– PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

 

            Existe toda uma estrutura administrativa, formada por pessoas jurídicas, órgãos e agentes que será responsável pela gestão desses interesses públicos. Tendo em vista que compete ao gestor público administrar interesse alheio, ou seja, o interesse público, deve a Administração prestar contas de suas condutas com o legítimo e verdadeiro titular do poder: o povo.

            É nesse sentido que o princípio da publicidade desponta como aquele que determina ao gestor prestar contas com a coletividade, que seja transparente, pois, ao fim e ao cabo, administra algo que é da coletividade.

            A publicidade do ato, da conduta, da atividade é condição de eficácia dos mesmos. Por outras palavras, significa dizer que o ato apenas produzirá seus efeitos após a devida publicidade, que pode ser veiculadas por diversos meios, conforme a forma que prescrever a lei, muitas vezes influenciada pelo objetivo da publicidade.

            Em âmbito de concurso público, o princípio da publicidade impõe a mais ampla e efetiva divulgação dos atos, a começar pela publicação do edital de abertura do concurso no órgão oficial, bem como na imprensa e até mesmo na internet, possibilitando que o maior número de candidatos tenha conhecimento do certame.

            A publicidade não fica restrita ao edital que regulamenta o concurso, o resultado de todas as fases (provas objetivas, discursivas, psicotécnico, teste físico, etc.) deve receber ampla divulgação, de forma clara e precisa, para que os candidatos interessados tenham subsídios para interporem recursos e para que se tenha transparência nos atos praticados pela Administração.

Informa FRANCISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA[1] que nos concursos públicos a publicidade significa a ampla e efetiva comunicação de todos os atos, em cada fase do concurso, informando os candidatos sobre seus deveres e obrigações e garantindo o controle destes, bem como da sociedade como um todo, sobre os atos praticados pela Administração.

Além do edital de abertura do concurso e do resultado das fases que compõem o certame, o princípio da publicidade também impõe a divulgação dos critérios levados em consideração na correção das provas e na aplicação do exame psicotécnico, sendo injustificável a negativa de vista das provas.

Inclusive neste ponto o artigo 3ª da Resolução n.º 01/2002 do Conselho Federal de Psicologia estabelece que “o edital deverá conter informações, em linguagem compreensível ao leigo, sobre a avaliação psicológica a ser realizada e os critérios de avaliação, relacionando-os aos aspectos psicológicos considerados compatíveis com o desempenho esperado para o cargo”.

Nesse sentido é pacífica a jurisprudência de nossos Tribunais, senão vejamos:

“2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido da possibilidade da exigência do exame psicotécnico quando previsto em lei e com a adoção de critérios objetivos para a realização do exame. Precedentes. [2]

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXAME PSICOTÉCNICO. CONCURSO PÚBLICO. NECESSIDADE DE CRITÉRIOS OBJETIVOS E PREVISÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. REEXAME DOS CRITÉRIOS UTILIZADOS PARA A REALIZAÇÃO DO PSICOTÉCNICO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 279 DESTA CORTE. 1. É firme a orientação desta Corte no sentido de que ‘o exame psicotécnico pode ser estabelecido para concurso público desde que seja feito por lei, e que tenha por base critérios objetivos de reconhecido caráter científico, devendo existir, inclusive, a possibilidade de reexame’. 2. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a que se nega provimento.[3]

AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535, II, DO CPC, NÃO VERIFICADA. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 6º E 8º, INCISOS I, II E V DO DL Nº 2.620/87 E 5º, VI, § 1º DA LEI Nº 8.112/90. INOCORRÊNCIA.

[…]

  1. É pacífico o entendimento segundo o qual, além de o exame psicotécnico estar legalmente previsto, devem ser respeitadas a objetividade dos critérios adotados, a publicidade dos resultados e a possibilidade de revisão do resultado obtido, por parte do concursando, o que não foi cumprido, in totum, na espécie.

[…]

  1. Agravo regimental improvido. [4]

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – CONCURSO PÚBLICO – EXAME PSICOTÉCNICO – AUSÊNCIA DE OBJETIVIDADE – ANULAÇÃO – NECESSIDADE DE NOVO EXAME.1. A legalidade do exame psicotécnico em provas de concurso público está condicionada à observância de três pressupostos necessários: previsão legal, cientificidade e objetividade dos critérios adotados, e possibilidade de revisão do resultado obtido pelo candidato.

[…]

Agravo regimental parcialmente provido.[5]

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. EXAME PSICOTÉCNICO PREVISTO EM LEI E PAUTADO EM CRITÉRIOS OBJETIVOS. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. INCURSÃO NO MÉRITO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. 1. É lícita a exigência de aprovação em exame psicotécnico para preenchimento de cargo público, desde que claramente previsto em lei e pautado em critérios objetivos, possibilitando ao candidato o conhecimento da fundamentação do resultado, a fim de oportunizar a interposição de eventual recurso.

[…]

  1. Agravo regimental desprovido.[6]

 

Ainda, é possível registrar que o princípio da publicidade ordena que o gestor informe quais os critérios de correção (grade de correção) levará em consideração quando do julgamento de uma prova discursiva.

Neste tipo de prova a Banca Examinadora ao lançar o tema deve apresentar quanto vale cada ponto (subtema) a ser dissertado e junto com a divulgação do resultado deve ser apresentada a grade de correção com os critérios que foram levados em consideração na avaliação das provas. É essencial que exista pertinência entre o que foi pedido na questão e os critérios que foram levados em consideração na correção das provas.

Por exemplo, em uma questão sobre atributos os ato administrativo que vale 5 (cinco) pontos deve a questão informar como serão distribuídos os pontos da questão. Isso quer dizer que o candidato apenas perderá pontos se errar a pergunta, não podendo, sob nenhuma hipótese, perder pontos por não ter desenvolvido outros temas, como, por exemplo, elementos dos atos administrativos, que não foi objeto da questão.

Caso a Banca Examinadora seja omissa ao informar os critérios de correção, por exemplo, como poderia se obter isso em juízo?

 Há julgado do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA no qual se decidiu caso em que foi impetrado habeas data impetrado para obter informações quanto aos critérios utilizados na correção de prova discursiva de redação realizada em concurso.

 O Min. Relator do caso, João Otávio de Noronha, lembrou que o habeas data é remédio constitucional que tem por fim assegurar ao indivíduo o conhecimento de informações relativas à sua pessoa registradas em banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público, para eventual retificação. A Lei no 9.507/1997, art. 7o, elenca as hipóteses em que se justifica sua impetração e, entre elas, segundo o relator, não existe revolver os critérios utilizados na correção de provas em concurso público.[7]

Lancemos algumas notas sobre o referido instituto para ao depois comentar a referida decisão.

O habeas data está previsto no art. 5º, LXXII, “a”, da CF e configura um instrumento destinado à proteção do direito de informação. Ressalta-se que o direito a informação possui uma dupla faceta: a primeira cinge-se ao conhecimento da informação e a segunda revela-se pela possibilidade de retificação da informação.

O procedimento adotado para a ação é o previsto na Lei no 9.507/97.

O legitimado à propositura do habeas data é, necessariamente, o titular do direito ao conhecimento ou à retificação da informação. Inclusive alguns Tribunais já se manifestam no sentido de que tal direito possui caráter intuito persona – personalíssimo – impassível de transferência a terceiros.

Já o sujeito passivo do habeas data será a entidade pública ou privada responsável pelo registro das informações. Segundo a própria Constituição, o enquadramento da entidade privada no polo passivo da ação se dá através do caráter público de suas informações como, por exemplo, as entidades mantenedoras de cadastro de devedores.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, sobre o habeas data, já decidiu que: “a Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos, enunciou preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível. – O modelo político-jurídico, plasmado na nova ordem constitucional, rejeita o poder que oculta e o poder que se oculta. Com essa vedação, pretendeu o constituinte tornar efetivamente legítima, em face dos destinatários do poder, a prática das instituições do Estado. – O habeas data configura remédio jurídico-processual, de natureza constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: (a) direito de acesso aos registros; (b) direito de retificação dos registros e (c) direito de complementação dos registros. – Trata-se de relevante instrumento de ativação da jurisdição constitucional das liberdades, a qual representa, no plano institucional, a mais expressiva reação jurídica do Estado às situações que lesem, efetiva ou potencialmente, os direitos fundamentais da pessoa, quaisquer que sejam as dimensões em que estes se projetem. – O acesso ao habeas data pressupõe, dentre outras condições de admissibilidade, a existência do interesse de agir. Ausente o interesse legitimador da ação, torna-se inviável o exercício desse remédio constitucional. – A prova do anterior indeferimento do pedido de informação de dados pessoais, ou da omissão em atendê-lo, constitui requisito indispensável para que se concretize o interesse de agir no habeas data. Sem que se configure situação prévia de pretensão resistida, há carência da ação constitucional do habeas data” (apesar de o introito ser longo demais para uma carência de ação, pareceu-me interessante o nele arrazoado)[8].

No caso, apesar do julgado do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ser contra a possibilidade de se utilizar o Habeas Data para obter os critérios de correção de uma prova discursiva o fato é que existem decisões em sentido contrário, admitindo o manejo do remédio constitucional para tal fim.

Vide os seguintes arestos:

CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. INFORMAÇÕES RELATIVAS À CONCURSO PÚBLICO – ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.

1 – Correta é a utilização do habeas data para obter-se informações constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais (Constituição Federal, art. 5, LXXII, a), aí inseridas aquelas relativas à pontuação e classificação em concurso público. Precedentes do Tribunal.

2 – Apelação provida. Sentença anulada” [9]

“CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. REMESSA OFICIAL. CF, Art. 5o, XXXIII.

  1. “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” (C.F. art. 5o, XXXIII).
  2. Irreparável a sentença que concedeu a ordem para determinar à autoridade impetrada que forneça a certidão ao impetrante informando a pontuação e classificação obtidas no Concurso Público para o cargo de Auditor Fiscal do Tesouro Nacional.

III. Negado provimento à remessa”[10]

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. Art. 5o, XIV, XXXIV E LXXII. ACESSO DO CANDIDATO A SUA PROVA, PRESTADA EM EXAME DE SELEÇÃO. INFORMAÇÕES PESSOAIS. OBJETO DA AÇÃO. CABIMENTO.

  1. O remédio constitucional do habeas data deve ser concedido em benefício de quem se encontra impedido, por norma editalícia, de ter acesso às provas realizadas em certame público, por ferir direito fundamental à informação, consagrado na Carta Magna.
  2. É de se considerar como informações pessoais, para efeito de concessão do habeas data, as provas prestadas em concurso público, se houver interesse pessoal no conteúdo das mesmas para eventual impugnação posterior.
  3. O objeto do habeas data é a concessão da ordem para permitir o acesso às informações de interesse do impetrante ante a recusa indevida por parte da administração, não importando em qualquer análise do mérito do ato administrativo de correção das provas.
  4. Apelação e Remessa Oficial improvidas”[11]

De todo modo, mesmo que se entenda não cabível o manejo do Habeas Data, caso não sejam apresentados os critérios de correção da prova, é cabível a impetração de Mandado de Segurança.

Isso porque é direito dos candidatos saber quais são os critérios de correção da prova, pois, caso contrário, não teria como se assegurar um julgamento objetivo, e, portanto, isonômico e impessoal.

 

Sobre os critérios de correção de uma prova FRACISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA[12] adverte que:

Os critérios de avaliação são os parâmetros de valoração do desempenho dos candidatos nas provas. Sua determinação passa por um juízo discricionário da Administração que, no entanto, deve levar em conta os princípios da igualdade, da razoabilidade, da impessoalidade e da eficiência.

Preservar o princípio da igualdade na valoração do desempenho dos candidatos implica a utilização de critérios objetivos e padronizados, que não devem permitir que candidatos que demonstrarem o mesmo desempenho recebam tratamentos diferentes.

A razoabilidade deverá estar presente para garantir que os pontos atribuídos ao candidato sejam proporcionais aos conhecimentos demonstrados pelo candidato e à importância que tais conhecimentos terão no exercício do cargo ou emprego.

O princípio da eficiência deverá estar presente para garantir que os critérios de avaliação possibilitem garantir a avaliação mais fiel possível dos méritos dos candidatos. Assim, a lista de classificação será um retrato fiel do mérito demonstrado pelos candidatos, fazendo com que a Administração contrate somente os melhores.

Muitas vezes o edital do concurso é vago quanto aos critérios de correção da prova discursiva.

Imaginemos um edital cujos “pseudos” critérios são os seguintes:

Conteúdo da Resposta

Tema

Questão

Capacidade de argumentação

até – 12

até – 4

Sequência lógica do pensamento

até – 8

até – 2

Alinhamento ao tema

até – 8

até – 2

Cobertura dos tópicos apresentados

até – 12

até – 4

 

Note-se uma série de siglas onde há não o valor de cada vício. Peguemos, por exemplo, o tópico sequência lógica de pensamento. Segundo este critério poderá ser descontado sob este título até 8 (oito) pontos.

A pergunta que se faz é: quanto vale, por exemplo, um erro decorrente da falta de sequência lógica do pensamento? 1, 2, 3, 8 pontos? Poderia se tirar todos os 8 pontos apenas por um erro desta natureza?

Note-se que da forma como foi feito, a depender o julgador, um mesmo erro pode valer de 1, 2, 5, ou 8 pontos, gerando um julgamento subjetivo e quebrando, com isso, a base principiológica que rege os concursos públicos: a isonomia.

Ainda existe induvidosamente violação ao princípio da segurança jurídica, pois não se sabe exatamente quanto vale cada aspecto da correção, gerando, por conseqüência, julgamentos sem critérios estáveis, fixos.

Por este motivo é imperioso ao Judiciário ao se deparar com situações como esta que profira decisões concedendo liminares com o objetivo de determinar à Banca Examinadora que junte aos autos a grade de correção de forma objetiva e informando quanto vale cada item que foi analisado.

Voltando ao exemplo, analisando a “pseudo” grade de correção percebe-se sem muita dificuldade que a mesma foi completamente omissa quanto à forma específica que seria feito o julgamento das provas discursivas, dando azo à extrema insegurança jurídica, a uma avaliação subjetiva e anti-isonômica.

Quanto à necessidade de exposição dos critérios de avaliação das provas, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no julgamento do RECURSO EXTRAORDINÁRIO N.º 451207, cuja relatoria coube ao Excelentíssimo Ministro EROS GRAU já assentou que:

(…) Exame psicotécnico com caráter eliminatório. Avaliação realizada com base em critérios não revelados. Ilegitimidade do ato, pois impede o acesso ao Poder Judiciário para conhecer de eventual lesão ou ameaça de direito ocasionada pelos critérios utilizados. Agravo regimental a que se nega provimento. [13]

O caso em tela é idêntico ao do psicotécnico, sendo que apenas foram apresentados critérios genéricos de correção, sem especificar corretamente como seriam feitos os descontos dos pontos dos candidatos.

Ainda, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA reconheceu que é ilegal a correção de prova discursiva sem critérios objetivos:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PERTINÊNCIA TEMÁTICA DE REDAÇÃO COM O EDITAL. CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA CORREÇÃO DE PROVA. CARACTERIZAÇÃO.

  1. Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto por Marcelo Magalhães Silva de Sousa contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina em que se reconheceu (i) a legitimidade passiva da autoridade coatora, (ii) a necessidade de análise do pleito do candidato-recorrente mesmo após o fim do concurso, (iii) a perda de objeto da segurança em relação ao acesso à prova de redação e à possibilidade de interposição de recurso administrativo contra a nota a ela atribuída, (iv) a adequação entre o tema da redação, as previsões do edital e as habilidades requeridas para o exercício do cargo pretendido, (v) a existência de critérios de correção das redações bem definidos no edital e (vi) a impossibilidade de o Judiciário imiscuir-se na correção efetuada pela banca examinadora.

[…]

  1. No mais, correto o impetrante-recorrente quando aponta a ausência de critérios apontados no edital para fins de correção da prova de redação são por demais amplos, não permitindo qualquer tipo de controle por parte dos candidatos.
  2. Eis a norma editalícia pertinente: “5.2.15.6. Os textos dissertativos produzidos pelos candidatos serão considerados nos planos do conteúdo e da expressão escrito, quanto à (ao): a) adequação ao tema propostos; b) modalidade escrita na variedade padrão; c) vocabulário; d) coerência e coesão; e) nível de informação e de argumentação”.
  3. Realmente, de plano, já não se sabe qual o peso ou a faixa de valores (“padrão Cespe”) para cada quesito, nem o verdadeiro conteúdo de cada um deles, nem o valor de cada erro (“padrão ESAF”).
  4. Mas a situação fica pior quando se tem contato com a folha de redação do candidato (fls. 197/198, e-STJ), da qual não consta nenhuma anotação – salvo o apontamento de erros de português – apta a embasar o resultado final por ele obtido na referida prova. Enfim, tem-se, aqui, ato administrativo sem motivação idônea, daí porque inválido.
  5. O problema que surge é o seguinte: a ausência de motivação anterior ou contemporânea ao ato administrativo (correção da prova do candidato) importa nulidade do mesmo, mas o concurso já foi homologado e não há como, agora, deferir uma nova correção de prova – porque, deste jeito, a motivação existiria, mas seria posterior e prejudicaria todo o certame.
  6. Para resolver o dilema, observa-se que o candidato foi eliminado no certame por 0,5 ponto (meio ponto) e fez pedido alternativo nos autos para que lhe fosse conferida a pontuação mínima para ser aprovado, gerando nova ordem de classificação.
  7. Portanto, considera-se que atribuir-lhe a referida nota mínima na redação – ainda mais quando consistente em acréscimo pequeno de meio ponto – sana a nulidade de forma mais proporcional em relação aos demais candidatos e ao concurso como um todo (homologado em 17.6.2010 – v. fl. 91, e-STJ).
  8. Contudo, é de se asseverar que a inclusão do candidato na lista de aprovados geraria nova ordem de classificação. Ocorre que, tendo em conta que já se passou quase um ano da homologação final do concurso, com eventual posse e exercícios dos demais candidatos aprovados, e observando que a nova ordem de classificação normalmente influi na lotação dos servidores, é caso de permitir a aprovação do candidato, mas consolidada na última colocação entre os aprovados, a fim de que a coisa julgada na presente ação não atinja terceiros que não participaram dos autos.
  9. Recurso ordinário em mandado de segurança parcialmente provido para, acolhendo apenas o pedido “c” formulado nas razões recursais em análise nos termos expostos no parágrafo anterior.[14]

Outro caso bem comum de violação ao princípio da publicidade ocorre quando há um tempo muito longo entre as fases do concurso ou após a homologação do certame a Administração leva anos para nomear o candidato aprovado e o faz apenas por meio de Diário Oficial.

Vejamos.

Prescreve o caput do art. 37 da Constituição Federal que:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

Nota-se que dentre os princípios capitulares do art. 37 desponta o princípio da publicidade. Em especial, no que toca ao Processo Administrativo, a Lei 9.784/99 enuncia em seus arts. 26, §3º e 27 que:

Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.

  • 3º A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.

Art. 27. O desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado.

Comentando o dispositivo legal, JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO[15], com a nobreza que lhe é peculiar, averba que:

O aspecto da formalização das intimações guarda estreita relação com o fim a que se destinam. Os instrumentos empregados para as intimações devem propiciar a efetiva ciência, pelo destinatário, de que houve certa decisão no processo administrativo ou é necessário efetivar alguma diligência.

Muitas vezes o instrumento convocatório nada diz sobre as datas prováveis de convocação dos candidatos, o que gera uma grande insegurança jurídica para os mesmos que, se correta for a interpretação no sentido que a convocação deve ser feita apenas via Diário Oficial, deveriam ficar escravos da leitura do Diário Oficial por muito tempo.

Nada mais absurdo!

Nesse sentido, reconhecendo-se o absurdo de se exigir que o candidato leia o Diário Oficial diariamente, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA julgou um Recurso Ordinário em Mandado de Segurança[16], cuja ementa ficou da seguinte forma[17]:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE DE POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DA BAHIA. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE. NÃO-OBSERVÂNCIA. RECURSO PROVIDO.

  1. O edital, em regra, deve prever a forma como tornará pública a convocação dos candidatos para as etapas do concurso público e, se possível, a data em que ocorrerá tal ato, considerando o princípio da publicidade e a circunstância de não ser razoável exigir do cidadão que, diariamente, leia o Diário Oficial.
  2. Hipótese em que, no concurso público para provimento do cargo de Agente de Polícia Civil do Estado da Bahia, regido pelo Edital SAEB/001-97, não existe essa previsão editalícia. Houve tão-somente a simples publicação do ato convocatório para 3ª etapa no Diário Oficial, não havendo notícia de que tenha ocorrido nenhuma outra forma de chamamento. Dessa forma, houve violação do princípio da publicidade.
  3. Ademais, o ato de convocação publicado no Diário Oficial em novembro de 1999 foi para que o candidato habilitado manifestasse interesse por vagas existentes para as regiões de Barreiras/BA e Porto Seguro/BA. Ocorre que o ora recorrente concorreu para a região de Salvador/BA, não havendo, também, nenhuma regra editalícia que o obrigasse a se manifestar a respeito de convocação para região diversa.
  4. Recurso ordinário provido.

Da análise dos votos deste recurso, cuja relatoria coube ao Excelentíssimo Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, colhe-se a seguinte passagem, que merece destaque:

Conforme bem ressaltado pelo recorrente, o Edital SAEB⁄001-97, que rege o concurso público para provimento do cargo de Agente de Polícia Civil do Estado da Bahia, não discorre a respeito de datas, tampouco da forma em que se dará a publicidade da convocação para as etapas do certame.

Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça já assentou: “Desarrazoável é exigir que os cidadãos devem ler diariamente o diário oficial para não serem desavisadamente afetados nos seus direitos” (REsp 24.046⁄RJ, Rel. Min. ADHEMAR MACIEL, Segunda Turma, DJ de 8⁄3⁄99).

De outra parte, sobre o princípio da publicidade, que informa a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do art. 37, caput, da Constituição Federal, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo, 12ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 84):

 Consagra-se nisto o dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos. Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida.

 Em consequência, o edital, em regra, deve prever a forma como tornará pública a convocação dos candidatos para as etapas do concurso público e, se possível, a data em que ocorrerá tal ato, considerando o princípio da publicidade e a circunstância de não ser razoável exigir do cidadão que, diariamente, leia o Diário Oficial.

Com efeito, não haverá nenhuma ilegalidade se o edital preconizar que os candidatos serão considerados convocados pela publicação em órgão oficial, DESDE QUE fixe uma data ou um período para realização desse ato de chamamento.

Na hipótese em exame, todavia, não existe essa previsão editalícia. Houve tão-somente a simples publicação do ato convocatório para 3ª etapa no diário oficial. Não há notícia de que tenha ocorrido nenhuma outra forma de chamamento. Em consequência, não se mostrou atendido o princípio da publicidade.

Veja-se ainda que no RMS 22508/BA, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA considerou que 2 anos já configuravam tempo excessivo para que uma convocação ocorresse somente pelo Diário de Justiça.

Registre-se o seguinte trecho do voto relator:

É oportuno registrar que o resultado da 1ª etapa do concurso público em exame foi publicado no Diário Oficial de maio de 1997 (fls. 17 e 18). A convocação para a etapa seguinte, qual seja, a 3ª para os candidatos ao cargo de Agente de Polícia Civil (fl. 14), no tocante ao ora recorrente, aprovado na posição 636 (seiscentos e trinta e seis), deu-se em novembro de 1999, quando transcorrido prazo superior a 2 (dois) anos.

Mencionado fato demonstra, com mais propriedade, a inexistência de razoabilidade na exigência de que candidatos observem, diariamente, a publicação no órgão oficial das convocações para etapas do concurso público.

Assim, em casos como o em comento, a publicidade deveria ter se concretizado por meio de notificação pessoal, razão pela qual a inobservância a esta regra torna ineficaz o ato, não podendo, por isso, produzir qualquer efeito contra o candidato lesado.

Importante ressaltar que a Administração e a Banca Examinadora possuem informações sobre o candidato, tais como endereço, telefone e e-mail, pois todas essas informações foram disponibilizadas no documento de inscrição dos mesmos.

Os organizadores do certame possuem dados e meios suficientes para contatar os candidatos diretamente e esta seria a conduta mais razoável, dado o grande lapso temporal entre as fases, quando o concurso foge do padrão e se alonga prazo excessivo, mas, mesmo assim, eles optam por fazer publicação apenas no Diário Oficial, o que se mostra ilegal, conforme demonstrado acima.

 

2.5 – PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA.

 

Trata-se de princípio de grande importância e que foi inserido expressamente no texto constitucional por meio da Emenda Constitucional n.º 19/98.

O princípio da eficiência impõe à Administração Pública a obrigatoriedade de uma atuação de qualidade, que seja capaz de alcançar os objetivos colimados na Constituição e na legislação infraconstitucional. 

Em matéria de concursos públicos, atender à eficiência é buscar, através do certame, contratar aquele candidato mais habilitado para o desempenho de determinada atividade. Significa fazer um juízo de adequação entre a função a ser exercida e as qualidades específicas dos candidatos, de forma que se possa ter uma presunção de que os aprovados possam contribuir no desempenho das atividades administrativas.

Esse princípio e sua aplicação aos concursos públicos é amplamente reconhecida pela jurisprudência pátria, especialmente a do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

A despeito de ainda se encontrar certa divergência doutrinária sobre a natureza jurídica do concurso público, a maior e expressiva parte da doutrina o reconhece como espécie de licitação. […]

Dentre os princípios informadores do instituto do concurso público, destacam-se o princípio democrático, o princípio da eficiência e o princípio da isonomia. Nesse sentido, como conciliar esses princípios (democracia, eficiência e isonomia), em face de algumas discriminações previstas e admitidas por lei, pela doutrina e pela jurisprudência, em edital de concurso público?

Penso que o concurso público deve possibilitar a participação de todos aqueles que se enquadram nas disposições e condições estabelecidas no ato convocatório, de forma que se atenda, assim, ao princípio da democracia.

Urge que ele seja conduzido de modo totalmente objetivo, sem o favorecimento de determinados candidatos, nem a perseguição de outros, conforme reza o princípio da isonomia.

Ao mesmo tempo, em atenção ao princípio da eficiência, o concurso público visa à seleção dos candidatos que revelem possuir os maiores méritos (capacidade intelectual, habilidades e aptidões), para o exercício das funções estatais, estas concebidas, por certo, de forma individualizada e específica[18].

O exercício das atribuições atinentes aos cargos públicos exigirá do servidor habilidades específicas relacionadas à sua função. Portanto, será mais eficiente a Administração que possuir em seus quadros os servidores mais preparados, mais qualificados.

Neste sentido, é elucidativa a lição de HELY LOPES MEIRELLES[19], segundo o qual “a eficiência é o dever que se impõe a todo e qualquer agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros”

Sob este aspecto, de atuação do agente público, a eficiência significa que do agente se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições para que seja possível lograr os melhores resultados.

 

2.5.1 Princípio da eficiência e o aproveitamento de excedentes no concurso público.

A título de exemplo, ofende ao princípio da eficiência o não aproveitamento de excedentes que possam ser absorvidos no certame quando há necessidade de contratação de pessoal, principalmente quando não há tempo hábil para a realização de novo concurso sem prejuízo ao interesse público.

            Uma boa gestão pública obrigatoriamente deve estar alinhada ao desempenho eficiente dos serviços públicos, pois esta exigência é decorrente de princípios expressos no artigo 37, caput, da Constituição Federal.

            Até porque o desempenho das atividades administrativas é voltado ao alcance e maior satisfação possível do interesse público, que, como sabido, é indisponível. Por isso RUY CIME LIMA ter afirmado que a Administração em direito público também significa a atividade do que não é senhor absoluto.

            Muitas vezes, o não aproveitamento dos excedentes – candidatos até então aprovados em todas as fases e aptos a serem absorvidos[20], viola uma série de princípios constitucionais, o que é inadmissível, uma vez que, como doutrina SÉRGIO FERRAZ e ADILSON ABREU DALLARI[21]os princípios não são meras declarações de sentimentos ou intenções ou, ainda, meros postulados de um discurso moral. Em verdade, são normas dotadas de positividade que têm o condão de determinar condutas ou impedir comportamentos com eles incompatíveis“.

Na mesma toada é o ensinamento do mestre argentino AGUSTÍN GORDILLO[22] quando afirma que os princípios são a base de uma sociedade livre e republicana, sendo os elementos fundamentais e necessários da sociedade e de todos os atos de seus componentes.

            Todas estas circunstâncias concretas denotam que muitas vezes a conduta que atende ao dever de boa administração, que se alinha aos princípios da eficiência e economicidade é o aproveitamento dos candidatos excedentes.

            Isso porque pode ser lenta, cansativa, cara, burocrática, a conduta da Administração Pública de simplesmente deixar escoar o prazo de validade do certame e logo após iniciar novo concurso público para a contratação de pessoal, que poderia ser aproveitado sem estes encargos à custa do interesse público.

            O que justifica jurídica, econômica e tecnicamente um comportamento desta natureza?

Em muitos casos, se os excedentes não forem aproveitados, diante das circunstâncias e peculiaridades envolvidas no caso concreto, poderá haver um flagrante atentado aos princípios da Administração Pública, aos deveres do administrador e uma burla aos direitos destes candidatos.

            Lembre-se que, em casos com estas peculiaridades, e isso será explorado mais adiante, não há espaço para liberdade do administrador. A discricionariedade abstrata não é a mesma que poderá estar presente no caso concreto e, por isso, os candidatos aprovados não possuem mera expectativa de direito, mas direito subjetivo ao aproveitamento!

            Atuação contrária vai de encontro com um princípio fundamental da Administração que é o primado da eficiência e de um dever e, como contraponto, a um direito fundamental do cidadão, que é o princípio da “boa administração”.

            Das autorizadas lições de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO[23] extrai-se que:

A Constituição se refere, no art. 37, ao princípio da eficiência. Advirta-se que tal princípio não pode ser concebido (entre nós nunca é demais fazer ressalvas óbvias) senão na intimidade do princípio da legalidade, pois jamais uma suposta busca de eficiência justificaria postergação daquele que é o dever administrativo por excelência. O fato é que o princípio da eficiência não parece ser mais do que uma faceta de um princípio mais amplo já superiormente tratado, de há muito, no Direito italiano: o princípio da “boa administração“. Este último significa, como resulta das lições de Guido Falzone, em desenvolver a atividade administrativa “do modo mais congruente, mais oportuno e mais adequado aos fins a serem alcançados, graças à escolha dos meios e da ocasião de utilizá-los, concebíveis como os mais idôneos para tanto“.

Tal dever, como assinala Falzone, “não se põe simplesmente como um dever ético ou como mera aspiração deontológica, senão como um dever atual e estritamente jurídico”. Em obra monográfica, invocando lições do citado autor, assinalamos este caráter e averbamos que, nas hipóteses em que há discrição administrativa, “a norma só quer a solução excelente”. Juarez Freitas, em oportuno e atraente estudo – no qual pela primeira vez entre nós é dedicada toda uma monografia ao exame da discricionariedade em face do direito à boa administração, com precisão irretocável, afirmou o caráter vinculante do direito fundamental à boa administração.

É certo que o princípio da eficiência sempre norteou a atividade administrativa, uma vez que não se pode pensar em atividade desempenhada pela Administração Pública desprovida de eficiência, ou seja, sem a busca de melhores resultados. A boa gestão da coisa pública é requisito do desempenho de qualquer função administrativa.

Em âmbito constitucional, além de sua expressa previsão no artigo 37 caput, o princípio da eficiência acompanha a Carta Constitucional de 1988 desde a sua origem. O artigo 74, II, da Constituição Capitã prescreve que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado.

MARINO PAZZAGLINI FILHO[24] sintetiza com precisão cirúrgica o sentido que deve ser alcançado pela norma quando afirma que o princípio da eficiência consiste no dever de alcançar a solução que seja ótima para o atendimento das finalidades públicas. Seria a atuação administrativa visando à extração do maior número de efeitos positivos para o administrado.

2.6 – PRINCÍPIO DA ISONOMIA

 

O princípio da isonomia está expresso no caput do art. 5º da Constituição Federal, despontando como um dos principais Direitos Fundamentais:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, […]:

A isonomia pode ser estudada por um aspecto material e formal. Em regra, nos concursos, vige a isonomia formal, que significa que deve a todos ser dispensando o mesmo tratamento. Em alguns casos especiais, como, por exemplo, reserva de vagas para portadores de necessidades especiais, prova física diferenciada para candidatas do sexo feminino, há uma incidência tópica do princípio da isonomia material, que traduz a ideia de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.

Sobre a importância da aplicação do princípio da isonomia nos concursos, ADILSON ABREU DALLARI[25] deixa bem claro que “concurso público não se confunde com simulacro de concurso público. Não atende aos princípios constitucionais o chamamento ou a inscrição de apenas alguns apaniguados, que simularão uma disputa apenas para aparentar a realização de um concurso público. Não é concurso público o certame que se desenvolve sem observância do princípio da isonomia. É essencial que todo e qualquer interessado seja tratado com igualdade, para que vençam os melhores”.

A isonomia deve está presente em todas as fases do concurso público, devendo ser aplicada em seus diferentes aspectos (formal e material) conforme as peculiaridades de cada exigência. De outra forma não poderia ser, visto que é através do concurso público que se materializa o direito de amplo acesso aos cargos e empregos públicos e, para isso, deve haver igualdade de oportunidades para todos os interessados. Sendo assim, podemos afirmar que a isonomia permeia todo procedimento do concurso público.

Em matéria de concurso público, a observância ao princípio da isonomia impõe que as regras que regulamentam o certame não sejam direcionadas para determinada pessoa ou grupo de pessoas. A violação ao princípio da isonomia não decorre do fato de a norma que regulamente o concurso público contemplar um único indivíduo ou grupo de indivíduos, mas do fato de serem estes indivíduos ou grupo de indivíduos previamente conhecidos e a norma ser direcionada apenas para eles[26].

Sobre o assunto, a SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL decidiu que dispensar servidores, que integram o quadro de pessoal da Entidade que promove o concurso, de realizar de determinadas provas, que são obrigatórias para os demais candidatos, ofende o princípio da isonomia.

Esse entendimento ficou assentado no seguinte acórdão:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. PROVAS DE CAPACITAÇÃO FÍSICA E INVESTIGAÇÃO SOCIAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO 6° DO ART. 10 DA LEI N° 699, DE 14.12.1983, ACRESCENTADO PELA LEI N° 1.629, DE 23.03.1990, AMBAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, COM ESTE TEOR: “§ 6º – Os candidatos integrantes do Quadro Permanente da Polícia Civil do Estado ficam dispensados da prova de capacitação física e de investigação social a que se referem o inciso, I, ‘in fine’, deste artigo, e o § 2°, ‘in fine’, do artigo 11”. 1. Não há razão para se tratar desigualmente os candidatos ao concurso público, dispensando-se, da prova de capacitação física e de investigação social, os que já integram o Quadro Permanente da Polícia Civil do Estado, pois a discriminação implica ofensa ao princípio da isonomia. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente pelo Plenário do S.T.F[27].

Como a isonomia deve existir entre todos os candidatos e em todas as fases do certame, permitir que determinados candidatos não sejam submetidos a certas provas, previamente relacionadas em edital de concurso público, em detrimento de outros, implica em ofensa ao referido princípio.

O Pretório Excelso, de forma semelhante, reconheceu que ofende o princípio da isonomia a criação de requisitos diferenciados de acessibilidade aos cargos públicos aplicáveis a grupos distintos de pessoas.

Isso ocorreu em um concurso público para Primeiro Tenente Médico Policial Militar do Quadro de Oficiais de Saúde do Estado de São Paulo, em que o edital exigia idade máxima de 35 anos apenas dos candidatos civis, não estabelecendo qualquer limite etário em relação aos candidatos militares.

 Essa regra tinha como propósito favorecer determinado grupo de pessoas – os candidatos militares –, por isso o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL afastou a sua incidência diante do caso concreto restaurando a ordem jurídica e garantindo a efetividade do princípio da isonomia.

Vejamos a ementa do acórdão.

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. CONCURSO PÚBLICO. MÉDICO MILITAR. LIMITE DE IDADE. 1. O recorrido, aprovado em concurso público para Primeiro Tenente Médico Policial Militar do Quadro de Oficiais de Saúde do Estado de São Paulo, não pôde ser empossado, sob o argumento de que, na época da inscrição para o certame, tinha mais de 35 anos de idade. 2. Edital que fixou idade máxima, em concurso para médico militar, apenas para inscrição de candidatos civis. A Corte de origem afastou essa diferenciação e determinou a posse do recorrido. 3. Se o bom desempenho das atividades de médico da Polícia Militar demanda a força física peculiar ao jovem, a exigência de 35 anos de idade máxima deveria ser atribuída a todo e qualquer candidato e não apenas aos civis. Fica claro que a distinção em debate foi criada para favorecer os militares. Precedente: RMS 21.046. 4. Agravo regimental improvido[28].

            Ainda, e isso tem ocorrido muito e é extremamente preocupante, o julgamento das provas discursivas nos concursos públicos tem se afastado do primado da isonomia, principalmente por outro vício anterior que é a falta de critérios objetivos de correção da prova, os quais deveriam vir expressos em uma “grade de correção”. .

            Nota-se que a partir do momento em que não há critérios objetivos de correção das provas de redação, seja quanto à estrutura, conteúdo, quanto às questões gramaticais, o julgamento passa a ser totalmente subjetivo e por isso incompatível com o princípio da isonomia.

            Quanto a essa conduta ilegal, FRACISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA[29], em obra especializada sobre o tema, adverte que:

A correta aplicação das provas de conhecimento depende de um tratamento adequado desde o edital do concurso. Como ato administrativo em que se extingue a discricionariedade do administrador, o edital deve descrever, com a maior riqueza de detalhes, o procedimento que será obedecido na aplicação das provas, sua forma, os critérios e métodos de avaliação e as notas mínimas exigidas, no caso de provas de natureza mista. Apenas os elementos indispensáveis para a efetividade das provas poderão permanecer em sigilo após a publicação do edital.

A chave de correção e o gabarito são os documentos que contém as respostas que se esperava dos candidatos e que serão consideradas certas na correção das provas. Terá a função de orientar os examinadores na correção das provas e de informar aos candidatos as respostas esperadas, permitindo-lhes verificar se não houve erros na correção de sua prova.

Conforme adverte o referido autor, “quanto menos objetiva a prova, mais detalhado deverá ser o gabarito a fim de evitar interferências subjetivas do examinador na correção das provas. No caso das questões escritas, deve ser elaborado um roteiro com todas as informações que se esperava que o candidato incluísse em sua resposta e os valores que lhes serão atribuídos. Quando houver outras habilidades sendo avaliadas – como clareza na exposição do raciocínio, ortografia etc. -, o gabarito deve conter descrição minudente do método de avaliação e pontuação destes fatores. Isto porque a principal função do gabarito é orientar o examinador na correção das provas, vinculando sua atuação e garantindo a objetividade na correção da prova”.

            É muito comum nos concurso, principalmente os feitos por bancas examinadoras pouco experientes, que não seja apresentado qualquer gabarito ou chave de correção, acarretando uma correção subjetiva e anti-isonômica das avaliações dos candidatos, pois há total falta de parâmetros.

            Em casos como estes deve o candidato pleitear administrativa e/ou judicialmente que a Banca divulgue a chave de correção com os critérios objetivos levados em consideração quando do julgamento de todas as provas.

            Para confirmar se a chave de correção foi utilizada de forma isonômica entre todos os candidatos, deve a Administração Pública, ou a Banca Examinadora, agir de forma transparente e liberar o acesso de todas as provas discursivas a todos os candidatos, pois ao final de contas o procedimento do concurso é publico e não há motivo para sigilo. Ainda, apenas pela comparação é que terá como se saber se houve ou não lesão ao princípio da isonomia no caso concreto, razão pela qual, como a Administração muitas vezes não divulga as provas dos demais candidatos, o interessado, para a defesa de seus direitos, poderá pleiteá-la judicialmente.

            Só assim é possível verificar se houve ou não isonomia e impessoalidade no julgamento das questões.

 Registra-se que não existe fundamento para o indeferimento do pedido, pois, por se tratar de processo seletivo, competitivo e pautado nos princípios que regem a conduta da Administração, as provas devem ser públicas da mesma forma que em uma licitação os documentos de habilitação e as propostas o são, sob pena de inviabilidade de controle e facilitação de ilegalidade.

            Não se trata de assunto ligado à segurança nacional e nem mesmo à intimidade das pessoas, que são as exceções constitucionais quanto à publicidade, mas sim de procedimento de contratação pública que seleciona os mais capacitados para trabalharem junto ao Poder Público.

[1] FRANCISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA. Regime jurídicos dos concursos públicos. São Paulo: Dialética, 2006. p. 39/40.

 

[2] STF – AI-Ag. 707590 – 1ª T. – Relª Minª Cármen Lúcia – DJ 13.02.2009

[3] STF – AI 501702 – MG – 1ª T. – Rel. Min. Eros Grau – DJU 13.05.2005

[4] AgRg nos EDcl no REsp 1.163.858/RJ, Rel. Min. Maria Thereza Assis de Moura, Sexta Turma, DJe 16.8.2010.

[5] AgRg no Ag 1.291.819/DF, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 21.6.2010.

[6] AgRg no RMs 29.811/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 8.3.2010.

[7] AgRg no HD 127-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 14/6/2006 (Informativo 288).

 

 

[8] STF – RHD 22 – DF – T.P. – Rel. Conv. p/ Ac. Min. Celso de Mello – DJU 01/09/1995.

[9] TRF/1ª Região, Processo: 200032000057912/AM, Sexta Turma, julgado em 19/11/2001, DJ 07/02/2002, p. 218.

[10] TRF/1ª Região, Processo: 199801000038470/DF, Segunda Turma, julgado em 08/09/1998, DJ 17/12/1998, p. 59.

[11] TRF/5a Região, Processo: 9605244152 / PE, Segunda Turma, Rel. Des. Fed. Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho, julgado em 02/09/1997, DJ 24/10/1997, p. 89.440.

[12]

[13] RE 451207 AgR, Primeira Turma, julg. em 29/06/2005.

[14] RMS 33825/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 07/06/2011, DJe 14/06/2011.

 

[15] In: Processo Administrativo Federal, 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. pg. 163

[16] ROMS 22508 / BA; Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, Quinta Turma, Julgamento 03/04/2008; Publicação/Fonte DJ 02.06.2008 p. 1.

[17] Esse mesmo entendimento ainda pode ser encontrado nos seguintes julgados: RMS 20851 / MS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, de 26/06/2007; no RMS 24716 / BA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, de 02/09/2008; no RMS 22508 / BA, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, de 03/04/2008; e no REsp 24046 / RJ; Rel. Min. Adhemar Maciel, de 04/08/1999.

 

[18] RMS 18401/PR, Relator Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, Julgado em 04/04/2006.

[19] Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 102.

[20] Em âmbito federal o limite é de até 50% do número de vagas inicialmente ofertado, conforme o Decreto n.º 6.944/2009.

[21] Ferraz, Sérgio, Dallari, Adilson Abreu. Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 45.

[22] Gordillo, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 1998, pp. 37-VI. Tomo 1

[23] Curso de Direito Administrativo, Ed. Malheiros,  29ª edição, 2012, São Paulo, p 125/126.

[24] Pazzaglini Filho, Marino. Princípios Constitucionais Reguladores da Administração pública. São Paulo: Atlas, 2000, p. 32

 

[25] Princípio da Isonomia e Concursos Públicos. Revista Eletrônica de Direito do Estado. Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 6, abril/maio/junho, 2006. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>.

[26] ROCHA, Francisco Lobello de Oliveira. Regime jurídico dos Concursos públicos. São Paulo: Dialética, 2006, p. 30.

[27] ADI 1072, Relator Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2003.

[28] RE 215988 AgR, Relatora  Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 18/10/2005.

[29] Regime Jurídico dos Concursos Públicos, Ed. Dialética, São Paulo, 2006, p. 125-126.