QUANDO E COMO FAZER USO DO PRINCÍPIO DA RAZOALIDADE PARA A DEFESA DO CANDIDATO EM UM CONCURSO PÚBLICO

Avaliar se o candidato tem idoneidade moral ou reputação ilibada nem sempre é uma tarefa simples e pode dar margem a arbitrariedades praticas pela Administração. Para que a investigação social seja realizada de forma razoável é indispensável que a condição social e moral do candidato seja realmente incompatíveis com as funções do cargo ou emprego público. 

Os fatos que motivarem a inaptidão do candidato devem ser graves. Não é qualquer fato comprovado pela Administração que tem o potencial de eliminá-lo, conforme entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. EXCLUSÃO DE CANDIDATO NO CURSO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL. DECRETO-LEI 2.320/87. INQUÉRITO POLICIAL E SINDICÂNCIA. AUSÊNCIA DE FATO COMETIDO PELO CANDIDATO DO QUAL RESULTASSE CONDENAÇÃO.

  1. O Decreto-lei 2.320/87, art. 8º, I, estabelece como requisito para matrícula em curso da Academia Nacional de Polícia ter o candidato procedimento irrepreensível e idoneidade moral inatacável.
  2. É legítima a exigência de requisitos de conduta dos candidatos a serem verificados em investigação social de caráter eliminatório.
  3. Não há que se confundir presunção de inocência com requisitos de boa conduta, para o ingresso no cargo de agente de polícia federal. Não se confundem primariedade e bons antecedentes no âmbito do Direito Penal, com conduta social.
  4. A discricionariedade da Administração Pública na análise da conduta social não pode implicar em arbitrariedade a ponto de considerar punição de 2 (dois) dias de detenção em posto por falta de um parafuso no armamento e a absolvição em sindicância, como motivação para exclusão de candidato do curso de formação profissional.
  5. A aferição dos fatos que conduzem a juízo de inidoneidade moral há de considerar a gravidade do fato, sua contumácia e o resultado do inquérito e/ou a sindicância[1].

O motivo alegado pela Administração para eliminação do candidato somente será válido se este, por si só, for potencialmente lesivo ao interesse público. Se a conduta do candidato em nada ferir o interesse público, esta não poderá ser usada como argumento de eliminação, pois o que a Administração busca, em essência, é preservar o interesse público e não simplesmente punir eventuais condutas desabonadoras dos pretensos candidatos ao cargo público.

Assim, caso a Administração elimine candidato na fase de investigação social por qualquer fato que em nada contraria o interesse público, estará violando o princípio da razoabilidade[2].

 

4.4 AÇÃO PENAL E INQUÉRITO POLICIAL

 

Na fase de investigação social a Administração Pública, em alguns casos, tem considerado como motivo suficiente para eliminação de candidatos a existência de ação penal ou até mesmo de inquérito policial, que, do ponto de vista constitucional, é inaceitável.

A Constituição Federal estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, inciso LVII), consagrando a presunção de inocência, um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, como garantia processual penal. Por isso, é necessária a comprovação da culpabilidade do indivíduo, sendo esta uma incumbência atribuída essencialmente ao Estado.

O princípio constitucional da presunção de inocência não tem seu âmbito de aplicação restrito ao direito penal, pois é aplicável no direito administrativo, em especial em matéria de concurso público.

A fase de investigação social não pode ser pautada em critérios estabelecidos pelo arbítrio do administrador sem qualquer compatibilidade com a Constituição. Se a Constituição assegura que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, o indivíduo que responde a ação penal sem trânsito em julgado deve ser considerado inocente não apenas para efeitos penais, mas também para quaisquer outros fins, inclusive para efeito de aprovação em concurso público.

Por isso, é inconstitucional excluir candidatos na fase de investigação social por figurar com réu em ação penal que não possui sentença condenatória transitada em julgado. Com muito mais razão, é igualmente inconstitucional excluir candidatos que respondem ou responderam a inquérito policial, que é um procedimento inquisitório onde não é observado o princípio da ampla defesa e do contraditório.

Assim tem decidido o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR. CANDIDATO. ELIMINAÇÃO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. ART. 5º, LVII, DA CF. VIOLAÇÃO. Viola o princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, a exclusão de candidato de concurso público que responde a inquérito ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes[3].

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL. INQUÉRITO POLICIAL. EXCLUSÃO DO CERTAME. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que viola o princípio constitucional da presunção de inocência a exclusão de candidato de concurso público que responde a inquérito ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. [4]

            No mesmo sentido é o entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. EXCLUSÃO DO CANDIDATO NA ETAPA DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE PROCESSO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. PRELIMINARES DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL AFASTADA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

[…]. Não se mostra admissível a exclusão de candidato pela verificação de existência de processos criminais, mesmo na fase de investigação social, se inexistir condenação transitada em julgado, sendo certo que o princípio constitucional da presunção de inocência não incide exclusivamente na esfera penal, mas também na seara administrativa. Precedentes desta Corte.

É possível a revisão do ato impugnado pelo Poder Judiciário, a quem cabe examinar a legalidade de todo procedimento administrativo, inclusive afastando decisões que se mostrem desarrazoadas e desproporcionais[5].

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.  CONCURSO PÚBLICO. EXCLUSÃO DE CANDIDATO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. INQUÉRITO POLICIAL ARQUIVADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

I – Consoante já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, o simples fato de o candidato haver sido investigado em inquérito policial posteriormente arquivado, não pode ser considerado como desabonador de sua conduta, de forma a impedir sua participação no concurso público. Precedentes.

II – A aferição sobre a exclusão de candidato do processo seletivo em virtude da simples existência de inquérito policial arquivado não implica revolvimento, cotejo, ou exame de prova, não sendo aplicável a Súmula 07/STJ[6].

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. EXCLUSÃO DE CANDIDATO POR CONDENAÇÃO NA ESFERA PENAL. SENTENÇA NÃO TRANSITADA EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. Em observância ao princípio da presunção de inocência – art. 5º, LVII, da Constituição Federal -, não se admite, na fase de investigação social de concurso público, a exclusão de candidato condenado na esfera criminal por sentença não transitada em julgado. Precedentes do STF e do STJ. 2. Recurso ordinário provido. [7]

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DETETIVE DA POLÍCIA CIVIL. APROVAÇÃO. POSTERIOR INABILITAÇÃO EM INVESTIGAÇÃO SOCIAL. NOMEAÇÃO TORNADA SEM EFEITO. DESCABIMENTO. DIREITO À POSSE. COMETIMENTO DE ATO INFRACIONAL. CUMPRIMENTO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. INABILITAÇÃO INDEVIDA. 1. Constitui entendimento já consagrado por este Tribunal Superior que o candidato nomeado, após regular aprovação em concurso público, tem direito à posse. Precedentes. 2. Conquanto se trate o ato de nomeação, de ato discricionário, gera direitos para o nomeado, não podendo, pois, ser desconstituído sem o devido processo legal, como ocorrera na espécie. 3. Ademais, da leitura dos autos depreende-se que o motivo que culminou com a aludida inabilitação consiste na imposição ao Impetrante de medida sócio-educativa já cumprida, em razão do cometimento de delito há mais de 7 (sete) anos. Vale dizer, em época em que o Recorrente ainda era inimputável. 4. Nessa esteira, merece reforma o aresto hostilizado, na medida em que contrário à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, afrontando, outrossim, os princípios que informam a própria Política Criminal, tendo em vista as finalidades do nosso sistema jurídico-penal, principalmente, no que diz respeito ao caráter ressocializante da pena (ou medida sócio-educativa), com vistas à harmônica integração social do apenado (ou do infrator). 5. Recurso conhecido e provido. [8]

É pacífico nos Tribunais Superiores que ação penal sem sentença condenatória com trânsito em julgado não é motivo legítimo para excluir candidato na fase de investigação social, por ser um critério que afronta o princípio da presunção de inocência.

Mas por quanto tempo uma condenação criminal pode obstar o ingresso no serviço público? O Código Penal elimina de nosso sistema a perpetuidade dos efeitos da condenação criminal determinando em seu art. 64, inciso I, que não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação.

Em matéria de concurso público entendemos ser razoável aplicar esse prazo. Assim, uma pessoa que tenha sido condenada criminalmente, após 5 anos do cumprimento da pena não pode ser eliminada de concurso público na fase de investigação social por ter se envolvido em práticas delituosas no passado. Pensar de modo contrário permitiria a imposição de penas de caráter perpétuo, o que é vedado pela Constituição Federal (art. 5º, XLVII, “b”). Além disso, presumir a irrecuperabilidade de quem já cometeu delito penal jogaria por terra toda a política criminal da reabilitação e reintegração do delinquente a seu meio social.

Também é ilegítimo ato administrativo que, em sede de investigação social, elimina de concurso público candidato beneficiado por sentença penal que declara a extinção da punibilidade.

O fato de um candidato ter respondido a ação penal que resultou na extinção da punibilidade não configura fator suficiente para desabonar a sua conduta, em se considerando, sobretudo, que não se trata de condenação. Por isso, uma eliminação com base nesse motivo viola o princípio da presunção de inocência.

Nesse sentido, é a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

CONCURSO PÚBLICO. CAPACITAÇÃO MORAL. PROCESSO-CRIME. PRESCRIÇÃO. Uma vez declarada a prescrição da pretensão punitiva do Estado, descabe evocar a participação do candidato em crime, para se dizer da ausência da capacitação moral exigida relativamente a concurso público[9].

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO DO DF. INVESTIGAÇÃO SOCIAL E FUNCIONAL. SENTENÇA PENAL EXTINTIVA DE PUNIBILIDADE. OFENSA DIRETA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. MATÉRIA INCONTROVERSA. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279. AGRAVO IMPROVIDO.

Viola o princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal a exclusão de candidato de concurso público que foi beneficiado por sentença penal extintiva de punibilidade[10].

            A prescrição da pretensão punitiva não implica responsabilidade do acusado, não desabona seus antecedentes, nem induz futura reincidência. Assim, a extinção da punibilidade não deixa sequelas jurídicas na vida do acusado[11]. Isso justifica a ilegitimidade de ato administrativo que na fase de investigação social elimina candidato beneficiado por sentença que extingue a punibilidade.

[1] TRF da 1ª Região, AMS 2002.34.00.039562-3/DF, Relatora Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Quinta Turma, julgado em 19/11/2004.

[2] MADEIRA, José Maria Pinheiro. Servidor Público na Atualidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 138.

[3] RE 559135 AgR, Relator  Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 20/05/2008.

[4] AgRg no AI 769.433/CE, Rel. Min. EROS GRAU, DJU 12.02.2010

[5] AgRg no Ag 1282323/RJ, Relator Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador Convocado do TJ/CE), Sexta Turma, julgado em 22/02/2011.

[6] AgRg no REsp 1173592/MG, Relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 23/11/2010.

[7] STJ – RMS 32.657 – RO – Proc. 2010/0139321-3 – 1ª T. – Rel. Min. Arnaldo Esteves

[8] STJ – RMS 18613 – MG – 5ª T. – Rel. Min. Laurita Vaz – DJU 07.11.2005 p. 312

[9] RE 212198, Relator Ministro Marco Aurélio, Segunda Turma, julgado em 14/08/2001.

[10] RE 450971 AgR, Relator  Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 01/02/2011.

[11] Ver HC 72844, Relator Ministro Francisco Rezek, Segunda Turma, julgado em 26/09/1995.

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Alessandro Dantas

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Alessandro Dantas, advogado especialista em ajudar candidatos de concursos públicos que sofrem injustiças e, também, servidores públicos perante atos ilegais praticados pela Administração Pública, atuando em Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e em Ações de Ato de Improbidade Administrativa.

Dr. Alessandro Dantas

Advogado Sênior Presidente

♦Advogado especialista em concursos públicos, nacionalmente conhecido;
♦Presidente da Comissão de Direito Administrativo da OAB.ES.
♦Especialista e Mestre na área de Direito Público.
♦Professor de Direito – Administrativo em graduação, em pós-graduação e em MBA
♦Professor de Direito Administrativo da Escola da Magistratura do Estado do Espírito Santo.
♦Professor de Direito Administrativo da Escola Superior do Ministério Público do Estado do Espírito Santo.
♦Professor de Direito Administrativo em Cursos Preparatórios no ES, DF e GO.
♦Coordenador do III Congresso Brasileiro de Concurso Público.

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