ao prosseguimento do seu exercício profissional normal, do cargo que ocupe.
12.12 – O candidato deverá apresentar-se para o Exame Psicotécnico, com antecedência mínima de 30 (trinta) minutos do horário marcado para seu início, munido do documento oficial de identidade estabelecido no subitem 6.7.1.
12.13 – Nenhum candidato não habilitado será submetido a novo exame ou prova dentro do presente concurso.
12.14 – Não se realizará qualquer teste ou etapa do Exame Psicotécnico fora dos espaços físicos estabelecidos, bem como não será dado nenhum tratamento privilegiado, nem será levada em consideração qualquer alteração, psicológica ou fisiológica passageira, na data estabelecida para realização da avaliação psicológica.
12.15 – Não haverá segunda chamada independente do motivo alegado pelo candidato, nem realização de exame fora da data e horário estabelecidos no edital de convocação. Não serão aceitos testes psicológicos e laudos realizados por outros psicólogos.
12.16 – O Resultado do Exame Psicotécnico será publicado no Diário Oficial do Estado de Mato Grosso do Sul do dia 09 de maio de 2006 e disponibilizado na Internet através dos sites www.pc.ms.gov.br e www.fapec.org”
Portanto, equivocadas decisões de alguns seguimentos do Poder Judiciário onde erroneamente argumentam que apresentar os critérios científicos e objetivos do exame seria uma antecipação do mesmo, ou seja, uma antecipação de gabarito. Decisões neste sentido estão equivocadas, e na contramão do entendimento do STJ e STF. O que se quer é a apresentação dos critérios que serão levados em consideração no exame para que não haja julgamento subjetivo, pessoal, como tanto ocorreu no passado. Assim, devem ser apresentadas as regras como a do edital acima transcrito e isso não é antecipação de gabarito.
Portanto, que fique claro, os critérios objetivos e científicos que serão levados em consideração no exame psicotécnico devem estar previstos no edital, sob pena de violação aos princípios da impessoalidade, publicidade, segurança jurídica, dentre outros.
E nem se argumente que os laudos de avaliação psicológicas apresentados pelas Bancas Examinadoras após o exame aos candidatos possuem critérios objetivos, pois a objetividade que se espera, até em nome do princípio da segurança jurídica, da publicidade e da moralidade, é no edital do concurso e não no laudo.
Nesse sentido tem sido o entendimento do Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – REPROVAÇÃO EM EXAME PSICOTÉCNICO – CRITÉRIOS SUBJETIVOS DE AVALIAÇÃO – INVALIDADE – POSTERIOR CONVOCAÇÃO DO CANDIDATO PARA REALIZAÇÃO DO CURSO DE FORMAÇÃO POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO – LIMINAR CONCEDIDA EM CAUTELAR PARA RESERVA DE VAGA – APLICAÇÃO DA TEORIA DO FATO CONSUMADO – POSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO.
- Os critérios de que se valerem o edital, quais sejam, “características de inteligência, de aptidão e de personalidade para o desempenho adequado das atividades” são demasiado discricionários e subjetivos, pois se utilizam de conceitos vagos, amplos e imprecisos.
- Nesse sentido, não importa se o laudo de avaliação psicológica manifestou-se sobre os níveis obtidos de “personalidade”, “raciocínio espacial”, “raciocínio verba” e “raciocínio abstrato”, pois a objetividade que se exige é do edital, de forma que o candidato conheça, antecipadamente, os critérios de sua avaliação.
- A “teoria do fato consumado” só não se aplica aos concursos públicos quando o candidato permanece no certame por força de decisão judicial precária, o que não é o caso, pois fora convocado para o curso de formação, por erro da Administração.
- A medida cautelar foi proposta a fim de evitar a expiração do prazo de validade do curso de formação e a liminar concedida atendendo-se ao pedido de reserva de vaga.
- Recurso provido, para determinar a realização de novo exame psicotécnico, com critérios objetivos, mantendo-se a reserva de vaga concedida na medida cautelar nº 10.454, em trâmite na Terceira Seção do STJ.
Note que ficou claro na decisão do STJ que “não importa se o laudo de avaliação psicológica manifestou-se sobre os níveis obtidos de “personalidade”, “raciocínio espacial”, “raciocínio verba” e “raciocínio abstrato”, pois a objetividade que se exige é do edital, de forma que o candidato conheça, antecipadamente, os critérios de sua avaliação.
10.4 – ANALISE DE PERFIL PROFISSIOGRÁFICO DO CANDIDATO POR MEIO DE PSICOTÉCNICO.
Saber se um candidato tem ou não equilíbrio emocional, se é psicótico, problemático, diferencia-se sobremaneira de exigir que tenha um perfil psicológico que o administrador, unilateralmente, entende ser o mais adequado ao cargo.
É dito isso porque muitos candidatos são desclassificados não porque tem desequilíbrio emocional, mas porque não atende a um perfil fixado pelo administrador, o que é flagrantemente ilegal.
Percebe-se muitas vezes que a Administração quer um estereótipo, um padrão imposto unilateralmente e sem amparo legal. Traz-se, a título de exemplo, o teor do item 8.2 e 8.2.1 de determinado edital que regeu certo concurso:
8.2 A avaliação psicológica consistirá na aplicação e na avaliação de baterias de testes e instrumentos psicológicos científicos, que permitem identificar aspectos psicológicos do candidato de acordo com o perfil exigido para o exercício do cargo, visando verificar, entre outros:
- a) capacidade de concentração e atenção;
- b) tipos de raciocínio;
- c) controle emocional;
- d) relacionamento interpessoal;
- e) capacidade de memória;
- f) características de personalidade.
8.2.1 A avaliação psicológica avaliará também as características de personalidade prejudiciais ao exercício do cargo como, por exemplo, agressividade inadequada, impulsividade inadequada, rigidez de conduta, ansiedade exacerbada.
A doutrina e jurisprudência são claras e cristalinas no sentido de que o exame psicotécnico não pode ser utilizado como teste profissiográfico, mas somente com o objetivo de avaliar se o candidato é portador de algum traço patológico ou exacerbado a níveis extremados e, portanto, incompatível com determinado cargo ou função.
Nesse sentido cai como uma luva a lição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, advogando a impossibilidade de manejo do exame para verificar o perfil profissiográfico do candidato, ou seja, se ele encaixa ou não a um padrão traçado unilateralmente pela Administração.
Entretanto, o que se nega terminantemente e que seja compatível com o Texto Constitucional por violar a necessária objetividade inerente à razão de ser dos princípios da acessibilidade e do concurso público – a adoção de um perfil psicológico em que se devam encaixar os candidatos, pena de exclusão do certame. Com efeito, uma coisa é ser portador de algum traço patológico ou exacerbado a níveis extremados e portanto incompatível com determinado cargo ou função, e outra coisa, muito distinta, é ter que estar ajustado a um “modelo” ou perfil psicológico adrede delineado para o cargo.[7]
Nesse mesmo sentido caminha mansa e pacificamente a jurisprudência de nossos Tribunais, deixando sempre assentado de forma clara e irrefutável a reprovabilidade a exigência de psicotécnico com objetivo de selecionar candidatos segundo o perfil profissiográfico traçado unilateralmente e sem embasamento legal pela Administração.
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE PAPILOSCOPISTA POLICIAL FEDERAL. REPROVAÇÃO EM TESTE PSICOTÉCNICO. CRITÉRIO QUE CONDICIONOU A RECOMENDAÇÃO DO CANDIDATO AO CARGO AO SEU ENQUADRAMENTO NO PERFIL PROFISSIOGRÁFICO TRAÇADO. EXIGÊNCIA NÃO CONTIDA NAS LEIS QUE REGEM O INGRESSO NA CARREIRA POLICIAL. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. RESTRIÇÃO AO DIREITO DE ACESSO A CARGO PÚBLICO.
- As leis referentes a exame psicotécnico da carreira policial federal exigem apenas que o candidato possua sanidade mental e temperamento adequado ao exercício das atividades inerentes à categoria funcional a que concorrer (Decreto-lei 2.320/87, art. 8º, inciso III e Lei 4.878/65).
- Apresenta-se fora da razoabilidade e restringe o direito ao acesso a cargo público o exame psicológico que visa a aferir a capacidade intelectual dos candidatos, segundo o perfil profissiográfico traçado pela Administração. Precedentes da Corte.
- Apelação a que se dá provimento.[8]
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. CONCURSO PÚBLICO. ESCRIVÃO DA POLÍCIA FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. PREVISÃO NA LEI 4.878/65 E DECRETO-LEI 2.320/87. PERFIL PROFISSIOGRÁFICO SIGILOSO. ILEGALIDADE. SENTENÇA EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STF E DO STJ E COM A SÚMULA 239/TFR.
- Segundo o enunciado 239 da Súmula do TFR, “é legítima a exigência de exame psicotécnico em concurso público para ingresso na Academia Nacional de Polícia”, em razão de expressa previsão legal (Lei 4.878/65 e Decreto-lei 2.320/87).
- Viola, contudo, a CF/88 a realização de psicotécnico cujo escopo não é aferir a existência de traço de personalidade que impeça o regular exercício do cargo, mas a adequação do candidato a “perfil profissiográfico” sigiloso, não previsto em lei e nem especificado no edital. (Cf. STF, RE 265.261/PR, Primeira Turma, Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 10/08/2001; RE 125.556/PR, Pleno, Ministro Carlos Velloso, DJ 15/05/1992; STJ, RMS 13.237/DF, Quinta Turma, Ministro Jorge Scartezzini, DJ 26/08/2002; TRF1, AC 2002.33.00.012601-5/BA, Sexta Turma, Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues, DJ 21/10/2004; AMS 1999.01.00.039060-2/DF, Sexta Turma, Desembargador Federal Souza Prudente, DJ 18/03/2003; AC 2000.01.00.053737-2/MG, Quinta Turma, Desembargador Federal Antônio Ezequiel, DJ 10/06/2002.)
- Apelação e remessa oficial não providas.[9]
CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. CARÁTER SIGILOSO E SUBJETIVO. INCONSTITUCIONALIDADE.
- A exigência do exame psicotécnico é legal e harmoniza-se com o preceito insculpido no art. 37, II, da Constituição Federal.
- Viola os arts. 5°, XXXIII, XXXV e LV, e 37 da Carta Magna a adequação do concursando a perfil profissiográfico previamente traçado pela Administração e pautado em critérios subjetivos, sigilosos e irrecorríveis.
- Recurso adesivo dos autores provido.
- Apelação da União e Remessa Oficial improvidas.[10]
No julgamento do AGRAVO DE INSTRUMENTO n.º 2008.00.2.017854-8, o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL, colhe-se elucidativo voto do eminente DESEMBARGADOR JOÃO MARIOSI sobre as inúmeras ilegalidades na realização de prova objetivando traçar perfil profissiográfico de candidatos. Veja o ilustrativo voto, que refuta qualquer pretensão em se admitir tal teste:
Os perfis psicológicos são, portanto, retrato de estereótipos intuídos aleatoriamente pelo Administrador, que os fornece aos analistas.
Realce-se que é não negado valor científico aos exames em si; estes são úteis e válidos para avaliação futura e destinação de atividades dentro do órgão administrativo. O que é trazido à discussão é o caráter reprovatório dado ao conceito emitido pelo psicólogo, que, por sinal, se atém ao perfil traçado pelo Administrador.
A relevância da questão do perfil psicológico é que deve ser conhecida meritoriamente em Mandado de Segurança. Diverge-se de entendimentos outros em que tal matéria deva ser conhecida em via ordinária por meio de provas, inclusive pericial.
O problema não está no estudo do perfil e sua inadequação ao candidato, mas na sua descrição. O Administrador deverá descrever o servidor perfeito de acordo com a lei ou leis e regulamentos de regência. A discricionariedade de seus atos tem limite na lei, conforme constitucionalmente se vê da obrigatoriedade legal, Constituição, art.5º, II.
A descrição do servidor que extrapolar os princípios do Art.37 da Carta Magna constitui abuso de autoridade.
É, portanto, direito do Impetrante ou do Autor conhecer a descrição do tipo psicológico descrito pelo Administrador e dele divergir, se o caso, quer preventivamente, quer após a realização dos exames psicológicos. É também direito seu reprimir pelo mandamus ou por liminares o afastamento de concurso ou curso, com base em não-recomendação após os exames psicológicos. (…)
Como têm salientado alguns membros do Ministério Público, os testes psicológicos se tornaram arcana imperii. De fato. Como poderia o Poder Judiciário admitir terem os examinadores procedido com retidão, quando os mestres da Psicologia Aplicada empregam ardis para obterem resultados corretos, segundo seu ponto de vista? Como se pode falar em objetividade, quando a subjetividade é não só a tônica, mas também o corolário?
Pior que tudo isto é tornar os meios e fórmulas inacessíveis a todos quantos objetivam conhecer as técnicas empregadas, como realça o Desembargador Romeu Jobim:
“O próprio Administrador não conhece os motivos pelos quais os psicólogos não recomendaram o candidato, sendo, pois, lícito concluir que trata-se de um “segredo de Estado” tão absoluto, que é ocultado do próprio Estado (Estado-Administração e Estado-Juiz). Apud Elvan Loureiro – Procurador de Justiça do DFT. O segredo de justiça objetivado pelo Administrador, quando o magistrado tomaria conhecimento da bateria dos exames e dos resultados, fere outro direito da parte, indisponível, que é o de conhecer as provas contra si feitas, Constituição art. 5º, LV.
10.5 – NECESSIDADE DE O LAUDO DE INAPTIDÃO SER MOTIVADO.
Outro ponto muito importante é a necessidade de o laudo do psicólogo que inabilita o candidato ser motivado, ou seja, fundamentado, justificado por escrito.
Vale a pena, inicialmente, distinguir motivo (elemento do ato administrativo) de motivação (ato que foi motivado).
O motivo está relacionado aos pressupostos de fato e de direito que embasaram a prática do ato. É o que impulsiona o agente a agir. Por outras palavras, é por conta deste ou daquele motivo que a Administração pratica uma determinada conduta.
Em um caso de aplicação de uma multa de trânsito o motivo é o fato, por exemplo, de o condutor ter avançado o sinal vermelho do semáforo (motivo de fato) e este comportamento ser tido com uma infração de trânsito sujeito à penalização do condutor, conforme prevê o artigo 208 do CTB (motivo de direito).
Note-se que o motivo é um acontecimento, é o que faz com que o agente atue.
Não se deve confundir motivo – elemento do ato administrativo – com a motivação, que é a explicitação linguística dos motivos quando da formalização do ato.
Todo ato possui motivo, porém nem sempre será necessária a sua apresentação. A título de exemplo, o artigo 50, da Lei 9.784/99, informa quais atos precisão ser motivados, ou seja, casos em que é necessário ter a motivação.
Vejamos o que enuncia o referido dispositivo legal:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
V – decidam recursos administrativos;
VI – decorram de reexame de ofício;
VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;
VIII – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.
- 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.
Quando um candidato é eliminado na fase de psicotécnico há um motivo (por exemplo: uma patologia mental) que ensejou este ato (eliminação do candidato). Ocorre que este ato, por dois motivos, deve ser justificado expressamente, ser motivado.
Primeiro porque negam, limitam, afetam direitos e, segundo, porque está ligado à decisão de processos administrativos de concurso ou seleção pública. Nestes casos é obrigatória a apresentação dos motivos que ensejaram a eliminação do candidato no exame psicológico.
O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA tem o entendimento de que o laudo que elimina o candidato no exame psicotécnico deve ser devidamente motivado:
RECURSO ORDINÁRIO – EXAME PSICOTÉCNICO – CRITÉRIOS OBJETIVOS – LAUDO PSIQUIÁTRICO COM A DEVIDA MOTIVAÇÃO – CONSTATAÇÃO DE INAPTIDÃO DEFINITIVA – ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – CONCURSO PARA OFICIAL ESCREVENTE – REPETIÇÃO – ART. 8º PAR.2º LEI COMPLEMENTAR Nº 10.098/94 – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO IMPROVIDO.
- Se o exame psicotécnico que inabilitou o candidato encontra-se devidamente motivado e o exame foi realizado segundo critérios objetivamente fixados no edital, não há que se falar em anulação.
- O art. 8º, par.2º, da Lei Complementar nº 10.098/94, do Estado do Rio Grande do Sul, só admite a repetição do exame psicotécnico em caso de inaptidão temporária.
- Recurso improvido.[11]
[1] Diogenes Gasparini. Direito Administrativo. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 8
[2] AgRg no RMS 13794 / RN ; 2001/0128194-6 Relator(a Min LAURITA VAZ / Órgão Julgador QUINTA TURMA / Data do Julg. 06/04/2006 / Data da Publicação/Fonte DJ 02.05.2006 p. 339.
[3] REsp 384019 / RS ; 2001/0155914-1 Relator Min ARNALDO ESTEVES LIMA / Órgão Julgador QUINTA TURMA / Data do Julg. 06/06/2006 / Data da Publicação/Fonte DJ 26.06.2006 p. 185.
[4] RMS 14395 / PI ; 2002/0013167-4 / Relator Min PAULO MEDINA / Órgão Julgador SEXTA TURMA / Data do Julg. 23/03/2004 / Data da Publicação/Fonte DJ 26.04.2004 p. 220.
[5] STJ – RMS 19.339 – PB – Proc. 2004/0176794-3 – 5ª T. – Relª Minª Laurita Vaz – DJ 15.12.2009.
[6] STF – AI-Ag. 680650 – 1ª T. – Rel. Min. Carlos Britto – DJ 13.02.2009.
[7] Regime Constitucional dos Servidores da Administração Direta e Indireta”, RT, SP, 1990, 48/50.
[8] AC 2004.38.00.037232-7/MG, Rel. Juiz Federal Vallisney de Souza Oliveira, Quinta Turma, DJ de 16/02/2006, p. 95.) (Grifo nosso.
[9] AC 2002.34.00.023602-4/DF, Rel. Juiz Federal João Carlos Costa Mayer Soares (conv.), Sexta Turma, DJ de 14/03/2005, p. 66.
[10] AC 1998.33.01.000996-0/BA, Rel. Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso, Sexta Turma, DJ de 26/05/2003, p. 171.
[11] RMS 18426 RS 2004/0079657-3, Relator(a): Ministro PAULO MEDINA.
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