Tudo sobre investigação social nos concursos públicos

Tudo sobre investigação social nos concursos públicos
o presente artigo objetiva apresentar ao leitor tudo sobre investigação social nos concursos públicos

Tudo sobre investigação social nos concursos públicos

CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

Tudo sobre investigação social nos concursos públicos.

A investigação social é um procedimento em que se averigua a idoneidade moral e a conduta social do candidato.

Geralmente esse exame é estabelecido para cargos que exigem um acentuado grau de responsabilidade, em que a figura do servidor é diretamente relacionada com a imagem da instituição, como é o caso da Magistratura, do Ministério Público, polícia (militar, civil, federal), dentre outras.

Assim como qualquer outro requisito de acessibilidade a cargos e empregos públicos, a investigação social deve observar o princípio da legalidade, ou seja, somente pode ser exigida se houver previsão em lei formal – ato normativo emanado do Poder Legislativo –, conforme expressa determinação constitucional (art. 37, inciso II).

Destarte, quando a natureza do cargo exigir e haver previsão legal, a Administração Pública estabelecerá a investigação social como requisito de aprovação em concurso público, sendo uma fase de caráter eliminatório.

Por ser uma fase do concurso, a investigação social deve ser realizada com base em critérios objetivos apresentados de forma detalhada no edital que rege o certame.

            A jurisprudência das Cortes Superiores é pacífica no sentido de admitir a exigência de aprovação em investigação social para o provimento em certos cargos públicos, ressaltando que a investigação social não se limita a analisar a vida pregressa do candidato quanto às infrações penais que porventura tenha praticado.

Serve, também, para avaliar sua conduta moral e social no decorrer de sua vida, visando aferir seu comportamento frente aos deveres e proibições impostos ao ocupante de cargo público[1].

Apenas fatos devidamente comprovados podem motivar a exclusão de candidatos na fase de investigação social, como se verifica no seguinte julgado do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA JUIZ DE DIREITO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL.  FATOS INVERÍDICOS. ELIMINAÇÃO DE CANDIDATO APROVADO. ILEGALIDADE.

Embora seja a investigação social meio idôneo para averiguar a aptidão e a probidade de candidato ao exercício da magistratura, a sua eliminação deve fundar-se em fatos verídicos, demonstrativos da inidoneidade de comportamento, incompatível com o cargo.

Demonstrada a improcedência da acusação formulada contra candidato aprovado em todas as etapas do certame e classificado dentro do número de vagas previstas, impõe-se seja reconhecido o seu direito à nomeação para o cargo, sob pena de violação a princípios legais e constitucionais[2].

Se o candidato for eliminado na fase de investigação social com base em fatos inverídicos, aplica-se a teoria dos motivos determinantes, pois ao motivar o ato administrativo a Administração torna-se vinculada aos motivos ali expostos para todos os efeitos jurídicos.

Tal teoria preconiza a vinculação da Administração aos motivos ou pressupostos que fundamentaram o ato.

A motivação é que legitima e confere validade ao ato administrativo discricionário. Assim, a eliminação de candidato embasada em fatos inverídicos não tem validade jurídica porque fundado em motivo inexistente.

Exercício da ampla defesa e do contraditório na fase de investigação social nos concursos.

O exercício da ampla defesa e do contraditório, materializado no recurso administrativo, é indispensável em todas as fases do concurso público. Com a investigação social não é diferente.

A investigação social é um procedimento realizado unilateralmente pela Administração.

Se nessa fase se concluir pela inaptidão do candidato, o recurso administrativo é o meio pelo qual o mesmo terá a oportunidade de se manifestar sobre os fatos a ele atribuídos e demonstrar que possui uma conduta social e moral compatível com o serviço público.

Veja o entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o caso :

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CURSO DE FORMAÇÃO PARA O CARGO DE OFICIAL DA POLÍCIA MILITAR. ELIMINAÇÃO DE CANDIDATO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. ENVOLVIMENTO EM EVENTO DELITUOSO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. DIREITO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA.

Meras informações verbais quanto à existência de anterior envolvimento em delito de furto, fato que não possui qualquer registro documental, não constitui motivo para convalidar o ato que obstou o ingresso do candidato no Curso de Formação dos Oficiais da Polícia Militar do Estado de Pernambuco.

A investigação social destinada a avaliar a conduta compatível com a função policial militar impõe sejam observados requisitos formais e de conteúdo por parte da Administração, de modo a assegurar o exercício de pleno direito de defesa [3].

A NECESSIDADE DE PUBLICIDADE E MOTIVAÇÃO NA FASE DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL NOS CONCURSOS PÚBLICOS.

A publicidade do resultado da investigação social tem por finalidade permitir a fiscalização da conduta administrativa pelos interessados, possibilitando aos lesados que proponham as medidas judiciais e administrativas que entenderem pertinentes.

Entretanto, é necessário o sigilo da investigação a fim de proteger a privacidade do próprio candidato, contudo não se pode olvidar que este possui pleno direito de acesso às informações obtidas, sobretudo quando sentir-se prejudicado pelo resultado decorrente da investigação.

Por isso, o sigilo das informações não alcança o próprio candidato que tem o direito de ter conhecimento dos fatos que motivaram sua eliminação.

Nesse sentido veja o entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVENTUÁRIO DE CARTÓRIO. CONCURSO PÚBLICO. SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO PÚBLICO. NULIDADES PRESENTES NO EDITAL. INEXISTÊNCIA. […].

O sigilo das informações obtidas na investigação de vida pregressa, para a comprovação da idoneidade de candidato, objetiva apenas preservar a sua intimidade, não apresentando qualquer ilegalidade. Além disso, o sigilo não alcança o próprio candidato, que tem acesso às informações obtidas, assim como o direito de recorrer da decisão proveniente da investigação. [4]

Como esclarece ADILSON ABREU DALLARI[5] “durante muito tempo, especialmente no âmbito do Poder Judiciário, aceitou-se a prática de submeter postulantes a determinados cargos, de especial responsabilidade, como é o caso de juiz, a uma investigação social reservada, procedida mediante informações sigilosas, às quais o investigado não tinha acesso, e que poderia resultar na aceitação ou rejeição incontestável”.

Uma investigação social com caráter absolutamente sigiloso, como a descrita acima, não se coaduna com a atual ordem constitucional.

Esta assegura o direito a informação, estabelecendo que todos tem direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, inciso XXXIII da CF).

Além disso, a Administração não pode, num procedimento secreto, avaliar os antecedentes e a conduta do candidato para eliminá-lo de concurso público.

A divulgação dos dados em que se baseou a Administração é necessária, pois sem esses dados seria impossível a prestação da tutela jurisdicional, porque o Judiciário não teria condições de aferir o acerto ou não dos critérios utilizados para se averiguar a idoneidade moral do candidato em evidente afronta ao preceito constitucional insculpido no art. 5º, inciso XXXV – princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.

Se o candidato é excluído com base em informações que não vem a público, que não são levadas ao conhecimento do Judiciário, não pode este dizer se teria havido ou não lesão ao direito do candidato.

Dessa forma, não há discordância nos posicionamentos jurisprudenciais quanto ao fato de que é ilegal investigação social com caráter sigilosoão.

A ilegalidade desse tipo de procedimento foi fortalecida com a edição da Súmula 684 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no sentido de que “é inconstitucional o veto não motivado à participação de candidato a concurso público”, ressaltando a necessidade de motivação dos atos administrativos.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL não tem hesitado em declarar a nulidade de atos administrativos praticados em tais condições:

CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. JULGAMENTO SIGILOSO DA CONDUTA DO CANDIDATO. INCONSTITUCIONALIDADE. CF/67, ART. 153, PAR 4.. CF/88, ART. 5. XXXV.

I. Exame e avaliação de candidato com base em critérios subjetivos, como, por exemplo, a verificação sigilosa sobre a conduta, pública e privada, do candidato, excluindo-o do concurso sem que sejam fornecidos os motivos.

Ilegitimidade do ato, que atenta contra o princípio da inafastabilidade do conhecimento do Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito. E que, se a lesão é praticada com base em critérios subjetivos, ou em critérios não revelados, fica o Judiciário impossibilitado de prestar a tutela jurisdicional, porque não terá como verificar o acerto ou o desacerto de tais critérios. Por via obliqua, estaria sendo afastada da apreciação do Judiciário lesão a direito[6].

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. JULGAMENTO SIGILOSO DA CONDUTA DO CANDIDATO. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR ESTA CORTE. DEFICIÊNCIA NO TRASLADO.

1. Exame e avaliação de candidato com base em critérios subjetivos, excluindo-o do concurso sem que sejam fornecidos os motivos, atentam contra o princípio da inafastabilidade do conhecimento do Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito[7].

             Portanto, em sede de investigação social, deve a Administração Pública informar ao candidato os motivos pelos quais ele foi considerado inapto para o exercício do cargo ou emprego público, sob pena de violar aos princípios da publicidade, motivação, ao direito de acesso a informação e, por conseguinte, do acesso à justiça.

RAZOABILIDADE NA FASE DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL NOS CONCURSOS PÚBLICOS

Avaliar se o candidato tem idoneidade moral ou reputação ilibada nem sempre é uma tarefa simples e pode dar margem a arbitrariedades praticas pela Administração.

Para que a investigação social seja realizada de forma razoável é indispensável que a condição social e moral do candidato seja realmente incompatíveis com as funções do cargo ou emprego público.

Os fatos que motivarem a inaptidão do candidato devem ser graves.

Não é qualquer fato comprovado pela Administração que tem o potencial de eliminá-lo, conforme entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. EXCLUSÃO DE CANDIDATO NO CURSO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL. DECRETO-LEI 2.320/87. INQUÉRITO POLICIAL E SINDICÂNCIA. AUSÊNCIA DE FATO COMETIDO PELO CANDIDATO DO QUAL RESULTASSE CONDENAÇÃO.

O Decreto-lei 2.320/87, art. 8º, I, estabelece como requisito para matrícula em curso da Academia Nacional de Polícia ter o candidato procedimento irrepreensível e idoneidade moral inatacável.

É legítima a exigência de requisitos de conduta dos candidatos a serem verificados em investigação social de caráter eliminatório.

Não há que se confundir presunção de inocência com requisitos de boa conduta, para o ingresso no cargo de agente de polícia federal. Não se confundem primariedade e bons antecedentes no âmbito do Direito Penal, com conduta social.

A discricionariedade da Administração Pública na análise da conduta social não pode implicar em arbitrariedade a ponto de considerar punição de 2 (dois) dias de detenção em posto por falta de um parafuso no armamento e a absolvição em sindicância, como motivação para exclusão de candidato do curso de formação profissional.

A aferição dos fatos que conduzem a juízo de inidoneidade moral há de considerar a gravidade do fato, sua contumácia e o resultado do inquérito e/ou a sindicância[8].

O motivo alegado pela Administração para eliminação do candidato somente será válido se este, por si só, for potencialmente lesivo ao interesse público. Se a conduta do candidato em nada ferir o interesse público, esta não poderá ser usada como argumento de eliminação, pois o que a Administração busca, em essência, é preservar o interesse público e não simplesmente punir eventuais condutas desabonadoras dos pretensos candidatos ao cargo público.

Assim, caso a Administração elimine candidato na fase de investigação social por qualquer fato que em nada contraria o interesse público, estará violando o princípio da razoabilidade[9].

AÇÃO PENAL E INQUÉRITO POLICIAL E OS IMPACTOS NA INVESTIGAÇÃO SOCIAL NOS CONCURSOS PÚBLICOS.

Na fase de investigação social a Administração Pública, em alguns casos, tem considerado como motivo suficiente para eliminação de candidatos a existência de ação penal ou até mesmo de inquérito policial, que, do ponto de vista constitucional, é inaceitável.

A Constituição Federal estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, inciso LVII), consagrando a presunção de inocência, um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, como garantia processual penal.

Por isso, é necessária a comprovação da culpabilidade do indivíduo, sendo esta uma incumbência atribuída essencialmente ao Estado.

O princípio constitucional da presunção de inocência não tem seu âmbito de aplicação restrito ao direito penal, pois é aplicável no direito administrativo, em especial em matéria de concurso público.

A fase de investigação social não pode ser pautada em critérios estabelecidos pelo arbítrio do administrador sem qualquer compatibilidade com a Constituição.

Se a Constituição assegura que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, o indivíduo que responde a ação penal sem trânsito em julgado deve ser considerado inocente não apenas para efeitos penais, mas também para quaisquer outros fins, inclusive para efeito de aprovação em concurso público.

Por isso, é inconstitucional excluir candidatos na fase de investigação social por figurar com réu em ação penal que não possui sentença condenatória transitada em julgado.

Com muito mais razão, é igualmente inconstitucional excluir candidatos que respondem ou responderam a inquérito policial, que é um procedimento inquisitório onde não é observado o princípio da ampla defesa e do contraditório.

Assim tem decidido o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR. CANDIDATO. ELIMINAÇÃO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. ART. 5º, LVII, DA CF. VIOLAÇÃO.

Viola o princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, a exclusão de candidato de concurso público que responde a inquérito ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes[10].

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL. INQUÉRITO POLICIAL. EXCLUSÃO DO CERTAME. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.

O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que viola o princípio constitucional da presunção de inocência a exclusão de candidato de concurso público que responde a inquérito ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. [11]

 No mesmo sentido é o entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. EXCLUSÃO DO CANDIDATO NA ETAPA DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE PROCESSO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. PRELIMINARES DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL AFASTADA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

[…]. Não se mostra admissível a exclusão de candidato pela verificação de existência de processos criminais, mesmo na fase de investigação social, se inexistir condenação transitada em julgado, sendo certo que o princípio constitucional da presunção de inocência não incide exclusivamente na esfera penal, mas também na seara administrativa. Precedentes desta Corte.

É possível a revisão do ato impugnado pelo Poder Judiciário, a quem cabe examinar a legalidade de todo procedimento administrativo, inclusive afastando decisões que se mostrem desarrazoadas e desproporcionais[12].

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.  CONCURSO PÚBLICO. EXCLUSÃO DE CANDIDATO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. INQUÉRITO POLICIAL ARQUIVADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

I – Consoante já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, o simples fato de o candidato haver sido investigado em inquérito policial posteriormente arquivado, não pode ser considerado como desabonador de sua conduta, de forma a impedir sua participação no concurso público. Precedentes.

II – A aferição sobre a exclusão de candidato do processo seletivo em virtude da simples existência de inquérito policial arquivado não implica revolvimento, cotejo, ou exame de prova, não sendo aplicável a Súmula 07/STJ[13].

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. EXCLUSÃO DE CANDIDATO POR CONDENAÇÃO NA ESFERA PENAL. SENTENÇA NÃO TRANSITADA EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. RECURSO PROVIDO.

1. Em observância ao princípio da presunção de inocência – art. 5º, LVII, da Constituição Federal -, não se admite, na fase de investigação social de concurso público, a exclusão de candidato condenado na esfera criminal por sentença não transitada em julgado. Precedentes do STF e do STJ. 2. Recurso ordinário provido. [14]

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DETETIVE DA POLÍCIA CIVIL. APROVAÇÃO. POSTERIOR INABILITAÇÃO EM INVESTIGAÇÃO SOCIAL. NOMEAÇÃO TORNADA SEM EFEITO. DESCABIMENTO. DIREITO À POSSE. COMETIMENTO DE ATO INFRACIONAL. CUMPRIMENTO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. INABILITAÇÃO INDEVIDA.

1. Constitui entendimento já consagrado por este Tribunal Superior que o candidato nomeado, após regular aprovação em concurso público, tem direito à posse. Precedentes.

2. Conquanto se trate o ato de nomeação, de ato discricionário, gera direitos para o nomeado, não podendo, pois, ser desconstituído sem o devido processo legal, como ocorrera na espécie.

3. Ademais, da leitura dos autos depreende-se que o motivo que culminou com a aludida inabilitação consiste na imposição ao Impetrante de medida sócio-educativa já cumprida, em razão do cometimento de delito há mais de 7 (sete) anos. Vale dizer, em época em que o Recorrente ainda era inimputável.

4. Nessa esteira, merece reforma o aresto hostilizado, na medida em que contrário à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, afrontando, outrossim, os princípios que informam a própria Política Criminal, tendo em vista as finalidades do nosso sistema jurídico-penal, principalmente, no que diz respeito ao caráter ressocializante da pena (ou medida sócio-educativa), com vistas à harmônica integração social do apenado (ou do infrator).

5. Recurso conhecido e provido. [15]

É pacífico nos Tribunais Superiores que ação penal sem sentença condenatória com trânsito em julgado não é motivo legítimo para excluir candidato na fase de investigação social, por ser um critério que afronta o princípio da presunção de inocência.

Mas por quanto tempo uma condenação criminal pode obstar o ingresso no serviço público?

O Código Penal elimina de nosso sistema a perpetuidade dos efeitos da condenação criminal determinando em seu art. 64, inciso I, que não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação.

Em matéria de concurso público entendemos ser razoável aplicar esse prazo.

Assim, uma pessoa que tenha sido condenada criminalmente, após 5 anos do cumprimento da pena não pode ser eliminada de concurso público na fase de investigação social por ter se envolvido em práticas delituosas no passado.

Pensar de modo contrário permitiria a imposição de penas de caráter perpétuo, o que é vedado pela Constituição Federal (art. 5º, XLVII, “b”).

Além disso, presumir a irrecuperabilidade de quem já cometeu delito penal jogaria por terra toda a política criminal da reabilitação e reintegração do delinquente a seu meio social.

Também é ilegítimo ato administrativo que, em sede de investigação social, elimina de concurso público candidato beneficiado por sentença penal que declara a extinção da punibilidade.

O fato de um candidato ter respondido a ação penal que resultou na extinção da punibilidade não configura fator suficiente para desabonar a sua conduta, em se considerando, sobretudo, que não se trata de condenação. Por isso, uma eliminação com base nesse motivo viola o princípio da presunção de inocência.

Nesse sentido, é a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

CONCURSO PÚBLICO. CAPACITAÇÃO MORAL. PROCESSO-CRIME. PRESCRIÇÃO. Uma vez declarada a prescrição da pretensão punitiva do Estado, descabe evocar a participação do candidato em crime, para se dizer da ausência da capacitação moral exigida relativamente a concurso público[16].

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO DO DF. INVESTIGAÇÃO SOCIAL E FUNCIONAL. SENTENÇA PENAL EXTINTIVA DE PUNIBILIDADE. OFENSA DIRETA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. MATÉRIA INCONTROVERSA. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279. AGRAVO IMPROVIDO.

Viola o princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal a exclusão de candidato de concurso público que foi beneficiado por sentença penal extintiva de punibilidade[17].

A prescrição da pretensão punitiva não implica responsabilidade do acusado, não desabona seus antecedentes, nem induz futura reincidência. Assim, a extinção da punibilidade não deixa sequelas jurídicas na vida do acusado[18].

Isso justifica a ilegitimidade de ato administrativo que na fase de investigação social elimina candidato beneficiado por sentença que extingue a punibilidade.

INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO E SEUS IMPACTOS NA FASE DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL NOS CONCURSOS PÚBLICOS.

Investigar a idoneidade financeira do candidato, ao argumento de que o mesmo não seria moralmente apto a desempenhar suas funções em cargo ou emprego público, seria extrapolar a órbita do interesse público, pois o fato do candidato possuir inscrição em cadastro de restrição ao crédito não significa que ele é necessariamente uma pessoa desonesta e interessada em lesar terceiros.

O endividamento tem se tornado cada vez mais frequente entre os brasileiros, podendo ser voluntário como, por exemplo, aquele que ocorre com pessoas que compram de forma excessiva e desnecessariamente.

Ocorre que nem sempre o endividamento tem origem em um ato voluntário, pois as pessoas podem deixar de pagar suas contas por causa do desemprego ou se verem compelidas a gastarem em razão de alguma doença, comprometendo seriamente sua situação financeira.

O que podemos afirmar é que motivos para um endividamento involuntário é o que não faltam. Porém, sendo voluntário ou involuntário, o endividamento pode ocasionar a inscrição em cadastro de restrição ao crédito.

Contudo, essa inscrição não pode servir de parâmetro para generalizar a idoneidade de um candidato, imprimindo-lhe a característica de que se trata de uma pessoa desonesta, que não possui conduta ilibada ou idoneidade moral.

A jurisprudência dos Tribunais Superiores é firme no sentido de reconhecer ao cidadão e ao candidato em particular a proteção da inocência enquanto não encerrada a ação penal condenatória.

Daí compreensível a ilação possível de que também não haveria obstáculo à nomeação de candidato aprovado em concurso quando a conduta classificada como inidônea pela Administração limita-se a inadimplência que deu causa à inscrição em cadastro de restrição ao crédito.

Por isso, afronta o razoável a eliminação de um candidato em concurso público pelo só fato de seu nome ter sido inscrito em cadastro de restrição ao crédito, quando, diante da atual condição socioeconômica, o concurso público pode ser a única alternativa para o candidato auferir renda e pagar suas dívidas.

JURISPRUDÊNCIA.

Nesse sentido é o posicionamento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

1

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. DECADÊNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. EXCLUSÃO DO CANDIDATO DO CURSO DE FORMAÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.

(…) 2. Segundo jurisprudência consolidada desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, a existência de inquérito, ação penal, ou registro em cadastro de serviço de proteção ao crédito não são capazes de provocar a eliminação de candidato na fase de investigação social do concurso. Respeito ao princípio da presunção de inocência. 3. Agravo regimental improvido.[19]

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. INABILITAÇÃO NA FASE DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL. EXISTÊNCIA DE INQUÉRITOS POLICIAIS, AÇÕES PENAIS EM ANDAMENTO OU INCLUSÃO DO NOME DO CANDIDATO EM SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.

(…) 2. É desprovido de razoabilidade e proporcionalidade o ato que, na etapa de investigação social, exclui candidato de concurso público baseado no registro deste em cadastro de serviço de proteção ao crédito. 3. Recurso ordinário em mandado de segurança conhecido e provido.[20]

No mesmo sentido já decidiu o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, em acórdão assim emendado:

AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. CONCURSO PÚBLICO. SOLDADO COMBATENTE DA POLÍCIA MILITAR. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. INSCRIÇÃO NO SPC. EXAME MÉDICO. DEFICIÊNCIA VISUAL. RECURSO IMPROVIDO. A ausência de certidão do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) não justifica a reprovação de candidato no certame, vez que esta não é meio suficiente para fazer prova da idoneidade moral do candidato[21].

2

Por outro lado, não podemos desconsiderar que somente diante do caso concreto é que se poderá verificar se o candidato possui ou não idoneidade moral para ser considerado apto na fase de investigação social.

Essa análise deve ser feita dentro dos limites da razoabilidade, evitando excessos por parte da Administração Pública e, ao mesmo tempo, assegurando que candidatos moralmente idôneos não ingressem no serviço público.

Deste modo, dependendo da quantidade de inscrições em cadastro de restrição ao crédito e da forma como elas se originaram, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já entendeu ser legítima a exclusão de candidato em concurso público:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. TÉCNICO PENITENCIÁRIO. SINDICÂNCIA DE VIDA PREGRESSA E INVESTIGAÇÃO SOCIAL. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO. EMISSÃO REITERADA DE CHEQUES SEM FUNDO. CONTRAINDICAÇÃO DO CANDIDATO. PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO.

I – A questão está em apurar se as condutas — caracterizadas por 5 registros de inadimplência no serviço de proteção ao crédito; 8 registros de inadimplência em cheque lojista e 32 registros no cadastro de emitente de cheque sem fundo — que a administração tem por inidôneas para fins de nomeação para o cargo de agente penitenciário, são ou não incompatíveis com a natureza do cargo.

II – Remanesce, contudo, a questão em distinguir da coisa julgada ou da conduta penalmente punida, aquela que, não constituindo crime ainda, assim revela comportamentos potencialmente incompatíveis com a natureza, importância ou sensibilidade do cargo disputado.

III – Se o candidato, no período de 2004 a 2008 envolveu-se em tantos episódios que redundaram nas ocorrências mencionadas pelo acórdão local, primeiro não parece possível — já que se trata de mandado de segurança cuja prova é por definição pré-constituída — reabrir-se a instrução para contestar as referências ou circunstâncias dos eventos, e, depois, se ao administrador cabe avaliar as exigências da atividade de agente penitenciário por poder discricionário legalmente admissível, não pode o Tribunal substituir-se nesse juízo para o qual lhe falta tanto o poder de discrição quanto a oportunidade do exame da prova necessária[22].

Como se vê, neste caso analisado pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, o candidato possuía 5 registros de inadimplência no serviço de proteção ao crédito, 8 registros de inadimplência em cheques a lojista e 32 registros no cadastro de emitente de cheque sem fundos.

Essas condutas foram consideradas pela Administração como inidôneas para fins de nomeação para o cargo de agente penitenciário e recebeu o aval do Poder Judiciário.

Como explicou o MINISTRO GILSON DIPP, relator do RMS 30326/DF, “remanesce, contudo, a questão que me parece insistente, de distinguir da coisa julgada ou da conduta penalmente punida, aquela que, não constituindo crime, ainda assim revela comportamentos potencialmente incompatíveis com a natureza, importância ou sensibilidade do cargo disputado”.

Determinadas condutas, ainda que não tipificadas como crimes, não se coadunam com o exercício da função pública, sendo a investigação social indispensável para constatar a idoneidade moral do candidato.

Nesse julgado o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA deixou bem claro que não cuida a lei nem a jurisprudência de definir o que se deve entender por idoneidade moral, abrindo-se aí, por certo, espaço de discrição ao administrador para valorizar as condutas, sem embargo da evidente necessidade de justificar e provar as razões indicadas.

Isso assegura o controle dos atos administrativos que devem ser motivados e respeitar a razoabilidade.

DEPENDÊNCIA QUÍMICA E SEUS IMPACTOS NA INVESTIGAÇÃO SOCIAL NOS CONCURSOS PÚBLICOS.

Dentre os diversos motivos apresentados pela Administração Pública para excluir candidatos em concursos está o envolvimento com drogas comprovado na fase de investigação social. Resta saber se a exclusão de um candidato por esse motivo é ou não legal.

O regramento administrativo quando se trata de excluir a participação de candidato em certame deve estar lastreado em norma jurídica ou direcionado a uma necessidade social específica para justificar sua incidência, não podendo ficar ao sabor de valores pessoais imotivados do administrador, sob pena de ferir a sua finalidade.

É discriminatório e sem razoabilidade incluir como motivo determinante para exclusão de candidato o fato de algum dia ter sido dependente químico?

Por quanto tempo um erro cometido por uma pessoa pode prejudicar sua vida profissional? Para sempre?

Excluir um candidato de concurso pelo fato de ter sido dependente químico em algum momento de sua vida, mas que no momento da inscrição no certame se encontra totalmente recuperado, além de ser uma exigência sem razoabilidade e discriminatória, também representa uma pena perpétua imposta ao candidato, que jamais poderá participar de concursos públicos porque um dia usou drogas.

Ao vedar taxativamente a imposição de penas de caráter perpétuo, em seu art. 5º, XLVII “b”, a Constituição Federal não se referiu restritamente ao Código Penal, significando que o princípio deve ser considerado válido também quando envolve Direito Administrativo.

Assim, nenhum requisito de acessibilidade aos cargos e empregos públicos podem ser criados de modo a impedir definitivamente que um candidato possa participar do processo seletivo.

Além disso, a Constituição Federal determina em seu art. 3º, inciso IV, que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Da leitura do referido dispositivo constitucional percebe-se facilmente que a Constituição não elege como valores-objetivos invioláveis e imunes a quaisquer formas de discriminação tão somente a origem, a raça, o sexo, a cor e a idade da pessoa humana.

O inciso IV, do art. 3º, em sua parte final expressamente consigna que “quaisquer outras formas de discriminação” não serão toleradas.

O objetivo fundamental apontado pelo art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal, é a consagração da regra que veda qualquer tipo de discriminação ou preconceito, enunciando o princípio da isonomia, reiterado em diversos dispositivos constitucionais.

O fato de o candidato ter sido dependente químico e vencido o vício há muitos anos não pode conduzir, por si só, a sua eliminação no concurso público na fase de investigação social.

Um candidato que passou por tratamento e se encontra recuperado ao se inscrever em um concurso público e ser aprovado em suas fases – provas objetivas e/ou discursivas, testes físicos, avaliação psicológica – encontra-se apto para exercer qualquer cargo público.

O critério de exclusão relativo à dependência química, que já foi tratada, não tem qualquer fundamento legal, científico ou psicológico, limitando-se à criação de estereótipo imaginado hipoteticamente, que não afere, de nenhuma maneira, a capacidade de atuação do candidato enquadrado em tal circunstância.

Portanto, trata-se de regra discriminatória, pautada em discrímen absolutamente subjetivo e preconceituoso e que não apresenta qualquer fundamento juridicamente pertinente para a sua exigência.

Isso não é tudo, conforme entendimento pacífico dos Tribunais, candidato que esteja sendo processado criminalmente sem trânsito em julgado da sentença penal condenatória não pode ser eliminado de concurso público por esse motivo.

Para que o processo criminal seja instaurado e seja proferida sentença penal condenatória ao menos devem existir indícios fortíssimos da existência de pratica delituosa.

Mesmo assim, o candidato não poderá ser excluído do concurso, sob pena de ferir o princípio da presunção de inocência e da razoabilidade.

Destarte, com muito mais razão, um candidato que tenha sido dependente químico e no momento da inscrição no concurso se encontra totalmente recuperado também não poderá ser eliminado do concurso por ter se envolvido com drogas no passado.

Isto porque um candidato com sentença penal condenatória que ainda não transitou em julgado, que sem dúvida nenhuma é uma situação muito mais grave, não pode ser excluído do certame em respeito à presunção de inocência.

Indubitavelmente há violação ao princípio da razoabilidade, porque enquanto candidatos que foram condenados criminalmente sem transito em julgado da sentença penal não podem ser excluídos de concurso público, um candidato que superou há muito tempo a dependência química será eliminado.

Nesse sentido, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA tem reconhecido que é desarrazoada, discriminatória e uma verdadeira imposição de pena de caráter perpétuo a eliminação de candidato em concurso público na fase de investigação social em razão de dependência química ocorrida há vários anos:

JURISPRUDÊNCIA

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO-OCORRÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. PERITO DA POLÍCIA FEDERAL. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. LAUDO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA. FATO OCORRIDO HÁ MAIS DE 10 ANOS DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. ELIMINAÇÃO DO CANDIDATO. MÉRITO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE, EM ALGUNS CASOS, PELO PODER JUDICIÁRIO. DESPROPORCIONALIDADE.

[…]. 2. A doutrina mais moderna vem aceitando a possibilidade de incursão do poder judiciário pelo mérito administrativo, quando o ato atacado esteja desproporcional ou desarrazoado em relação ao sentido comum e ético de uma sociedade. Jurisprudência.

3. Afigura-se desarrazoada e desproporcional a eliminação de um candidato na fase de investigação social de concurso para perito da polícia federal, em razão de fato ocorrido 10 anos antes do certame. Perpetuação de fato que não se amolda ao balizamento constitucional que veda a existência de penas perpétuas[23].

Por fim, é importante ressaltar que o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD, previsto na Lei 11.343/2006, tem como finalidade e princípio a reinserção social de usuários e dependentes de drogas (art. 3º, I e 4º VII).

Veja-se que é uma preocupação do SISNAD promover a reinserção social de usuários e dependentes de drogas, até mesmo quem ainda está lutando contra o vício tem direito ao seu espaço na sociedade.

Isso deixa bem claro que é totalmente incompatível com as diretrizes traçadas pelo SISNAD a imposição de qualquer requisito de acessibilidade que tente impedir ou dificultar a reinserção social de pessoas que foram dependentes químicas e por isso deve ter sua aplicação imediatamente afastada pelo Poder Judiciário.

Por fim, assista o presente vídeo que trata de forma bem interessante do assunto a fase de investigação social nos concursos públicos:

[1] RMS 22089/MS, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 26/06/2007.

[2] RMS 14.587/ES, Relator Ministro Vicente Leal, Sexta Turma, julgado em 10/09/2002.

[3] RMS 9772/PE, Relator Ministro Vicente Leal, Sexta Turma, julgado em 09/05/2000.

[4] STJ, RMS 13609/MG, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 18/03/2003

[5] Princípio da Isonomia e Concursos Públicos. Revista Eletrônica de Direito do Estado. Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 6, abril/maio/junho, 2006. Disponível em: <www.direitodoestado.com.br>.

[6] RE 125556, Relator Ministro Carlos Velloso, Tribunal Pleno, julgado em 27/03/1992.

[7] AI 179583 AgR, Relator: Ministro Maurício Corrêa, Segunda Turma, julgado em 15/04/1996.

[8] TRF da 1ª Região, AMS 2002.34.00.039562-3/DF, Relatora Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Quinta Turma, julgado em 19/11/2004.

[9] MADEIRA, José Maria Pinheiro. Servidor Público na Atualidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 138.

[10] RE 559135 AgR, Relator  Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 20/05/2008.

[11] AgRg no AI 769.433/CE, Rel. Min. EROS GRAU, DJU 12.02.2010

[12] AgRg no Ag 1282323/RJ, Relator Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador Convocado do TJ/CE), Sexta Turma, julgado em 22/02/2011.

[13] AgRg no REsp 1173592/MG, Relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 23/11/2010.

[14] STJ – RMS 32.657 – RO – Proc. 2010/0139321-3 – 1ª T. – Rel. Min. Arnaldo Esteves

[15] STJ – RMS 18613 – MG – 5ª T. – Rel. Min. Laurita Vaz – DJU 07.11.2005 p. 312

[16] RE 212198, Relator Ministro Marco Aurélio, Segunda Turma, julgado em 14/08/2001.

[17] RE 450971 AgR, Relator  Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 01/02/2011.

[18] Ver HC 72844, Relator Ministro Francisco Rezek, Segunda Turma, julgado em 26/09/1995.

[19] AgRg no RMS 24.283/RO, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 22/05/2012, DJe 08/06/2012.

[20] STJ – RMS 30.734/DF, Rel. Min. LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 20/09/2011, DJe 04/10/2011

[21] Agravo Interno na Rem Ex-officio nº 35080041219, Relator Desembargador Ney Batista Coutinho, Quarta Câmara Cível, julgamento em 23/02/2010.

[22] RMS 30326/DF, Relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 16/12/2010.

[23] REsp 200600255898, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 19/10/2009.

Tudo sobre psicotécnico nos concursos públicos

psicotécnico nos concursos públicos

psicotécnico nos concursos públicos

 Este post apresenta ao leitor tudo sobre psicotécnico nos concursos públicos especialmente as principais ilegalidades que ocorrem e como reverter sua eliminação

            O concurso público é o meio de seleção de pessoal para trabalhar em caráter permanente na Administração Pública, sendo decorrência dos princípios da isonomia, impessoalidade, moralidade, indisponibilidade do interesse público e eficiência.

            A Administração Pública, em todos os âmbitos da Federação e em todos os seus “Poderes”, precisa de pessoal permanente para desempenhar suas atividades. O concurso público aparece como meio apto a isso. Portanto, há uma premissa e uma meta. A premissa é ofertar a todos condições de participação, agir de forma impessoal e moral. A meta é selecionar os melhores, o que decorre do princípio da Indisponibilidade do Interesse Púbico e da Eficiência.

A realização, condução e conclusão do mesmo devem estar de acordo com estes pontos.

            Não se nega a existência de uma margem discricionariedade da Administração ou de seus terceirizados na elaboração do certame, porém que fique claro que essa discricionariedade não é absoluta, devendo respeitar os princípios orientadores da Administração Pública, sob pena de o uso indevido da discricionariedade se converter em arbitrariedade e desrespeitar os direitos dos candidatos ao provimento de uma vaga.

            Seja o concurso realizado pela própria Administração seja por empresas terceirizadas, o fato é que se trata de atividade administrativa e por isso a Banca Examinadora responsável por levar a cabo o concurso deve seguir em parte o Regime Jurídico Administrativo, sob pena dessa jogadilha se converter em um modo muito fácil da Administração escapar da observância de seu regime jurídico, da observância dos princípios que norteiam sua conduta.

            Basta, para tanto, terceirizar a função e todas aquelas regras que conferem garantia ao cidadão passam a sumir em um passe de mágica, ou, melhor dizendo, numa “delegação contratual mágica”, pois a empresa terceirizada, normalmente da iniciativa privada, não precisaria seguir o Regime Jurídico Público e daí facilmente seria transformando o público em privado e estar-se-ia burlando todas as regras do concurso público.

Portanto, e isso é fora de dúvida ou discussão, seja quem for operacionalizar o certame, deverá seguir os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, proporcionalidade, razoabilidade, segurança jurídica, motivação, etc.

Isso é dito, pois o exame psicotécnico, conforme o caso, pode ser exigido em alguns concursos, porém, para tanto, é necessário a observância de vários requisitos, tais como: a) previsão em lei, b) não aferir perfil profissiográfico, c) ser pautado em critérios objetivos e científicos, d) ter os critérios de análises apresentados no edital, e) ter motivação clara e congruente e oportunizar o exercício da ampla defesa e contraditório de seu resultado na esfera administrativa.

 

10.2  – CONCEITO E FINALIDADE DO EXAME PSICOTÉCNICO

É sobre isso que recairá este capítulo, porém, antes, temos que entender o que é o exame psicotécnico.

A avaliação psicológica, segundo LUIZ PASQUALI, professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, refere-se a um conjunto de procedimentos confiáveis que permitem ao psicólogo julgar vários aspectos do indivíduo através da observação de seu comportamento em situações padronizadas e pré-definidas. Aplica-se ao estudo de casos individuais ou de grupos nas mais diversas situações. A submissão a testes psicológicos cientificamente desenvolvidos representa uma situação padronizada típica da avaliação psicológica.

10.3 – PRESSUPOSTOS

10.3.1 – Previsão em lei

Primeiro pressuposto para sua exigência: previsão em lei.

            Enuncia claramente o artigo 37, incisos I e II da Carta Constitucional:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

            A exigência de concurso público para acesso a cargos ou empregos públicos não é baseada no regime jurídico profissional de seus respectivos servidores. Trata-se de exigência constitucional, cujo fundamento é o sacramental princípio da indisponibilidade do interesse público, isonomia, impessoalidade, moralidade, dentre outros.

            E reforçando as garantias dos cidadãos das investidas ilegais do Poder Público ficou assentado expressamente no texto constitucional que os requisitos de acesso aos cargos e empregos públicos devem ter previsão em lei, ou seja, não pode o edital criar os requisitos de acesso ao cargo, como, por exemplo, a exigência de exame psicotécnico.

            Repita-se, por necessário, a ingente força normativa externada no comando constitucional do artigo 37, inciso II, do Texto Excelso, segundo o qual “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

            Por isso o Decreto-Lei 2.320 de 26 de janeiro de 1987, que dispõe sobre o ingresso nas categorias funcionais da Carreira da Polícia Federal, enunciar em seus dispositivos (artigos 6º, 7º e 8º) os requisitos exigidos para o ingresso no cargo, tendo inclusive, de forma expressa em seu artigo 8º, inciso III, enunciado como requisito para a matrícula que o candidato possua “temperamento adequado ao exercício das atividades inerentes à categoria funcional a que concorrer, apurado em exame psicotécnico”.

            Assim, o edital, sob nenhuma circunstâncias, pode impor em um concurso o exame psicotécnico como fase ou critério de aprovação do candidato sem que haja previsão legal.

Vejamos.

O edital é um ato administrativo, portanto de inferior hierarquia em relação à LEI e à CONSTITIUÇÃO FEDERAL. Assim, quando se diz que o edital é a “lei interna do concurso”, que o “edital vincula as partes” essa afirmativa somente é correta se o instrumento convocatório estiver em conformidade com a lei e a Constituição Federal, sob pena de subversão e inversão do sistema hierárquico existente entre as espécies normativas.

Deve se lembrar de que a relação da Administração com a lei não é uma relação de não contrariedade – como ocorre com o particular, mas uma relação de conformidade, uma relação de vinculação positiva à lei. Por isso afirma-se que a Administração só pode agir se existir uma lei autorizando ou determinando a conduta.

Neste sentido é a doutrina autorizada sobre o tema:

Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe-se à anulação. Seu campo de ação, como se vê, é bem menor que o do particular. De fato, este [particular] pode fazer tudo o que a lei permite e tudo o que a lei não proíbe; aquela [Administração] só pode fazer o que a lei autoriza e, ainda assim, quando e como autoriza. Vale dizer, se a lei nada dispuser, não pode a Administração Pública agir. [1]

            Também no mesmo sentido caminha mansa e pacificamente a jurisprudência do Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. CONCURSO PÚBLICO. EXAME PSICOTÉCNICO INQUINADO DE ILEGALIDADES. DIREITO LÍQUIDO E CERTO EVIDENCIADO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N.º 182 DO STJ.

(…)

  1. In casu, é patente a ilegalidade do exame psicotécnico sub examine, verificada, aliás, em várias oportunidades. São elas: a) ausência de previsão legal, b) caráter subjetivo c) caráter irrecorrível – quando o edital previu apenas seletivo. (…)[2]

“1. Admite-se a exigência de aprovação em exame psicotécnico para provimento de certos cargos públicos, com vistas à avaliação pessoal, intelectual e profissional do candidato. No entanto, exige se a presença de certos pressupostos, a saber: a) previsão legal, sendo insuficiente mera exigência no edital; b) não seja realizado segundo critérios subjetivos do avaliador, que resultem em discriminação dos candidatos; c) seja passível de recurso pelo candidato. (…)[3]

“…..Não havendo prova da previsão legal da realização de exame psicotécnico, e tendo o mesmo sido realizado dentro de critérios subjetivos, sigilosos e irrecorríveis, é de se reconhecer a ofensa a direito líquido e certo do candidato a continuar no certame e a ser submetido a novo exame.” – Recurso ordinário a que se dá parcial provimento.[4]

            Nessa trilha também caminha a jurisprudência do Excelso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – CONCURSO PÚBLICO – EXAME PSICOTÉCNICO – CF, art. 37, I. I. Exame psicotécnico: somente a Lei pode exigi-lo como requisito para o ingresso no serviço público. CF, art.37, I. No caso, o exame psicotécnico está previsto em ato administrativo, apenas: ilegitimidade. II. RE. Inadmitido. Agravo não provido.” (STF – RE- AgR 330546 – RN – 2ª T. – Rel. Min. Carlos Velloso – DJU 23.08.2002 – p. 112) JCF.37 JCF.37.

            A matéria chegou a ser pacificada de tal forma que foi sumulada pela Suprema corte, conforme se verifica da análise do verbete sumular nº. 686:

Súmula 686: Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público.

            Conclui-se, portanto, que os requisitos impostos à investidura de um candidato a cargo ou emprego público na disputa de certame devem estar de antemão previstos em lei em sentido estrito, não sendo permitido à Administração pública ferir o Princípio da Legalidade impondo exigências, por meio de editais, não amparadas em comando legal permissivo.

 

10.3.2 – Ser baseado em critérios objetivos e científicos.

O segundo pressuposto é o teste ser baseado em critérios objetivos e científicos.

Os exames psicotécnicos apenas não podem ser aplicados, como foram durante muitos anos, em caráter sigiloso, de forma imotivada, sem possibilidade de recursos, em método completamente arbitrário e incompatível com o Estado de Direito regente. Devem os mesmos, além disso tudo, serem baseados em critérios científicos, objetivos, sob pena de ilegalidade dos testes e possibilidade de controle jurisdicional dos mesmos.

Caso contrário, seria muito fácil burlar os princípios da isonomia, publicidade e impessoalidade, sendo o teste, na verdade, uma mera entrevista, cuja aprovação dependeria unicamente da avaliação subjetiva do examinador, muitas vezes despreparado para a função, principalmente por não ter parâmetros, critérios de avaliação. Seria rumar ao passado, às arbitrárias entrevistas sigilosas, prática combatida com vigor pelos Tribunais Superiores e incompatível com um Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, veja o entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o tema:

“…O exame psicotécnico, cuja principal característica é a objetividade de seus critérios, indispensável à garantia de sua legalidade, deve ter resultado que garanta a publicidade, bem assim a sua revisibilidade. Inadmissível, portanto, o caráter sigiloso e irrecorrível do referido exame. 3. O critério fixado no “perfil profissiográfico”, previsto no item 11.3 do edital, é elemento secreto, desconhecido dos próprios candidatos, e, portanto, incontrastável perante o Poder Judiciário, o que o fulmina de insanável nulidade, excedendo, assim, a autorização legal. 4. O fato de ser reconhecida a ilegalidade da correção do exame psicotécnico não exime a candidata de se submeter a novo exame, não podendo prosperar sua pretensão de ser diretamente nomeada ao cargo. Precedente. 5. Recurso parcialmente provido para reconhecer a nulidade do teste psicotécnico da Recorrente, devendo ela ser submetida a novo exame.[5]

            No mesmo sentido caminha a mansa e pacífica jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO DE AGENTE PENITENCIÁRIO DE SEGUNDA CLASSE DA CARREIRA POLICIAL CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. AUSÊNCIA DE AMPLA RECORRIBILIDADE. CRITÉRIOS SUBJETIVOS. OFENSA ÀS GARANTIAS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. Os atos administrativos praticados na condução de concurso para provimento de cargos públicos devem-se pautar em critérios objetivos. Isto para permitir ao candidato a compreensão e eventual impugnação da nota que lhe foi atribuída em determinado exame. Precedentes: AI 265.933-AgR, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence; AI 467.616-AgR, da relatoria do ministro Celso de Mello; e RE 326.349-AgR, da relatoria do ministro Gilmar Mendes. Agravo regimental a que se nega provimento.[6]

            Apenas para elucidar é muito comum o edital do concurso tratar vagamente a matéria e, por isso, descumprir o requisito da objetividade e apresentação dos critérios científicos do teste.

Veja-se, a título de exemplo, trecho de um edital de concurso para soldado combatente da Policia Militar  de um determinado Estado, conduzido, em parte, pelo CESPE:

Prescreve os itens 12.2.3, 12.2.5 e 12.2.6 do edital que regeu o certame:

12.2.3 A avaliação psicossomática consistirá na aplicação e na utilização de instrumentos psicológicos visando avaliar a adequação do candidato ao perfil profissiográfico do cargo. Serão avaliadas características de personalidade, habilidades específicas e tipos de raciocínio compatíveis com o bom desempenho no cargo.

12.2.5 Na avaliação psicossomática, o candidato será considerado recomendado ou não recomendado. O resultado obtido na avaliação psicossomática será decorrente da análise conjunta das técnicas e instrumentos utilizados. Dessa análise resultará o parecer recomendado ou não recomendado.

12.2.6 Será considerado não recomendado e, consequentemente, eliminado do concurso o candidato que não apresentar os requisitos psicológicos necessários ao exercício do cargo.

Em nenhum momento são apresentados os critérios objetivos e científicos que serão levados em conta na execução do exame, o que vai ser analisado, como vai ser analisado, o que se espera objetiva e cientificamente do candidato para ele ser aprovado.

Simplesmente o edital se utilizada de frases soltas e vagas sobre o exame, como:

“…Serão avaliadas características de personalidade, habilidades específicas e tipos de raciocínio compatíveis com o bom desempenho no cargo.”

“…O resultado obtido na avaliação psicossomática será decorrente da análise conjunta das técnicas e instrumentos utilizados”

“… o candidato que não apresentar os requisitos psicológicos necessários ao exercício do cargo.”

Analisando caso onde o edital era muito similar o douto relator Ministro PAULO MEDINA deixou claro em seu voto que:

Não me parece aceitável que o edital de concurso, no item 6.2 (fls. 23), ao dispor que “a avaliação psicológica terá como objetivo selecionar candidatos que possuam as características de inteligência, de aptidão e de personalidade necessárias ao desempenho adequado às atividades atinentes ao cargo, inclusive para portar arma de fogo” tenha previsto, objetivamente, os critérios de seleção dos candidatos.

E nem se argumente que não é possível apresentar previamente no edital os critérios objetivos de avaliação do exame psicossomático. Apenas a título de exemplo, dentre os inúmeros existentes, registre-se casos em que o exame foi aplicado corretamente no concurso.

Veja como o instrumento convocatório objetivamente tratou a matéria no concurso público de provas e títulos para ingresso na classe inicial da carreira de Delegado de Polícia do grupo Polícia Civil do Estado de Mato Grosso do Sul, regido pelo edital N° 01/2006 – SEGES/SEJUSP/PC.

12 – DO EXAME PSICOTÉCNICO

“12.1 – O exame psicotécnico será realizado no dia 03 de maio de 2006, em local e horário a ser publicado no Diário Oficial do Estado de Mato Grosso do Sul do dia 26 de abril de 2006 e disponibilizado na Internet www.pc.ms.gov.br e www.fapec.org

12.2 – O Exame Psicotécnico terá por objetivo selecionar candidatos, mensurando, de forma objetiva e padronizada, identificando e quantificando escores, características de inteligência, aptidão e personalidade necessários ao desempenho e habilidades psicológicas do candidato ao Cargo de Delegado de Polícia do Grupo Polícia Civil/MS, de acordo com o perfil estabelecido, através do emprego de um conjunto de instrumentos e técnicas científicas, que favoreçam um prognóstico a respeito do desempenho, adaptação e adequação, ao cargo proposto, bem como no que diz respeito ao porte e uso de arma de fogo.

12.3 – Neste exame serão utilizados testes psicológicos, como medidas psicométricas para medir habilidades específicas (aptidões variadas, como: atenção, memória, percepção, etc.) e inteligência geral, bem como características de estrutura de personalidade, que são indicadores que permitem ao psicólogo avaliar, em termos de probabilidade, o potencial latente apresentado pelo candidato em questão, naquele momento da avaliação, sua capacidade para solução de problemas, além de verificar se o mesmo demonstra traços de personalidade, condições de equilíbrio e ajuste psicossocial adequados ao desempenho das atividades de polícia judiciária desenvolvidas pela Polícia Civil, subsidiando assim a decisão da Junta de Psicólogos, pela indicação ou não de exercer o Cargo de Delegado de Polícia do Grupo Polícia Civil/MS.

12.4 – O Exame Psicotécnico será feita através de aplicação coletiva da bateria de testes psicológicos. O candidato que não comparecer ou não demonstrar o perfil estabelecido será eliminado do concurso.

12.5 – O Exame Psicotécnico será realizado por instituição/empresa especializada, credenciada especificamente para este fim pela FAPEC, sendo que as despesas correrão às expensas do candidato.

12.6 – Os instrumentos utilizados para avaliar o perfil psicológico do candidato, a fim de verificar sua capacidade de adaptação e seu potencial de desempenho positivo, serão definidos segundo os parâmetros estabelecidos pela definição do perfil psicológico, adotado como padrão pela Polícia Civil-MS, por meio das seguintes características e dimensões (nível) respectivas: controle emocional (elevado); ansiedade (diminuída); impulsividade (adequada); domínio psicomotor (adequado); autoconfiança (elevada); resistência à frustração (elevada); potencial de desenvolvimento cognitivo (elevado); memórias auditiva e visual (boas); controle e canalização produtiva da agressividade (elevados); disposição para o trabalho (elevada); resistência à fadiga psicofísica (elevada); iniciativa (elevada); potencial de liderança (elevado); capacidade de cooperar e trabalhar em grupo (boa); relacionamento interpessoal (adequado); flexibilidade de conduta (adequada); criatividade (elevada); fluência verbal (elevada); sinais fóbicos e disrítmicos (ausentes), atenção concentrada (boa), percepção de detalhes (boa).

12.6.1 – Descrição das características a serem avaliadas:

  1. a) controle emocional: habilidade do candidato para reconhecer as próprias emoções, diante de um estímulo qualquer, antes que as mesmas interfiram em seu comportamento, controlando-as, a fim de que sejam manifestadas de maneira adequada no meio em que estiver inserido, devendo o candidato adaptar-se às exigências ambientais, mantendo intacta a capacidade de raciocínio.
  2. b) ansiedade: aceleração das funções orgânicas, causando agitação emocional que possa afetar a capacidade cognitiva do candidato, devido à antecipação de conseqüências futuras. A preocupação antecipada leva a um estado de preparação física e psicológica para defender a incolumidade pessoal contra uma possível adversidade, o que deixa o indivíduo em constante estado de alerta (fase 1 do ciclo de estresse).
  3. c) impulsividade: falta de capacidade para governar as próprias emoções, caracterizando-se pela surpresa às reações e pela tendência em reagir de forma involuntária, inesperada, intensa e brusca diante de um estímulo interno ou externo sem a possibilidade de haver prévio raciocínio sobre o fator motivante do ato impulsionado.
  4. d) domínio psicomotor: habilidade cinestésica, por meio da qual o corpo movimenta-se com eficiência, atendendo com presteza às solicitações psíquicas e/ou emocionais.
  5. e) autoconfiança: atitude de autodomínio do candidato, presença de espírito e confiança nos próprios recursos, estabelecendo contatos de forma resoluta e decidida. Capacidade de reconhecer suas características pessoais dominantes e acreditar em si mesmo.
  6. f) resistência à frustração: habilidade do candidato em manter suas atividades em bom nível qualitativo e quantitativo, quando privado da satisfação de uma necessidade pessoal, em uma dada situação de trabalho ou particular.
  7. g) potencial de desenvolvimento cognitivo: grau de inteligência geral (fator G), dentro de faixa mediana padronizada para a análise, aliado à receptividade para incorporar novos conhecimentos e reestruturar conceitos já estabelecidos, a fim de dirigir adequadamente seu comportamento.
  8. h) memória auditiva e visual: capacidade para memorizar sons e imagens, tornando-os disponíveis à consciência, para a lembrança imediata, a partir de um estímulo atual.
  9. i) controle e canalização produtiva da agressividade: capacidade do candidato de controlar a manifestação da energia agressiva a fim de que a mesma não surja de forma inadequada em seu comportamento, e para que, ao mesmo tempo, possa direcioná-la à realização de atividades que sejam benéficas para si e para a sociedade, mostrando-se uma pessoa combativa.
  10. j) disposição para o trabalho: capacidade para lidar, de maneira produtiva, com tarefas sob sua responsabilidade, participando delas de maneira construtiva.
  11. k) resistência à fadiga psicofísica: aptidão psíquica e somática do candidato para suportar uma longa exposição a agentes estressores, sem sofrer danos importantes em seu organismo e sem que tais agentes interfiram na sua capacidade cognitiva;
  12. l) iniciativa: capacidade de influenciar o curso dos acontecimentos, colocando-se de forma atuante, não passiva, diante das necessidades de tarefas ou situações . Tal capacidade implica uma disposição para agir ou empreender uma ação, tomando a frente em uma determinada situação.
  13. m) potencial de liderança: habilidade para agregar as forças latentes existentes em um grupo, canalizando-as no sentido de trabalharem de modo harmônico e coeso na solução de problemas comuns, visando atingir objetivos pré-definidos. Facilidade para conduzir, coordenar e dirigir as ações das pessoas, para que atuem com excelência e motivação, estando o futuro líder disponível para ser treinado em sua potencialidade.
  14. n) capacidade de cooperar e trabalhar em grupo: disposição do candidato para ceder às exigências do grupo, ao mesmo tempo em que se propõe a atender às solicitações de apoio, emprestando suas habilidades em prol da realização de ações para a conclusão das tarefas, visando atingir os objetivos definidos pelos seus componentes.
  15. o) relacionamento interpessoal: capacidade de perceber e reagir adequadamente às necessidades, sentimentos e comportamentos dos outros.
  16. p) flexibilidade de conduta: capacidade de diversificar seu comportamento, de modo adaptativo, atuando adequadamente, de acordo com as exigências de cada situação em que estiver inserido.
  17. q) criatividade: habilidade do candidato para tirar conclusões e revitalizar soluções antigas a que chegou pela própria experiência anterior e vivência interna, apresentando então novas soluções para os problemas existentes, procurando assim buscar formas cada vez mais eficazes de realizar ações e atingir objetivos, valendo-se dos meios disponíveis no momento.
  18. r) fluência verbal: facilidade para utilizar as construções lingüísticas na expressão do pensamento, por meio de verbalização clara e eficiente, manifestando-se com desembaraço, sendo eficaz na comunicação.
  19. s) sinais fóbicos e disrítmicos: o primeiro termo diz respeito à presença de sinais de medo irracional ou patológico. O termo seguinte refere-se à presença de traços de disritmia cerebral.
  20. t) percepção de detalhes: capacidade que o indivíduo tem na preocupação com minúcias e detalhes.
  21. u) atenção concentrada: capacidade de centralizar suas atenções durante toda a duração da tarefa.

12.6.2 – As características terão as seguintes Dimensões (Níveis):

  1. a) elevado: muito acima dos níveis medianos;
  2. b) bom: acima dos níveis medianos;
  3. c) adequado: dentro dos níveis medianos;
  4. d) diminuído: abaixo dos níveis medianos;
  5. e) ausente: não apresenta as características elencadas.

12.7 – O resultado deste exame será expresso pelos conceitos:

  1. a) Habilitado: significando que o candidato apresentou, no concurso, perfil psicológico pessoal compatível com o perfil psicológico profissional, descrito no presente Edital.
  2. b) Não Habilitado: significando que o candidato não apresentou, no concurso, perfil psicológico pessoal compatível com o perfil psicológico profissional, descrito no presente Edital.

12.8 – Será considerado Não Habilitado e não concorrerá às demais fases, o candidato que não apresentar as características necessárias ao cargo, e que apresente, por exemplo, traços patológicos de personalidade, agressividade, impulsividade inadequada, controle emocional inadequado, inteligência abaixo da média e outras características de personalidade e de habilidades específicas que o tornem incapaz para o exercício da função que requer uso de armamento letal e não letal e tomada de decisão em momentos de extrema tensão, dentre outros.

12.9 – Será contra indicado, de acordo com o perfil estabelecido o candidato que, após uma análise conjunta de todos os instrumentos utilizados e da junta de técnicos responsáveis pela avaliação, apresentar as seguintes características: prejudiciais (controle emocional inadequado, tendência depressiva, impulsividade inadequada, agressividade inadequada, inteligência abaixo da média); indesejáveis (capacidade de análise, síntese e julgamento inadequados, ansiedade, resistência à frustração inadequada e flexibilidade inadequada); e restritivas (sociabilidade inadequada e maturidade inadequada e atenção e memória com percentuais inferiores); sendo os critérios de corte os seguintes:

  1. a) 4 características prejudiciais;
  2. b) 3 características prejudiciais e 2 indesejáveis;
  3. c) 2 características prejudiciais, 2 indesejáveis e 1 restritiva;
  4. d) 3 características indesejáveis;
  5. e) 2 características prejudiciais, 1 indesejável e/ou 1 restritiva;
  6. f) 2 características indesejáveis e 2 restritivas;
  7. g) 1 prejudicial, 2 indesejáveis e 1 restritiva.

12.10 – A não habilitação no Exame Psicotécnico não pressupõe a existência de transtornos mentais. Indica, tão somente, que o avaliado não atende aos parâmetros exigidos para o exercício das funções do cargo de Delegado de Polícia.

12.11 – A não habilitação de candidato, integrante do Grupo Polícia Civil do Estado de Mato Grosso do Sul, quando ocorrer, produz efeitos apenas para o presente concurso, referindo-se aos padrões de adaptação e desempenho das funções a serem assumidas, em nada interferindo no que respeita ao prosseguimento do seu exercício profissional normal, do cargo que ocupe.

12.12 – O candidato deverá apresentar-se para o Exame Psicotécnico, com antecedência mínima de 30 (trinta) minutos do horário marcado para seu início, munido do documento oficial de identidade estabelecido no subitem 6.7.1.

12.13 – Nenhum candidato não habilitado será submetido a novo exame ou prova dentro do presente concurso.

12.14 – Não se realizará qualquer teste ou etapa do Exame Psicotécnico fora dos espaços físicos estabelecidos, bem como não será dado nenhum tratamento privilegiado, nem será levada em consideração qualquer alteração, psicológica ou fisiológica passageira, na data estabelecida para realização da avaliação psicológica.

12.15 – Não haverá segunda chamada independente do motivo alegado pelo candidato, nem realização de exame fora da data e horário estabelecidos no edital de convocação. Não serão aceitos testes psicológicos e laudos realizados por outros psicólogos.

12.16 – O Resultado do Exame Psicotécnico será publicado no Diário Oficial do Estado de Mato Grosso do Sul do dia 09 de maio de 2006 e disponibilizado na Internet através dos sites www.pc.ms.gov.br e www.fapec.org

Portanto, equivocadas decisões de alguns seguimentos do Poder Judiciário onde erroneamente argumentam que apresentar os critérios científicos e objetivos do exame seria uma antecipação do mesmo, ou seja, uma antecipação de gabarito. Decisões neste sentido estão equivocadas, e na contramão do entendimento do STJ e STF. O que se quer é a apresentação dos critérios que serão levados em consideração no exame para que não haja julgamento subjetivo, pessoal, como tanto ocorreu no passado. Assim, devem ser apresentadas as regras como a do edital acima transcrito e isso não é antecipação de gabarito.

Portanto, que fique claro, os critérios objetivos e científicos que serão levados em consideração no exame psicotécnico devem estar previstos no edital, sob pena de violação aos princípios da impessoalidade, publicidade, segurança jurídica, dentre outros.

E nem se argumente que os laudos de avaliação psicológicas apresentados pelas Bancas Examinadoras após o exame aos candidatos possuem critérios objetivos, pois a objetividade que se espera, até em nome do princípio da segurança jurídica, da publicidade e da moralidade, é no edital do concurso e não no laudo.

Nesse sentido tem sido o entendimento do Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – REPROVAÇÃO EM EXAME PSICOTÉCNICO – CRITÉRIOS SUBJETIVOS DE AVALIAÇÃO – INVALIDADE – POSTERIOR CONVOCAÇÃO DO CANDIDATO PARA REALIZAÇÃO DO CURSO DE FORMAÇÃO POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO – LIMINAR CONCEDIDA EM CAUTELAR PARA RESERVA DE VAGA – APLICAÇÃO DA TEORIA DO FATO CONSUMADO – POSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO.

  1. Os critérios de que se valerem o edital, quais sejam, “características de inteligência, de aptidão e de personalidade para o desempenho adequado das atividades” são demasiado discricionários e subjetivos, pois se utilizam de conceitos vagos, amplos e imprecisos.
  2. Nesse sentido, não importa se o laudo de avaliação psicológica manifestou-se sobre os níveis obtidos de “personalidade”, “raciocínio espacial”, “raciocínio verba” e “raciocínio abstrato”, pois a objetividade que se exige é do edital, de forma que o candidato conheça, antecipadamente, os critérios de sua avaliação.
  3. A “teoria do fato consumado” só não se aplica aos concursos públicos quando o candidato permanece no certame por força de decisão judicial precária, o que não é o caso, pois fora convocado para o curso de formação, por erro da Administração.
  4. A medida cautelar foi proposta a fim de evitar a expiração do prazo de validade do curso de formação e a liminar concedida atendendo-se ao pedido de reserva de vaga.
  5. Recurso provido, para determinar a realização de novo exame psicotécnico, com critérios objetivos, mantendo-se a reserva de vaga concedida na medida cautelar nº 10.454, em trâmite na Terceira Seção do STJ.

Note que ficou claro na decisão do STJ que “não importa se o laudo de avaliação psicológica manifestou-se sobre os níveis obtidos de “personalidade”, “raciocínio espacial”, “raciocínio verba” e “raciocínio abstrato”, pois a objetividade que se exige é do edital, de forma que o candidato conheça, antecipadamente, os critérios de sua avaliação.

10.4 – ANALISE DE PERFIL PROFISSIOGRÁFICO DO CANDIDATO POR MEIO DE PSICOTÉCNICO.

Saber se um candidato tem ou não equilíbrio emocional, se é psicótico, problemático, diferencia-se sobremaneira de exigir que tenha um perfil psicológico que o administrador, unilateralmente, entende ser o mais adequado ao cargo.

            É dito isso porque muitos candidatos são desclassificados não porque tem desequilíbrio emocional, mas porque não atende a um perfil fixado pelo administrador, o que é flagrantemente ilegal.

            Percebe-se muitas vezes que a Administração quer um estereótipo, um padrão imposto unilateralmente e sem amparo legal. Traz-se, a título de exemplo, o teor do item 8.2 e 8.2.1 de determinado edital que regeu certo concurso:

8.2 A avaliação psicológica consistirá na aplicação e na avaliação de baterias de testes e instrumentos psicológicos científicos, que permitem identificar aspectos psicológicos do candidato de acordo com o perfil exigido para o exercício do cargo, visando verificar, entre outros:

  1. a) capacidade de concentração e atenção;
  2. b) tipos de raciocínio;
  3. c) controle emocional;
  4. d) relacionamento interpessoal;
  5. e) capacidade de memória;
  6. f) características de personalidade.

8.2.1 A avaliação psicológica avaliará também as características de personalidade prejudiciais ao exercício do cargo como, por exemplo, agressividade inadequada, impulsividade inadequada, rigidez de conduta, ansiedade exacerbada.

            A doutrina e jurisprudência são claras e cristalinas no sentido de que o exame psicotécnico não pode ser utilizado como teste profissiográfico, mas somente com o objetivo de avaliar se o candidato é portador de algum traço patológico ou exacerbado a níveis extremados e, portanto, incompatível com determinado cargo ou função.

            Nesse sentido cai como uma luva a lição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, advogando a impossibilidade de manejo do exame para verificar o perfil profissiográfico do candidato, ou seja, se ele encaixa ou não a um padrão traçado unilateralmente pela Administração.

Entretanto, o que se nega terminantemente e que seja compatível com o Texto Constitucional por violar a necessária objetividade inerente à razão de ser dos princípios da acessibilidade e do concurso público – a adoção de um perfil psicológico em que se devam encaixar os candidatos, pena de exclusão do certame. Com efeito, uma coisa é ser portador de algum traço patológico ou exacerbado a níveis extremados e portanto incompatível com determinado cargo ou função, e outra coisa, muito distinta, é ter que estar ajustado a um “modelo” ou perfil psicológico adrede delineado para o cargo.[7]

            Nesse mesmo sentido caminha mansa e pacificamente a jurisprudência de nossos Tribunais, deixando sempre assentado de forma clara e irrefutável a reprovabilidade a exigência de psicotécnico com objetivo de selecionar candidatos segundo o perfil profissiográfico traçado unilateralmente e sem embasamento legal pela Administração.

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE PAPILOSCOPISTA POLICIAL FEDERAL. REPROVAÇÃO EM TESTE PSICOTÉCNICO. CRITÉRIO QUE CONDICIONOU A RECOMENDAÇÃO DO CANDIDATO AO CARGO AO SEU ENQUADRAMENTO NO PERFIL PROFISSIOGRÁFICO TRAÇADO. EXIGÊNCIA NÃO CONTIDA NAS LEIS QUE REGEM O INGRESSO NA CARREIRA POLICIAL. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. RESTRIÇÃO AO DIREITO DE ACESSO A CARGO PÚBLICO.

  1. As leis referentes a exame psicotécnico da carreira policial federal exigem apenas que o candidato possua sanidade mental e temperamento adequado ao exercício das atividades inerentes à categoria funcional a que concorrer (Decreto-lei 2.320/87, art. 8º, inciso III e Lei 4.878/65).
  2. Apresenta-se fora da razoabilidade e restringe o direito ao acesso a cargo público o exame psicológico que visa a aferir a capacidade intelectual dos candidatos, segundo o perfil profissiográfico traçado pela Administração. Precedentes da Corte.
  3. Apelação a que se dá provimento.[8]

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. CONCURSO PÚBLICO. ESCRIVÃO DA POLÍCIA FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. PREVISÃO NA LEI 4.878/65 E DECRETO-LEI 2.320/87. PERFIL PROFISSIOGRÁFICO SIGILOSO. ILEGALIDADE. SENTENÇA EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STF E DO STJ E COM A SÚMULA 239/TFR.

  1. Segundo o enunciado 239 da Súmula do TFR, “é legítima a exigência de exame psicotécnico em concurso público para ingresso na Academia Nacional de Polícia”, em razão de expressa previsão legal (Lei 4.878/65 e Decreto-lei 2.320/87).
  2. Viola, contudo, a CF/88 a realização de psicotécnico cujo escopo não é aferir a existência de traço de personalidade que impeça o regular exercício do cargo, mas a adequação do candidato a “perfil profissiográfico” sigiloso, não previsto em lei e nem especificado no edital. (Cf. STF, RE 265.261/PR, Primeira Turma, Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 10/08/2001; RE 125.556/PR, Pleno, Ministro Carlos Velloso, DJ 15/05/1992; STJ, RMS 13.237/DF, Quinta Turma, Ministro Jorge Scartezzini, DJ 26/08/2002; TRF1, AC 2002.33.00.012601-5/BA, Sexta Turma, Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues, DJ 21/10/2004; AMS 1999.01.00.039060-2/DF, Sexta Turma, Desembargador Federal Souza Prudente, DJ 18/03/2003; AC 2000.01.00.053737-2/MG, Quinta Turma, Desembargador Federal Antônio Ezequiel, DJ 10/06/2002.)
  3. Apelação e remessa oficial não providas.[9]

CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. CARÁTER SIGILOSO E SUBJETIVO. INCONSTITUCIONALIDADE.

  1. A exigência do exame psicotécnico é legal e harmoniza-se com o preceito insculpido no art. 37, II, da Constituição Federal.
  2. Viola os arts. 5°, XXXIII, XXXV e LV, e 37 da Carta Magna a adequação do concursando a perfil profissiográfico previamente traçado pela Administração e pautado em critérios subjetivos, sigilosos e irrecorríveis.
  3. Recurso adesivo dos autores provido.
  4. Apelação da União e Remessa Oficial improvidas.[10]

                        No julgamento do AGRAVO DE INSTRUMENTO n.º 2008.00.2.017854-8, o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL, colhe-se elucidativo voto do eminente DESEMBARGADOR JOÃO MARIOSI sobre as inúmeras ilegalidades na realização de prova objetivando traçar perfil profissiográfico de candidatos. Veja o ilustrativo voto, que refuta qualquer pretensão em se admitir tal teste:

Os perfis psicológicos são, portanto, retrato de estereótipos intuídos aleatoriamente pelo Administrador, que os fornece aos analistas.

Realce-se que é não negado valor científico aos exames em si; estes são úteis e válidos para avaliação futura e destinação de atividades dentro do órgão administrativo.  O que é trazido à discussão é o caráter reprovatório dado ao conceito emitido pelo psicólogo, que, por sinal, se atém ao perfil traçado pelo Administrador.

A relevância da questão do perfil psicológico é que deve ser conhecida meritoriamente em Mandado de Segurança. Diverge-se de entendimentos outros em que tal matéria deva ser conhecida em via ordinária por meio de provas, inclusive pericial.

O problema não está no estudo do perfil e sua inadequação ao candidato, mas na sua descrição. O Administrador deverá descrever o servidor perfeito de acordo com a lei ou leis e regulamentos de regência. A discricionariedade de seus atos tem limite na lei, conforme constitucionalmente se vê da obrigatoriedade legal, Constituição, art.5º, II.

A descrição do servidor que extrapolar os princípios do Art.37 da Carta Magna constitui abuso de autoridade.

É, portanto, direito do Impetrante ou do Autor conhecer a descrição do tipo psicológico descrito pelo Administrador e dele divergir, se o caso, quer preventivamente, quer após a realização dos exames psicológicos. É também direito seu reprimir pelo mandamus ou por liminares o afastamento de concurso ou curso, com base em não-recomendação após os exames psicológicos. (…)

Como têm salientado alguns membros do Ministério Público, os testes psicológicos se tornaram arcana imperii. De fato. Como poderia o Poder Judiciário admitir terem os examinadores procedido  com retidão, quando os mestres da Psicologia Aplicada empregam  ardis para obterem resultados corretos, segundo seu ponto de vista?  Como se pode  falar  em objetividade,  quando  a  subjetividade é não só  a  tônica,  mas também o corolário?

Pior que tudo isto é tornar os meios e fórmulas inacessíveis a todos quantos objetivam conhecer as técnicas empregadas, como realça o Desembargador Romeu Jobim:

“O próprio Administrador não conhece os motivos pelos quais os psicólogos não recomendaram o candidato, sendo, pois, lícito concluir que trata-se  de um “segredo de  Estado” tão absoluto, que  é ocultado do próprio Estado (Estado-Administração e Estado-Juiz). Apud Elvan Loureiro – Procurador  de  Justiça  do  DFT.  O  segredo  de justiça objetivado pelo Administrador, quando o magistrado tomaria conhecimento da bateria dos exames e dos resultados, fere outro direito da parte, indisponível,  que  é o de conhecer as provas contra  si  feitas, Constituição art.  5º, LV.

10.5  – NECESSIDADE DE O LAUDO DE INAPTIDÃO SER MOTIVADO.

          Outro ponto muito importante é a necessidade de o laudo do psicólogo que inabilita o candidato ser motivado, ou seja, fundamentado, justificado por escrito.

Vale a pena, inicialmente, distinguir motivo (elemento do ato administrativo) de motivação (ato que foi motivado).

O motivo está relacionado aos pressupostos de fato e de direito que embasaram a prática do ato. É o que impulsiona o agente a agir. Por outras palavras, é por conta deste ou daquele motivo que a Administração pratica uma determinada conduta.

Em um caso de aplicação de uma multa de trânsito o motivo é o fato, por exemplo, de o condutor ter avançado o sinal vermelho do semáforo (motivo de fato) e este comportamento ser tido com uma infração de trânsito sujeito à penalização do condutor, conforme prevê o artigo 208 do CTB (motivo de direito).

Note-se que o motivo é um acontecimento, é o que faz com que o agente atue.

          Não se deve confundir motivo – elemento do ato administrativo – com a motivação, que é a explicitação linguística dos motivos quando da formalização do ato.

          Todo ato possui motivo, porém nem sempre será necessária a sua apresentação. A título de exemplo, o artigo 50, da Lei 9.784/99, informa quais atos precisão ser motivados, ou seja, casos em que é necessário ter a motivação.

Vejamos o que enuncia o referido dispositivo legal:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;

IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;

V – decidam recursos administrativos;

VI – decorram de reexame de ofício;

VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;

VIII – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.

  • 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

Quando um candidato é eliminado na fase de psicotécnico há um motivo (por exemplo: uma patologia mental) que ensejou este ato (eliminação do candidato). Ocorre que este ato, por dois motivos, deve ser justificado expressamente, ser motivado.

Primeiro porque negam, limitam, afetam direitos e, segundo, porque está ligado à decisão de processos administrativos de concurso ou seleção pública. Nestes casos é obrigatória a apresentação dos motivos que ensejaram a eliminação do candidato no exame psicológico.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA tem o entendimento de que o laudo que elimina o candidato no exame psicotécnico deve ser devidamente motivado:

RECURSO ORDINÁRIO – EXAME PSICOTÉCNICO – CRITÉRIOS OBJETIVOS – LAUDO PSIQUIÁTRICO COM A DEVIDA MOTIVAÇÃO – CONSTATAÇÃO DE INAPTIDÃO DEFINITIVA – ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – CONCURSO PARA OFICIAL ESCREVENTE – REPETIÇÃO – ART. 8º PAR.2º LEI COMPLEMENTAR Nº 10.098/94 – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO IMPROVIDO.

  1. Se o exame psicotécnico que inabilitou o candidato encontra-se devidamente motivado e o exame foi realizado segundo critérios objetivamente fixados no edital, não há que se falar em anulação.
  2. O art. 8º, par.2º, da Lei Complementar nº 10.098/94, do Estado do Rio Grande do Sul, só admite a repetição do exame psicotécnico em caso de inaptidão temporária.
  3. Recurso improvido.[11]

[1] Diogenes Gasparini. Direito Administrativo. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 8

[2] AgRg no RMS 13794 / RN ; 2001/0128194-6  Relator(a Min LAURITA VAZ / Órgão Julgador QUINTA TURMA / Data do Julg. 06/04/2006 / Data da Publicação/Fonte DJ 02.05.2006 p. 339.

[3] REsp 384019 / RS ; 2001/0155914-1  Relator Min ARNALDO ESTEVES LIMA / Órgão Julgador QUINTA TURMA / Data do Julg. 06/06/2006 / Data da Publicação/Fonte DJ 26.06.2006 p. 185.

[4] RMS 14395 / PI ; 2002/0013167-4  / Relator Min PAULO MEDINA / Órgão Julgador SEXTA TURMA / Data do Julg. 23/03/2004 / Data da Publicação/Fonte DJ 26.04.2004 p. 220.

[5] STJ – RMS 19.339 – PB – Proc. 2004/0176794-3 – 5ª T. – Relª Minª Laurita Vaz – DJ 15.12.2009.

[6] STF – AI-Ag. 680650 – 1ª T. – Rel. Min. Carlos Britto – DJ 13.02.2009.

[7] Regime Constitucional dos Servidores da Administração Direta e Indireta”, RT, SP, 1990, 48/50.

[8] AC 2004.38.00.037232-7/MG, Rel. Juiz Federal Vallisney de Souza Oliveira, Quinta Turma, DJ de 16/02/2006, p. 95.) (Grifo nosso.

[9] AC 2002.34.00.023602-4/DF, Rel. Juiz Federal João Carlos Costa Mayer Soares (conv.), Sexta Turma, DJ de 14/03/2005, p. 66.

[10] AC 1998.33.01.000996-0/BA, Rel. Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso, Sexta Turma, DJ de 26/05/2003, p. 171.

[11] RMS 18426 RS 2004/0079657-3, Relator(a): Ministro PAULO MEDINA.

Saiba mais em: https://alessandrodantas.adv.br/blogoficial

Tudo Que Você Precisa Saber Sobre Títulos nos Concursos Públicos

8.1 – INTRODUÇÃO

O texto constitucional em vigor estabelece que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego (art. 37, inciso II).

A prova de títulos é uma das formas de avaliar o mérito do candidato através da análise de sua produção científica, de sua vida acadêmica, de sua experiência profissional, etc.

Como o concurso público é o meio adequado para que a Administração Pública preencha seus quadros com pessoas que se mostrem habilitadas e capacitadas para desenvolver determinada atividade, sendo uma disputa imparcial onde se averigua o melhor e mais preparado candidato para executar determinada função, não é possível a seleção de candidatos apenas mediante análise de títulos, sendo essa determinação expressa no art. 37, inciso II, da Constituição Federal, que estabelece que o concurso público será de provas ou de provas e títulos.

A Constituição Federal define a exigência de concurso de provas ou de provas e títulos, outorgando à lei a atribuição de definir quais as provas, ou quais as provas e os títulos exigíveis, de acordo com a situação de cada cargo ou emprego público. A definição dos títulos exigíveis deve observar os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da adequação, bem como os demais princípios inseridos no caput do art. 37, da Constituição, aplicáveis a Administração Pública.

Como em qualquer outra prova de concurso público os critérios de avaliação da prova de títulos devem apresentar o maior grau de objetividade possível, devendo constar previamente no edital de abertura do certame os títulos que serão considerados e a pontuação de cada um, que será proporcional a importância para o exercício do cargo ou emprego público.

A jurisprudência é pacífica sobre o tema:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PROVA DE TÍTULOS. CRITÉRIOS. 1. Os critérios de avaliação da prova de títulos devem apresentar o maior grau de objetividade possível, o que determina que sejam fixados desde o lançamento do certame a titulação a ser considerada e a pontuação a ela referente. 2. Remessa oficial improvida[1].

Como os critérios objetivos para avaliação da prova de títulos devem constar no edital que regula o concurso público, ofende os princípios constitucionais da moralidade administrativa e da impessoalidade a fixação, após a entrega dos títulos, de critérios restritivos para a atribuição de pontos. Esse é o entendimento acolhido pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.  ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTROS DO ESTADO DE MINAS GERAIS. EDITAL N.º 001/99.  PROVA DE TÍTULOS. COMISSÃO EXAMINADORA. ADENDOS, PUBLICADOS APÓS A APRESENTAÇÃO DOS TÍTULOS, QUE REDEFINEM E ALTERAM OS CRITÉRIOS IMPOSTOS PELO EDITAL. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE, FINALIDADE E IMPESSOALIDADE. PRECEDENTES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

O fato de a Comissão Examinadora, após a apresentação dos títulos pelos concorrentes, publicar adendos redefinindo ou alterando os critérios impostos pelo Edital n.º 001/99 de abertura do Concurso Público para provimento de vagas nos Serviços Notariais e de Registros Públicos do Estado de Minas Gerais, malfere os princípios da moralidade, finalidade e impessoalidade, norteadores do certame público, na medida em que fez distinções que trouxeram prejuízo ao Recorrente. Precedentes desta Corte[2].

Outrossim, em face dos princípios constitucionais da publicidade e da legalidade (Constituição Federal, art. 37, caput), deve ser assegurado aos candidatos acesso à avaliação do seu resultado, bem como a possibilidade de impugnar administrativamente o resultado da avaliação de títulos mediante recurso administrativo.

Os títulos a serem considerados no concurso público devem possuir pertinência com as atividades inerentes ao cargo ou emprego público, por isso não é qualquer título que pode ser aceito como critério de seleção dos concursandos.

Deste modo, em um concurso para juiz será irrelevante na avaliação de títulos o fato do candidato possuir pós-graduação em gastronomia ou em arte, pois somente devem ser levados em consideração os títulos que demonstrem o mérito do candidato para o exercício do cargo.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já reconheceu a inconstitucionalidade de normas que admitiam títulos sem pertinência com as atividades inerentes ao cargo ou emprego público:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Título de “Pioneiro do Tocantins”. Art. 25 da Lei n. 157, de 27.07.90, art. 29 e seu par. único do Decreto n. 1.520, de 8.08.90 e item 4.4 do Edital de Concurso de 15.09.90, D.O.E. de 16.10.90, do Estado do Tocantins. O título “Pioneiro do Tocantins”, previsto no “caput” do art. 25 da Lei n. 157/90; atribuído a servidores do Estado, nada tem de inconstitucional. Entretanto, quando utilizado para concurso de provas e títulos, ofende clara e diretamente o preceito constitucional que a todos assegura o acesso aos cargos públicos, pois, o critério consagrado nas normas impugnadas, de maneira obliqua, mas eficaz, deforma o concurso a ponto de fraudar o preceito constitucional, art. 37, II, da Constituição. Declaração de inconstitucionalidade da expressão “inclusive para fins de concurso público de titulos e provas” contida no par. único do art. 25 da Lei n. 157/90, do art. 29 e seu paragrafo único do Decreto n. 1.520, de 08.08.90, e da expressão “cabendo ao “Pioneiro do Tocantins”, como título, 30 (trinta) pontos, nos termos do art. 25, único, da Lei n. 157, de 27 de julho de 1990 e seu regulamento, contida no item 4.4 do edital de concurso público de 15.10.90, publicado no D.O.E. de 16.10.90[3].

 

8.2 PROVA DE TÍTULOS COM CARÁTER ELIMINATÓRIO

A prova de títulos, que deve ter caráter meramente classificatório, consiste na avaliação cultural do candidato, a partir da análise de sua efetiva produção científica, técnica ou artística pregressa, consoante os critérios estabelecidos no regulamento e no edital do concurso público.

A mesma não pode ter caráter eliminatório, pois atentaria contra o postulado da isonomia, já que os candidatos que acabaram de se formar, por exemplo, e que possuem os requisitos de acesso ao cargo estipulados por lei, seriam prejudicados, uma vez que não tiveram tempo hábil para realizar novos cursos, como especialização, mestrado, doutorado, etc.

Sobre o assunto é perfeita a lição do eminente administrativista JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO[4] ao asseverar que “a titulação dos candidatos não pode servir como parâmetro para aprovação ou reprovação no concurso público, pena de serem prejudicados seriamente aqueles que, contrariamente a outros candidatos, e às vezes por estarem em início da profissão, ainda não tenham tido oportunidade de obterem esta ou aquela titulação. Entendemos, pois, que os pontos atribuídos à prova de títulos só podem refletir-se na classificação dos candidatos, e não em sua aprovação ou reprovação. Só assim é possível considerar o concurso de provas e títulos compatível com o princípio da impessoalidade inscrito no art. 37 da CF”.

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal CARLOS AYRES BRITO[5], em artigo específico sobre o tema, é enfático ao asseverar que os títulos “servem tão-somente como critério de classificação dos candidatos, até porque se ostentassem natureza eliminatória, fariam com que os candidatos carecedores de densos currículos (os mais jovens e mais pobres, principalmente) já entrassem para a prova de conhecimento com a obrigação de saber mais do que os outros. E é intuitivo que tal ‘obrigação antecipada’ de saber mais lesionaria o princípio da igualdade”.

Sendo este o entendimento adotado no seguinte precedente do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

CONCURSO PÚBLICO. TÍTULOS. REPROVAÇÃO. Coaduna-se com o princípio da razoabilidade constitucional conclusão sobre a circunstância de a pontuação dos títulos apenas servir à classificação do candidato, jamais definindo aprovação ou reprovação. Alcance emprestado por tribunal de justiça à legislação estadual, em tudo harmônico com o princípio da razoabilidade, não se podendo cogitar de menosprezo aos critérios da moralidade e da impessoalidade[6].

Em que pese o entendimento doutrinário e jurisprudencial a respeito do assunto, é imperioso registrar que o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já entendeu de forma contrária, reconhecendo a possibilidade da prova de títulos possuir caráter eliminatório, como se verifica no seguinte julgado:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. TÍTULOS. CARÁTER ELIMINATÓRIO. POSSIBILIDADE. MOMENTO DE APRESENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE DETERMINAÇÃO. EXCLUSÃO DE CANDIDATO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO.

  1. Possível, consoante o entendimento deste STJ, a atribuição de caráter eliminatório à prova de títulos, desde que respeitados os princípios administrativos da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e finalidade.
  2. Silente o Edital do Concurso, quanto ao momento em que deveriam ser apresentados os títulos, não é dado à Comissão Examinadora implementar posteriormente o regramento, alterando-o de forma desigual, em desfavor de uns e outros. Ofensa ao princípio da isonomia que se reconhece.
  3. Ao Poder Judiciário só é dado corrigir eventual ilegalidade, jamais substituir, em suas atribuições, a banca examinadora constituída para tal fim.
  4. Recurso em Mandado de Segurança conhecido e parcialmente provido[7].

No entanto, entendemos que o posicionamento que melhor se coaduna com os princípios que norteiam a atuação da administração pública é o entendimento acolhido pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, pois estabelecer uma prova de títulos com caráter eliminatório compromete a eficiência e a competitividade do concurso público, uma vez que essa exigência desencorajaria a participação de várias pessoas no certame, em especial as mais jovens e as mais pobres, que por falta de tempo ou recursos financeiros não possuem títulos.

[1] TRF da 4ª Região, REO 199904010189745, Paulo Afonso Brum Vaz, Terceira Turma, julgado em 20/09/2000.

[2] RMS 18.050/MG, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 09/08/2005.

[3] ADI 598, Relator Min. Paulo Brossard, Tribunal Pleno, julgado em 23/09/1993.

[4] 2011, p 573.

[5] BRITO, Carlos Ayres. Concurso Público: Requisitos de inscrição. In: Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 1994, n.º 6, p. 70.

[6] AI 194188 AgR, Relator  Min. Marco Aurélio, Segunda Turma, julgado em 30/03/1998.

[7] RMS 12908/PE, Rel. Ministro Edson Vidigal, Quinta Turma, julgado em 02/04/2002.

MANUAL COMPLETO DEFINITIVO SOBRE A PROVA DISCURSIVA NOS CONCURSOS PÚBLICOS

passar a ideia de uma prova discursiva

 

 7.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

 

Dentre as fases mais utilizadas em concursos públicos destaca-se a aferição de conhecimento por provas objetivas e provas discursivas. As provas discursivas podem possuir caráter eliminatório e classificatório e geralmente são elaboradas em forma de proposições abertas que exige dos candidatos um conhecimento de maior profundidade sobre o tema que é proposto. Além disso, permite avaliar a clareza com que o candidato expõe seu raciocínio, a maneira como utiliza a linguagem escrita e aspectos relacionados à ortografia e gramática.

Como foi visto no capítulo anterior, as provas objetivas são de controle mais fácil, visto que a questão apenas poderá ter uma única alternativa correta, sob pena de violação ao princípio da moralidade, da vinculação ao instrumento convocatório, etc. Se, por ventura, a questão possuir como resposta mais de uma alternativa ou não possuir alternativa, nesse caso deve a mesma ser anulada.

Nas provas discursivas é necessário mais esforços para garantir-se a objetividade e a padronização. Diferente do que ocorre nas provas objetivas, em que existe apenas uma alternativa correta, nas provas discursivas há uma enorme variedade entre as respostas que os candidatos dão à mesma questão e, por isso, garantir uma padronização perfeita na pontuação das provas se torna uma tarefa mais difícil, aumentando a possibilidade de interferências subjetivas do examinador no momento da correção.

É certo que tais interferências subjetivas podem ser evitadas ou ao menos reduzidas de modo a não prejudicar nenhum candidato. Para tanto é essencial que as provas discursivas tenham a maior objetividade possível e que não abordem assuntos controvertidos na doutrina ou jurisprudência, quando o tema proposto for jurídico, ou qualquer assunto polêmico ligado as demais áreas do conhecimento.

A objetividade não se limita somente a elaboração das provas, essa deve ser uma característica marcante em todas as fases da avaliação, por isso também deve está presente na correção das provas, na atribuição dos pontos aos candidatos e na apreciação dos recursos.

O ideal na correção das provas discursivas é a “elaboração de um gabarito completo e detalhado, que preveja todas as variáveis possíveis nas respostas dadas pelos candidatos, indicando os critérios de avaliação e pontuação das respostas, de forma a vincular a atuação dos examinadores na correção das provas evitando subjetividades”[1].

Apesar das interferências subjetivas nas provas discursivas poderem ser evitadas ou reduzidas significativamente, infelizmente não é isso que percebemos diante da atuação de várias Bancas Examinadoras. O número de ações judiciais questionando diversos aspectos das provas discursivas tem crescido vertiginosamente, o que é reflexo das inúmeras ilegalidades praticadas nesse tipo de prova.

Passemos a analisar as ilegalidades mais comuns.

7.2 QUESTÕES QUE ABORDAM TEMA NÃO ABRANGIDO PELO CONTEÚDO PROGRAMÁTICO PREVISTO NO EDITAL

            O edital de abertura do concurso deve prever o conteúdo programático tanto das provas objetivas quanto das provas discursivas e todas as questões ao serem elaboradas devem observá-lo. Uma vez estabelecido o conteúdo programático e publicado o edital não existe mais discricionariedade da Administração em escolher quais serão os temas avaliados nas provas, ou seja, a partir da publicação do edital a Administração fica estritamente vincula ao conteúdo programático.

Essa é uma decorrência da aplicação do princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Isso significa que “todos os atos que regem o concurso público ligam-se e devem obediência ao edital que não só é o instrumento que convoca candidatos interessados em participar do certame como também contém os ditames que o regerão”, [2] afinal, o edital cristaliza a competência discricionária da Administração que se vincula a seus termos.

Em tema de concurso público, é cediço que o Edital é lei entre as partes, estabelecendo regras às quais ficarão vinculados a Administração e os candidatos.

Qualquer questão que aborde um tema não abrangido pelo conteúdo programático do edital deverá ser anulada.

 

 Esse é o entendimento adotado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO NÃO PREVISTA NO EDITAL DO CONCURSO.

O Supremo Tribunal Federal entende admissível o controle jurisdicional em concurso público quando ‘não se cuida de aferir da correção dos critérios da banca examinadora, na formulação das questões ou na avaliação das respostas, mas apenas de verificar que as questões formuladas não se continham no programa do certame, dado que o edital – nele incluído o programa – é a lei do concurso’[3].

            Nesse caso não há revisão dos critérios estabelecidos pela Banca Examinadora, apenas se dará ao edital do certame interpretação que assegure o cumprimento das regras nele estabelecidas e em relação às quais estavam vinculados a Administração e os candidatos. Trata-se de um controle de legalidade[4].

A cobrança de matérias na prova discursiva não compreendida no conteúdo programático não viola apenas ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, mas também aos princípios da boa-fé administrativa e da proteção à confiança.

 Precisando o sentido dos princípios da proteção à confiança e da boa-fé administrativa ALMIRO DO COUTO E SILVA[5] esclarece que boa-fé diz respeito à lealdade, correção e lisura do comportamento das partes, reciprocamente, que devem comprometer-se com a palavra empenhada. Já o princípio da proteção à confiança é atributo da segurança jurídica, que pode ser decomposto em duas partes: uma objetiva, que cuida dos limites à retroatividade dos atos estatais, e outra subjetiva, que tocante propriamente à proteção da confiança das pessoas na atuação estatal.

            A Administração ao publicar o edital do concurso contendo o conteúdo programático desperta no concursando a legítima expectativa de que somente as matérias ali compreendidas serão objeto de avaliação e o candidato ao se inscrever no certame concorda com os termos do edital se comprometendo a cumprir todas suas regras e a estudar as matérias elencadas pelo instrumento.

Na relação entre Estado e concursando deve haver reciprocidade de compromissos e por isso enquanto o candidato se empenha em fazer tudo o que a Administração determina, esta deve respeitar todas as regras estabelecidas por ela mesma no edital.

            Os candidatos partem do princípio de que a Administração respeitará a reciprocidade de compromissos assumida com todos os administrados que se inscreveram no concurso e assim se dedicam por horas durante vários dias ou até mesmo meses ao estudo das matérias previstas no conteúdo programático, razão pela qual momento da aplicação da prova discursiva não podem ser surpreendidos com a cobrança de uma matéria que a Administração se comprometeu a não avaliar.

Esse comportamento da Administração representa um ato de deslealdade e um desrespeito ao compromisso assumido com todos os candidatos culminando na violação aos princípios da boa-fé administrativa e proteção à confiança.

            Nesse caso não há revisão dos critérios estabelecidos pela Banca Examinadora, mas apenas se dará ao edital do certame interpretação que assegure o cumprimento das regras nele estabelecidas e em relação às quais estavam vinculados a Administração e os candidatos. Trata-se de um controle de legalidade[6].

Por isso, em observância aos princípios da legalidade, da vinculação ao edital, da boa-fé administrativa e da proteção à confiança, o conteúdo programático previsto no edital do concurso deve ser considerado para fins de aplicação da prova discursiva, impondo-se reconhecer a nulidade da questão que se afasta dos parâmetros previamente estabelecidos e, por conseguinte, deve ser atribuída a correspondente pontuação aos candidatos que postularam em juízo a nulidade da questão.

 

7.3  CORREÇÃO DA PROVA DISCURSIVA SEM CRITÉRIOS OBJETIVOS

Os critérios de correção são os parâmetros de valoração do desempenho dos candidatos e por isso a Banca Examinadora tem o dever de estabelecê-los da forma mais objetiva possível e de modo a evitar interferências subjetivas dos examinadores.

É indispensável que a Banca Examinadora adote critérios de correção objetivos para que seja cumprida a obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos e, sobretudo, para que o candidato tenha condições de exercer plenamente o contraditório e a ampla defesa quando utilizar o recurso administrativo para impugnar a correção da prova discursiva.

Isso não é tudo, a adoção de critérios objetivos permite assegurar o respeito aos princípios da isonomia, impessoalidade, segurança jurídica, moralidade e da eficiência, pois candidatos que demonstrarem o mesmo desempenho na prova não receberão notas diferenciadas.

Cada candidato receberá a nota realmente merecida, possibilitando que a Administração selecione o candidato mais preparado para ocupar determinado cargo ou emprego público.

Quanto à necessidade de exposição dos critérios de avaliação das provas de forma objetiva, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já assentou que:

CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. JULGAMENTO SIGILOSO DA CONDUTA DO CANDIDATO. INCONSTITUCIONALIDADE. CF/67, ART. 153, PAR 4.. CF/88, ART. 5. XXXV. I. Exame e avaliação de candidato com base em critérios subjetivos, como, por exemplo, a verificação sigilosa sobre a conduta, pública e privada, do candidato, excluindo-o do concurso sem que sejam fornecidos os motivos. Ilegitimidade do ato, que atenta contra o princípio da inafastabilidade do conhecimento do Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito. E que, se a lesão e praticada com base em critérios subjetivos, ou em critérios não revelados, fica o Judiciário impossibilitado de prestar a tutela jurisdicional, porque não terá como verificar o acerto ou o desacerto de tais critérios. Por via obliqua, estaria sendo afastada da apreciação do Judiciário lesão a direito. [7]

Embora o julgado transcrito acima não se manifeste especificamente a respeito de prova discursiva, o entendimento nele adotado se aplica a qualquer espécie de prova realizada em concurso público, pois se a lesão ao direito do candidato é praticada com base em critérios subjetivos o Poder Judiciário fica impossibilitado de prestar a tutela jurisdicional, porque não terá como verificar o acerto ou desacerto de tais critérios e, por via oblíqua, estaria sendo afasta da apreciação do Poder Judiciário uma lesão a direito.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já analisou a matéria reconhecendo que é ilegal a correção de prova discursiva realizada sem critérios objetivos:

O impetrante, participante de concurso para o preenchimento de cargo público, alega, entre outras considerações, que o edital não apontou os critérios de correção da prova de redação a que se submeteu, pois esses se mostram amplos a ponto de não permitir qualquer controle por parte dos candidatos: não se sabe qual peso ou faixa de valores para cada quesito, o conteúdo de cada um deles ou o valor de cada erro. Isso é agravado pela constatação de que não há sequer uma anotação na folha da redação do candidato que seja apta a embasar os pontos obtidos, salvo alguns apontamentos quanto a erros de português. Assim, é patente que o ato administrativo em questão revela-se sem motivação idônea, razão para considerá-lo inválido. Sucede que o concurso em testilha já foi homologado há quase um ano, ultimada até a decorrente posse dos demais aprovados, não havendo como determinar uma nova correção da prova (motivação posterior que prejudicaria todo o concurso). Anote-se que o impetrante foi eliminado do certame em razão de meio ponto e que ele mesmo formula pedido alternativo de que lhe seja concedida a pontuação mínima para ser aprovado. Daí se considerar que esse pequeno acréscimo em sua nota sana a nulidade de maneira mais proporcional aos outros candidatos e ao concurso como um todo. Assim, tem-se por aprovado o impetrante, mas para ocupar a última colocação entre os aprovados, com o fito de evitar que a coisa julgada na ação atinja terceiros que não estão elencados nos autos[8].

 

7.4 FALTA DE MOTIVAÇÃO NA CORREÇÃO DA PROVA DISCURSIVA

            A correção de provas discursivas é um ato administrativo como qualquer outro, por isso está sujeito à mesma disciplina jurídica dos atos administrativos em geral, inclusive a obrigatoriedade de motivação. Isso é reforçado pelo inciso III, do art. 50, da Lei Federal nº 9.784/99. Esse dispositivo determina que os atos que decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública deverão ser devidamente motivados.

            Por isso, é obrigatório que a Banca Examinadora indique na correção da prova discursiva os motivos que ensejaram a retirada de pontos, deixando bem claro o que há de errado na resposta apresentada pelo candidato para que este tenha conhecimento das razões que deram causa a sua nota. Essa regra deveria ser observada estritamente por todas as Bancas Examinadoras, mas não é exatamente assim que as Bancas Examinadoras estão atuando.

            O que se percebe é que na maioria das vezes as Bancas Examinadoras apenas disponibilizam a resposta apresentada pelo candidato na prova discursiva em seus sites, sem, contudo, indicar nenhum erro e as razões da subtração de pontos, ou seja, sem nenhuma motivação.

Além do acesso à prova discursiva, cuja correção o candidato pretende impugnar, ele também precisa saber quais são os erros existentes na prova, as razões da subtração de pontos e ter conhecimento da grade de correção adotada pela Banca, porquanto sem a garantia de acesso a tais informações será inócua a oportunidade de utilização da via recursal, uma vez que o candidato não teria os subsídios necessários ao pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. Sem o conhecimento dessas informações restará infrutífera qualquer pretensão recursal.

Analogicamente, seria semelhante a um magistrado que ao julgar uma demanda dissesse em sua sentença somente “julgo improcedente o pedido do autor”. Quais seriam as razões que o autor utilizaria em sua apelação para impugnar a sentença quanto à análise do mérito da demanda?

A correção de uma prova discursiva sem motivação é semelhante, pois eventual recurso a ser interposto pelo candidato não refutará os motivos apresentados pela Banca Examinadora já que ele os desconhece. O candidato pode até interpor o recurso administrativo, mas não terá exercido o contraditório e a ampla defesa.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA se manifestou expressamente sobre o assunto. No acórdão do agravo regimental no RECURSO ESPECIAL Nº 1062902[9] consta a justificativa de uma Banca Examinadora para não indicar os erros cometidos pelos candidatos nas provas discursivas, vejamos:

Inicialmente, releva frisar que a correção dos exames discursivos não só dos Impetrantes, como também dos demais candidatos, é conduzida pelas respectivas bancas examinadoras sem que, de fato, seja ultimada qualquer anotação no corpo das provas, a fim de que, em havendo eventuais recursos administrativos do candidato interessado, o julgamento do primeiro examinador não influencie o julgamento do segundo.

Em síntese, o primeiro examinador é instruído pela organização do Concurso a não lançar anotações nas provas dos candidatos, expondo suas razões, haja vista que, do contrário, o candidato não teria um julgamento isento caso deliberasse interpor recurso administrativo. Enfim, tal procedimento tem por escopo estabelecer um sistema de proteção ao candidato.

            O MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, em brilhante decisão, afastou a aplicação dessa justificativa, sob o seguinte fundamento:

Não há razoabilidade alguma nestas ponderações, na medida em que tal proceder causa evidente cerceamento do direito de defesa e ao direito de recorrer, integrante do devido processo legal, ao impor aos recorrentes a árdua tarefa de interporem um recurso sem saber ao certo contra o quê estavam recorrendo. Destaque-se aqui o parecer do douto Ministério Público em 1ª instância que acertadamente afirmou que admitir tal posicionamento equivaleria a chancelar manobra para contrariar disposição expressa do art. 37, caput da Constituição Federal, que determina o princípio da publicidade como inerente a toda atividade administrativa (fls. 493).

            Ressalte ainda que a motivação não precisa ser apresentada necessariamente no corpo da prova discursiva. Qualquer documento que contenha informações suficientes para que o candidato tenha conhecimento dos erros existentes em sua prova, que para ser mais exato é conveniente indicar em qual linha da prova discursiva se encontra a incorreção, possibilitando que o mesmo saiba as razões da subtração de pontos, é adequado para que garantir o respeito ao princípio da motivação e do contraditório e da ampla defesa. Portanto, não há justificativa plausível para que as Bancas Examinadoras deixem de fundamentar a correção das provas discursivas.

Deste modo, esses atos são passíveis de controle judicial. Para que essa ilegalidade seja sanada o Poder Judiciário deve determinar que a Banca Examinadora apresente quais foram os motivos que ensejaram a perda de pontos e, posteriormente, a reabertura do prazo para que os candidatos interponham outros recursos, desta vez, munidos das informações necessárias para exercerem plenamente o contraditório e a ampla defesa.

 

7.5 INDICAÇÃO DE ERROS INEXISTENTES

            Se não bastasse a ausência de motivação na correção das provas discursivas, frequentemente as Bancas Examinadoras indicam erros inexistentes e subtraem ilegalmente pontos dos candidatos. 

Tivemos conhecimento de um caso curioso e muito interessante que ilustra muito bem esse tipo de ilegalidade. Em determinado concurso público, organizado por uma das mais conceituadas Bancas Examinadoras do Brasil, determinado candidato ao receber o resultado da sua prova discursiva interpôs recurso visando a alteração da nota, pois a Banca afirmou que havia um erro de grafia na linha 25 de sua prova discursiva.

Como o candidato não localizou o erro, transcreveu no recurso a linha 25 da forma como havia escrito na redação. Para sua surpresa a Banca Examinadora indeferiu o recurso alegando que a palavra “execução” escreve-se com “ss”, ou seja, “execussão”. Por conta desse absurdo o candidato acabou sendo prejudicado, perdeu décimos na sua pontuação, o que foi suficiente para deixá-lo em uma classificação inferior a que ele realmente merecia.

Todos sabem que a palavra “execução” não se escreve com “ss”, mas mesmo assim a Banca Examinadora subtraiu pontos do candidato por ter escrito corretamente a palavra, indicando um erro inexistente. Se não existem os motivos que determinaram os descontos de pontos na prova do candidato deve ser considerado invalido o ato administrativo de correção e, consequentemente, ser atribuída a pontuação correspondente aos descontos pelos erros inexistentes.

A constatação da inexistência dos erros apontados pela Banca Examinadora pode ser realizada através de parecer apresentado por especialista ou até mesmo por meio de prova pericial e em casos tão evidentes como o descrito acima ou em temas técnicos do direito o próprio magistrado tem condições de constatar a inexistência do erro.

A atribuição dos pontos correspondentes aos descontos pelos erros inexistentes é uma decorrência da aplicação da teoria dos motivos determinantes, essa teoria “baseia-se no princípio de que o motivo do ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade. E não se afigura estranho que se chegue a essa conclusão: se o motivo se conceitua como a própria situação de fato que impele a vontade do administrador, a inexistência dessa situação provoca a invalidação do ato. Acertada, pois, a lição segundo a qual ‘tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade’”[10].

A motivação vincula o agente aos termos em que foi mencionada. Se comprovado que inexistem os motivos mencionados no ato administrativo como determinantes da vontade do examinador o ato está inquinado de vício de legalidade e, portanto, deve ser invalidado e a pontuação correspondente aos erros inexistentes deve ser atribuída integralmente ao candidato prejudicado na correção da prova discursiva.

Nesse contexto, revela-se inconsistente o fundamento de que não cabe ao Poder Judiciário a apreciação acerca do mérito do ato administrativo, ou seja, o juízo da conveniência e da Administração Pública no estabelecimento de critérios de avaliação, uma vez que a indicação de erros inexistentes indica claramente que houve manifestos erros na correção da prova discursiva do candidato, passíveis de comprometer a sua aprovação, o que mostra não se cuidar o caso de o Judiciário imiscuir-se indevidamente no âmbito de discricionariedade da banca examinadora, mas, sim, de proteger a esfera jurídica do candidato, já que cabe ao Poder Judiciário exercer o controle da legalidade dos atos administrativos.

 

7.6  DISTRIBUIÇÃO DESPROPORCIONAL DOS PONTOS

            Na prova discursiva quando há mais de um quesito sendo avaliado o ideal é que haja indicação de quantos pontos valerá cada um. Essa é uma medida necessária, pois em provas de concursos há questões com diversos quesitos para serem respondidos e em contrapartida há pouco tempo para respondê-los. Por isso, os candidatos administram seu tempo respondendo preferencialmente os quesitos que valem mais pontos deixando para o final aqueles que valem menos pontos, pois se o tempo for insuficiente para responder a todos ao menos os que possuíam uma pontuação maior foram respondidos, aumentando as chances de serem aprovados no concurso.

            Para ilustrar o que estamos dizendo, vejamos um exemplo. Se em uma questão discursiva vale 10 pontos e tem quatro quesitos para serem avaliados o correto é que a Banca indique previamente quanto vale cada um, mas se não houver essa indicação e os quatro quesitos tiverem o mesmo peso para o desenvolvimento do tema, o mais apropriado é atribuir para cada quesito 2,5 pontos ou pelo menos não estabelecer uma diferença significativa entre a pontuação atribuída aos mesmos.

            No entanto, se essa mesma questão que vale 10 pontos está dividida em quatro quesitos e não há a indicação de quanto vale a pontuação cada um não é proporcional e muito menos razoável que o candidato seja surpreendido, no momento em que toma conhecimento do padrão de resposta, com a informação de que dois quesitos valeram 4,5 pontos e os outros dois valeram apenas 0,5 ponto, enquanto os quatro tinham a mesma importância para o adequado desenvolvimento do tema proposto.

Em um caso como esse, se o candidato tivesse conhecimento que tinha dois quesitos valendo 4,5 pontos cada um daria ênfase a eles e se sobrasse tempo iria responder aos quesitos que valiam apenas 0,5 ponto cada. A não indicação de quantos pontos vale cada quesito e a distribuição desproporcional da pontuação são circunstâncias que prejudicam os candidatos, configurando ilegalidade praticada pela Banca. Esse exemplo não se trata de mera suposição hipotética, é um caso real, que apesar de retratar uma distribuição da pontuação da prova discursiva de forma totalmente desproporcional, veem sendo praticado pelas Bancas Examinadoras.

            Esse tipo de comportamento gera extrema instabilidade e viola o princípio da segurança jurídica, pois a Banca Examinadora decide avaliar vários quesitos, porém não informa previamente quanto vale cada um e, posteriormente, utilizando um critério totalmente arbitrário, distribuí desproporcionalmente a pontuação entre os quesitos avaliados.

            Além disso, é bem nítida a violação ao princípio da razoabilidade por não haver previamente indicação da pontuação máxima de cada quesito avaliado, bem como ao princípio da proporcionalidade devido à distribuição dos pontos da questão de modo a valorizar ao extremo determinados quesitos e praticamente desconsiderar a relevância de outros, enquanto todos apresentam o mesmo grau de relevância para adequado desenvolvimento do tema proposto.

Em resumo: se não houver essa indicação de quanto vale cada quesito o correto é atribuir para cada quesito 2,5 pontos, pois o candidato não tem bola de cristal para adivinhar quanto vale cada item e comportamento diferente fere o princípio da boa fé, moralidade, segurança jurídica e outros.

            Uma vez constatado a violação aos princípios da segurança jurídica, da razoabilidade e da proporcionalidade, essa lesão ao direito dos candidatos merece reparo jurisdicional. Como medida de justiça, deve o Poder Judiciário, após provocação, distribuir a nota da prova de forma equânime entre os quesitos avaliados.

Tal medida é juridicamente possível, pois o Judiciário não estará reavaliando a prova discursiva ou fazendo uma nova correção, trata-se de um mero controle de legalidade devido à violação aos princípios que norteiam a atuação da Administração Pública.

 

7.7 VEDAÇÃO DE VISTA DA PROVA DISCURSIVA E DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO

            Os princípios do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, revelam-se nos concursos públicos, entre outras fases, no momento da interposição de recursos contra o resultado das provas discursivas e para que esse direito seja exercido é necessário que os candidatos tenham vista da prova.

Esse é o momento que o candidato tem para apresentar suas razões contra a correção da prova realizada pela Banca Examinadora e solicitar o reexame da prova discursiva. Cabe à Banca analisar cuidadosamente os recursos e divulgar detalhadamente as razões de sua decisão.

Conforme JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO[11] “por se tratar de procedimento administrativo em cujo cerne se encontra densa competitividade entre os aspirantes a cargos e empregos públicos, o concurso público não raras vezes rende ensejo à instauração de conflitos entre os candidatos, ou entre estes e o próprio Poder Público. É importante, em consequência, que essa característica marcante seja solucionada de forma legítima, sobretudo com a aplicação dos princípios da motivação e do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF)”.

Por isso, qualquer disposição editalícia que vede a vista das provas e a interposição de recursos fere o princípio do contraditório e da ampla defesa. Com efeito, regra prevista no edital com esse conteúdo não se coaduna com o Estado Democrático de Direito, cuja essência denota a submissão, também do Estado, às disposições normativas e ao controle da sociedade. A Constituição Federal é o instrumento balizador dessa nova conformação político-jurídica e todas as normas, ainda que não propriamente leis em sentido estrito, como é o caso dos editais de concurso público, devem-lhe observância irrestrita.

Esse tipo de disposição editalícia também viola o princípio da publicidade, pois a Constituição não se coaduna com o sigilo, que apenas é admitido em situações excepcionais, e o concurso público não está entre essas excepcionalidades, vez que é marcado pela ampla publicidade.

É firme essa orientação na jurisprudência:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CÍVEL. EXAME DE SELEÇÃO AO ESTÁGIO DE ADAPTAÇÃO AO OFICIALATO. MINISTÉRIO DA AERONÁUTICA. INSTRUÇÕES ESPECÍFICAS QUE VEDAM A VISTA DA PROVA DE REDAÇÃO E A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO CONTRA O RESULTADO. PREVISÃO INCONSTITUCIONAL. INVALIDAÇÃO DO ITEM DO EDITAL. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.

[…]. 3. In casu, não está em discussão critério de avaliação escolhido pelo administrador, no âmbito de sua discricionariedade, ou seja, não se está questionando acerca da formulação ou da correção de questões pela banca examinadora. Está em debate a adoção, no edital, de procedimento de imposição de sigilo e de irrecorribilidade, em confronto direto com a Norma Constitucional, o que autoriza o controle jurisdicional do ato administrativo. Não se olvide que mesmo os atos administrativos discricionários são passíveis de controle pelo Poder Judiciário, quando inconstitucionais, ilegais e abusivos, não ofendendo, tal ilação, o princípio da separação dos Poderes. “Contravindo aos bem lançados argumentos recursais, a jurisprudência do STJ entende, em hipótese semelhante a destes autos, ser possível a intervenção do Poder Judiciário nos atos regulatórios (editais) que regem os concursos públicos” (STJ, AgRg no REsp 673.461/SC, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 18/02/2010, DJe 08/03/2010).

[…]. 6. Ao candidato deve ser assegurado o direito de vista de sua prova, bem como de interpor recurso administrativo contra o resultado, medida que, ressalte-se, não atinge os critérios de avaliação do administrador, que poderá, em sede recursal, manter a nota que atribuiu, com as consequências desse fato derivadas, inclusive de eliminação ou ordem de classificação[12].

É certo que o edital do concurso público é lei entre as partes, de modo que a inscrição no certame implica concordância com as regras nele contidas. Contudo, essa diretriz não prevalece se as disposições do edital violarem os princípios que regem a atividade administrativa. Portanto, é evidente a nulidade de regra editalícia que vede a vista da prova e a interposição de recurso, devendo o Poder Judiciário afastar a sua aplicação diante do caso concreto, possibilitando que o candidato tenha acesso à sua prova discursiva, bem como à grade de correção, autorizando que o mesmo apresente recurso administrativo.

 

7.8 – DECISÃO GENÉRICA E SEM FUNDAMENTAÇÃO QUE INDEFERE O RECURSO ADMINISTRATIVO INTERPOSTO EM FACE DA CORREÇÃO DA PROVA DISCURSIVA

Após a divulgação do resultado das provas discursivas qualquer candidato que se sentir insatisfeito ou de alguma forma prejudicado com a correção da prova terá oportunidade de apresentar recurso administrativo. O recurso deve conter os fundamentos que embasam a pretensão do recorrente e a Banca Examinadora ao apreciá-lo deve fundamentar adequadamente tanto o deferimento quanto o indeferimento do mesmo.

A fundamentação de todos os recursos administrativos interpostos pelos candidatos é indispensável, pois a apresentação de uma resposta especifica acerca do recurso é um ato vinculado, caso a Banca Examinadora atue de forma diferente estará violando aos princípios do contraditório e da ampla defesa e, sobretudo, ao princípio da motivação previsto no art. 2º e 50, inciso V, da Lei Federal 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

Apesar da obrigatoriedade de fundamentação, tem sido muito comum as Bancas Examinadoras apresentarem decisões genéricas e sem qualquer motivação, aplicáveis a todo e qualquer recurso que tenha sido interposto, não tendo vinculação com as respostas dadas pelo candidato na prova discursiva e nem com a impugnação recursal. Isso é de fácil constatação! Basta comparar decisões de recursos de dois candidatos que apresentaram respostas diferentes à questão discursiva e utilizaram fundamentos distintos nos recursos. Mesmo diante das diversidades que envolvem os dois casos é comum a Banca Examinadora repetir o mesmo texto de julgamento para indeferir o recurso. É essencial que o candidato lesado faça essa comparação em juízo, pois assim ficará comprovada a ausência de fundamentação da decisão que indeferiu o recurso.

Portanto, incorre em ilegalidade a Banca Examinadora do concurso que indefere recurso contra correção de prova discursiva sem apresentar fundamentação vinculada à impugnação apresentada pelo candidato[13].

Esse é o entendimento adotado pelo TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO:

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO DA OAB. EDITAL. PROVIMENTO Nº 81/96 DO CONSELHO FEDERAL DA OAB. SEGUNDA ETAPA DO CERTAME. RECURSO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.

A decisão mediante a qual a Comissão de Estágio e Exame de Ordem negou provimento ao recurso administrativo interposto pela candidata é inaceitável quanto à insuficiência na fundamentação. O recurso administrativo suscitou vários pontos, que foram simplesmente desprezados na decisão padronizada.

Uma resposta mais específica deveria ter sido emitida, eis que, em se tratando de ato administrativo vinculado, não há dúvidas sobre a obrigatoriedade da motivação, isto é, da exposição dos motivos do ato. A motivação é que permite a verificação da legalidade do ato e que permite ao examinando entender os motivos de sua eventual reprovação, caso não haja reconsideração.

Não há como se aceitar a objeção sustentada no art. 6°, parágrafo único, do Provimento nº 81/96 do Conselho Federal da OAB, que restringe os limites da cognição do recurso administrativo, pois é incompatível com o devido processo legal. O examinando tem direito a reclamar a revisão administrativa da sua prova na íntegra.

[…]. Não existe nexo lógico de causalidade entre o vício apontado na decisão referente à apreciação do recurso interposto pela candidata e seu pedido de inscrição nos quadros da OAB/ES, com desconsideração da segunda fase do exame de ordem[14].

Comprovada a falta de fundamentação das respostas ao recurso interposto por qualquer candidato, é imprescindível que seja decretada a nulidade dessa decisão administrativa pelo Poder Judiciário e que se determine a realização de um novo julgamento do recurso ou uma reavaliação da prova discursiva.

Nesse ponto existem duas alternativas: primeiro determinar que a mesma Banca Examinadora faça o novo julgamento do recurso. Entretanto, essa nova reavaliação da prova discursiva e julgamento do recurso pela mesma Banca é algo extremamente duvidoso e desprovido de segurança e de garantia que ela atuará conforme os princípios que norteiam a Administração Pública.

A Banca Examinadora pode simplesmente manter a nota que foi atribuída ao candidato, cometendo os mesmos atos ilegais e sob o argumento de que o Poder Judiciário não pode se imiscuir no mérito administrativo criará uma área imune a qualquer espécie de controle judicial.

Não há nenhum sentido em determinar que a mesma Banca Examinadora faça um novo julgamento do recurso administrativo, que anteriormente teve uma decisão genérica e padronizada.

 Corroborando essa tese destaca-se o seguinte aresto do TRIBUNAL REGIONAL DA 1ª REGIÃO:

No julgamento de recursos contra resultados de provas em concurso há necessidade de motivação, que poderá ser padronizada para as provas objetivas, mas nas provas subjetivas deverá, em regra, ser individualizada. No caso de motivação insuficiente, como o é a motivação-padrão dissociada da matéria arguida no recurso, o candidato terá, em tese, direito a novo julgamento, mas determinação nesse sentido, ao mesmo Examinador, é praticamente inócua. Será “chover no molhado”, pois o Examinador “manterá o seu critério e, evidentemente, o justificará, por isto ou por aquilo”, na expressão no Ministro Ribeiro Costa, no julgamento, em 16.10.1963, do MS 11.712 (RDA 80/128)[15].

            Como deixou bem claro o Desembargador Relator, determinar que a mesma Banca faça um novo julgamento do recurso será “chover no molhado”, porque ela “manterá o seu critério e, evidentemente, o justificará, por isto ou por aquilo”.

Portanto, uma decisão administrativa que aprecie recurso de forma genérica deve ser anulada, e como é muito duvidoso e inseguro determinar que a mesma Banca Examinadora reavalie a prova discursiva e realize novo julgamento do recurso, a solução mais adequada é determinar a realização de perícia para que seja atribuída ao candidato a nota realmente merecida por ele na prova discursiva. Tal determinação judicial, como será demonstrada adiante, é plenamente possível.

 

 

 

7.9 O CONTROLE DAS PROVAS DISCURSIVAS PELO PODER JUDICIÁRIO

7.9.1 Considerações iniciais

 

Questão controvertida é a que diz respeito à possibilidade do Poder Judiciário realizar controle de provas em concursos públicos, especialmente de provas discursivas. Isso nos parece muito estranho, pois enquanto a doutrina e a jurisprudência são categóricas em afirmar que é necessária a objetividade, a motivação, a razoabilidade e o exercício do contraditório e da ampla defesa em todas as fases do concurso, há seguimento do Judiciário que adota o posicionamento de que as provas estariam abrangidas pelo “mérito” do ato administrativo, sendo vedado ao Judiciário intervir nos atos da Banca Examinadora.

Esse entendimento tem como equivocado argumento o de que o Estado-Juiz ao realizar a prestação da tutela jurisdicional não deve extrapolar os limites impostos pelo art. 2º da Constituição Federal. Por isso, se fosse permitido ao juiz analisar as provas e como os critérios de correção das mesmas foram utilizados haveria invasão da esfera de discricionariedade típica do administrador público e, consequentemente, ocorreria violação ao princípio da tripartição dos poderes.

No entanto, esse posicionamento não nos parece correto e está cada vez mais sendo rejeitado, pois nenhuma atividade administrativa goza de liberdade absoluta e o art. 2º, da Constituição não veda a apreciação dos atos da Administração pelo Poder Judiciário, ao contrário, pois o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, prevê que a lei não pode afastar da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Nesse sentido, cabe ao Judiciário a análise da legalidade e constitucionalidade dos atos dos três poderes e, constatando mácula no ato impugnado, deve afastar a sua aplicação[16].

Ademais, ao corrigir a prova discursiva a Banca Examinadora deverá motivar a nota atribuída ao candidato. Segundo a teoria dos motivos determinantes os fatos que servirem de suporte à decisão administrativa integram a validade do ato. Logo, enunciados os motivos que ensejaram a atribuição daquela nota, esta só será válida se as justificativas tiverem procedência[17]. Isso quer dizer que o padrão de resposta deve refletir com precisão os conceitos consolidados das disciplinas avaliadas, não cabe a Banca Examinadora determinar o que é certo ou errado, mudando a realidade das coisas.

É certo que a realização de concursos públicos muitas vezes submete-se, de forma indevida, ao estrito arbítrio dos administradores. A legislação pátria contém pouquíssimas regras destinadas a tolher abusos e o resultado são certames marcados por diversas demandas judiciais, muitas vezes com expressivo atraso na consecução dos objetivos visados pela Administração Pública.

Nesse cenário, diversas ilegalidades são praticadas e protegidas pelo “manto” da discricionariedade e muitas vezes nada tem sido feito para corrigi-las sob o argumento de que é vedado ao Poder Judiciário se imiscuir no mérito administrativo. A doutrina mais moderna e atenta à realidade fática e social sustenta, corretamente, a alteração desse entendimento ultrapassado. O movimento destinado a promover essa alteração não está limitado apenas ao campo teórico e entre os doutrinadores e julgadores, os nossos legisladores também aderiram a ele dando origem a diversos projetos de leis destinados a controlar a atuação da Administração Pública nos concurso públicos, dentre eles, se destacam os Projetos de Leis 252/2003, 985/2007, 1009/2007, Projeto de Lei do Senado n.º 74/2010 – Projeto Substitutivo, Projeto de Lei do Senado nº 30/2012 , que dentre outras questões, a elaboração, correção e controle jurisdicional das provas discursivas.

 

7.9.2 Redução da discricionariedade a zero na correção das provas discursivas

Na avaliação de provas discursivas pode até ser uma tarefa árdua, senão impossível, reduzir de forma absoluta qualquer interferência subjetiva do examinador, mas essa circunstância não autoriza que a correção desse tipo de prova seja feita sem critérios objetivos previamente definidos que estejam de acordo com os conceitos adotados na disciplina avaliada, e muito menos desobriga a Banca do dever de motivar a correção e de atribuir ao candidato a nota que corresponda ao conhecimento que demonstrou na avaliação.

Mesmo ciente dessas considerações, a jurisprudência caminha em sentido oposto ao atribuir aos critérios adotados pela Banca o caráter de ato discricionário e, portanto, insuscetível de controle judicial.

 É exatamente esse o entendimento acolhido no seguinte julgado:

Recurso extraordinário. Concurso público.  Também esta Corte já firmou o entendimento de que não cabe ao Poder Judiciário, no controle jurisdicional da legalidade, que é o compatível com ele, do concurso público, substituir-se à banca examinadora nos critérios de correção de provas e de atribuição de notas a elas (assim no MS 21176, Plenário, e RE 140.242, 2ª. Turma). Pela mesma razão, ou seja, por não se tratar de exame de legalidade, não compete ao Poder Judiciário examinar o conteúdo das questões formuladas para, em face da interpretação dos temas que integram o programa do concurso, aferir, a seu critério, a compatibilidade, ou não, deles, para anular as formulações que não lhe parecerem corretas em face desse exame. Inexiste, pois, ofensa ao artigo 5º, XXXV, da Constituição. Recurso extraordinário não conhecido[18].

Não só a jurisprudência, mas também doutrinadores como JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO[19], entendem que “esses critérios não podem ser reavaliados no Judiciário, pois que, além de serem privativos da Administração, sua reapreciação implicaria ofensa ao princípio da separação dos Poderes”.

Data máxima vênia, discordamos dessa orientação jurisprudencial e doutrinária. O concurso público é um procedimento composto tanto de atos discricionários como de atos vinculados e em qualquer das duas espécies de atos a Administração deve observar todos os aspectos de legalidade e de constitucionalidade. A discricionariedade está presente na elaboração das provas e escolha do local e data para sua aplicação, mas a formulação do gabarito, correção e atribuição de pontos é ato vinculado. A discricionariedade não se confunde com arbitrariedade. O examinador não pode exigir como a correta, resposta flagrantemente errada, pois estaria violando o princípio da legalidade e, por conseguinte, o edital, daí porque, neste caso, o Judiciário não invade a discrição do examinador, mas o reconduz aos trilhos da lei e do edital.

Pensar de modo contrário seria atribuir a Administração um poder ilimitado para correção das provas discursivas, pois ela poderia criar um gabarito sem nenhuma relação com as disciplinas avaliadas e isso ninguém poderia questionar, uma vez que o ato de formulação do gabarito é classificado como ato discricionário. Entender de forma irrestrita que os critérios de correção estão abrangidos pela discricionariedade e, por conseguinte, são insuscetíveis de controle judicial, é o mesmo que conferir o caráter de verdade absoluta a qualquer afirmação que esteja no gabarito que orientará a correção das provas discursivas. A discricionariedade administrativa não pode significar que a Administração tem a liberdade de escolher qual a resposta para determinada questão da prova discursiva, pois só existe uma escolha possível, que é aquela que corresponde à realidade, não cabe a Banca definir o que é certo ou errado.

Nesse sentido, vale citar ALMIRO DE COUTO SILVA[20], para quem “o concurso público para admissão nos serviços do Estado é um procedimento sério de seleção de candidatos, no qual deverá existir, em linha de princípio, a possibilidade de controle – não apenas administrativo, pelos caminhos dos recursos pertinentes – mas também de caráter jurisdicional, dos critérios de correção das provas, sob pena de poder transformar-se em fraude e burla dos interesses dos competidores. Já foi anteriormente ressaltado que a Administração Pública não tem o poder incontrastável de reputar como certo o que bem lhe parecer, pois isso seria arbítrio”.

Neste contexto, é pertinente destacar a teoria da “redução da discricionariedade a zero”, que é adotada no Direito Alemão e Espanhol e, ainda que de forma minoritário, vem ganhando espaço no Direito Brasileiro.

A respeito dessa teoria, o Professor HARTMUT MAURER[21] da Universidade de Konstanz, na Alemanha, ensina que o “poder discricionário significa que a administração pode escolher entre alternativas diferentes. No caso particular, pode ela, todavia, reduzir a possibilidade de escolha a uma alternativa, se todas as outras alternativas fossem de exercício do poder discricionário vicioso. A autoridade está, então, obrigada a ‘escolher’ a única decisão ainda restante para ela. Fala-se, nesses casos, de ‘redução do poder discricionário a zero’ ou de concentração do poder discricionário”.

Aplicando essa teoria inovadora às provas discursivas de concursos públicos, será que para determinada pergunta que se satisfaz apenas com uma única resposta, diversa da que foi adotada pela Banca Examinadora, não poderia o Poder Judiciário, respaldado por perícia ou qualquer outro meio probatório igualmente eficaz, anular o gabarito incorreto e indicar a única resposta correta?

Para que fique mais clara a compreensão dessa teoria de origem europeia, iremos repetir o caso real que citamos anteriormente. Em determinado concurso público, organizado por uma das mais conceituadas Bancas Examinadoras do Brasil, determinado candidato ao receber o resultado da sua prova discursiva interpôs recurso visando à alteração da nota, pois a Banca afirmou que havia um erro de grafia na linha 25 da sua prova discursiva. Como o candidato não localizou o erro ele transcreveu no recurso a linha 25 da forma como havia escrito na redação. Para sua surpresa a Banca Examinadora indeferiu o recurso alegando que a palavra “execução” escreve-se com “ss’, ou seja, “execussão”.

Todos sabem que a palavra “execução” não se escreve com “ss”, mas mesmo assim a Banca subtraiu pontos do candidato por ter escrito corretamente a palavra, indicando um erro que não existia. Reformulando o questionamento de acordo com esse caso, poderia o Judiciário, anular a correção da Banca Examinadora e indicar a única solução correta? Poderia o Judiciário dizer que a palavra “execução” não se escreve com “ss”?

Neste caso, só existe uma solução correta, a Banca Examinadora não tem nenhuma margem de liberdade para formular o gabarito e escolher regras de grafia que não existem na língua portuguesa. Como se vê, a discricionariedade encontra-se reduzida à zero, pois só existe uma única escolha para Banca Examinadora, sendo plenamente possível o controle por parte do Judiciário sem que ocorra indevida intromissão no mérito administrativo e violação ao princípio da separação dos poderes.

Novamente, cai como uma luva a brilhante lição de ALMIRO DO COUTO E SILVA[22], que, em artigo especializado sobre o tema, sustenta “o certo ou o errado será aferido pelo confronto da resposta com o estado atual das ciências, da técnica ou das artes, conforme a área de conhecimento em que tais provas se situam. O gabarito oficial deverá espelhar com fidelidade essa situação, indicando como alternativa certa a que assim for considerada pelo estado atual das ciências, da técnica ou das artes”. Isso deixa bem claro que a Banca Examinadora tem discricionariedade somente na elaboração da prova discursiva, mas a elaboração do gabarito não faz parte do mérito administrativo, pois Banca não tem liberdade para escolher a resposta que bem entender, uma vez que a resposta deve corresponder aos conceitos adotas pela ciência ou pela arte. 

Não existe discricionariedade administrativa quando a Banca Examinadora contraria conceitos consolidados de determinada ciência. Nessa hipótese é aceitável o Poder Judiciário interferir na correção da prova discursiva. Como bem observado pela Desembargadora Maria Isabel Galloti Rodrigues, do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO:

A discricionariedade da banca, contudo, encontra limites nos princípios da legalidade e da razoabilidade, não se justificando critérios objetivamente arbitrários, e nem calendários que impossibilitem o conhecimento, pelo candidato, das razões de indeferimento de seu recurso, antes do início das provas da fase subseqüente. Indeferimento de recurso não acompanhado das razões que o motivaram equivale a não apreciação do recurso. […].

A Agravante fez juntar ao presente agravo cópia de sua prova de redação, para comprovar a alegação de que lhe teriam sido descontados pontos em razão de práticas consideradas corretas nos livros de gramática portuguesa adotados pela bibliografia do concurso, o que é sinal, ao menos a um primeiro exame, de verossimilhança de sua pretensão. [23]

            Portanto, em provas discursivas em que existir apenas uma única resposta para ser validamente adotada pela Banca Examinadora, a discricionariedade encontra-se reduzida à zero, cabendo ao Judiciário anular ou substituir a resposta ofertada pela Administração Pública quando não corresponder ao conhecimento científico avaliado.

 

7.9.3 Resposta tecnicamente sustentável

Assim como a teoria da redução da discricionariedade a zero, a jurisprudência alemã também tem adotado outro posicionamento digno de aplausos, trata-se da “resposta tecnicamente sustentável” que assegura ao candidato o direito de uma margem de resposta, de forma que uma resposta sustentável não pode ser avaliada como falsa, mesmo que aquele não seja o entendimento adotado pela Banca Examinadora. Deste modo, em sendo sustentável a resposta ofertada pelo candidato, desde que apoiada em determinada orientação científica, mesmo que não coincida com a resposta apresentada pela Banca Examinadora do concurso, deverá ser aceita como correta.

Novamente é salutar destacar as precisas palavras de HARTMUT MAURER[24], Professor da Universidade de Konstanz na Alemanha, que esclarece que “o examinador não deve avaliar como errônea uma solução exposta pelo examinando se ela está consequentemente fundamentada e na literatura, em alguma parte, é sustentada seriamente, mesmo que ele próprio a considere errônea. O examinando se manteve dentro do quadro desse espaço de resposta e, por isso, não pode ser avaliada como errônea”.

Essa teoria é aplicável a provas discursivas sobre assuntos de quaisquer áreas do conhecimento (economia, sociologia, história etc.), desde haja divergência científica e, por isso, exista a possibilidade de mais de uma resposta ser tecnicamente sustentável. Porém, no Direito, ela é mais fácil de ser visualizada.

É cediço que o Direito não é uma ciência exata, sendo que em razão do mar principiológico que banha o Ordenamento Jurídico, a análise de determinados comandos legais podem, e geram muitas vezes, mais uma vertente exegética. Por isso verificamos uma dinâmica das decisões judiciais. Às vezes, o jurisdicionado vence a batalha judicial em primeira instância, perde outra no Tribunal, porém reverte no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo Tribunal Federal. Note que o caso levado a juízo é o mesmo, porém conforme o manejo sistemático, lógico ou literal dos comandos normativos em jogo, o resultado pode ser diferente.

Sabendo disso, quando determinada matéria é cobrada em uma prova discursiva de concurso público, o órgão encarregado de fazer o concurso ou a instituição para quem foi terceirizada a tarefa (Banca Examinadora) deve ter o cuidado de não cobrar matéria cujo entendimento doutrinário ou jurisprudencial seja conturbado, não pacificado. Caso contrário, deve aceitar os entendimentos possíveis, que são fruto da diversidade doutrinária e jurisprudencial.

Isso porque o candidato não tem um “oráculo jurídico” para adivinhar qual o posicionamento doutrinário ou jurisprudencial que a Banca está adotando, além disso, seria no mínimo imoral impor um entendimento unilateral, quando há outros da mesma relevância e de forte reconhecimento no âmbito acadêmico ou da pragmática dos Tribunais Superiores.

Assim, não há dúvida que tal comportamento fere o princípio da moralidade, da segurança jurídica, da razoabilidade, devendo e podendo ser objeto de análise pelo Judiciário, que fazendo ou não uso de prova técnica (perícia) irá verificar se o candidato acertou ou não a questão, mesmo que com tese diferente da adotada pela Banca Examinadora.

O objetivo não é dizer se aquela matéria poderia ser cobrada. Não! O objetivo é: se a matéria cobrada possuir mais de uma resposta sustentável juridicamente, deve o Judiciário fazer valer a mesma, devendo também ser aceita esta alternativa de resposta.

Por mais que a Banca Examinadora possua uma autonomia para avaliar as provas, o fato é que essa autonomia não é absoluta, sendo limitada pelos princípios orientadores da Administração Pública, já que o concurso público por si só é um procedimento administrativo que objetiva a seleção de pessoal para trabalhar em caráter permanente junto ao Poder Público.

Sendo ele realizado pela própria Administração ou por empresas terceirizadas, o regime é exatamente o mesmo. Não há saída: o ato de correção da prova e a atribuição de uma nota em concurso é um ato administrativo, e, por isso, está sujeito a controle de juridicidade pelo Poder Judiciário que, seja pelo conhecimento do magistrado, seja por meio de auxílio de prova pericial, tem condições de verificar se a resposta ofertada está correta ou não, frente ao estado atual da doutrina e da jurisprudência.

Nota-se que isso não se trata de controle de mérito do ato. Não se está pleiteando para que determine a mudança da data da prova, ou que seja retirada do edital certas matérias. O que se quer é um julgamento atento aos princípios que norteiam a atividade administrativa, e a imposição unilateral de um gabarito em uma prova discursiva que envolve matéria divergente, é, sem duvida, aviltante a inúmeros princípios, como moralidade, razoabilidade, segurança jurídica, etc.

O fato de o direito não ser uma ciência exata, como a matemática, física ou estatística, não significa que a mesma seja subjetiva. Não existe ciência subjetiva! Os enunciados formulados pela ciência jurídica possuem caráter descritivo da realidade: as normas jurídicas, estas sim de caráter prescritivo. 

Quando se faz uma avaliação sobre uma ciência de caráter descritivo, como no caso de provas de direito, não há como existir subjetividade, mas julgamento completamente objetivo da avaliação, o qual deve levar em consideração a lei, a doutrina e a jurisprudência, sendo que, se houver divergência entre os institutos, deve ser aceito ambos os posicionamentos.

            Portanto, uma vez demonstrado que a Banca Examinadora cobrou na prova discursiva matéria divergente na doutrina ou jurisprudência, o candidato que tenha respondido adotando posicionamento que não coincide com a opção da Banca, deverá ter sua resposta considerada correta, desde que seja tecnicamente sustentável.

 

7.9.4 A prova discursiva como objeto do controle judicial

A teoria da redução da discricionariedade a zero e da resposta tecnicamente sustentável, embora inovadoras, ainda dá os seus primeiros passos no Direito Brasileiro, por enquanto o entendimento dominante é o de que ao Poder Judiciário é cabível verificar e julgar somente a legalidade e a juridicidade das diversas etapas que compõe o procedimento do concurso público.

A Administração Pública só pode agir se houver lei autorizando ou determinando a conduta. Por outras palavras: o desenvolvimento das atividades administrativas está subordinado à juridicidade, o que significa que a Administração apenas pode agir se houver legitimidade – leia-se lei e demais princípios que norteiam a conduta administrativa (art. 5º, inciso II e art. 37, caput, ambos da Constituição Federal).

Deste modo, constatando violação à lei ou ao edital[25] que rege o concurso público, o Poder Judiciário estará autorizado a declarar a nulidade do ato administrativo. O controle será realizado nos parâmetros de previsão constante na lei (em sentido amplo) ou no Edital. Sendo assim, o Poder Judiciário não estará substituindo a Banca Examinadora, ou impondo critérios diferenciados dos adotados por ela, muito pelo contrário, nesta situação a intervenção judicial visa somente assegurar que as regras definidas pela própria Administração ou as regras que vinculam sua atuação sejam realmente cumpridas.

A elaboração de questões discursivas incompatíveis com o conteúdo programático previsto no edital é um exemplo de ato ilegal, pois viola o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, sendo possível o Poder Judiciário declarar sua nulidade.

O controle de legalidade das provas discursivas vem sendo acolhido sem nenhuma resistência pelos Tribunais. É exatamente isso que se verifica na jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

Concurso público: controle jurisdicional admissível, quando não se cuida de aferir da correção dos critérios da banca examinadora, na formulação das questões ou na avaliação das respostas, mas apenas de verificar que as questões formuladas não se continham no programa do certame, dado que o edital – nele incluído o programa – é a lei do concurso. [26]

A inexistência de disposição legal ou editalícia prevendo qual a conduta do administrador diante de determinada situação não significa que a Banca Examinadora está livre para fazer o que bem entender, pois, ainda assim, é obrigatória a observância dos princípios constitucionais que norteiam a atuação da Administração Pública, sendo esses princípios o parâmetro para o controle de juridicidade. 

Os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, devido processo legal, segurança jurídica (proteção à confiança), motivação, razoabilidade e proporcionalidade serão utilizados como parâmetro do controle de juridicidade dos concursos públicos, e isso em todas suas etapas, inclusive no controle das provas discursivas.

 

Correção da prova discursiva sem critérios objetivos, falta de motivação na correção da prova discursiva, indicação de erros inexistentes, distribuição desproporcional dos pontos, vedação de vista da prova discursiva, de interposição de recurso, apresentação de decisão genérica e sem fundamentação que indefere o recurso administrativo interposto em face da correção da prova discursiva são as principais ilegalidades praticas na elaboração e correção das provas discursivas. Em todas elas há, indiscutivelmente, violação a princípios constitucionais, o que autoriza o Poder Judiciário a realizar um controle de juridicidade.

Portanto, é certo que qualquer ato praticado na elaboração, correção ou atribuição de pontos na prova discursiva, quando violador de princípios constitucionais, está sujeito ao controle de juridicidade realizado pelo Judiciário, pois nenhum ato administrativo pode afrontar a Supremacia da Constituição.

Quanto ao controle de juridicidade é importante destacar que a doutrina mais moderna e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem aceitando a possibilidade de incursão do Poder Judiciário no “mérito administrativo”, quando o ato atacado seja desproporcional ou desarrazoado. Segundo essa vertente doutrinária e jurisprudencial qualquer ato administrativo que violar o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade merece análise do Judiciário, ainda que seja classificado como discricionário, devendo esse entendimento também ser aplicado às provas discursivas de concurso público.

Na verdade, e isso é importante ficar claro, não se trata de controle de mérito. Muitas vezes está se utilizando indevidamente da expressão. O Judiciário não analisa conveniência e oportunidade, não revoga ato. O certo é dizer que há um controle de legalidade sobre os elementos que formam o mérito do ato discricionário ou um controle de legalidade “do mérito”. No fundo, não existe mérito legítimo, pois se existisse o Judiciário não poderia intervir.

O ato discricionário, como qualquer outro ato, nasce com a presunção de que foi produzido corretamente devido ao atributo que possui da presunção de legitimidade, porém essa presunção é relativa, podendo ser afastada no controle concreto do ato. Até presume-se que o ato discricionário é legítimo e o mérito é verdadeiro, ou seja, baseado apenas em conveniência e oportunidade e não violador de princípios, porém, na prática, no momento do controle concreto, especialmente o judicial, percebe-se que houve exercício abusivo da discricionariedade e que, no fundo, há vício de legalidade e por isso o Judiciário pode intervir e anular o ato.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA vem aceitando a análise pelo Poder Judiciário do “mérito administrativo”, notadamente com fundamento no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, porém, que fique claro, ele pode ser feito com base em qualquer princípio.

Este entendimento tem sido aplicado em casos de concurso e no controle jurisdicional de políticas públicas:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO-OCORRÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. PERITO DA POLÍCIA FEDERAL. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. LAUDO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA. FATO OCORRIDO HÁ MAIS DE 10 ANOS DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. ELIMINAÇÃO DO CANDIDATO. MÉRITO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE, EM ALGUNS CASOS, PELO PODER JUDICIÁRIO. DESPROPORCIONALIDADE.

  1. A ofensa ao art. 535, II, do Código de Processo Civil não se configura quando o acórdão dos embargos declaratórios cumpre seu ofício, concluindo que não havia omissão a ser sanada, sobretudo porque solucionou a controvérsia com o direito que entendeu melhor aplicável ao caso.
  2. A doutrina mais moderna vem aceitando a possibilidade de incursão do poder judiciário pelo mérito administrativo, quando o ato atacado esteja desproporcional ou desarrazoado em relação ao sentido comum e ético de uma sociedade. Jurisprudência.
  3. Afigura-se desarrazoada e desproporcional a eliminação de um candidato na fase de investigação social de concurso para perito da polícia federal, em razão de fato ocorrido 10 anos antes do certame. Perpetuação de fato que não se amolda ao balizamento constitucional que veda a existência de penas perpétuas. 4. Recurso especial improvido. [27]

ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – OBRAS DE RECUPERAÇÃO EM PROL DO MEIO AMBIENTE – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO.

  1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo.
  2. Comprovado tecnicamente ser imprescindível, para o meio ambiente, a realização de obras de recuperação do solo, tem o Ministério Público legitimidade para exigi-la.
  3. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade. [28]

No julgamento do RECURSO ESPECIAL Nº 429570, a Ministra Eliana Calmon ressaltou que “a tendência, portanto, é a de manter fiscalizado o espaço livre de entendimento da Administração, espaço este gerado pela discricionariedade, chamado de ‘Cavalo de Tróia’ pelo alemão Huber, transcrito em ‘Direito Administrativo em Evolução’, de Odete Medauar”.

Sob o aspecto do controle de juridicidade, que é instaurado quando algum princípio constitucional é violado, é possível que o Poder Judiciário realize um controle pleno das provas discursivas de concurso, vez que o juiz não estará substituindo a vontade do administrador, na verdade ele estará fazendo prevalecer a Supremacia da Constituição que não pode ser contrariada, inexistindo lesão ao princípio da separação dos poderes[29].

O pleno controle das provas discursivas pelo Judiciário tem sido debatido pelo Congresso Nacional e os nossos Legisladores pretendem por um fim a essa polêmica com a adoção do entendimento inovador que aqui defendemos. O Projeto de Lei 252/2003, que se transformado em norma jurídica, disporá sobre normas gerais relativas a concursos públicos, contém as seguintes propostas para o controle das provas discursivas:

Art. 4º Todos os atos relativos ao concurso público são passíveis de exame e decisão judicial, especialmente:

[…].

IV – os que vinculem critério de correção de prova ou de recurso à correção e prova;

[…]

VI – os decisórios de recursos administrativos impetrados contra gabarito oficial.

[…].

Art. 23. É assegurado o acesso ao Judiciário para a discussão de critério de correção de prova utilizado pela banca elaboradora.

O Projeto de Lei 958/2007, que pretende criar o Estatuto dos Concursandos, também contém propostas semelhantes:

Art. 44. É assegurado o acesso ao Poder Judiciário:

[…].

II – para rediscutir a correção das provas de concurso público feita pela banca examinadora.

            Como se vê, esses projetos tem a finalidade tornar possível ao Judiciário realizar um controle de legalidade e juridicidade das provas discursivas, podendo até mesmo avaliar o “mérito administrativo”, ou seja, os critérios de correção. Pela relevância social que a matéria possui, o debate desse importante tema alcançou o nível nacional, mas enquanto não é regulamentada por normas jurídicas o Poder Judiciário deve assumir uma postura mais ativa para afastar as diversas ilegalidades praticadas nos concursos públicos.

A conclusão a que chegamos é que na correção de provas discursivas é possível o controle judicial para afastar ilegalidades e violação aos princípios constitucionais, tudo em seu aspecto mais amplo. A resistência criada pelos Tribunais quanto ao controle judicial do ato de correção de provas, sob o argumento de preservação da discricionariedade da Administração, atende, na realidade, ao objetivo prático de evitar a inundação do Poder Judiciário com litígios dessa natureza, de difícil exame, pela quantidade e porque dependentes da apreciação de matérias altamente especializadas. A verdadeira razão de tamanha resistência é uma suposta impossibilidade material desse controle e não por impossibilidade jurídica. No entanto, tal postura representa uma negação total do direito fundamental de amplo acesso à Justiça facilitando a criação de meios de burlar o concurso público com a chancela do Poder Judiciário.

 

7.9.5 A prova pericial como instrumento de controle

Em matéria de concurso público, a pretensão do candidato prejudicado na prova discursiva é ter reconhecido o direito à justa correção das questões. Se lhe for negado à prestação da tutela jurisdicional estar-se-á excluindo da apreciação do Poder Judiciário lesão a direito, o que é expressamente vedado pelo art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Não existe nenhuma dúvida quanto à possibilidade do candidato ingressar em juízo para impugnar a correção da sua prova discursiva. A questão tormentosa é saber se é cabível ou não a produção de prova pericial.

Esse é um assunto que não deveria levantar nenhuma polêmica ou divergência, pois o princípio do contraditório e da ampla defesa assegura aos litigantes o acesso a todos os meios probatórios em direito admitidos, ainda que não especificados no Código de Processo Civil, desde que moralmente legítimos. Por isso, não se deve negar a produção de prova pericial se esse for o único meio do candidato comprovar suas alegações quanto à correção da prova discursiva.

Ademais, considera-se o direito à prova como direito fundamental, derivado dos direitos fundamentais ao contraditório e ao acesso à justiça. O objetivo central da garantia do contraditório não é a defesa entendida em sentido negativo, isto é, como oposição ou resistência ao agir alheio, mas sim influência, ou seja, como direito ou possibilidade de influir ativamente sobre o desenvolvimento e o resultado da demanda. De nada adiantaria garantir o acesso ao Judiciário sem possibilitar o uso efetivo dos meios necessários à demonstração das alegações[30]

A finalidade essencial da prova é garantir a prestação da tutela jurisdicional justa, permitindo que o jurisdicionado participe ativamente no processo. Portanto, é imprescindível assegurar o emprego de todos meios de provas para comprovação dos fatos alegados pelas partes.

As provas discursivas de concursos públicos podem abordar temas de diversas áreas do conhecimento dependendo das atribuições do cargo ou emprego público. Por isso, tanto matérias de medicina, psicologia, engenharia, administração, contabilidade, direito, dentre outras, podem ser cobradas dos candidatos, mas isso não afasta o controle jurisdicional do ato administrativo embasado na “discricionariedade técnica”.

No controle das provas discursivas, em que a demonstração dos fatos depende de conhecimento técnico especializado, não basta fundamentar-se exclusivamente em documentos, é necessário buscar esclarecimentos com profissionais habilitados, os chamados peritos, sendo indispensável à prova pericial. Não se trata de pedir a modificação dos critérios de correção, mas sim que, dentro dos critérios previamente estipulados e previstos no edital, o Poder Judiciário, por meio de prova pericial, verifique qual a nota realmente merecida pelo candidato ou constate que o tema proposto na prova discursiva não está previsto no conteúdo programático, por exemplo.

Registre-se a esse respeito a prudente lição de FRANCISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA[31], segundo o qual “se a controvérsia versar sobre matéria estranha ao Direito (Engenharia, Economia, Psicologia, Medicina etc.), o juiz poderá valer-se de prova pericial, mas jamais se negar a conceder a tutela jurisdicional pretendida sob o argumento de que não poderia interferir no mérito do ato administrativo. Isto derruba o mito da chamada discricionariedade técnica, segundo o qual quando a Administração utiliza-se de elementos técnicos na tomada de sua decisão afasta-se o controle jurisdicional”.

O fato de existir discricionariedade não significa imunidade ao controle judicial. Ao Judiciário só é vedado interferir no juízo de mérito do administrador, quando houver, e nos limites deste. Portanto, o Poder Judiciário deverá pronunciar-se também sobre os elementos técnicos do ato administrativo, ainda que para isso seja necessário recorrer a perícias.

Se é certo, de um lado, que a liberdade outorgada às Bancas Examinadoras em sede de provas discursivas é imprescindível para resguardar a sua autonomia administrativa, por outro lado, também é verdade, que tal poder discricionário da Banca não pode se converter em manto de impunidade dos examinadores, em ordem a acobertar toda sorte de vícios de legalidade no ato de aplicação e correção das provas dissertativas.

É dentro de tais perspectivas que deve ser acatada a tese veiculada no arresto a seguir transcrito, dos TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS DA 1ª E DA 4ª REGIÃO, verbis:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROVA DISCURSIVA. ERROS NA CORREÇÃO CONSTATADOS POR PROVA PERICIAL. INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. RETROAÇÃO DOS EFEITOS DE EVENTUAL APROVAÇÃO.

  1. Constatada, por intermédio de prova pericial, a existência de erros na correção da prova discursiva de candidata participante de concurso para provimento de cargo público, bem assim a constatação de tratamento anti-isonômico entre os concorrentes, ainda que faltem indícios da alegada perseguição, não é dado ao juiz desconsiderar o laudo pericial, sem que haja elementos probatórios que, objetivamente, demonstrem o contrário.
  2. A existência de manifestos erros na correção da prova discursiva da candidata demonstra não se cuidar, no caso, de o Judiciário imiscuir-se, indevidamente, no âmbito da discricionariedade da banca examinadora, mas, sim, de proteger a esfera jurídica da candidata, uma vez que cabe ao Poder Judiciário exercer o controle da legalidade dos atos administrativos, com apoio no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.
  3. Como conseqüência do pronunciamento judicial, incumbe à comissão do concurso aferir se o somatório das demais notas finais alcançadas pela candidata nas provas objetivas e prática, acrescidas da nota indicada como a correta, pelo perito, na prova discursiva, é suficiente para que a candidata seja considerada aprovada e classificada no certame.
  4. Verificada essa aprovação, os seus efeitos retroagem, de modo a assegurar à candidata todas as conseqüências patrimoniais da nomeação, como se esta tivesse ocorrido na estrita ordem da classificação por ela alcançada, deduzidos, entretanto, os valores que desde então houver recebido dos cofres público, pelo exercício de outro cargo público.
  5. Apelação parcialmente provida.[32]

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ELIMINAÇÃO DE CANDIDATO. EQUÍVOCO NA APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE CORREÇÃO. APROVAÇÃO E POSSE. BASE EM PERÍCIA TÉCNICA. Reconhecido o prejuízo do autor ante o equívoco havido na aplicação dos critérios de correção de prova que lhe foi aplicada em concurso público, deve o candidato ser considerado aprovado, eis que tal conclusão tem base em perícia técnica, dando-lhe posse no cargo almejado. [33]

Após a realização da prova pericial e da constatação de vícios na correção da prova discursiva o Judiciário deve declarar a nulidade do ato administrativo, determinando que a Banca Examinadora faça uma nova correção sem os vícios que macularam a anterior; ou declarar a nulidade do ato administrativo e indicar qual a solução mais adequada para o caso, obrigando a Banca Examinadora a aceitá-la. Em situações em que existe apenas uma resposta correta para a questão, o Judiciário deve adotar a segunda alternativa, pois a Banca não teria outra opção além da apontada pela perícia. O mesmo vale quando a prova pericial demonstrar que a resposta do candidato é tecnicamente sustentável.

Por fim, vale a pena reproduzir as palavras do Ministro Nilson Naves, do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, quando atuou como relator do RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 19062[34]:

Mas, se há erro, erro invencível, justificar-se-ia, então, a intervenção do Judiciário? Ou não se justificaria? O que a mim pessoalmente se me afigura – a não-intervenção – estranho comportamento. Quero, por isso, entender comigo mesmo que, em certas situações e determinados assuntos, é lícita a intervenção judicial (é lícito ao juiz conhecer da provocação). Aliás, o próprio Relator originário isso percebeu quando, em seu voto, referiu-se a “dissídio eloqüente” e a “causar perplexidade”; seriam e são situações aptas a provocar prejuízo, daí se justificar o mandado de segurança.

Sempre que se fizer necessária uma ressalva e esta não aparecer, de tal sorte que o candidato fique em situação de perplexidade diante do questionamento, este não pode ser considerado válido, (…) e se assim se evidencia, manifesta é a ilegalidade do questionamento e, di-lo respeitosamente, não examinar o mandamus, a esta ótica, é negar a jurisdição. (…) Para justificar a questão, houve necessidade de sustentá-la sobre uma noção equivocada.

Assim, conclui-se que em havendo erro na correção da questão de prova de concurso público, bem como ausência de observância às regras previstas no edital, tem-se admitida a intervenção do Poder Judiciário, sendo necessária a produção de prova pericial, quando se tratar de matéria técnica, para comprovar as alegações dos candidatos prejudicados, pois isso é uma decorrência do direito fundamental ao contraditório e do acesso à justiça.

[1] ROCHA, 2006, p. 140.

[2] MOTTA, Fabrício (Coord.). Concurso público e constituição. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2005, p. 143

[3] STF, RE 440.335-AgR / RS, Rel. Min Eros Grau, julgamento em 17/06/2008, DJe de 01//08/2008.

[4] STJ, RMS 28854/AC, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 09/06/2009.

[5] O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à confiança) no Direito Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 1, n. 6, jul-set. 2004, p. 9.

[6] STJ, RMS 28854/AC, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 09/06/2009.

[7] STF, RE 125556, Relator Ministro Carlos Velloso, Tribunal Pleno, julgado em 27/03/1992, DJ 15/05/1992.

[8] RMS 33.825-SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 7/6/2011.

[9] STJ, AgRg no REsp 1062902/DF, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, quinta turma, julgado em 09/06/2009.

[10]  CARVALHO FILHO, 2011, p. 109.

[11] CARVALHO FILHO, 2011, p. 573.

[12] TRF da 5ª Região, EIAC 20078300016209201, Relator Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, Pleno, 22/02/2011.

[13] Nesse sentido decidiu o Tribunal de Justiça do Paraná no Mandado de Segurança nº 0460652-0, Quinta Câmara Cível, Relator Juiz Convocado Jurandyr Reis Junior, Julgado em 25/03/2008.

[14] TRF2, AMS 200150010104264, Desembargador Federal Fernando Marques, Quinta Turma Especializada, 07/12/2009.

[15] TRF 1ª Região, AC 200233000258740, Relator Desembargador Federal João Batista Moreira, quinta turma, 10/02/2005. Grifo nosso.

[16] Esse é o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no AI 640.272-AgR, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, julgamento em 02/10/2009, Primeira Turma, DJ de 31-10-2007.

[17] TOURINHO, Rita. Concurso Público no ordenamento Jurídico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 85.

[18] STF, RE 268244, Relator Ministro Moreira Alves, Primeira Turma, julgado em 09/05/2000, DJ 30-06-2000

[19] 2011, p. 586.

[20] SILVA, Almiro de Couto. Correção da prova de concurso público e seu controle jurisdicional. Ed. Del Rey, p. 26.

[21] HARTMUT, Harmut. 2001 apud MACHADO JÚNIOR, Agapito. Concursos Públicos. São Paulo: Atlas, 2008, p. 164.

[22] Correção da prova de concurso público e seu controle jurisdicional. Ed. Del Rey. p 15

[23] TRF da 1ª Região, Agr. Instr. 2005.01.00.042622-8, Decisão Monocrática, DJU 21.06.2005.

[24] HARTMUT, Harmut. 2001 apud MACHADO JÚNIOR, 2008, p. 164.

[25] É pacífico que em tema de concurso público o Edital é lei entre as partes, estabelecendo regras às quais estão vinculados tanto a Administração quanto os candidatos.

[26] RE 434.708, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 21/06/2005.

[27] REsp 200600255898, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJ 19/10/2009. Grifo nosso

[28] REsp 429570/GO, Relatora Ministra Eliana Calmon, segunda turma, DJ 22/03/2004. Grifo nosso.

[29] CONCURSO – CORREÇÃO DE PROVA – PRINCÍPIO POLÍTICO CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA E HARMONIA DOS PODERES. Longe fica de contrariar o disposto no artigo 2º da Carta Politica da Republica provimento judicial que, a partir da premissa sobre a ma vontade da banca examinadora na correção de prova manuscrita, considerada a caligrafia do candidato, assenta a improcedencia dos erros apontados. (STF, AI 171342 AgR, Relator Ministro Marco Aurélio, Segunda Turma, julgado em 12/03/1996, DJ 26/04/1996).

[30] MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas de Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 258.

[31] Regime Jurídico dos Concursos Públicos. São Paulo: Dialética, 2006, p. 21-22.

[32] TRF da 1ª Região, AC 1998.34.00.001170-0/DF, Relator Desembargador Federal Fagundes De Deus, Relator do Acórdão Desembargador Federal Antônio Ezequiel Da Silva, Quinta Turma, DJ de 25/11/2003. Grifo nosso.

[33] TRF da 4ª Região, AC 2005.04.01.040895-0, Quarta Turma, Relator Edgard Antônio Lippmann Júnior, DJ de 19/12/2007.

[34] RMS 19062/RS, Relator Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em 21/08/2007, DJ 03/12/2007.

MANUAL COMPLETO DOS DIREITOS DOS CANDIDATOS NAS PROVAS OBJETIVAS

PROVA OBJETIVA

  1. 1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

            Provas que adotam critérios uniformes e impessoais, geralmente composta de questões de múltipla escolha ou constituída de itens para serem julgados se estão certos ou errados, são chamadas de provas objetivas. A principal característica desse tipo de prova é que todas as respostas são padronizadas.

A objetividade não é e nem deve ser um traço predominante somente da prova objetiva. A objetividade deve está presente em todas as fases do concurso e em todos os tipos de provas. Mas, é na elaboração e correção das provas – objetivas e discursivas – que a objetividade se mostra extremamente importante, pois uma questão objetiva é aquela livre de interferências subjetivas do examinador. Por isso, no que refere à forma de sua correção, toda e qualquer prova de concurso público deve ser objetiva, eis que deve ser necessariamente pautada em critérios de julgamento previamente estabelecidos no edital.

Não só a correção, mas também a elaboração de toda e qualquer prova de concurso deve ser objetiva. Para cumprir o dever de objetividade na elaboração das provas é necessário que os enunciados das questões sejam claros e objetivos, de modo a possibilitar ao candidato a compreensão do tema dado a julgamento, a partir do estabelecimento do padrão de compreensão médio do candidato e considerado o nível de escolaridade e técnico dos cargos em disputa. Além disso, em respeito à objetividade das provas, deve-se evitar a cobrança de matérias controversas que possibilite a existência de mais de uma resposta correta.

As provas objetivas são úteis para avaliar uma grande extensão de conhecimentos e habilidades. Por isso, as disciplinas que guardam uma correspondência mais significativa com as áreas de interesse para o exercício do cargo ou emprego público podem ser ponderadas com maior valor em face de outras matérias menos importantes para o seu efetivo desempenho. No entanto, para que o sistema de pesos seja adotado na prova objetiva, é necessário haver previsão no edital e observância ao princípio da proporcionalidade.

Nas provas em que há penalização ao candidato por erro na marcação, sistema muito utilizado pelo CESPE, o objetivo é evitar que o candidato marque as respostas ao acaso, isto é, evita o tão conhecido “chute”. O que é razoável, pois o candidato deve passar no concurso por mérito e não por sorte. Por meio de desse critério, pode ocorrer, por exemplo, que a nota em cada questão da prova objetiva seja igual a 1 (um) ponto positivo, caso a resposta do candidato esteja em concordância com o gabarito da prova, ou 1 (um) ponto negativo, caso a resposta do candidato esteja em discordância com o gabarito.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já analisou o tema e decidiu que não há nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade nesse critério de correção das provas objetivas. É o que se verifica nos seguintes julgados:

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO. Incabível, em mandado de segurança, discutir-se o critério fixado pela Banca Examinadora para a habilitação dos candidatos. A penalização, nas questões de múltipla escolha, com penalização consistente no cancelamento de resposta certa para questão ou questões erradas, e questão de técnica de correção para tal tipo de provas, não havendo nisso qualquer ilegalidade. Incabível, outrossim, reexame das questões formuladas pela Banca Examinadora e das respostas oferecidas pelos candidatos. [1]

CONCURSO PÚBLICO. Mandado de segurança sob alegação de abuso de poder do Procurador-Geral da República, ao penalizar as respostas erradas, nas questões objetivas, relativas ao concurso para provimento de cargos de procurador da republica. Inexistência de ilegalidade ou abuso de poder. [2]

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA também analisou a matéria e decidiu no mesmo sentido:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CRITÉRIO DE CORREÇÃO DE PROVA OBJETIVA. PENALIZAÇÃO POR RESPOSTA INCORRETA. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. CONTRARIEDADE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. LIMITES. AUTONOMIA DA BANCA EXAMINADORA. RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO E IMPROVIDO.

  1. Ofende o princípio da igualdade entre os candidatos a pretensão da recorrente de ver afastada, na correção de sua prova objetiva, a regra constante do item 9.2 do edital de abertura do Concurso para Provimento de Cargo de Juiz Substituto do Estado da Bahia (Edital 2/2002) – segundo a qual cada item cuja resposta divirja do gabarito oficial definitivo acarretará a perda de 0,20 ponto – porquanto ela alcançaria privilégio não estendido aos demais candidatos, que permaneceriam sujeitos a tal critério de avaliação.
  2. É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, em concurso público, compete ao Poder Judiciário somente a verificação dos quesitos relativos à legalidade do edital e ao cumprimento de suas normas pela comissão responsável. Precedentes[3].

O concurso público é um procedimento administrativo composto por diversos atos. Alguns são decorrentes do exercício do poder discricionário da Administração, por exemplo, a elaboração do edital, a fixação do conteúdo programático das provas, a escolha do local ou da data de aplicação das provas, etc. Ocorre que nem todos os atos administrativos praticados no procedimento do concurso podem ser classificados como discricionários, por isso, em âmbito de provas de concurso, é muito importante estabelecer quais são os limites da discricionariedade da Banca Examinadora.

A elaboração das questões das provas deve ser embasa em critérios técnico-científicos, o que significa que a fonte do conteúdo de cada questão da prova objetiva tem que ser necessariamente as posições técnicas adotadas na área do conhecimento objeto da avaliação. Embora a Administração tenha a liberdade de formular as questões dentro dos critérios estabelecidos no edital e escolher quais matérias serão avaliadas dentre as que foram previamente fixadas no conteúdo programático, a elaboração das questões não está envolvida em uma liberdade absoluta, pois esse ato deve observar critérios técnico-científicos e esses critérios vincularão a correção da prova.

Deste modo, existem limites técnicos na elaboração e correção das provas objetivas. Quando o concurso público for destinado às carreiras jurídicas, a ciência jurídica e as fontes do Direito serão os limites técnicos, mas seja qual for a área do conhecimento objeto da avaliação sempre haverá limitação técnica.

Com efeito, a liberdade da Banca Examinadora está delimitada pela ciência e pela técnica, uma vez que as questões e alternativas corretas somente serão validadas se forem cientifica e tecnicamente corretas de acordo com o atual estado da ciência daquele segmento. Como esses limites técnicos não fazem parte de uma margem de escolha puramente administrativa, eles podem e devem passar pelo crivo do Poder Judiciário[4].

 

6.2 QUESTÃO DA PROVA OBJETIVA QUE COBRA MATÉRIA NÃO ABRANGIDA PELO CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DO EDITAL

            O edital do concurso deve prever todo o conteúdo programático da prova objetiva e delimitar todas as matérias passíveis de cobrança, de modo que as questões ao serem elaboradas devem observá-lo. Estabelecido o conteúdo programático e publicado o edital não existe mais discricionariedade da Administração em escolher quais serão as matérias que serão avaliadas na prova, ou seja, a partir da publicação do edital a Administração fica estritamente vinculada ao conteúdo programático.

Em tema de concurso público é pacifico que o edital faz lei entre as partes, estabelecendo regras às quais ficarão vinculados a Administração e os candidatos. Essa é a essência do princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Esse princípio é entendido tanto pela jurisprudência quanto pela doutrina como uma faceta dos princípios da impessoalidade, da legalidade e da moralidade, mas devido a sua importância, em especial no concurso público, merece tratamento próprio.

            Por isso, qualquer questão da prova objetiva que cobre uma matéria não abrangida pelo conteúdo programático do edital deverá ser anulada, pois essa pratica se mostra ilegal devido à violação ao edital do concurso, quanto a isso a jurisprudência é pacifica.

Esse é o entendimento adotado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO NÃO PREVISTA NO EDITAL DO CONCURSO. O Supremo Tribunal Federal entende admissível o controle jurisdicional em concurso público quando ‘não se cuida de aferir da correção dos critérios da banca examinadora, na formulação das questões ou na avaliação das respostas, mas apenas de verificar que as questões formuladas não se continham no programa do certame, dado que o edital – nele incluído o programa – é a lei do concurso’[5].

CONCURSO PÚBLICO: controle jurisdicional admissível, quando não se cuida de aferir da correção dos critérios da banca examinadora, na formulação das questões ou na avaliação das respostas, mas apenas de verificar que as questões formuladas não se continham no programa do certame, dado que o edital – nele incluído o programa – é a lei do concurso. [6]

            A cobrança de matérias na prova objetiva não compreendida no conteúdo programático não viola apenas ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, mas, também, aos princípios da boa-fé administrativa e da proteção à confiança.

Precisando o sentido dos princípios da proteção à confiança e da boa-fé administrativa ALMIRO DO COUTO E SILVA[7] esclarece que boa-fé diz respeito à lealdade, correção e lisura do comportamento das partes, reciprocamente, que devem comprometer-se com a palavra empenhada. Já o princípio da proteção à confiança é atributo da segurança jurídica, que pode ser decomposto em duas partes: uma objetiva, que cuida dos limites à retroatividade dos atos estatais e outra subjetiva, que toca propriamente à proteção da confiança das pessoas na atuação estatal.

            A Administração, ao publicar o edital do concurso contendo o conteúdo programático, desperta no concursando a legítima expectativa de que somente as matérias ali compreendidas serão objeto de avaliação e o candidato ao se inscrever no certame concorda com os termos do edital se comprometendo a cumprir todas suas regras e a estudar as matérias elencadas pelo instrumento.

Nessa relação entre Estado e concursando deve haver reciprocidade de compromissos e, por isso, enquanto o candidato se empenha em fazer tudo o que a Administração determina, esta deve respeitar todas as regras estabelecidas por ela mesma no edital.

            Os candidatos partem do princípio de que a Administração respeitará a reciprocidade de compromissos assumida com todos os administrados que se inscreveram no concurso e assim se dedicam por horas durante vários dias ou até mesmo meses ao estudo das matérias previstas no conteúdo programático, razão pela qual no momento da aplicação da prova objetiva não podem ser surpreendidos com a cobrança de uma matéria que a Administração se comprometeu a não avaliar. Caso contrário, o comportamento da Administração representará um ato de deslealdade e um desrespeito ao compromisso assumido com todos os candidatos culminando na violação aos princípios da boa-fé administrativa e proteção à confiança.

            No caso não há revisão dos critérios estabelecidos pela Banca Examinadora, mas apenas se dará ao edital do certame a interpretação que assegure o cumprimento das regras nele estabelecidas e em relação às quais estava vinculados a Administração e os candidatos, trata-se de um controle de legalidade e por isso plenamente sujeito a controle jurisdicional[8].

Deste modo, em observância aos princípios boa-fé administrativa, da proteção à confiança, da legalidade e da vinculação ao edital, o conteúdo programático previsto no edital do concurso deve ser considerado para fins de elaboração da prova objetiva, impondo-se reconhecer a nulidade da questão que se afasta dos parâmetros previamente estabelecidos e, por conseguinte, deve ser atribuída a correspondente pontuação aos candidatos que postularam em juízo a nulidade da questão.

 

 

6.3 ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS SUPERVENIENTES A PUBLICAÇÃO DO EDITAL

O edital de abertura do concurso deve prever o conteúdo programático tanto das provas objetivas quanto das provas discursivas e todas as questões ao serem elaboradas devem observá-lo. Uma vez estabelecido o conteúdo programático e publicado o edital não existe mais discricionariedade da Administração em escolher quais serão os temas avaliados nas provas, ou seja, a partir da publicação do edital a Administração fica estritamente vincula ao conteúdo programático.

Em razão do princípio da vinculação ao instrumento convocatório, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA tem decidido no sentido de que a Banca Examinadora de concurso público pode elaborar questão decorrente de atualização legislativa superveniente à publicação do edital, desde que esteja em conformidade com as matérias indicadas no conteúdo programático.

Assim, qualquer assunto que estiver incluído no conteúdo programático e que venha sofrer alteração legislativa, mesmo que a lei tenha entrado em vigor após a publicação do edital de abertura do concurso, pode ser objeto de análise das questões da prova objetiva.

 Esse tem sido o posicionamento adotado pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

  1. CONCURSO PÚBLICO. MATÉRIA SUPERVENIENTE. EDITAL. A recorrente insurge-se contra questões da prova objetiva de concurso público para provimento do cargo de Escrevente Juramentado, que teriam contrariado o conteúdo programático e, assim, o princípio da legalidade, ao exigir dos candidatos conhecimentos sobre a EC n. 45/2004, que teria sido promulgada posteriormente à publicação do edital que regia o certame. O Min. Relator lembrou que a jurisprudência orienta-se, há longa data, no sentido de que compete ao Poder Judiciário a análise das questões pertinentes à legalidade do edital e ao cumprimento das suas normas pela banca examinadora. Em regra, não cabe o exame do conteúdo das questões formuladas em concurso público. No caso, ao exigir da candidata conhecimento a respeito da referida EC, a banca examinadora não se desvinculou do conteúdo programático e, por conseguinte, não violou o princípio da legalidade, conferindo, ainda, prazo razoável, superior a três meses, para que a candidata se preparasse adequadamente para as provas. Diante disso, a Turma negou provimento ao recurso em mandado de segurança. Precedentes citados do STF: RE 268.244-CE, DJ 30/6/2000; do STJ: RMS 17.902-MG, DJ 29/11/2004. [9]

            Somente quando existir vedação a essa possibilidade no edital do concurso é que não será lícito cobrar nas provas alterações legislativas posteriores a sua publicação, pois nessa situação haveria afronta ao instrumento que rege o certame, bem como ao princípio da legalidade.      

É o que se verifica no seguinte julgado do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. REEXAME, PELO PODER JUDICIÁRIO, DOS CRITÉRIOS DE CORREÇÃO DAS QUESTÕES DA PROVA OBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE. QUESITO SOBRE A EC 45/2004, EDITADA POSTERIORMENTE À PUBLICAÇÃO DO EDITAL. VIABILIDADE DA EXIGÊNCIA. PRECEDENTES.

[…]. De acordo com a jurisprudência desta Corte é cabível a exigência, pela banca examinadora de concurso público, de legislação superveniente à publicação do edital, quando este não veda expressamente tal cobrança. Desse modo, previsto no edital o tema alusivo ao “Poder Judiciário”, é possível o questionamento sobre a Emenda Constitucional 45/2004, promulgada justamente com o objetivo de alterar a estrutura do Judiciário pátrio[10].

             Deste modo, a alteração legislativa superveniente a publicação do edital somente se mostra ilegal quando a nova legislação não faz parte de alguma das matérias elencadas no conteúdo programático da prova objetiva ou quando o edital de abertura do concurso vede essa possibilidade.

 

6.4 – PROVA OBJETIVA COM MAIS DE UMA RESPOSTA CORRETA

Nas provas objetivas, que não possuem critérios pessoais de avaliação, a pergunta feita ao candidato somente poderá ter uma única resposta direita e objetiva. É impossível se admitir mais de uma alternativa como correta, pois se isso ocorrer haverá violação às regras definidas no edital que rege o concurso.

A eficácia das provas objetivas exige boa técnica na elaboração das questões, dentro do grau de especificidade do conhecimento a ser medido, as quais devem conduzir a respostas adequadas, sem ambiguidades ou obscuridades.

Questões que apresentam duas ou mais alternativas corretas não foram elaboradas segundo as regras editalícias e muito menos em consonância com os princípios aplicáveis a Administração Pública, em especial moralidade e eficiência, razão pela qual questões inquinadas com esse vício devem ser declaradas nulas.

A jurisprudência tem se posicionado no sentido de que, em matéria de concurso público, compete ao Poder Judiciário somente a verificação da legalidade dos atos administrativos. Não obstante, em se tratando de questões com mais de uma alternativa correta, não há que se falar em falta de competência do Judiciário para realizar um controle da prova objetiva, visto que este Poder se prenderá ao exame da legalidade da manutenção de perguntas dúbias, com duplicidade de respostas, frente às normas estabelecidas previamente no edital a todos os candidatos.

Sobre o tema o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já teve oportunidade de se pronunciar e assim proclamou:

ADMINISTRATIVO – RECURSO ESPECIAL – CONCURSO PÚBLICO – DISSÍDIO PRETORIANO COMPROVADO E EXISTENTE – AUDITOR TRIBUTÁRIO DO DF – PROVA OBJETIVA – FORMULAÇÃO DOS QUESITOS – DUPLICIDADE DE RESPOSTAS – ERRO MATERIAL – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DOS ATOS – NULIDADE.

3 – Consoante reiterada orientação deste Tribunal, não compete ao Poder Judiciário apreciar os critérios utilizados pela Administração na formulação do julgamento de provas (cf. RMS nºs 5.988/PA e 8.067/MG, entre outros). Porém, isso não se confunde com, estabelecido um critério legal – prova objetiva, com uma única resposta (Decreto Distrital nº 12.192/90, arts. 33 e 37), estando as questões mal formuladas, ensejando a duplicidade de respostas, constatada por perícia oficial, não possa o Judiciário, frente ao vício do ato da Banca Examinadora em mantê-las e à afronta ao princípio da legalidade, declarar nula tais questões, com atribuição dos pontos a todos os candidatos (art. 47 do CPC c/c art. 37, parág. único do referido Decreto) e não somente ao recorrente, como formulado na inicial”.[11]

ADMINISTRATIVO – RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO – CONTROLE JURISDICIONAL – ANULAÇÃO DE QUESTÃO OBJETIVA – POSSIBILIDADE – LIMITE – VÍCIO EVIDENTE – PRECEDENTES – PREVISÃO DA MATÉRIA NO EDITAL DO CERTAME.

  1. É possível a anulação judicial de questão objetiva de concurso público, em caráter excepcional, quando o vício que a macula se manifesta de forma evidente e insofismável, ou seja, quando se apresente primo ictu oculi. Precedentes.
  2. Recurso ordinário não provido. [12]

 

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO DE PROVA OBJETIVA PELO PODER JUDICIÁRIO. ERRO MATERIAL. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

  1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, na hipótese de erro material, considerado aquele perceptível primo ictu oculi, de plano, sem maiores indagações, pode o Poder Judiciário, excepcionalmente, declarar nula questão de prova objetiva de concurso público. Precedentes.
  2. Recurso especial conhecido e provido.[13]

 

ADMINISTRATIVO – CONCURSO PUBLICO – ERRO MATERIAL – O CONCURSO VISA A SELECIONAR. OS MELHORES CLASSIFICADOS DEVEM OCUPAR POSIÇÃO DE PRECEDENCIA. EM HAVENDO ERRO MATERIAL, A COMISSÃO DEVE CORRIGI-LO DE OFICIO. IMPERATIVO DE JUSTIÇA E PROVIDENCIA LIGADA AO PRINCIPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. (RMS 4.181-GO, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, julgado em 07/11/1995)

 

CONCURSO PÚBLICO (JUÍZES). BANCA EXAMINADORA (QUESTÕES/CRITÉRIO). ERRO INVENCÍVEL (CASO). ILEGALIDADE (EXISTÊNCIA). JUDICIÁRIO (INTERVENÇÃO).

  1. Efetivamente – é da jurisprudência –, não cabe ao Judiciário, quanto a critério de banca examinadora (formulação de questões), meter mãos à obra, isto é, a banca é insubstituível.
  2. Isso, entretanto, não é absoluto. Se se cuida de questão mal formulada – caso de erro invencível –, é lícita, então, a intervenção judicial. É que, em casos tais, há ilegalidade; corrigível, portanto, por meio de mandado de segurança (Constituição, art. 5º, LXIX).
  3. Havendo erro na formulação, daí a ilegalidade, a Turma, para anular a questão, deu provimento ao recurso ordinário a fim de conceder a segurança. Maioria de votos.

(RMS 19.062-RS, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 21/8/2007.) (Informativo 328)

 

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. DISSÍDIO PRETORIANO COMPROVADO E EXISTENTE. AUDITOR TRIBUTÁRIO DO DF. PROVA OBJETIVA. FORMULAÇÃO DOS QUESITOS. DUPLICIDADE DE RESPOSTAS. ERRO MATERIAL. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DOS ATOS. NULIDADE.

[…].  3 – Consoante reiterada orientação deste Tribunal, não compete ao Poder Judiciário apreciar os critérios utilizados pela Administração na formulação do julgamento de provas (cf. RMS nºs 5.988/PA e 8.067/MG, entre outros). Porém, isso não se confunde com, estabelecido um critério legal – prova objetiva, com uma única resposta (Decreto Distrital nº 12.192/90, arts. 33 e 37), estando às questões mal formuladas, ensejando a duplicidade de respostas, constatada por perícia oficial, não possa o Judiciário, frente ao vício do ato da Banca Examinadora em mantê-las e à afronta ao princípio da legalidade, declarar nula tais questões, com atribuição dos pontos a todos os candidatos (art. 47 do CPC c/c art. 37, parág. único do referido Decreto) e não somente ao recorrente, como formulado na inicial.

4 – Precedentes do TFR (RO nº 120.606/PE e AC nº 138.542/GO).

5 – Recurso conhecido pela divergência e parcialmente provido para, reformando o v. acórdão de origem, julgar procedente, em parte, o pedido a fim de declarar, por erro material, nulas as questões 01 e 10 do concurso ora sub judice, atribuindo-se a pontuação conforme supra explicitado, invertendo-se eventuais ônus de sucumbência[14].

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 458 E 535 DO CPC. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 284 DO STF, POR ANALOGIA. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. DESNECESSIDADE DE CITAÇÃO DOS DEMAIS CANDIDATOS. QUESTÃO OBJETIVA. DUPLICIDADE DE RESPOSTAS AFERIDAS POR PERÍCIA. POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA.[15]

 

Ainda, vejamos outras decisões a respeito do tema:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO DE POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NA CORREÇÃO DE QUESTÃO DE PROVA OBJETIVA. POSSIBILIDADE. ANULAÇÃO DE QUESTÃO. RACIOCÍNIO LÓGICO. DUPLICIDADE DE RESPOTAS. PERITO DO JUÍZO.

A jurisprudência pátria, em sua maioria, não é favorável a que o julgador se substitua à comissão julgadora do concurso, para fins de proceder à correção de provas. Contudo, este posicionamento se refere particularmente a questões de ordem subjetiva, não podendo ser estendido a casos como o presente, de impugnação a questão objetiva, que exige resposta única. 2. Havendo duplicidade de respostas, pode o Judiciário se pronunciar acerca da exatidão da resposta fornecida pela Banca Examinadora. 3. Instado a se pronunciar sobre o assunto (questão de raciocínio lógico), o Perito do Juízo, Professor Titular do Núcleo de Matemática da Universidade Federal do Ceará, ofereceu as seguintes informações: ” Sobre a questão de n° 22, vimos que os dados do enunciado não são suficientes para que a resposta seja unicamente determinada. Exibimos abaixo duas soluções que satisfazem às condições do enunciado, uma com resposta 14 e outra com resposta 11″. 4. Em face da duplicidade de respostas, apontada pelo Perito do Juízo, a manutenção da anulação da questão de nº. 22 é medida que se impõe.[16]

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROVA OBJETIVA. DUPLICIDADE DE RESPOSTAS. ERRO MATERIAL. NULIDADE.

1 – O Poder Judiciário não tem competência, em realização de concurso público, de reapreciar as notas de provas atribuídas pela Banca Examinadora, exceto nas hipóteses em que haja erro material em questão objetiva, que acarrete nulidade da mesma ou, ainda, quando os quesitos sejam formulados de forma inadequada ou ofereçam alternativas de resposta. Precedentes do STJ.

2 – Agravo de Instrumento provido e Agravo Regimental prejudicado.[17]

 

AGRAVO INTERNO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – CONCURSO PÚBLICO – ANALISTA JUDICIÁRIO – ÁREA ADMINISTRATIVA – TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO – NULIDADE DE QUESTÃO – CABIMENTO. – A composição de litisconsórcio necessário, seja ativo ou passivo, verifica-se apenas quando a lei o exige ou quando a pretensão deduzida em juízo seja calcada em relação de direito material una e incindível, o que se consubstancia em uma comunhão de direitos ou obrigações relativamente à lide. -Condicionar-se o prosseguimento da ação à citação de todos os candidatos aprovados no certame importaria em verdadeiro óbice à prestação jurisdicional. – Em se tratando de prova objetiva, a análise de determinados aspectos, como a adequação do teor da questão ao conteúdo programático previsto no edital ou a existência de mais de uma resposta correta para uma mesma questão ou a correta apresentação do gabarito, não se encontra fora da órbita de atuação do Judiciário. – Em análise perfunctória, observa-se que a Banca Examinadora do Concurso para o cargo de Analista Judiciário – Área Administrativa – do TRT da 1ª Região considerou como resposta correta a letra “b” da questão nº 32, caderno ‘J”, desconsiderando, todavia, que a questão da letra “a” também se afigura correta, a teor do art. 62, § 1º, alínea “b”, do texto constitucional. – Restando configurada irregularidade no gabarito da questão nº 32 da prova de Analista Judiciário – Área Judiciária do concurso sub judice, merece, a princípio, esta ser anulada, e, por conseguinte, deverá ser atribuído os pontos da referida questão às Autoras, e, caso obtenha a pontuação necessária, deverá ser mantida a permanência das mesmas no certame referenciado, de forma a prosseguir nas demais fases, caso não haja qualquer outro óbice”.[18]

            Ademais, essa é uma decorrência direta da aplicação da teoria dos motivos determinantes, como o enunciado da questão enuncia que existe somente uma alternativa correta é inconcebível que a Banca Examinadora admita a existência de duas ou mais alternativas corretas.

 

6.5 – PROVA OBJETIVA SEM ALTERNATIVA CORRETA.

Todas as considerações apresentadas acima valem para esse tópico, porém iremos explorá-lo ainda mais tendo em vista que se trata de uma ilegalidade que, infelizmente, tem ocorrido muito nos concursos.

            Se a prova é objetiva e de múltipla escolha significa que o candidato deve marcar uma alternativa, seja a correta ou incorreta a depender do enunciado da questão.

            Normalmente o edital possui uma regra com o seguinte teor “cada questão terá 05 (cinco) alternativas de resposta, havendo somente uma opção correta.”

            Deve o candidato marcar a opção correta dentre as 5 (cinco) opções apresentadas pela Banca Examinadora. Objetivamente falando: há uma questão com cinco alternativas onde apenas uma é verdadeira.

            O problema surge quando por erro grosseiro, despreparo, falta de respeito com o candidato, na questão que pede para que se marque uma alternativa – a correta – simplesmente a questão não possui uma alternativa correta.

            Imaginemos a seguinte questão fictícia: “Assinale a alternativa correta: É cidade do Estado de São Paulo:  a) Niterói, b) Vitória, c) Viana, d)Volta Redonda e e) Piúma.”

            A questão pede, nos termos do edital, para marcar a única alternativa correta. E, com todo respeito, pergunto: qual marcaria?

            O edital diz que a prova é objetiva e que cada questão terá apenas uma resposta correta. E aí, no caso narrado, qual resposta é essa?

Seria uma questão de conveniência e oportunidade a Banca Examinadora descumprir o edital e apresentar uma questão sem alternativa correta? E mais, poderia ela inventar uma resposta em desacordo com a realidade? Essa decisão da Administração é “mérito administrativo” e o Judiciário tem que ficar com mãos atadas?

            Veja-se que o normalmente edital é claro ao afirmar que “cada questão terá 05 (cinco) alternativas de resposta, havendo somente uma opção correta.”

Para ser mérito, para usar o argumento da discricionariedade, parte-se obrigatoriamente do pressuposto que o ato é legal. E mais uma vez indaga-se: é moral, legítimo, legal, cobrar uma questão que não possui uma resposta correta, sendo esta criada em desacordo com a realidade?

Pode a Banca inventar uma resposta completamente diferente da realidade e dizer, por exemplo, que Volta Redonda é cidade do São Paulo?

            Veja que se trata de vício de legalidade e ainda sim o Judiciário não pode fazer nada? É mérito? Separação de poderes? Isso tem sido cada vez mais relativizado, pois o membro da Banca é humano e humano erra e os da Banca Examinadora bem mais do que poderiam e isso tem feito candidatos preparados, experientes, terem seus sonhos esvaindo pelos ralos!

Por isso o Judiciário mudou o entendimento e passou a admitir o controle quando ocorrer erro grosseiro, vício de legalidade e que possa ser constatado primo ictu oculi.

            Nas provas objetivas sempre deverá existir uma alternativa correta. Não há espaço para a existência de duas ou mais alternativas corretas e muito menos para a inexistência de uma alternativa correta. A ausência de resposta correta mostra-se em flagrante desacordo com o edital do concurso, que estabelece a regra de que cada questão terá uma alternativa correta, bem como com o gabarito oficial da prova, que diz que a questão tem uma alternativa correta quando na verdade não tem nenhuma. Neste ponto, não há duvida acerca da violação aos princípios da vinculação ao instrumento convocatório e da moralidade.

            Diante de tais circunstâncias o que se espera da Banca Examinadora é a anulação da questão. Essa é a única conduta juridicamente adequada por parte da Administração e caso assim não proceda estará praticando uma arbitrariedade e sujeitando a situação a controle jurisdicional.

Por isso, a jurisprudência tem firmado o entendimento de que, nessa hipótese, diante de insistência da Banca em manter o gabarito onde não há resposta correta ou há mais de uma, o Poder Judiciário pode declarar a nulidade da questão da prova objetiva.

            Vejamos o entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA a respeito do assunto:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROVA OBJETIVA. ERRO MATERIAL. AUSÊNCIA DE RESPOSTA CORRETA. CONSTATAÇÃO POR PERÍCIA OFICIAL. ANULAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.

  1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, na hipótese de erro material, considerado aquele perceptível primo ictu oculi, de plano, sem maiores indagações, pode o Poder Judiciário, Os perfis psicológicos são, portanto, retrato de estereótipos intuídos aleatoriamente pelo administrador, que os fornece aos analistas. Realce‐se que é não negado valor científico aos exames em si; estes são úteis e válidos para avaliação futura e destinação de atividades dentro do órgão administrativo. O que é trazido à discussão é o caráter reprovatório dado ao conceito emitido pelo psicólogo, que, por sinal, se atém ao perfil traçado pelo administrador.

 

excepcionalmente, declarar nula questão de prova objetiva de concurso público. Precedentes.

  1. Hipótese em que, por perícia judicial, não questionada pela parte ex adversa, foi constatada a ausência de resposta correta em questão de prova objetiva, em flagrante desacordo com o gabarito oficial e com o edital do certame, ferindo o princípio da legalidade. 3. Recurso especial conhecido e improvido. [19]

 

            Neste caso, o Poder Judiciário não substitui a Banca Examinadora do certame para reapreciar as notas por ela atribuídas aos candidatos. A ausência de uma alternativa correta na questão, embora a Banca insista em dizer o contrário, constituí um erro material grave, além de configurar uma ilegalidade, devendo o Judiciário agir para impedir que essa conduta ilegal da Administração continue a produzir efeitos, restabelecendo a justiça no concurso publico[20].

            A prova de que a questão não possui alternativa correta pode ser aferida, inclusive, por meio de perícia judicial.

Nesse sentido, veja o entendimento do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. PROVA OBJETIVA. RECONHECIMENTO DE ERRO MATERIAL NA ELABORAÇÃO DE QUESTÕES. MATÉRIA ESTRANHA AO EDITAL. AUSÊNCIA DE RESPOSTA CORRETA. ERRO FLAGRANTE. ADMISSIBILIDADE DA INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO.

  1. Consoante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a rigor, “não compete ao Poder Judiciário, no controle da legalidade, substituir a banca examinadora para avaliar as respostas dadas pelos candidatos e as notas a elas atribuídas”.[21]
  2. A sentença reconheceu erro grosseiro relativo às questões de nº 22 e 76 da prova objetiva do concurso para o cargo de Policial Rodoviário Federal (Edital n. 1/2009). No primeiro caso, o conteúdo programático referente à prova de Direito Civil não foi observado. No segundo, comprovou-se a ausência de alternativa correta em questão de matemática, devidamente demonstrada conforme perícia judicial. Em ambos os casos, demonstrado o equívoco evidente em que incorreu a banca organizadora na elaboração das indigitadas questões.
  3. É admissível, excepcionalmente, a revisão dos critérios adotados pela banca examinadora nas situações em que configurado erro crasso na elaboração de questão (STJ, RMS 33.725/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 12/04/2011, DJe de 26/04/2011; REsp 731.257/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 05/11/2008), hipótese nas quais se enquadram as questões de prova minuciosamente examinadas.
  4. Apelação e remessa oficial, tida por interposta, improvidas.[22]

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PROVA OBJETIVA. ALTERNATIVA CORRETA. AUSÊNCIA. ANULAÇÃO DA QUESTÃO.

  1. Já decidiu este Tribunal que, “em regra, a anulação de questões tem o condão de modificar a lista de classificação de concurso (STJ, ROMS 200901578451, 17/12/2010), importando na necessidade de citação dos candidatos cuja situação será afetada em decorrência da anulação. Entretanto, na esteira da jurisprudência do STJ, é desnecessária a citação dos candidatos classificados com precedência da apelada, mas fora do número de vagas previstas, porquanto detêm mera expectativa de direito à nomeação (cf. AgRg no REsp 809.924/AL, DJ de 05/02/2007)” (AC 2008.34.00.033534-9/DF, Rel. Desembargador Federal João Batista Moreira, Quinta Turma, DJe de 06/05/2011).
  2. Consoante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a rigor, “não compete ao Poder Judiciário, no controle da legalidade, substituir a banca examinadora para avaliar as respostas dadas pelos candidatos e as notas a elas atribuídas” (MS 30.173 AgR/DF, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 01/08/2011). Sua atuação está adstrita ao exame da legalidade do certame, sob pena de indevida incursão no mérito administrativo (STJ, RMS 28.374/PR, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 14/03/2011).
  3. Em respeito ao princípio da legalidade, é admissível, excepcionalmente, a revisão dos critérios adotados pela banca examinadora nas situações em que configurado erro crasso na elaboração de questão (STJ, RMS 33.725/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 12/04/2011, DJe de 26/04/2011; REsp 731.257/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 05/11/2008), hipótese na qual se enquadra questão desprovida de alternativa correta, apesar de o comando exigir sua marcação pelo candidato.
  4. Provimento à apelação, reformando-se a sentença, para que seja conferida ao apelante a pontuação relativa à questão em discussão, assegurando-lhe o direito de prosseguir no certame, se classificado entre aqueles que tiveram a prova discursiva bem como nomeação e posse, caso seja aprovado dentro do número de vagas divulgadas no edital ou daquelas que surgiram no (escoado) prazo de validade do certame.[23]

 

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. TÉCNICO DA RECEITA FEDERAL. EDITAL N. 33/2003. PRETENSÃO DE ANULAR QUESTÃO QUE NÃO APRESENTA RESPOSTA CORRETA. RECONHECIMENTO PELA BANCA EXAMINADORA, QUE, TODAVIA, ALTERA O GABARITO INDICANDO OPÇÃO INCORRETA. ERRO MATERIAL. ATRIBUIÇÃO DE PONTOS.

  1. Reconhecido pela banca examinadora, na apreciação de recursos interpostos, que a questão n. 34 da prova de legislação do imposto de renda não apresentava nenhuma alternativa correta, mas, ainda assim, indica alteração do gabarito para sugerir como correta alternativa que não corresponde à conclusão do parecer, verifica-se erro material, capaz de conduzir à anulação da questão, com a atribuição dos pontos respectivos ao impetrante.
  2. Sentença confirmada.
  3. Remessa oficial desprovida.[24]

            Assim, levada a matéria a juízo deve o magistrado verificar se a questão realmente não possui alternativa correta ou se possui mais de uma. Se não possuir conhecimentos técnicos para analisar isso, deverá na instrução probatória ser verificada a pretensão autoral, não podendo o magistrado negar a liminar ou julgar improcedente o pedido sob o argumento de que é mérito e não cabe controle.

Isso não é mérito! É vício de legalidade. Ressalvada a hipótese do Mandado de Segurança onde a prova do alegado deve estar documentado na inicial, em outras demandas, como uma regida pelo rito ordinário, deverá ser produzida a devida perícia para a constatação do direito do candidato.

O magistrado apenas poderia negar a liminar se, tendo conhecimento técnico da matéria, tiver a certeza de que a questão foi formulada corretamente, o que deverá ser acompanhado idônea motivação ou sob o argumento de que não houve prova inicial suficiente para garantir o deferimento da medida, mas isso não tem absolutamente na a ver com mérito o ato administrativo e impossibilidade de controle pelo Judiciário

[1] MS 21176, Relator Ministro Aldir Passarinho, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/1990.

[2] MS 20314, Relator Ministro Djaci Falcão, Tribunal Pleno, julgado em 29/04/1982.

[3] RMS 17.782/BA, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 21/03/2006.

[4] OSORIO, Fábio Medina. Os limites da discricionariedade técnica e as provas nos concursos públicos de ingresso nas carreiras jurídicas. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE). Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 22, abril/maio/junho de 2010. Disponível na internet: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-22-ABRIL-2010-FABIOOSORIO.pdf>.

[5] RE 440.335-AgR / RS, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 17/06/08, DJE de 01/08/08.

[6] RE 434.708/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgamento em 21-6-05, DJ de 09/09/05.

[7] O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à confiança) no Direito Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 1, n. 6, jul-set. 2004, p. 9.

[8] STJ, RMS 28854/AC, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 09/06/2009, DJe de 01/07/2009.

[9] STJ, RMS 21.743/ES, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 09.10.2007. Informativo nº 335 do STJ.

[10] STJ, AgRg no RMS 22.730/ES, Rel Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 20/04/2010.

[11] STJ, REsp 174.291/DF, Rel. MIN. JORGE SCARTEZZINI, QUINTA TURMA, julgado em 17.02.2000, DJ 29.05.2000 p. 169

[12] STJ – RMS 28.204 – MG – Proc. 2008/024859 8-0 – 2ª T. – Relª Minª Eliana Calmon – DJ 18.02.2009

[13] REsp 722.586-MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 23/08/2005

[14] REsp 174.291/DF, Relator Ministro Jorge Scartezzini, Quinta Turma, julgado em 17/02/2000, DJ 29/05/2000.

[15] RECURSO ESPECIAL Nº 1.340.359 – CE (2012/0134365-5)

[16] Apelação e Remessa Oficial não providas. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 550189/RN (0008414-45.2011.4.05.8400)

[17] TRF4, AG 2005.04.01.039854-3, Primeira Turma Suplementar, Relator Joel Ilan Paciornik, publicado em 08/31/2006.

[18] TRF2 AG 200802010163883 SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA DJU – Data::14/01/2009 – Página::231/232.

[19] REsp 471.360/DF, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 21/09/2006.

[20] No mesmo sentido o entendimento do TRF 1: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. REMESSA OFICIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. EXAME DE ORDEM. PRIMEIRA FASE. QUESTÃO OBJETIVA. ERRO MATERIAL. APRECIAÇÃO JUDICIAL. ANULAÇÃO PELO JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. 1. “Ao Poder Judiciário é vedado substituir-se aos membros da comissão examinadora na formulação e na avaliação de mérito das questões do concurso público. Entretanto, excepcionalmente, pode o juiz apreciar a legalidade do certame ou de parte dele. Precedente do STJ.” (MAS 0004699-55.2009.4.01.4300/TO, Rel. Desembargador Federal Leomar Barros Amorim De Sousa, Conv. Juiz Federal Cleberson José Rocha (conv.), Oitava Turma,e- DJF1 p.524 de 03/12/2010).

  1. “É possível a anulação judicial de questão objetiva de concurso público, em caráter excepcional, quando o vício que a macula se manifesta de forma evidente e insofismável, ou seja, quando se apresente primo ictu oculi.

Precedentes” (RMS 24.080/MG; Rel. Ministra Eliana Calmon; Segunda Turma; Julgado em 19/06/2007; DJ 29/06/2007 p. 526)

(…)

  1. Remessa oficial não provida. Sentença mantida. (REOMS 201040000023847, DESEMBARGADOR FEDERAL REYNALDO FONSECA, TRF1 – SÉTIMA TURMA, e-DJF1 DATA:20/04/2012 PAGINA:501.)

[21] MS 30.173 AgR/DF, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 01/08/2011.

[22] APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO  2009.38.00.029786-5/MG, Processo na Origem: 289135820094013800, RELATORA: DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, Brasília, 11 de julho de 2012

[23] AMS 2007.34.00.006469-5/DF; Rel. Desembargador Federal João Batista Moreira; Juiz Federal Evaldo de Oliveira Fernandes, Filho (Conv.); Quinta Turma; e-DJF1 p.217 de 21/10/2011.

[24] REO 2004.34.00.000602-0/DF; Rel. Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro; Sexta Turma; e-DJF1 p.213 de 15/12/2008.

LIMITAÇÃO DE IDADE NOS CONCURSOS PÚBLICOS: SAIBA QUANDO É PERMITIDA E QUANDO É PROIBIDA

LIMITAÇÃO DE IDADE

3.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

As limitações mínimas e máximas de idade para ingresso nos cargos e empregos públicos estão estabelecidas, em sentido amplo, na Constituição Federal. Os artigos 101, 104, parágrafo único e 73, § 1º, inciso I, todos da Constituição, estabelecem a idade mínima de 35 anos e máxima de 65 anos, para nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas da União, respectivamente.

De modo geral, o limite máximo de idade deve coincidir com a aposentadoria compulsória que acontece aos 70 anos, conforme o art. 40, inciso II, da Constituição. A idade mínima é 18 anos para o exercício de cargos, empregos e funções públicas para os quais a Constituição não impõe idade específica. Isso porque o art. 37, § 4º, da Constituição prevê a responsabilidade administrativa, civil e penal dos agentes públicos, ao passo que o art. 228 da Carta Constitucional exclui a responsabilidade penal dos menores de 18 anos[1].

No entanto, de acordo com o art. 7º, inciso XXX, da Constituição Federal, aplicável aos servidores públicos por determinação do art. 39 § 3º, a regra geral é a vedação de se fixar limite de idade como requisito de acesso aos cargos e empregos públicos.

Porém, algumas funções, para serem executadas com eficiência, exigem do agente público um vigor físico típico da juventude como, por exemplo, funções ligadas a carreira militar, enquanto outras funções, que possuem um alto grau de responsabilidade, exigem do agente público um elevado grau de maturidade. Por isso, quando a natureza do cargo exigir, a lei poderá estabelecer limites de idade diferenciados como requisito de acessibilidade aos cargos públicos, desde que observado a razoabilidade[2].

No SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL o primeiro caso a ser examinado à luz da Constituição de 1988 foi o Recurso em Mandado de Segurança nº 21.0466, em que foi relator o eminente MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE, sendo julgado em sessão plenária de 14 de dezembro de 1990.

Nesse primeiro precedente foi concedida segurança para autorizar a participação em concurso público para Advogado de Ofício da Justiça Militar de candidata com idade superior aos 35 anos exigidos em lei.

Nesse precedente se firmou o seguinte entendimento:

Concurso público: indeferimento de inscrição fundada em imposição legal de limite de idade, que configura, nas circunstancias do caso, discriminação inconstitucional (CF, arts. 5º e 7º, XXX): segurança concedida. A vedação constitucional de diferença de critério de admissão por motivo de idade (CF, art. 7., XXX) e corolário, na esfera das relações de Trabalho, do princípio fundamental de igualdade (CF, art. 5., “caput”), que se entende, a falta de exclusão constitucional inequívoca (como ocorre em relação aos militares – CF, art. 42, par. 11), a todo o sistema do pessoal civil. É ponderável, não obstante, a ressalva das hipóteses em que a limitação de idade se possa legitimar como imposição da natureza e das atribuições do cargo a preencher. Esse não e o caso, porém quando, como se da na espécie, a lei dispensa do limite os que já sejam servidores públicos, a evidenciar que não se cuida de discriminação ditada por exigências etárias das funções do cargo considerado[3].

Sobre o motivo da fixação de idade limite para ingresso no serviço público, o MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE observou em seu voto que “a razão histórica da regra e da exceção tradicionais foi bem identificada pela impetração, na questão da aposentadoria: sua inspiração no Estatuto dos Funcionários (art. 19) e nas diversas leis especiais, eramanifestamente a de poupar o Tesouro de aposentadoria de curto prazo. É preocupação, contudo, sob a Constituição vigente – e abstraída que fosse a garantia isonômica do art. 7, XXX -, que, de qualquer sorte, perdeu sua razão de ser, com o art. 202, § 2º, que deu hierarquia constitucional à conquista social contagem recíproca de tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural ou urbana, hipótese em que os diversos sistemas de previdência social se compensam financeiramente, segundo critérios estabelecidos”.

Como se nota nos fundamentos apresentados pelo MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE no julgamento do Recurso em Mandado de Segurança nº 21.0466, a razão histórica da limitação de idade para ingresso no serviço público, na maioria dos casos, não teve origem em dado referente às restrições de vigor físico decorrentes da idade, mas na intenção de poupar o erário do ônus de aposentadorias a curto prazo, sendo que este argumento perdeu muito de sua razão de ser com o advento da contagem recíproca.

A Constituição Federal, em face do princípio da igualdade, veda diferença de critérios de admissão em razão da idade, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas na Lei e aquelas em que a referida limitação constitua requisito necessário em face da natureza e das atribuições do cargo a preencher, desde que respeitado os princípios da legalidade e da razoabilidade.

Portanto, o que está proibido, em matéria de idade, como de resto, em todas as áreas, é a discriminação pela discriminação, a diferenciação injustificada. Nenhum dos critérios expressamente referidos pela Lei Maior, assim como todos e quaisquer critérios, poderá ser estabelecido sem que esteja associado a uma razão de direito.

 

3.2 LIMITAÇÃO DE IDADE E PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

No que tange ao princípio da legalidade aplicável aos concursos públicos o artigo 37, incisos I, da Constituição Federal é claro ao enunciar que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei. As regras são as mesmas para o ingresso nas Forças Armadas, de acordo com o art. 142, parágrafo 3º, inciso X, da Constituição Federal.

Com a aplicação do referido princípio constitucional aos concursos públicos, a Administração Pública só pode impor, como requisito para a aprovação em concurso público, as exigências que estejam previamente estabelecidas em lei, apenas lei em sentido formal – ato normativo emanado do Poder Legislativo.

Por isso, todos os requisitos de admissibilidade a cargos, empregos e funções públicas devem está previstos em Lei. Embora o Edital seja a “lei” interna do concurso, cujas regras obrigam candidatos e Administração Pública, é imperioso sempre ressalvar que as disposições editalícias não devem distanciar-se dos preceitos legais e muito menos da Constituição Federal.

O princípio da legalidade significa estar a Administração Pública, em toda sua atividade, presa aos mandamentos da Lei, deles não se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei é injurídica e expõe-se à anulação. Assim, a Administração Pública nada pode fazer senão o que a lei determina[4].

Por outro giro: não pode o edital ou outro ato normativo de escalão normativo inferior à lei inovar e criar exigências sem respaldo legal.

Assim, a previsão legal é indispensável para limitação etária em concurso público. Essa matéria é pacifica nos tribunais, como se nota na jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

AGRAVO REGIMENTAL. CONCURSO PÚBLICO. LEI 7.289/1984 DO DISTRITO FEDERAL. LIMITAÇÃO DE IDADE APENAS EM EDITAL. IMPOSSIBILIDADE. A fixação do limite de idade via edital não tem o condão de suprir a exigência constitucional de que tal requisito seja estabelecido por lei. Agravo regimental a que se nega provimento[5].

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONCURSO PÚBLICO. BRIGADA MILITAR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. LIMITAÇÃO ETÁRIA. DECRETO ESTADUAL 37.536/97. INVIABILIDADE. RESERVA LEGAL. 1. A imposição do critério discriminatório – limite de idade máximo – para inscrição no concurso público da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul deverá observar o postulado da reserva legal. A edição do Decreto estadual 37.536/97 não é instrumento legislativo hábil para a imposição da restrição etária no certame. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido [6].

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. LIMITE DE IDADE. NECESSIDADE DE LEI. FUNDAMENTOS INFRACONSTITUCIONAIS DEFINITIVOS. SÚMULA 283 DO STF. AGRAVO IMPROVIDO. I – Somente por lei se pode sujeitar candidato a limite de idade para habilitação a cargo público. II – Com a negativa de provimento ao recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça tornaram-se definitivos os fundamentos infraconstitucionais que amparam o acórdão recorrido. Incidência da Súmula 283 do STF. III – Agravo regimental improvido. [7]

 

            A limitação mínima e máxima de idade para ingresso no serviço público somente pode ser criada por Lei. A exigência desse requisito de acessibilidade por qualquer ato que não seja emanado do Poder Legislativo como, por exemplo, edital de abertura do concurso, regulamentos, decretos do Poder Executivo, é inconstitucional e, por isso, deve ser afastada pelo Poder Judiciário.

Nesse sentido veja o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL quanto à impossibilidade de fixação de limite de idade por meio de Decreto:

AGRAVO REGIMENTAL. CONCURSO PÚBLICO. LIMITAÇÃO DE IDADE. LEI COMPLEMENTAR 10.990/1997 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. DECRETO ESTADUAL 37.536/1997. ART. 42, § 9º, DA CF/1988 COM REDAÇÃO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL 41/2003. A fixação do limite de idade via decreto não tem o condão de suprir a exigência constitucional de que tal requisito seja estabelecido por lei. Agravo regimental a que se nega provimento[8].

Ainda, do mesmo Tribunal, veja-se o entendimento quanto à impossibilidade de fixação da idade por meio do edital.

“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NAS FORÇAS ARMADAS: CRITÉRIO DE LIMITE DE IDADE FIXADO EM EDITAL. REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. SUBSTITUIÇÃO DE PARADIGMA. ART. 10 DA LEI N. 6.880/1980. ART. 142, § 3º, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DECLARAÇÃO DE NÃORECEPÇÃO DA NORMA COM MODULAÇÃO DE EFEITOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. Repercussão geral da matéria constitucional reconhecida no Recurso Extraordinário n. 572.499: perda de seu objeto; substituição pelo Recurso Extraordinário n. 600.885. 2. O art. 142, § 3º, inciso X, da Constituição da República, é expresso ao atribuir exclusivamente à lei a definição dos requisitos para o ingresso nas Forças Armadas. 3. A Constituição brasileira determina, expressamente, os requisitos para o ingresso nas Forças Armadas, previstos em lei: referência constitucional taxativa ao critério de idade. Descabimento de regulamentação por outra espécie normativa, ainda que por delegação legal. 4. Não foi recepcionada pela Constituição da República de 1988 a expressão “nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica” do art. 10 da Lei n. 6.880/1980. 5. O princípio da segurança jurídica impõe que, mais de vinte e dois anos de vigência da Constituição, nos quais dezenas de concursos foram realizados se observando aquela regra legal, modulem-se os efeitos da não-recepção: manutenção da validade dos limites de idade fixados em editais e regulamentos fundados no art. 10 da Lei n. 6.880/1980 até 31 de dezembro de 2011. 6. Recurso extraordinário desprovido, com modulação de seus efeitos”[9].

 

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO AUTORIZADOR. AUSÊNCIA. ART. 321 DO RISTF. CONCURSO PÚBLICO. LIMITE DE IDADE FIXADO EM EDITAL E DECRETO ESTADUAL: IMPOSSIBILIDADE. 1. (…).

  1. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento de que a exigência de limite de idade em concurso público deve estar prevista em lei formal, não suprindo esta exigência a previsão em edital ou Decreto Estadual. 3. Agravo regimental improvido”[10].

AGRAVO REGIMENTAL. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL 7.176/1983 AFASTADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. LIMITAÇÃO DE IDADE APENAS EM EDITAL. IMPOSSIBILIDADE. O Tribunal de origem afastou a aplicação da Lei 7.176/1983 ao caso concreto. Impossível chegar a conclusão contrária sem o reexame da referida norma, o que enseja o descabimento do recurso extraordinário. A fixação do limite de idade via edital não tem o condão de suprir a exigência constitucional de que tal requisito seja estabelecido por lei. Agravo regimental a que se nega provimento. [11]

 

3.3 LIMITAÇÃO DE IDADE E PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE

Como já foi dito anteriormente, salvo nos casos em que a limitação de idade possa ser justificada pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido, não pode a lei, em face do disposto nos artigos 7º, inciso XXX, e 39, § 3º, da Constituição Federal, impor limite de idade para a inscrição em concurso público.

Também é certo que não há qualquer caráter discriminatório no estabelecimento de idade mínima e de idade máxima para o ingresso no serviço público, desde que o critério etário obedeça ao princípio da razoabilidade e seja estabelecido por lei e de acordo com as atribuições do cargo ou emprego a ser preenchido. 

Nesse sentido, a Súmula 683 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL assentou a regra geral da inviabilidade do requisito de idade, mas ressalvou as hipóteses em que a limitação pudesse justificar-se em virtude da natureza das atribuições do cargo a ser preenchido:

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a norma constitucional proíbe tratamento normativo discriminatório, em razão da idade, para efeito de ingresso no serviço público (CF, art. 39, par. 2., c/c art. 7., XXX), não se reveste de caráter absoluto, sendo legitima, em consequência, a estipulação de exigência de ordem etária quando esta decorrer da natureza e do conteúdo ocupacional do cargo público a ser provido[12].

O MINISTRO CELSO DE MELLO, relator do Recurso em Mandado de Segurança nº 21045, observou em seu voto que o tema concernente à fixação legal do limite de idade para efeito de inscrição em concurso público e de preenchimento de cargos públicos tem sido analisado pela jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL em função e na perspectiva do critério da razoabilidade, em ordem a identificar, como pressuposto de legitimação de possíveis tratamentos normativos diferenciados, a existência, no ato legislativo, de um vínculo de “correlação lógica entre o fator de discrímen e a desequiparação procedida” [13].

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ao analisar o conteúdo do postulado constitucional da isonomia, embasado na doutrina de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, acentua que se tem por vulnerada a cláusula de igualdade quando o fator diferencial indicado pela norma legislativa não mantém qualquer nexo de pertinência lógico-racional com a exclusão de benefício.

Por isso, o critério especificador escolhido pela lei a fim de circunscrever os atingidos por uma situação jurídica, que é o fator de discriminação, pode ser qualquer elemento radicado neles. Todavia, necessita inarredavelmente guardar relação de pertinência lógica com a diferenciação que dele resulta.

Isso significa que a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. É imprescindível que exista uma adequação racional entre o tratamento diferençado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que se o fator diferencial não guarda conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia e da razoabilidade[14].

Os limites de idade a serem estabelecidos devem pautar-se pela razoabilidade. Não se pode realmente admitir para cargos nos quais o preparo físico é fundamental, pessoas de quarenta ou cinquenta anos. Por outro lado, se a atividade a ser desenvolvida é predominantemente intelectual, não há porque vedar o ingresso de pessoas nessa faixa etária.

Para ingresso no cargo de agente fiscal de tributos o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA entendeu que o limite máximo de 35 anos afronta o princípio da razoabilidade:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. LIMITE DE IDADE. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. CF/1988, ART. 7., XXX.

O preceito inscrito no art. 7., XXX, da Carta Magna, que veda a adoção de critério discriminatório para acesso aos cargos públicos, inclusive por motivo de idade, deve ser concebido com razoabilidade, sem rigor absoluto, devendo ser considerada a natureza das funções, se exigem ou não vigor físico dos seus titulares, bem como a situação do candidato em face do serviço publico.

Afronta o mencionado principio constitucional a fixação do limite de idade em 35 anos para inscrição no concurso para provimento do cargo de agente fiscal de tributos estaduais[15].

Da mesma forma, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL entendeu sem razoabilidade o limite de idade para ingresso no cargo de médico:

AGRAVO REGIMENTAL. CONCURSO PÚBLICO. MÉDICO DA POLÍCIA MILITAR. EXIGÊNCIA DE IDADE MÁXIMA. VEDAÇÃO. AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE. A lei pode limitar o acesso a cargos públicos, desde que as exigências sejam razoáveis e não violem o art. 7º, XXX, da Constituição. Entretanto, não se pode exigir, para o exercício do cargo de médico da Polícia Militar, que o candidato seja jovem e tenha vigor físico, uma vez que tais atributos não são indispensáveis ao exercício das atribuições do cargo. Agravo regimental a que se nega provimento[16].

A legalidade ou não da limitação de idade será verificada diante do caso concreto. Não existe uma limitação padrão para ingresso no serviço público. Há que se verificar, pois, se o fator discriminatório exigido para o concurso possui uma justificativa racional e necessária diante do interesse público ou se resulta de mera discriminação fortuita. A ordem jurídica busca firmar a impossibilidade de desequiparações infundadas de tal sorte que nenhum fator discriminatório pode ser escolhido aleatoriamente, sem pertinência lógica com a diferenciação determinada.

Assim, requisito de acessibilidade que leva em consideração a idade dos candidatos deve ser fixado dentro dos limites da razoabilidade, visto que isso é uma decorrência da exegese do art. 7º, inciso XXX, da Constituição Federal, que veda a admissão do trabalhador através de critérios discriminatórios.

 

3.4 FIXAÇÃO DE IDADE MÁXIMA NA DATA DA MATRÍCULA EM CURSO DE FORMAÇÃO

Em qualquer concurso, quando a natureza do cargo exigir, o correto é fixar um limite máximo de idade para se inscrever, pois assim o candidato terá certeza se preencherá ou não o requisito etário. Nem sempre essa é a postura adotada pela Administração. Tem ocorrido com frequência, principalmente em concursos para ingresso na Polícia Militar, a fixação de limite máximo de idade na data da matrícula em curso em curso de formação de soldado ou oficial.

 

Os entes federados que adotam essa regra podem estabelecer, por exemplo, um limite máximo de 30 anos de idade na data da matrícula do curso de formação, que é uma fase do concurso. Assim, um candidato que se inscreveu no concurso com 30 anos, ou seja, dentro do limite máximo, e durante a execução das diversas fases do concurso vier a completar 31 anos antes de se matricular no curso de formação estará eliminado do certame.

            Embora o art. 37, inciso I, da Constituição Federal estabeleça que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, esse dispositivo não confere aos Entes Federados uma competência normativa que viabiliza a criação de requisitos de acessibilidade incompatíveis com as demais normas constitucionais.

Por isso, é inconstitucional qualquer lei que crie um requisito etário igual ou semelhante a este.

Somente pode ser fixado limite máximo de idade para inscrição no concurso público, visto que o direito de o candidato participar de um concurso não pode ficar condicionado a datas futuras e incertas, que são definidas exclusivamente pela Administração. Essa regra apenas limita ilegalmente o universo de candidatos e, assim, exclui indevidamente determinados concursandos com a demora da Administração em finalizar as fases do certame. Tal regra, ainda que prevista em lei e no edital, viola frontalmente o princípio da segurança jurídica e da razoabilidade.

Prever como requisito de acessibilidade um limite máximo de idade na data da matrícula no curso de formação ou em qualquer outra fase também facilita a manipulação do resultado definitivo do concurso, porque com a demora da Administração em concluir o certame alguns candidatos podem ser excluídos, uma vez que com o passar do tempo muitos deles terão ultrapassado o limite máximo de idade na data da matrícula no curso de formação.

            O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, analisando a Lei Complementar do Estado do Acre nº 164/2006, que previa como requisito para ingresso na policia militar a idade máxima de 30 anos, na data da matricula no curso de formação, entendeu com acerto que:

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO ACRE. LIMITAÇÃO ETÁRIA PARA A INSCRIÇÃO NO CURSO DE FORMAÇÃO DE SOLDADO. CANDIDATO QUE, DURANTE O PROCEDIMENTO DO CERTAME, ULTRAPASSA A IDADE LIMITE. NÃO HOMOLOGAÇÃO DE SUA INSCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO EDITALÍCIA. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 7º, INCISO XXX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

  1. Recurso ordinário em mandado de segurança em que se discute se o impetrante, inscrito no concurso público de admissão ao Curso de Formação de Soldado da Polícia Militar do Estado do Acre, quando possuía 30 anos de idade, tem direito líquido e certo de, aprovado, participar do curso de formação, mesmo tendo alcançado a idade de 31 anos durante o certame e antes da matrícula no referido curso, uma vez que a legislação estadual (LC n. 164/2006) e o edital do concurso dispõem que a matrícula no curso só é possível aqueles que tem, no máximo, 30 anos de idade.
  2. Conquanto o Superior Tribunal de Justiça tenha jurisprudência firmada no sentido da possibilidade de estabelecerem-se limites mínimo e máximo de idade para o ingresso nas carreiras militares, esse entendimento não é aplicável ao caso dos autos, uma vez que não se está a discutir o limite etário para a participação em concurso, mas, sim, a razoabilidade de indeferir-se a inscrição de candidato que, embora à época da inscrição preenchesse os requisitos do edital, veio, durante o certame, a ultrapassar a idade exigida para a inscrição no curso de formação.
  3. Se o Edital n. 056/2008 – SGA/PMAC não estabeleceu regras específicas para aqueles candidatos que, no momento da inscrição no concurso, possuíam 30 anos, deve-se admitir, porque razoável, que os candidatos inscritos nessa condição prossigam até a conclusão do curso de formação.
  4. Se não há norma legal que proíba a participação do candidato de 30 anos no certame, a administração responsável pelo concurso não pode-se beneficiar dessa omissão e atribuir seus efeitos ao candidato, ainda mais se considerado o fato de que não há previsão temporal para as etapas do certame. Foge da razoabilidade entender que a habilitação do candidato estava condicionada à não realização de aniversário de nascimento antes do início do curso de formação.
  5. A não homologação da inscrição do impetrante no curso de formação, portanto, está a ofender, além dos princípios da proporcionalidade e da moralidade, o art. 7º, inciso XXX, da Constituição Federal, uma vez que, de forma desarrazoada, utilizou-se a superveniente idade do impetrante como critério para excluí-lo de um certame que, conforme suas regras, o admitia, regularmente, como candidato apto à realização do curso de formação.
  6. Recurso ordinário provido para determinar que a inscrição do impetrante no curso de formação para soldado da PM do Estado do Acre seja homologada[17].

Não é a limitação da idade, em si, que ampara esse entendimento, mas o fato de o candidato preencher os requisitos legais e editalícios à época da inscrição no concurso e, depois de aprovado, não conseguir participar do curso de formação em razão da idade que alcançou durante o procedimento do certame, mesmo não havendo qualquer previsão editalícia que advertisse os candidatos de que eventual demora na conclusão do certame poderia ensejar o impedimento etário.

Isso porque, além de não se poder exigir que os candidatos com idade máxima na data de inscrição no concurso façam uma previsão da data de início do curso de formação, não se pode admitir que a Administração Pública, aceitando essa inscrição, obste o candidato, regularmente aprovado, de participar do curso de formação em razão do tempo transcorrido que ela deu causa.

Portanto, é o momento da inscrição no concurso que deve ser levado em consideração para verificar se o candidato preenche as condições etárias que o habilita a participar validamente do certame. Extrapola a razoabilidade entender que a idade máxima deve ser verificada na data da matrícula no curso de formação ou em qualquer outra fase do concurso.

[1] O limite mínimo de idade deve ser comprovado na data da posse no cargo ou emprego público, enquanto o limite máximo deve ser para inscrição no certame.

[2] CONCURSO PÚBLICO – IDADE. A imposição de limite de idade em concurso público somente e possível caso tal fator se encontre justificado pelas circunstancias que cercam o exercício da função. Aos servidores públicos aplica-se o disposto no inciso XXX do artigo 7º da Constituição Federal, isto por força de remissão inserta no par. 2º do artigo 39 nela contido. Relativamente ao magistério, descabe cogitar da idade máxima de 45 anos. (AI 156537 AgR, Relator  Ministro Marco Aurélio, Segunda Turma, julgado em 08/09/1994).

[3] RMS 21046, Relator Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 14/12/1990, DJ 14/11/1991

[4] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 7.

[5] RE 559823 AgR, Relator  Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 27/11/2007.

[6] RE 458735 AgR, Relatora  Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 29/11/2005, DJ 03/02/2006.

[7] AgRg-AI 589.906-6 (801) – 1ª T. – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – DJ 23.05.2008.

 

[8] RE 404656 AgR – RS – 2ª T. – Rel. Min. Joaquim Barbosa – DJU 23.09.2005.

[9] RE 600.885, DJe 1º.7.2011

[10] AI 804.624-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 22.10.2010.

[11] Ag.Reg. no Agravo de Instrumento 563.536 Distrito Federal,  15/05/2012, Relator :Min. Joaquim Barbosa.

[12] RMS 21045, Relator Ministro Celso de Mello, Primeira Turma, julgado em 29/03/1994.

[13] O Ministro Relator chegou a essa conclusão citando a doutrina de Celso Antonio Bandeira de Mello – O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 1998, p. 47.

[14] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 1998, p. 49.

[15] RMS 5793/RS, Relator Ministro Vicente Leal, Sexta Turma, julgado em 23/09/1996.

[16] AI 486439 AgR, Relator Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 19/08/2008.

[17] RMS 31.932/AC, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 16/09/2010, DJe 24/09/2010.

APREENDA A COMO RESOLVER O CONFLITO ENRE OS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DO AMPLO ACESSO À JUSTIÇA EM UM CONCURSL PÚBLICO

PRINCÍPIO DA ISONOMIA VS PRINCÍPIO DO AMPLO ACESSO À JUSTIÇA: A PONDERAÇÃO NECESSÁRIA.

            Muitas vezes o magistrado ao analisar uma causa referente a concurso público nega a liminar ou/e julga improcedente a ação sob o argumento de que o acatamento do pleito poderia acarretar violação ao princípio da isonomia, pois inúmeras pessoas foram eliminadas pelo mesmo motivo.

Em verdade, se é que existe uma violação ao princípio da isonomia, o não amparo jurisdicional sob este fundamento também viola ao princípio do amplo acesso à justiça, positivado no artigo 5º, inciso XXXV da CF, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito”.

Há no caso uma colisão de princípios. Nesse contexto, existindo essa colisão, a solução do embate exige que se faça uma ponderação entre eles, conforme a dimensão do peso ou da precedência. Para se entender e justificar as dimensões do peso ou da precedência torna-se cogente ingressarmos na teoria criada por Alexy, nominada de “lei da colisão”.

Segundo ALEXY[1]:

“La solución de la colisión consiste más bien em que, teniendo em cuenta las circunstancias des caso, se establece entre los princípios uma relación de precedencia condicionada. La determinación de precedencia condicionada consiste en que, tomando en cuenta el caso, se indican las condiciones bajo las cuales un principio precede al outro”

No direito pátrio, dentre os doutrinadores que mais se aprofundaram nos estudos sobre a ponderação, destacam-se LUIS ROBERTO BARROSO e ANA PAULA BARCELLOS.[2] No entendimento destes o processo de ponderação envolve três etapas.

Na primeira, cabe ao intérprete detectar no sistema as normas relevantes para a solução do caso, identificando eventuais conflitos entre elas.

Na segunda, cabe examinar os fatos, as circunstâncias concretas do caso e sua interação com os elementos normativos. Assim, expões os autores, o exame dos fatos e os reflexos sobre as normas identificadas na primeira fase poderão apontar com maior clareza o papel de cada uma delas e a extensão de sua influência.

Por fim, é na terceira etapa que a ponderação irá singularizar-se, em oposição à subsunção. Nessa fase dedicada à decisão, os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos do caso concreto estarão sendo examinados de forma conjunta, de modo a apurar os pesos que devem ser atribuídos aos diversos elementos em disputa e, portanto, o grupo de normas que deve preponderar no caso.

Nesse sentido é que JOSÉ CARLOS VIERA DE ANDRADE[3] registra que o grau de compressão a ser imposto a cada um dos princípios em jogo na questão dependerá da intensidade com que o mesmo esteja envolvido no caso concreto. A solução do conflito terá de ser casuística, pois estará condicionada pelo modo com que se apresentarem os interesses em disputa e pelas alternativas pragmáticas viáveis para o equacionamento do problema.

Frente a inúmeros argumentos prevalece, no caso em tela, o princípio do amplo acesso à justiça a afastar a aplicação do princípio da isonomia.

Enumeremos tais argumentos:

  • Os atos administrativos têm presunção de legitimidade, devendo o administrado ingressar com recurso ou ação pleiteando sua nulidade. Até que se prove em contrário, o ato é válido. No caso, a eliminação de inúmeros candidatos possui essa presunção, e norma que venha reconhecer in concreto a nulidade do ato apenas alcança o ato embatido, permanecendo válidos os demais atos;
  • Nosso sistema de controle difuso de constitucionalidade (legalidade) não permite a extensão dos efeitos de uma decisão de um caso singular para o geral, razão pela qual uma “suposta” violação ao princípio da isonomia é decorrente do próprio sistema processual;
  • Negar tutela jurisdicional ao candidato sob o argumento de que haveria violação à isonomia, sobre não resolver o problema da injustiça do certame para todos, também cercearia o direito do jurisdicionado pleitear tutela corretiva, ferindo o princípio do amplo acesso à justiça;
  • É sabido que a decisão em tela fará uma “micro justiça” (justiça no caso concreto), porém não cabe ao candidato- que sequer possui legitimidade – manejar instrumentos que venham ensejar uma “macro justiça” (que seria o caso de uma associação o Ministério Público ingressar com uma ação na defesa de interesses coletivos). O fato é que, seja micro ou macro, é dever do Judiciário prover – no sentido técnico –a justiça e prestar a tutela jurisdicional;
  • O “não acesso” à justiça, neste caso, criaria nos concursos públicos uma zona de total imunidade jurisdicional, pois toda ação isolada, em tese, pode ser manejada por outro candidato e Judiciário estaria de mãos atadas para fazer qualquer controle da Administração em razão do impedimento da isonomia. Seria chancelar a barbárie jurídica e aniquilar, de uma vez por todas, o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Veja-se, por exemplo, o caso do psicotécnico;

Não há dúvidas que in casu deve-se afastar o equivocado argumento da agressão à isonomia e prestar-se a tutela jurisdicional corretiva frente às inúmeras ilegalidades que permearam o concurso.

Nesse sentido, veja o que decidiu o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL sobre o tema. Vejamos em particular os votos dos Min. MARCO AURÉLIO e SEPÚLVEDA PERTENCE no RE 434708 / RS, de 21/06/2005:

Min. Marco Aurélio:

Há o problema da isonomia que é resolvido pelo fato, e diante do fato, de ninguém estar obrigado a recorrer ao Judiciário, a ingressar em juízo para questionar este ou aquele ato. Assegura-se tal ingresso e, uma vez o titular do direito substancial assim procedendo, dá-se a solução do conflito de interesses mediante a entrega da prestação jurisdicional.

 

Min. Sepúlveda Pertence

Antecipando-me a eventual embargos de declaração, digo que V.Exa. rejeitou bem a alegação, de todo improcedente, de violação ao princípio da isonomia, na medida em que se beneficiou a candidata que impetrou a segurança e não quem deixou de impugnar o ato em juízo: a pretensa discriminação é corolário absoluto da disponibilidade do direito de ação.

Veja-se que se o argumento da isonomia prosperar haverá grave lesão ao princípio do amplo acesso à justiça e sua efetividade, vez que jamais poderá ser dada liminar e até mesmo sentença de procedência da ação em razão de suposta violação à isonomia.

O direito não socorre aos que dormem. Assim, as pessoas que se sentirem lesadas deverão procurar o Poder Judiciário da mesma forma que fez o candidato que ingressou com a demanda!

[1] ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. Madrid, 2002, p. 92.

[2] BARROSO, Luis Roberto e BARCELLOS, Ana Paula. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas / Luis Roberto Barroso (organizador), 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 335. 

[3] ANDRADE, José Carlos Viera de. Os direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 2ª ed.- Coimbra: Almedina, 2001, p. 222-223.

O PODER DO PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO NO CONTROLE DOS DOS CONURSOS PÚBLICOS

A ideia é sempre a mesma: existe uma estrutura administrativa que é responsável pela gestão do interesse público, ou seja, pela administração da “coisa pública”.

            Porém, o povo, como verdadeiro titular do poder, tem o direito e o dever de fiscalizar o exercício dessa gestão, a qual não é feita da mesma forma como sucede na iniciativa privada.

            Na gestão da res publica deve o gestor observar a vontade do único e verdadeiro titular do poder: o povo, que externa sua vontade por meio da lei, verdadeira “procuração geral” que representa a vontade da coletividade em determinado tempo e espaço.

            Assim, para que se possa controlar as atividades levadas a cabo pelos gestores, administradores públicos, devem os mesmos motivar seus atos, expondo os fundamentos de fato e de direito que autorizaram a conduta praticada.

            Apenas a título de exemplo, quando um agente de trânsito pretende punir um condutor pela inobservância de normas de trânsito não pode simplesmente aplicar uma penalidade sem que justifique os “porquês” fáticos e jurídicos que a embasaram.

            Por isso, para que o ato punitivo seja válido é necessário que o agente competente apresente, de forma clara e congruente, os motivos de fato que ensejaram a conduta, ou seja, a ocorrência real de uma conduta de possível ocorrência, como é o caso de avanço de um semáforo vermelho.

            Ainda, é necessário provar que o direito presta relevância aquela conduta de possível ocorrência e atribui uma consequência jurídica a ela. No exemplo dado, compete ainda ao administrador demonstrar o artigo legal que qualifica o avanço de sinal vermelho como uma infração de trânsito.

            Agora sim, frente a estes pressupostos, o agente irá praticar a conduta lavrando o auto de infração aplicando a penalidade que a lei prevê ao condutor infrator.

            A descrição de todos esses dados, motivo de fato, indicação do artigo legal, da penalidade, a congruência vinculada ou discricionária da sanção aplicada, constitui o que a doutrina nomina de “motivação”.

            Não se pode confundir motivo (elemento do ato administrativo) com motivação. O primeiro todo ato possui, sendo elemento formativo do mesmo. É o acontecimento que ensejou a prática do comportamento. Já a motivação, é a exteriorização linguística dos motivos de fato e de direito. É a regra, porém é possível sua dispensa, como ocorre, por exemplo, para a nomeação e exoneração de cargos comissionados, hipótese em que o próprio Ordenamento Jurídico dispensa a motivação. Por isso são chamadas de nomeação e exoneração ad nutum.

Nos concursos públicos esse princípio é de extrema importância.

É muito comum nas provas discursivas a nota atribuída sem a motivação dos descontos. Não há, muitas vezes, ato concreto e motivado justificando os porquês dos descontos.

O artigo 50, incisos I e III, da Lei 9.784/99 é claro ao enunciar que:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;

[…]

  • 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

          Infelizmente, ocorre com frequência o candidato ser surpresado ao ter vista de sua prova e, apesar de inúmeros descontos em sua nota, não haver qualquer apontamento em sua prova, existindo apenas (quando exiaste) uma chave de correção com os quesitos avaliados e uma pontuação atribuída. Dessa maneira o candidato não tem como saber a título de que ocorreram os descontos previstos na chave de correção!

A título de exemplo peguemos a seguinte grade de correção de uma prova:

Diante desta grade e de uma prova sem qualquer apontamento, pergunta-se: por que em às “consequências advinda da atuação em flagrante” o candidato obteve 1,60 pontos dos 4,00 pontos possíveis? Veja-se que não é possível saber!

Por que em relação à “ação penal nos crimes contra a dignidade sexual e sua repercussão no inquérito policial” o candidato obteve 1,80 pontos dos 3,00 pontos possíveis?

É um direito dos candidatos saberem a título de que houve o desconto e não simplesmente a Banca Examinadora chegar e “jogar” uma nota em cima da chave de correção!

Veja-se que neste caso fica até difícil recorrer, pois recorrer de que se não se sabe ao certo de onde proveio o desconto da nota?

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já anulou os descontos de correção quando os mesmos foram dados feitos de forma imotivada.

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO NA CORTE DE ORIGEM. CONCURSO PÚBLICO PARA DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. NEGATIVA DE ACESSO AOS CRITÉRIOS UTILIZADOS NA CORREÇÃO DA PROVA SUBJETIVA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DA BANCA EXAMINADORA ACERCA DOS RECURSOS ADMINISTRATIVOS CONTRA REFERIDA PROVA. VIOLAÇÃO AO ART. 50 DA LEI 9.784/99. RECURSOS ESPECIAIS PROVIDOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

  1. A motivação, nos recursos administrativos referentes a concursos públicos, é obrigatória e irrecusável, nos termos do que dispõe o art. 50, I, III e V, §§ 1o. e 3o. da Lei 9.784/99, não existindo, neste ponto, discricionariedade alguma por parte da Administração.
  2. Com relação ao Impetrante JOÃO GUILHERME MEDEIROS CARVALHO salta aos olhos a total ausência de motivação na correção das provas discursivas e nos respectivos recursos administrativos. Há apenas suposições, externadas pelos ilustres relator e revisor do feito em segundo grau, de que os apelos administrativos do Impetrante foram examinados e devidamente motivados, não tendo sido apresentadas, entretanto, motivações idôneas e circunstanciadas, nos moldes preconizados pelo já mencionado art. 50 da Lei 9.784/99.
  3. Quanto aos demais litisconsortes (JANE KLÉBIA DO NASCIMENTO SILVA PAIXÃO E OUTROS), constata-se a ausência de qualquer elemento que pudesse ter o condão de indicar os critérios utilizados pelo examinador para aferição das notas na prova subjetiva, bem como a sucinta, lacônica e estereotipada abordagem feita na revisão das provas.
  4. Afirmativas que não traduzem reexame do material fático, mas sim valoração do conjunto probatório trazido aos autos quando da impetração do Mandado de Segurança.
  5. Agravo Regimental desprovido.

Nesse ponto a doutrina também é acorde.

Neste sentido, FRANCISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA[1] doutrina que:

Conforme procuramos demonstrar, não deve restar qualquer margem de subjetividade ao examinador no momento da correção das provas, que estará vinculada ao gabarito. Como ato administrativo que é, a correção das provas deve ser devidamente motivada, de forma a permitir que o candidato conheça as razões da nota que lhe foi atribuída. Deve ficar claro o que foi considerado errado na resposta dada pelo candidato e a fundamentação da subtração de pontos.

            Por fim, faz-se necessário tecer alguns comentários sobre uma teoria amplamente aceita em nossa doutrina e jurisprudência. Trata-se da importante Teoria dos motivos determinantes, cujo berço de nascença se deu nos tribunais pertencentes ao sistema de contencioso administrativo na França.

            Segundo essa teoria os motivos atribuídos para a prática de um ato se vincula à sua validade, de forma que se os mesmos forem falsos ou inexistentes fulminada estará a validade do ato.

            Vejamos um exemplo para elucidar a questão. Tem ocorrido com frequência a indicação de erros inexistentes na correção de provas discursivas de concurso público culminando na subtração ilegal de pontos dos candidatos.

Como a motivação vincula o agente aos termos em que foi mencionada, uma vez comprovado que inexistem os motivos mencionados no ato administrativo como determinante da vontade do Examinador na correção da prova, este ato está inquinado de vício de legalidade, e, portanto, deve ser invalidado, e a pontuação correspondente aos erros inexistentes, deve ser atribuída integralmente ao candidato prejudicado.

A jurisprudência tem se manifestado no sentido de ser plenamente aplicável a teoria dos motivos determinantes em casos de concurso público.

Os julgados citados abaixo confirmam o que estamos dizendo:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ESCOLA DE FORMAÇÃO DE SARGENTOS. INSPEÇÃO DE SAÚDE. ELIMINAÇÃO. FALTA DE MOTIVAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. 1. O mandado de segurança é a via adequada para impugnar ato administrativo tido por ilegal e abusivo, ante a falta de motivação, devendo a prova vir pré-constituída. 2. Hipótese em que, eliminado o candidato do concurso público por ter sido “contra-indicado” em inspeção de saúde realizada pela Junta de Saúde da Organização Militar, que diagnosticou ser portador de doença de Chagas, trouxe o impetrante para os autos resultados de dois exames realizados por laboratórios distintos, ambos negativos para a mencionada doença, satisfazendo o requisito da prova pré-constituída. 3. Inexistente o motivo alegado para a eliminação do impetrante (teoria dos motivos determinantes), inexiste razão válida para a prática do ato, que, por isso, deve ser anulado. 4. Sentença confirmada. 5. Desprovidas a apelação e a remessa oficial[2].

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. PROCURADOR DO INSS. INDEFERIMENTO DE TÍTULO. DESCLASSIFICAÇÃO. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. 1. tendo o candidato sido desclassificado do certame em decorrência da rejeição de certidão de prática forense, sob o argumento de inobservância de forma e rasura, fica a autarquia adstrita às razões do indeferimento da banca examinadora, por força da teoria dos motivos determinantes. 2. ausentes os motivos alegados, inatacável a decisão concessiva de liminar para prosseguimento do candidato no certame. 3. agravo de instrumento improvido[3].

 

2.8 – PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

 

Os princípios do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, revelam-se nos concursos públicos, entre outros casos, por ocasião da impetração de recursos contra o resultado das provas.

Esse é o momento que o candidato tem para apresentar suas razões contra o resultado obtido na prova e solicitar a reavaliação da mesma e, conseqüente, atribuição da nota realmente merecida. Cabe à banca examinadora analisar cuidadosamente os recursos e, caso não dê provimento aos pleitos, divulgar detalhadamente as razões de sua decisão (art. e 50, inciso V, da Lei 9.784/99).

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO[4], ao discorrer sobre os princípios do devido processo legal e da ampla defesa, assinala que “estão aí consagrados, pois, […] a necessidade de que a Administração Pública, antes de tomar decisões gravosas a um dado sujeito, ofereça-lhe oportunidade de contraditório e de defesa ampla, no que se inclui o direito a recorrer das decisões tomadas”.

Ao tratar dos princípios específicos do procedimento administrativo, o eminente doutrinador alude, ainda, ao “princípio da revisibilidade”, que, segundo ele, “consiste no direito de o administrado recorrer da decisão que lhe seja desfavorável”[5].

JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO leciona[6] que “por se tratar de procedimento administrativo em cujo cerne se encontra densa competitividade entre os aspirantes a cargos e empregos públicos, o concurso público não raras vezes rende ensejo à instauração de conflitos entre os candidatos, ou entre estes e o próprio Poder Público. É importante, em conseqüência, que essa característica marcante seja solucionada de forma legítima, sobretudo com a aplicação dos princípios da motivação e do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF)”.

Com efeito, a disposição editalícia que não autoriza a interposição de recursos em relação ao resultado das provas, seja ela objetiva, discursiva, avaliação psicológica, teste físico, etc., fere o princípio do contraditório e da ampla defesa, previsto no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal.

Sobre o assunto, confiram-se os seguintes julgados do colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA e do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, respectivamente:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. APONTADA NEGATIVA DE VIGENCIA AO ART. 9º, INCISO VII, DA LEI N. 4878/65. CONCURSO PUBLICO. EXAME PSICOTECNICO. CRITERIOS ADOTADOS QUE INIBEM O CANDIDATO DE RECORRER DO RESULTADO DO EXAME. INADMISSIBILIDADE. E injustificável o comportamento da administração fazendo inserir nas instruções normativas baixadas através do edital de concurso a vedação ao pedido de vista ou a interposição de recurso do resultado da seleção psicológica[7].

Recurso extraordinário. Agravo regimental. Concurso público. Exame psicotécnico previsto no edital que rege o concurso, com base em critérios meramente subjetivos. Irrecorribilidade de seu resultado. 3. Violação dos arts. 5º, XXXV, e 37, caput e incisos I e II, da Constituição Federal. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento[8].

 

            No mesmo sentido decidiu o TRIBUNAL REGIONAL DA 1ª REGIÃO:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DO GABARITO PRELIMINAR. DESCLASSIFICAÇÃO DO CANDIDATO. IRRECORRIBILIDADE. AFRONTA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. ANULAÇÃO DE QUESTÕES. CRITÉRIOS DE CORREÇÃO DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.

A garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa, observado o devido processo legal, é assegurada a todos os litigantes, na esfera judicial ou administrativa (Constituição Federal, art. 5º, LIV e LV), afigurando-se, pois, nula a disposição editalícia que veda a interposição de recurso contra o ato que, alterando gabarito preliminar referente às provas objetivas do certame, enseja a desclassificação do candidato[9].

CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. CARÁTER SIGILOSO E SUBJETIVO. INCONSTITUCIONALIDADE.

  1. A exigência do exame psicotécnico é legal e harmoniza-se com o preceito insculpido no art. 37, II, da Constituição Federal.
  2. Viola os arts. 5°, XXXIII, XXXV e LV, e 37 da Carta Magna a adequação do concursando a perfil profissiográfico previamente traçado pela Administração e pautado em critérios subjetivos, sigilosos e irrecorríveis. […] [10].

            Norma editalícia prevendo a impossibilidade de interposição de recursos em face do resultado das provas não se coaduna com o Estado Democrático de Direito, cuja essência denota a submissão, também do Estado, às disposições normativas e ao controle da sociedade. A Constituição Federal de 1988 é o instrumento basilador dessa nova conformação político-jurídica e todas as normas, ainda que não propriamente leis em sentido estrito, devem-lhe observância irrestrita, sendo, deste modo, inadmissível a proibição do exercício do contraditório e da ampla defesa em âmbito de concurso público.

Ainda, por conta da falta de motivação na correção das avaliações discursivas, como trabalhado no tópico anterior, fica inviabilizado o direito ao recurso, pois como recorrer de algo onde não se sabe a título do que foram retirados os pontos?

Para piorar, em muitos concursos públicos, em um assassinato aos princípios que deveriam orientar o comportamento da Banca Examinadora, há séria lesão aos princípios da ampla defesa e contraditório, pois além de não saber os porquês dos descontos, o exercício do direito de defesa foi absurdamente limitado a 1.000 (hum mil) caracteres, o que é uma falta de respeito com o candidato e ilegalidade absurda praticada pela Banca.

Gostaria de saber de onde é retirado o fundamento legal desta absurda regra? É obvio que não existe! E nem se diga que a mesma decorre da aplicação do edital, pois este, como ato administrativo que é, deve observância à lei e aos preceitos constitucionais.

Fica evidente que em casos como estes, que infelizmente ocorrem com frequência, não são observados os princípios da ampla defesa e contraditório no processo seletivo, o que desponta como irrefutável ilegalidade, pois a Constituição Federal foi clara em garantir a ampla defesa e contraditório nos processos judiciais e administrativos e o concurso público, como se sabe, é uma espécie de procedimento administrativo.

Depois disso tudo, o candidato, após recorrer sem ao certo saber do que, é mais uma vez surpresado por uma resposta padrão, a mesma dada a todos os demais recursos interpostos, o que atenta, sem qualquer sombra de dúvidas, contra o princípio do contraditório.

Pelo princípio contraditório é direito do litigante ter seus argumentos refutados por motivação sólida. Deve haver um diálogo jurídico entre a tese e antítese para que se possa formar uma conclusão (síntese) democrática, sob pena de ser o direito ao contraditório nos recursos uma mera fachada para dar ar de legitimidade aos comportamentos arbitrários da Banca Examinadora.

Nesse sentido, extremamente precisa a percepção de ODETE MEDAUAR[11] quando adverte que:

 “a oportunidade de reagir ante a informação seria vã, se não existisse fórmula de verificar se a autoridade administrativa efetivamente tomou ciência e sopesou as manifestações dos sujeitos. A este fim responde a motivação dos atos administrativos se percebe como e quanto determinado fato, documento ou alegação influiu sobre a decisão final”.

É necessária essa dialeticidade, sob pena de ocorrer uma imposição unilateral e arbitrária do entendimento da Banca.

Veja-se o que ensina o saudoso professor HELY LOPES MEIRELLES[12]:

Nos atos vinculados ou regrados, e especialmente nos que importem atividade de jurisdição (decisões administrativas), mais se acentua o dever de motivar, porque, em tais casos, a ação administrativa está bitolada estreitamente pela lei ou pelo regulamento, impondo ao administrador a obrigação de demonstrar a conformação de sua atividade com todos os pressupostos de direito e de fato que condicionam a eficácia e validade do ato.

Nesse sentido, cumpre destacar como caminha a jurisprudência pátria:

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO DA OAB. EDITAL. PROVIMENTO Nº 81/96 DO CONSELHO FEDERAL DA OAB. SEGUNDA ETAPA DO CERTAME. RECURSO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.

A decisão mediante a qual a Comissão de Estágio e Exame de Ordem negou provimento ao recurso administrativo interposto pela candidata é inaceitável quanto à insuficiência na fundamentação. O recurso administrativo suscitou vários pontos, que foram simplesmente desprezados na decisão padronizada.

Uma resposta mais específica deveria ter sido emitida, eis que, em se tratando de ato administrativo vinculado, não há dúvidas sobre a obrigatoriedade da motivação, isto é, da exposição dos motivos do ato. A motivação é que permite a verificação da legalidade do ato e que permite ao examinando entender os motivos de sua eventual reprovação, caso não haja reconsideração.

Não há como se aceitar a objeção sustentada no art. 6°, parágrafo único, do Provimento nº 81/96 do Conselho Federal da OAB, que restringe os limites da cognição do recurso administrativo, pois é incompatível com o devido processo legal. O examinando tem direito a reclamar a revisão administrativa da sua prova na íntegra.

[…].

Não existe nexo lógico de causalidade entre o vício apontado na decisão referente à apreciação do recurso interposto pela candidata e seu pedido de inscrição nos quadros da OAB/ES, com desconsideração da segunda fase do exame de ordem.[13]

 

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGOS DE PROCURADOR DO ESTADO. MATÉRIAS RELATIVAS À LEGALIDADE DO CERTAME. POSSILIBIDADE DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. RECURSO CONTRA CORREÇÃO DE PROVA SUBJETIVA I. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA À IMPUGNAÇÃO APRESENTADA. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA QUE SE APLICA A TODO E QUALQUER RECURSO QUE PUDESSE SER INTERPOSTO PELOS CANDIDATOS. […]. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA MOTIVAÇÃO, DA LEGALIDADE E DA VINCULAÇÃO AO EDITAL. SEGURANÇA CONCEDIDA.

  1. Os atos administrativos emanados de Comissões de Concursos Públicos podem ser revistos pelo Poder Judiciário, como garantia de sua legalidade, o que inclui o controle da fundamentação das decisões de indeferimento dos recursos e a análise da fidelidade das questões constantes da prova ao conteúdo programático do edital.
  2. Indeferimento de recurso com base em motivação genérica, desvinculada da impugnação apresentada e, assim, aplicável a todo e qualquer recurso que pudesse ser interposto pelos candidatos, equivale a falta de fundamentação, AFRONTANDO O PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO CONSAGRADO NO ART. , LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

III. O edital de concurso público vincula todos os envolvidos às normas nele fixadas, devendo-se estrita obediência a todos os seus termos, sob pena de desrespeito ao princípio da legalidade, aplicável aos atos da Administração Pública.[14]

 

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – ANÁLISE DO PLEITO DE NOVA APRECIAÇÃO DOS RECURSOS ADMINISTRATIVOS – POSSIBILIDADE – MANDADO DE SEGURANÇA ANTERIOR CONCERNENTE À FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE UMA ÚNICA QUESTÃO – INDEFERIMENTO GERAL DOS PEDIDOS DE REVISÃO APRESENTADOS – CARÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES ADMINISTRATIVAS – NULIDADE – VIOLAÇÃO, POR ANALOGIA, AO ARTIGO 93, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – MATÉRIA COBRADA EM QUESTÃO DO CERTAME – PREVISÃO NO EDITAL – SEGURANÇA PARCIALMENTE CONCEDIDA.

  1. Havendo outro mandado de segurança em que se apreciou pedido de falta de fundamentação de uma única questão do mesmo concurso público versado nos presentes autos, nada obsta que se examine pleito de não motivação de resposta dos recursos administrativos apresentados contra as demais questões.
  2. Sendo as decisões que indeferiram os pleitos de revisão de correção de questões do certame gerais e idênticas entre si, IMPÕE-SE A DECRETAÇÃO DE SUA NULIDADE, POR OFENSA, ANALOGICAMENTE, AO DISPOSTO NO ARTIGO 93, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EIS QUE NÃO FUNDAMENTADAS.
  3. Estando prevista no edital do concurso a matéria combatida no recurso em tela, pois incluída em tópico do programa, não há que se falar na sua anulação.[15]

 

POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. RECURSO CONTRA CORREÇÃO DE PROVA SUBJETIVA I. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA À IMPUGNAÇÃO APRESENTADA. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA POR PARTE DOS EXAMINADORES QUE SE APLICA A TODO E QUALQUER RECURSO INTERPOSTOS PELOS CANDIDATOS. OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA AMPLA DEFESA, CONTRADITÓRIO, DEVIDO PROCESSO LEGAL, MOTIVAÇÃO E LEGALIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE À APRECIAÇÃO DE EVENTUAL ATO PRATICADO COM ABUSO DE PODER OU ILEGAL POR PARTE DA COMISSÃO DE CONCURSO. ACOLHIMENTO. NECESSIDADE DE REVISÃO DOS RECURSOS COM APRECIAÇÃO ESCORREITA E MOTIVADA DOS ELEMENTOS DE IMPUGNAÇÃO DO CANDIDATO.
[…].
Os atos administrativos emanados de Comissões de Concursos Públicos podem ser revistos pelo Poder Judiciário, como garantia de sua legalidade, o que inclui o controle de fundamentação das decisões de indeferimento de recursos e a análise de fidelidade das questões constantes da prova ao conteúdo programático do edital.

DEVEM SER ANULADAS AS DECISÕES DOS RECURSOS QUE SE APRESENTA SOB FORMA GENÉRICA a todo e qualquer questão, sem levar em consideração diferenças entre matérias, tampouco as impugnações elencadas pelos candidatos, o que resulta em afronta aos princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório, devido processo legal, motivação e legalidade.

[…].[16]

 

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA PROCURADOR DO ESTADO. IMPETRANTE QUE, APESAR DE TER ALCANÇADO MÉDIA NA ‘PROVA SUBJETIVA I’, NÃO OBTEVE NOTA SUFICIENTE NO ‘MÓDULO III’, RELATIVO À DISCIPLINA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, FALTANDO-LHE APENAS 0,1 (UM DÉCIMO) DE PONTO. PEDIDO DE REVISÃO ADMINISTRATIVA INDEFERIDO DE FORMA GENÉRICA, MEDIANTE ‘MODELO PADRÃO’. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E VINCULADA ÀS RAZÕES DO INCONFORMISMO. […]. NULIDADE PROCLAMADA. ORDEM IGUALMENTE CONCEDIDA.

  1. Os atos administrativos emanados de Comissões de Concursos Públicos podem ser revistos pelo Poder Judiciário, como garantia de sua legalidade, o que inclui o controle da fundamentação das decisões de indeferimento dos recursos e a análise da fidelidade das questões constantes da prova ao conteúdo programático do edital.
  2. Indeferimento de recurso com base em motivação genérica, desvinculada da impugnação apresentada e, assim, aplicável a todo e qualquer recurso que pudesse ser interposto pelos candidatos, equivale à falta de fundamentação, afrontando o princípio da motivação consagrado no art. 5.º, LV, da Constituição Federal.

[…].[17]

 

2.9 – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE

 

            A Administração, quando for atuar, deve fazer uso de meios adequados, proporcionais aos fins que se pretende alcançar. Avançando esse limite a conduta encontrará obstáculo no princípio da proporcionalidade e acarretará a nulidade do ato.

            O princípio da proporcionalidade é um princípio constitucional implícito, decorrente do devido processo legal, conforme já salientou o Supremo Tribunal Federal. Porém, no âmbito da legislação infraconstitucional, o mesmo encontra-se positivado expressamente na Lei 9.784/99, a qual disciplina o processo administrativo federal.

            O grande lance da proporcionalidade é que a exigência ou a conduta, se feita corretamente, é válida e permitida pelo direito. Cita-se, a título de exemplo, a exigência de prova física para provimento em cargo de policial militar. A previsão é legal, porém, se no caso concreto, for exigido, por exemplo, 100 barras do candidato, haverá violação ao princípio da proporcionalidade.

            É diferente da razoabilidade. Nesta, a exigência, por si só, já é indevida. Por exemplo, fere o referido princípio a exigência de prova física para ingresso no cargo de juiz, promotor, procurador. Note-se que a exigência não tem nenhuma pertinência, sendo de todo desarrazoada.

            Já no caso dos policiais, a exigência de prova física é pertinente, porém quando se requer algo acima do normal, do necessário, passa a ser desproporcional, acarretando a nulidade do ato.

            O princípio da proporcionalidade desponta como grande limitar do poder discricionário dos agentes públicos. É cediço que em muitas hipóteses a lei deixa certa margem de liberdade para que o agente, na análise do caso concreto, apreciando fatores de conveniência e oportunidade, adote a conduta que melhor atenda ao interesse público. Essa margem de liberdade é chamada de discricionariedade.

            Ocorre que essa discricionariedade, necessária à gestão da coisa pública, não é ilimitada, antes pelo contrário: possui diversos parâmetros de controle. Além da lei, da qual não pode se descurar o administrador, ultrapassando os seus limites, existem limites nos princípios constitucionais, tais como: proporcionalidade, razoabilidade, impessoalidade, segurança jurídica, dentre outros.

            O princípio da proporcionalidade é um grande limitador da discricionariedade. Significa que o gestor, ao adotar uma conduta em que lhe foi reservada certa margem de liberdade, deve fazer uso de meios adequados, necessários, proporcionais aos fins que se pretende atingir.

Quando qualquer ato da Administração Pública desponte do proporcional ou do razoável é plenamente passível de análise e de invalidação por parte do Poder Judiciário, segundo entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MILITAR. REMOÇÃO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. TRANSFERÊNCIA DE LOCAL DE SERVIÇO. DEFERIMENTO. MORA IMOTIVADA PARA EFETIVAÇÃO DA MOVIMENTAÇÃO.  DISCRICIONARIEDADE. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. STF.ACÓRDÃO CONFORME A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. ENUNCIADO 83, DA SÚMULA DO STJ. […]. No caso, em harmonia com a jurisprudência do STJ, o acórdão recorrido entendeu indevida a desvinculação do procedimento administrativo ao Princípio da Razoabilidade, portanto considerou o ato passível ao crivo do Poder Judiciário, verbis: “a discricionariedade não pode ser confundida com arbitrariedade, devendo, assim, todo ato administrativo, mesmo que discricionário, ser devidamente motivado, conforme os preceitos da Teoria dos Motivos Determinantes, obedecendo ao Princípio da Razoabilidade”[18].

Quanto ao princípio da razoabilidade, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, embasado na doutrina de FÁBIO PALLARETTI CALCINI, entende que “é uma norma a ser empregada pelo Poder Judiciário, a fim de permitir uma maior valoração dos atos expedidos pelo Poder Público, analisando-se a compatibilidade com o sistema de valores da Constituição e do ordenamento jurídico, sempre se pautando pela noção de Direito justo, ou justiça”[19].

No julgado supracitado, o relator, MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA, asseverou que a “razoabilidade compreende a faculdade que tem o homem de elaborar proposições lógicas. O termo evoca o sentido do bom senso, da prudência. Relaciona-se ao que é moderado, cometido, aceitável, desprovido de excessos”.

A atuação da Administração Pública deve seguir os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, que censuram o ato administrativo que não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei almeja alcançar. A razoabilidade encontra ressonância na ajustabilidade da providência administrativa consoante o consenso social acerca do que é usual e sensato. Razoável é conceito que se infere a contrario sensu; vale dizer, escapa à razoabilidade ‘aquilo que não pode ser’. A proporcionalidade, como uma das facetas da razoabilidade revela que nem todos os meios justificam os fins. Os meios conducentes à consecução das finalidades, quando exorbitantes, superam a proporcionalidade, porquanto medidas imoderadas em confronto com o resultado almejado[20].

A doutrina mais moderna e a jurisprudência do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA vêm aceitando a possibilidade de incursão do Poder Judiciário no mérito administrativo, quando o ato atacado esteja desproporcional ou desarrazoado.

A esse respeito, GILMAR FERREIRA MENDES[21] esclarece que “a doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade”.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA vem aceitando a análise pelo Poder Judiciário do mérito administrativo, notadamente com fundamento no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, inclusive em matéria de concurso público:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO-OCORRÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. PERITO DA POLÍCIA FEDERAL. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. LAUDO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA. FATO OCORRIDO HÁ MAIS DE 10 ANOS DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. ELIMINAÇÃO DO CANDIDATO. MÉRITO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE, EM ALGUNS CASOS, PELO PODER JUDICIÁRIO. DESPROPORCIONALIDADE. 1. A ofensa ao art. 535, II, do Código de Processo Civil não se configura quando o acórdão dos embargos declaratórios cumpre seu ofício, concluindo que não havia omissão a ser sanada, sobretudo porque solucionou a controvérsia com o direito que entendeu melhor aplicável ao caso. 2. A doutrina mais moderna vem aceitando a possibilidade de incursão do poder judiciário pelo mérito administrativo, quando o ato atacado esteja desproporcional ou desarrazoado em relação ao sentido comum e ético de uma sociedade. Jurisprudência. 3. Afigura-se desarrazoada e desproporcional a eliminação de um candidato na fase de investigação social de concurso para perito da polícia federal, em razão de fato ocorrido 10 anos antes do certame. Perpetuação de fato que não se amolda ao balizamento constitucional que veda a existência de penas perpétuas. 4. Recurso especial improvido[22].

[1] ROCHA, FRANCISCO LOBELLO DE OLIVEIRA, Regime Jurídico dos Concursos Públicos, Ed. Dialética, São Paulo, 2006, p. 133.

[2] TRF1, AMS 200438000014208, Relator Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, Sexta Turma, julgado em 19/09/2005.

[3] TRF5, AG 9605292343, Relator Desembargador Federal Manoel Erhardt, Terceira Turma, julgado em 02/07/2002.

[4] 2009, p. 111.

[5] 2009, p. 482.

[6] 2011, p. 573.

[7] REsp 28885/DF, Relator Ministro Pedro Acioli, Sexta Turma, julgado em 09/11/1993.

[8] RE 326349 AgR, Relator  Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 10/09/2002.

[9] AMS 2005.34.00.000770-8/DF, Relator Desembargador Federal Souza Prudente, Sexta Turma, julgado em 10/07/2006.

[10] AC 1998.33.01.000996-0/BA, Relator Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso, Sexta Turma, julgado em 07/04/2003.

[11]

[12] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 10ª ed., São Paulo: RT, 1984, p. 156.

[13] TRF2, AMS 200150010104264, Desembargador Federal Fernando Marques, Quinta Turma Especializada, 07/12/2009.

[14] Mandado de Segurança nº 0460056-8 – 4ª Câmara Cível, Relator Des. Abraham Lincoln Calixto, Julgado em 04/03/2008.

[15] Mandado de segurança nº 483060-0, 5ª Câmara Cível, Relator Des. Marcos Moura.

[16] Mandado de Segurança nº 0460652-0, 5ª Câmara Cível, Relator Juiz Convocado Jurandyr Reis Junior, Julgado em 25/03/2008.

[17] Mandado de Segurança nº 0460351-8, 4ª Câmara Cível, Relator Des. Adalberto Jorge Xisto Pereira, julgado em 20/05/2008.

[18] AgRg no REsp 670453/RJ, Relator Ministro  Celso Limongi (Des. conv. do TJ/SP), Sexta Turma, julgado em 18/02/2010.

[19] STJ, RMS 29290/MG, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 18/02/2010.

[20] Esse é o entendimento assentado pelo STJ no julgamento do REsp 443310/RS, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 21/10/2003.

[21] A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Repertório IOB de jurisprudência, nº 23, p 470, dez. 1994.

[22] REsp 200600255898, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 19/10/2009.