Pelo princípio da moralidade o administrador deve agir com honestidade, lealdade, boa fé. Muitas vezes o ato aparenta ser legal, porém é feito com desonestidade, em meio a conluios, o que nulifica a conduta. Se analisar a história evolutiva do referido princípio constatar-se-á que o mesmo surgiu inicialmente como uma das formas para o controle jurisdicional do desvio de poder.

É importante registrar que o fato de o administrador seguir a lei não significa, necessariamente, que agiu com moralidade. A conduta de acordo com o princípio da moralidade até se presume, pois em razão da legitimidade do ato administrativo há a presunção de que o ato foi feito corretamente. Ocorre que uma coisa é a presunção, outra bem diferente é afirmar que o ato feito de acordo com a lei também foi feito com esteio na honestidade, lealdade, etc.

A verdade é que nem sempre quando o administrador segue a lei ele estará agindo com honestidade. Por exemplo, nos autos de um concurso público todos os atos aparentemente estarão de acordo com a lei, não havendo, por isso, qualquer ilegalidade, porém, e isso não constará no processo, pode ser que o gabarito da prova tenha sido antecipado a algumas pessoas, em flagrante ato de desonestidade. Assim, apesar da aparente legalidade, se descoberta a antecipação do gabarito, o concurso será anulado por violação ao princípio da moralidade.

A importância dada ao princípio é tão grande que atos que atentem aos deveres de honestidade, lealdade são tipificados com atos de improbidade, sujeitando o seu infrator às penas da Lei 8.429/92, tais como: suspensão dos direitos políticos, perda do cargo ou função, etc.

            Nos concursos públicos em diversas situações verificamos a violação ao princípio da moralidade. Um caso típico é quando é exigido do candidato matéria fora do programa do edital. Além da flagrante violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, segurança jurídica e outros, há leão à moralidade.

Ensina a preclara professora ODETE MEDAUAR[1] que “em geral, a percepção da imoralidade administrativa ocorre no enfoque contextual; ou melhor, ao se considerar o contexto em que a decisão foi ou será tomada, A decisão, de regra. destoa do contexto, destoa do conjunto de regras de conduta norteadoras da disciplina geral norteadora da Administração.”

Pode-se dizer que o princípio da moralidade significa, portanto, a vinculação da norma aos valores e princípios morais que motivaram sua promulgação e, por consequência, a vinculação do Administrador a estes. Quer dizer que se a norma não cumpre suas finalidades esvazia-se, restando-lhe apenas a aparência de licitude.

Nota-se que no exemplo dado o comportamento adotado pela Administração ou pela Banca Examinadora não resiste a um teste de juridicidade frente a este sacramental princípio. Isso é de fácil percepção, pois internamente é apresentado um conteúdo programático no edital, onde há a presunção de que o mesmo será observado, porém na prática, de forma astuciosa e quebrando o pacto de confiança com o administrado-candidato, exige-se o conhecimento de conteúdos não explicitados no instrumento convocatório, agindo assim de forma imoral.

É certo que o ato administrativo quando produzido goza do atributo da presunção de legitimidade. Há a presunção de que foi o mesmo feito corretamente e que a Administração agiu de forma límpida e ética, porém demonstrado administrativa ou judicialmente o vício, deve a Administração, no exercício da autotutela administrativa, ou o Judiciário, em razão da inafastabilidade da jurisdição, combater o ato ilegal e anulá-lo. A presunção informada é apenas juris tantum, admitindo, por isso, prova em sentido contrário invalidação em do ato em caso de ilegalidade.

Neste contexto cai como uma luva a precisa lição de RÉGIS DE OLIVEIRA[2], quando afirma que:

“O administrador público não só tem que parecer honesto, como tem o dever de assim se comportar. Independentemente de ser um princípio constitucional previsto no art. 37 da Constituição da República, há o dever ético de ter conduta impecável. Não se trata do fato de confundir princípios morais com jurídicos. Cuida-se da incorporação de deveres éticos ao ordenamento normativo. As condutas humanas são captadas, como ímã, da realidade fática e trazidas ao inundo jurídico.

Ser probo na gestão de cargo ou função pública deixa de ser seu pressuposto ou mera obrigação moral para constituir-se em dever jurídico. A legislação incorporou a conduta ética, transformando-a em norma de direito.”

Não se comporta de maneira ética a Banca Examinadora quando apresenta um programa sobre o qual o candidato na confiança vai estudar, para na hora da prova ser cobrada questões completamente fora da realidade daquilo que foi “pactuado” no edital.

Em superficial comparação é como se um concurso apresentasse no edital como conteúdo programático a Lei 8.666/93 e cobrasse na prova uma questão de profundo conhecimento sobre registro de preços ou regras licitatórias nas parecerias públicos privadas, que, como sabido, estão previstas na lei 11.049/2004!

Não há dúvida da falta de ética e da astúcia do administrador no caso em comento, não podendo, sob nenhuma circunstância, passar essa ilegalidade de forma indiferente pelo Poder Judiciário.

[1] Direito Administrativo Moderno. São Paulo; RT, 1996, p. 142.

[2] OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Responsabilidade Fiscal São Paulo: RT, 2001, p. 5.