LIMITAÇÃO DE IDADE NOS CONCURSOS PÚBLICOS: SAIBA QUANDO É PERMITIDA E QUANDO É PROIBIDA

LIMITAÇÃO DE IDADE

3.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

As limitações mínimas e máximas de idade para ingresso nos cargos e empregos públicos estão estabelecidas, em sentido amplo, na Constituição Federal. Os artigos 101, 104, parágrafo único e 73, § 1º, inciso I, todos da Constituição, estabelecem a idade mínima de 35 anos e máxima de 65 anos, para nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas da União, respectivamente.

De modo geral, o limite máximo de idade deve coincidir com a aposentadoria compulsória que acontece aos 70 anos, conforme o art. 40, inciso II, da Constituição. A idade mínima é 18 anos para o exercício de cargos, empregos e funções públicas para os quais a Constituição não impõe idade específica. Isso porque o art. 37, § 4º, da Constituição prevê a responsabilidade administrativa, civil e penal dos agentes públicos, ao passo que o art. 228 da Carta Constitucional exclui a responsabilidade penal dos menores de 18 anos[1].

No entanto, de acordo com o art. 7º, inciso XXX, da Constituição Federal, aplicável aos servidores públicos por determinação do art. 39 § 3º, a regra geral é a vedação de se fixar limite de idade como requisito de acesso aos cargos e empregos públicos.

Porém, algumas funções, para serem executadas com eficiência, exigem do agente público um vigor físico típico da juventude como, por exemplo, funções ligadas a carreira militar, enquanto outras funções, que possuem um alto grau de responsabilidade, exigem do agente público um elevado grau de maturidade. Por isso, quando a natureza do cargo exigir, a lei poderá estabelecer limites de idade diferenciados como requisito de acessibilidade aos cargos públicos, desde que observado a razoabilidade[2].

No SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL o primeiro caso a ser examinado à luz da Constituição de 1988 foi o Recurso em Mandado de Segurança nº 21.0466, em que foi relator o eminente MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE, sendo julgado em sessão plenária de 14 de dezembro de 1990.

Nesse primeiro precedente foi concedida segurança para autorizar a participação em concurso público para Advogado de Ofício da Justiça Militar de candidata com idade superior aos 35 anos exigidos em lei.

Nesse precedente se firmou o seguinte entendimento:

Concurso público: indeferimento de inscrição fundada em imposição legal de limite de idade, que configura, nas circunstancias do caso, discriminação inconstitucional (CF, arts. 5º e 7º, XXX): segurança concedida. A vedação constitucional de diferença de critério de admissão por motivo de idade (CF, art. 7., XXX) e corolário, na esfera das relações de Trabalho, do princípio fundamental de igualdade (CF, art. 5., “caput”), que se entende, a falta de exclusão constitucional inequívoca (como ocorre em relação aos militares – CF, art. 42, par. 11), a todo o sistema do pessoal civil. É ponderável, não obstante, a ressalva das hipóteses em que a limitação de idade se possa legitimar como imposição da natureza e das atribuições do cargo a preencher. Esse não e o caso, porém quando, como se da na espécie, a lei dispensa do limite os que já sejam servidores públicos, a evidenciar que não se cuida de discriminação ditada por exigências etárias das funções do cargo considerado[3].

Sobre o motivo da fixação de idade limite para ingresso no serviço público, o MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE observou em seu voto que “a razão histórica da regra e da exceção tradicionais foi bem identificada pela impetração, na questão da aposentadoria: sua inspiração no Estatuto dos Funcionários (art. 19) e nas diversas leis especiais, eramanifestamente a de poupar o Tesouro de aposentadoria de curto prazo. É preocupação, contudo, sob a Constituição vigente – e abstraída que fosse a garantia isonômica do art. 7, XXX -, que, de qualquer sorte, perdeu sua razão de ser, com o art. 202, § 2º, que deu hierarquia constitucional à conquista social contagem recíproca de tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural ou urbana, hipótese em que os diversos sistemas de previdência social se compensam financeiramente, segundo critérios estabelecidos”.

Como se nota nos fundamentos apresentados pelo MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE no julgamento do Recurso em Mandado de Segurança nº 21.0466, a razão histórica da limitação de idade para ingresso no serviço público, na maioria dos casos, não teve origem em dado referente às restrições de vigor físico decorrentes da idade, mas na intenção de poupar o erário do ônus de aposentadorias a curto prazo, sendo que este argumento perdeu muito de sua razão de ser com o advento da contagem recíproca.

A Constituição Federal, em face do princípio da igualdade, veda diferença de critérios de admissão em razão da idade, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas na Lei e aquelas em que a referida limitação constitua requisito necessário em face da natureza e das atribuições do cargo a preencher, desde que respeitado os princípios da legalidade e da razoabilidade.

Portanto, o que está proibido, em matéria de idade, como de resto, em todas as áreas, é a discriminação pela discriminação, a diferenciação injustificada. Nenhum dos critérios expressamente referidos pela Lei Maior, assim como todos e quaisquer critérios, poderá ser estabelecido sem que esteja associado a uma razão de direito.

 

3.2 LIMITAÇÃO DE IDADE E PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

No que tange ao princípio da legalidade aplicável aos concursos públicos o artigo 37, incisos I, da Constituição Federal é claro ao enunciar que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei. As regras são as mesmas para o ingresso nas Forças Armadas, de acordo com o art. 142, parágrafo 3º, inciso X, da Constituição Federal.

Com a aplicação do referido princípio constitucional aos concursos públicos, a Administração Pública só pode impor, como requisito para a aprovação em concurso público, as exigências que estejam previamente estabelecidas em lei, apenas lei em sentido formal – ato normativo emanado do Poder Legislativo.

Por isso, todos os requisitos de admissibilidade a cargos, empregos e funções públicas devem está previstos em Lei. Embora o Edital seja a “lei” interna do concurso, cujas regras obrigam candidatos e Administração Pública, é imperioso sempre ressalvar que as disposições editalícias não devem distanciar-se dos preceitos legais e muito menos da Constituição Federal.

O princípio da legalidade significa estar a Administração Pública, em toda sua atividade, presa aos mandamentos da Lei, deles não se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei é injurídica e expõe-se à anulação. Assim, a Administração Pública nada pode fazer senão o que a lei determina[4].

Por outro giro: não pode o edital ou outro ato normativo de escalão normativo inferior à lei inovar e criar exigências sem respaldo legal.

Assim, a previsão legal é indispensável para limitação etária em concurso público. Essa matéria é pacifica nos tribunais, como se nota na jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

AGRAVO REGIMENTAL. CONCURSO PÚBLICO. LEI 7.289/1984 DO DISTRITO FEDERAL. LIMITAÇÃO DE IDADE APENAS EM EDITAL. IMPOSSIBILIDADE. A fixação do limite de idade via edital não tem o condão de suprir a exigência constitucional de que tal requisito seja estabelecido por lei. Agravo regimental a que se nega provimento[5].

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONCURSO PÚBLICO. BRIGADA MILITAR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. LIMITAÇÃO ETÁRIA. DECRETO ESTADUAL 37.536/97. INVIABILIDADE. RESERVA LEGAL. 1. A imposição do critério discriminatório – limite de idade máximo – para inscrição no concurso público da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul deverá observar o postulado da reserva legal. A edição do Decreto estadual 37.536/97 não é instrumento legislativo hábil para a imposição da restrição etária no certame. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido [6].

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. LIMITE DE IDADE. NECESSIDADE DE LEI. FUNDAMENTOS INFRACONSTITUCIONAIS DEFINITIVOS. SÚMULA 283 DO STF. AGRAVO IMPROVIDO. I – Somente por lei se pode sujeitar candidato a limite de idade para habilitação a cargo público. II – Com a negativa de provimento ao recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça tornaram-se definitivos os fundamentos infraconstitucionais que amparam o acórdão recorrido. Incidência da Súmula 283 do STF. III – Agravo regimental improvido. [7]

 

            A limitação mínima e máxima de idade para ingresso no serviço público somente pode ser criada por Lei. A exigência desse requisito de acessibilidade por qualquer ato que não seja emanado do Poder Legislativo como, por exemplo, edital de abertura do concurso, regulamentos, decretos do Poder Executivo, é inconstitucional e, por isso, deve ser afastada pelo Poder Judiciário.

Nesse sentido veja o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL quanto à impossibilidade de fixação de limite de idade por meio de Decreto:

AGRAVO REGIMENTAL. CONCURSO PÚBLICO. LIMITAÇÃO DE IDADE. LEI COMPLEMENTAR 10.990/1997 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. DECRETO ESTADUAL 37.536/1997. ART. 42, § 9º, DA CF/1988 COM REDAÇÃO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL 41/2003. A fixação do limite de idade via decreto não tem o condão de suprir a exigência constitucional de que tal requisito seja estabelecido por lei. Agravo regimental a que se nega provimento[8].

Ainda, do mesmo Tribunal, veja-se o entendimento quanto à impossibilidade de fixação da idade por meio do edital.

“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NAS FORÇAS ARMADAS: CRITÉRIO DE LIMITE DE IDADE FIXADO EM EDITAL. REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. SUBSTITUIÇÃO DE PARADIGMA. ART. 10 DA LEI N. 6.880/1980. ART. 142, § 3º, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DECLARAÇÃO DE NÃORECEPÇÃO DA NORMA COM MODULAÇÃO DE EFEITOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. Repercussão geral da matéria constitucional reconhecida no Recurso Extraordinário n. 572.499: perda de seu objeto; substituição pelo Recurso Extraordinário n. 600.885. 2. O art. 142, § 3º, inciso X, da Constituição da República, é expresso ao atribuir exclusivamente à lei a definição dos requisitos para o ingresso nas Forças Armadas. 3. A Constituição brasileira determina, expressamente, os requisitos para o ingresso nas Forças Armadas, previstos em lei: referência constitucional taxativa ao critério de idade. Descabimento de regulamentação por outra espécie normativa, ainda que por delegação legal. 4. Não foi recepcionada pela Constituição da República de 1988 a expressão “nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica” do art. 10 da Lei n. 6.880/1980. 5. O princípio da segurança jurídica impõe que, mais de vinte e dois anos de vigência da Constituição, nos quais dezenas de concursos foram realizados se observando aquela regra legal, modulem-se os efeitos da não-recepção: manutenção da validade dos limites de idade fixados em editais e regulamentos fundados no art. 10 da Lei n. 6.880/1980 até 31 de dezembro de 2011. 6. Recurso extraordinário desprovido, com modulação de seus efeitos”[9].

 

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO AUTORIZADOR. AUSÊNCIA. ART. 321 DO RISTF. CONCURSO PÚBLICO. LIMITE DE IDADE FIXADO EM EDITAL E DECRETO ESTADUAL: IMPOSSIBILIDADE. 1. (…).

  1. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento de que a exigência de limite de idade em concurso público deve estar prevista em lei formal, não suprindo esta exigência a previsão em edital ou Decreto Estadual. 3. Agravo regimental improvido”[10].

AGRAVO REGIMENTAL. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL 7.176/1983 AFASTADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. LIMITAÇÃO DE IDADE APENAS EM EDITAL. IMPOSSIBILIDADE. O Tribunal de origem afastou a aplicação da Lei 7.176/1983 ao caso concreto. Impossível chegar a conclusão contrária sem o reexame da referida norma, o que enseja o descabimento do recurso extraordinário. A fixação do limite de idade via edital não tem o condão de suprir a exigência constitucional de que tal requisito seja estabelecido por lei. Agravo regimental a que se nega provimento. [11]

 

3.3 LIMITAÇÃO DE IDADE E PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE

Como já foi dito anteriormente, salvo nos casos em que a limitação de idade possa ser justificada pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido, não pode a lei, em face do disposto nos artigos 7º, inciso XXX, e 39, § 3º, da Constituição Federal, impor limite de idade para a inscrição em concurso público.

Também é certo que não há qualquer caráter discriminatório no estabelecimento de idade mínima e de idade máxima para o ingresso no serviço público, desde que o critério etário obedeça ao princípio da razoabilidade e seja estabelecido por lei e de acordo com as atribuições do cargo ou emprego a ser preenchido. 

Nesse sentido, a Súmula 683 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL assentou a regra geral da inviabilidade do requisito de idade, mas ressalvou as hipóteses em que a limitação pudesse justificar-se em virtude da natureza das atribuições do cargo a ser preenchido:

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a norma constitucional proíbe tratamento normativo discriminatório, em razão da idade, para efeito de ingresso no serviço público (CF, art. 39, par. 2., c/c art. 7., XXX), não se reveste de caráter absoluto, sendo legitima, em consequência, a estipulação de exigência de ordem etária quando esta decorrer da natureza e do conteúdo ocupacional do cargo público a ser provido[12].

O MINISTRO CELSO DE MELLO, relator do Recurso em Mandado de Segurança nº 21045, observou em seu voto que o tema concernente à fixação legal do limite de idade para efeito de inscrição em concurso público e de preenchimento de cargos públicos tem sido analisado pela jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL em função e na perspectiva do critério da razoabilidade, em ordem a identificar, como pressuposto de legitimação de possíveis tratamentos normativos diferenciados, a existência, no ato legislativo, de um vínculo de “correlação lógica entre o fator de discrímen e a desequiparação procedida” [13].

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ao analisar o conteúdo do postulado constitucional da isonomia, embasado na doutrina de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, acentua que se tem por vulnerada a cláusula de igualdade quando o fator diferencial indicado pela norma legislativa não mantém qualquer nexo de pertinência lógico-racional com a exclusão de benefício.

Por isso, o critério especificador escolhido pela lei a fim de circunscrever os atingidos por uma situação jurídica, que é o fator de discriminação, pode ser qualquer elemento radicado neles. Todavia, necessita inarredavelmente guardar relação de pertinência lógica com a diferenciação que dele resulta.

Isso significa que a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. É imprescindível que exista uma adequação racional entre o tratamento diferençado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que se o fator diferencial não guarda conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia e da razoabilidade[14].

Os limites de idade a serem estabelecidos devem pautar-se pela razoabilidade. Não se pode realmente admitir para cargos nos quais o preparo físico é fundamental, pessoas de quarenta ou cinquenta anos. Por outro lado, se a atividade a ser desenvolvida é predominantemente intelectual, não há porque vedar o ingresso de pessoas nessa faixa etária.

Para ingresso no cargo de agente fiscal de tributos o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA entendeu que o limite máximo de 35 anos afronta o princípio da razoabilidade:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. LIMITE DE IDADE. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. CF/1988, ART. 7., XXX.

O preceito inscrito no art. 7., XXX, da Carta Magna, que veda a adoção de critério discriminatório para acesso aos cargos públicos, inclusive por motivo de idade, deve ser concebido com razoabilidade, sem rigor absoluto, devendo ser considerada a natureza das funções, se exigem ou não vigor físico dos seus titulares, bem como a situação do candidato em face do serviço publico.

Afronta o mencionado principio constitucional a fixação do limite de idade em 35 anos para inscrição no concurso para provimento do cargo de agente fiscal de tributos estaduais[15].

Da mesma forma, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL entendeu sem razoabilidade o limite de idade para ingresso no cargo de médico:

AGRAVO REGIMENTAL. CONCURSO PÚBLICO. MÉDICO DA POLÍCIA MILITAR. EXIGÊNCIA DE IDADE MÁXIMA. VEDAÇÃO. AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE. A lei pode limitar o acesso a cargos públicos, desde que as exigências sejam razoáveis e não violem o art. 7º, XXX, da Constituição. Entretanto, não se pode exigir, para o exercício do cargo de médico da Polícia Militar, que o candidato seja jovem e tenha vigor físico, uma vez que tais atributos não são indispensáveis ao exercício das atribuições do cargo. Agravo regimental a que se nega provimento[16].

A legalidade ou não da limitação de idade será verificada diante do caso concreto. Não existe uma limitação padrão para ingresso no serviço público. Há que se verificar, pois, se o fator discriminatório exigido para o concurso possui uma justificativa racional e necessária diante do interesse público ou se resulta de mera discriminação fortuita. A ordem jurídica busca firmar a impossibilidade de desequiparações infundadas de tal sorte que nenhum fator discriminatório pode ser escolhido aleatoriamente, sem pertinência lógica com a diferenciação determinada.

Assim, requisito de acessibilidade que leva em consideração a idade dos candidatos deve ser fixado dentro dos limites da razoabilidade, visto que isso é uma decorrência da exegese do art. 7º, inciso XXX, da Constituição Federal, que veda a admissão do trabalhador através de critérios discriminatórios.

 

3.4 FIXAÇÃO DE IDADE MÁXIMA NA DATA DA MATRÍCULA EM CURSO DE FORMAÇÃO

Em qualquer concurso, quando a natureza do cargo exigir, o correto é fixar um limite máximo de idade para se inscrever, pois assim o candidato terá certeza se preencherá ou não o requisito etário. Nem sempre essa é a postura adotada pela Administração. Tem ocorrido com frequência, principalmente em concursos para ingresso na Polícia Militar, a fixação de limite máximo de idade na data da matrícula em curso em curso de formação de soldado ou oficial.

 

Os entes federados que adotam essa regra podem estabelecer, por exemplo, um limite máximo de 30 anos de idade na data da matrícula do curso de formação, que é uma fase do concurso. Assim, um candidato que se inscreveu no concurso com 30 anos, ou seja, dentro do limite máximo, e durante a execução das diversas fases do concurso vier a completar 31 anos antes de se matricular no curso de formação estará eliminado do certame.

            Embora o art. 37, inciso I, da Constituição Federal estabeleça que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, esse dispositivo não confere aos Entes Federados uma competência normativa que viabiliza a criação de requisitos de acessibilidade incompatíveis com as demais normas constitucionais.

Por isso, é inconstitucional qualquer lei que crie um requisito etário igual ou semelhante a este.

Somente pode ser fixado limite máximo de idade para inscrição no concurso público, visto que o direito de o candidato participar de um concurso não pode ficar condicionado a datas futuras e incertas, que são definidas exclusivamente pela Administração. Essa regra apenas limita ilegalmente o universo de candidatos e, assim, exclui indevidamente determinados concursandos com a demora da Administração em finalizar as fases do certame. Tal regra, ainda que prevista em lei e no edital, viola frontalmente o princípio da segurança jurídica e da razoabilidade.

Prever como requisito de acessibilidade um limite máximo de idade na data da matrícula no curso de formação ou em qualquer outra fase também facilita a manipulação do resultado definitivo do concurso, porque com a demora da Administração em concluir o certame alguns candidatos podem ser excluídos, uma vez que com o passar do tempo muitos deles terão ultrapassado o limite máximo de idade na data da matrícula no curso de formação.

            O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, analisando a Lei Complementar do Estado do Acre nº 164/2006, que previa como requisito para ingresso na policia militar a idade máxima de 30 anos, na data da matricula no curso de formação, entendeu com acerto que:

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO ACRE. LIMITAÇÃO ETÁRIA PARA A INSCRIÇÃO NO CURSO DE FORMAÇÃO DE SOLDADO. CANDIDATO QUE, DURANTE O PROCEDIMENTO DO CERTAME, ULTRAPASSA A IDADE LIMITE. NÃO HOMOLOGAÇÃO DE SUA INSCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO EDITALÍCIA. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 7º, INCISO XXX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

  1. Recurso ordinário em mandado de segurança em que se discute se o impetrante, inscrito no concurso público de admissão ao Curso de Formação de Soldado da Polícia Militar do Estado do Acre, quando possuía 30 anos de idade, tem direito líquido e certo de, aprovado, participar do curso de formação, mesmo tendo alcançado a idade de 31 anos durante o certame e antes da matrícula no referido curso, uma vez que a legislação estadual (LC n. 164/2006) e o edital do concurso dispõem que a matrícula no curso só é possível aqueles que tem, no máximo, 30 anos de idade.
  2. Conquanto o Superior Tribunal de Justiça tenha jurisprudência firmada no sentido da possibilidade de estabelecerem-se limites mínimo e máximo de idade para o ingresso nas carreiras militares, esse entendimento não é aplicável ao caso dos autos, uma vez que não se está a discutir o limite etário para a participação em concurso, mas, sim, a razoabilidade de indeferir-se a inscrição de candidato que, embora à época da inscrição preenchesse os requisitos do edital, veio, durante o certame, a ultrapassar a idade exigida para a inscrição no curso de formação.
  3. Se o Edital n. 056/2008 – SGA/PMAC não estabeleceu regras específicas para aqueles candidatos que, no momento da inscrição no concurso, possuíam 30 anos, deve-se admitir, porque razoável, que os candidatos inscritos nessa condição prossigam até a conclusão do curso de formação.
  4. Se não há norma legal que proíba a participação do candidato de 30 anos no certame, a administração responsável pelo concurso não pode-se beneficiar dessa omissão e atribuir seus efeitos ao candidato, ainda mais se considerado o fato de que não há previsão temporal para as etapas do certame. Foge da razoabilidade entender que a habilitação do candidato estava condicionada à não realização de aniversário de nascimento antes do início do curso de formação.
  5. A não homologação da inscrição do impetrante no curso de formação, portanto, está a ofender, além dos princípios da proporcionalidade e da moralidade, o art. 7º, inciso XXX, da Constituição Federal, uma vez que, de forma desarrazoada, utilizou-se a superveniente idade do impetrante como critério para excluí-lo de um certame que, conforme suas regras, o admitia, regularmente, como candidato apto à realização do curso de formação.
  6. Recurso ordinário provido para determinar que a inscrição do impetrante no curso de formação para soldado da PM do Estado do Acre seja homologada[17].

Não é a limitação da idade, em si, que ampara esse entendimento, mas o fato de o candidato preencher os requisitos legais e editalícios à época da inscrição no concurso e, depois de aprovado, não conseguir participar do curso de formação em razão da idade que alcançou durante o procedimento do certame, mesmo não havendo qualquer previsão editalícia que advertisse os candidatos de que eventual demora na conclusão do certame poderia ensejar o impedimento etário.

Isso porque, além de não se poder exigir que os candidatos com idade máxima na data de inscrição no concurso façam uma previsão da data de início do curso de formação, não se pode admitir que a Administração Pública, aceitando essa inscrição, obste o candidato, regularmente aprovado, de participar do curso de formação em razão do tempo transcorrido que ela deu causa.

Portanto, é o momento da inscrição no concurso que deve ser levado em consideração para verificar se o candidato preenche as condições etárias que o habilita a participar validamente do certame. Extrapola a razoabilidade entender que a idade máxima deve ser verificada na data da matrícula no curso de formação ou em qualquer outra fase do concurso.

[1] O limite mínimo de idade deve ser comprovado na data da posse no cargo ou emprego público, enquanto o limite máximo deve ser para inscrição no certame.

[2] CONCURSO PÚBLICO – IDADE. A imposição de limite de idade em concurso público somente e possível caso tal fator se encontre justificado pelas circunstancias que cercam o exercício da função. Aos servidores públicos aplica-se o disposto no inciso XXX do artigo 7º da Constituição Federal, isto por força de remissão inserta no par. 2º do artigo 39 nela contido. Relativamente ao magistério, descabe cogitar da idade máxima de 45 anos. (AI 156537 AgR, Relator  Ministro Marco Aurélio, Segunda Turma, julgado em 08/09/1994).

[3] RMS 21046, Relator Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 14/12/1990, DJ 14/11/1991

[4] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 7.

[5] RE 559823 AgR, Relator  Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 27/11/2007.

[6] RE 458735 AgR, Relatora  Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 29/11/2005, DJ 03/02/2006.

[7] AgRg-AI 589.906-6 (801) – 1ª T. – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – DJ 23.05.2008.

 

[8] RE 404656 AgR – RS – 2ª T. – Rel. Min. Joaquim Barbosa – DJU 23.09.2005.

[9] RE 600.885, DJe 1º.7.2011

[10] AI 804.624-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 22.10.2010.

[11] Ag.Reg. no Agravo de Instrumento 563.536 Distrito Federal,  15/05/2012, Relator :Min. Joaquim Barbosa.

[12] RMS 21045, Relator Ministro Celso de Mello, Primeira Turma, julgado em 29/03/1994.

[13] O Ministro Relator chegou a essa conclusão citando a doutrina de Celso Antonio Bandeira de Mello – O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 1998, p. 47.

[14] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 1998, p. 49.

[15] RMS 5793/RS, Relator Ministro Vicente Leal, Sexta Turma, julgado em 23/09/1996.

[16] AI 486439 AgR, Relator Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 19/08/2008.

[17] RMS 31.932/AC, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 16/09/2010, DJe 24/09/2010.

APREENDA A COMO RESOLVER O CONFLITO ENRE OS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DO AMPLO ACESSO À JUSTIÇA EM UM CONCURSL PÚBLICO

PRINCÍPIO DA ISONOMIA VS PRINCÍPIO DO AMPLO ACESSO À JUSTIÇA: A PONDERAÇÃO NECESSÁRIA.

            Muitas vezes o magistrado ao analisar uma causa referente a concurso público nega a liminar ou/e julga improcedente a ação sob o argumento de que o acatamento do pleito poderia acarretar violação ao princípio da isonomia, pois inúmeras pessoas foram eliminadas pelo mesmo motivo.

Em verdade, se é que existe uma violação ao princípio da isonomia, o não amparo jurisdicional sob este fundamento também viola ao princípio do amplo acesso à justiça, positivado no artigo 5º, inciso XXXV da CF, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito”.

Há no caso uma colisão de princípios. Nesse contexto, existindo essa colisão, a solução do embate exige que se faça uma ponderação entre eles, conforme a dimensão do peso ou da precedência. Para se entender e justificar as dimensões do peso ou da precedência torna-se cogente ingressarmos na teoria criada por Alexy, nominada de “lei da colisão”.

Segundo ALEXY[1]:

“La solución de la colisión consiste más bien em que, teniendo em cuenta las circunstancias des caso, se establece entre los princípios uma relación de precedencia condicionada. La determinación de precedencia condicionada consiste en que, tomando en cuenta el caso, se indican las condiciones bajo las cuales un principio precede al outro”

No direito pátrio, dentre os doutrinadores que mais se aprofundaram nos estudos sobre a ponderação, destacam-se LUIS ROBERTO BARROSO e ANA PAULA BARCELLOS.[2] No entendimento destes o processo de ponderação envolve três etapas.

Na primeira, cabe ao intérprete detectar no sistema as normas relevantes para a solução do caso, identificando eventuais conflitos entre elas.

Na segunda, cabe examinar os fatos, as circunstâncias concretas do caso e sua interação com os elementos normativos. Assim, expões os autores, o exame dos fatos e os reflexos sobre as normas identificadas na primeira fase poderão apontar com maior clareza o papel de cada uma delas e a extensão de sua influência.

Por fim, é na terceira etapa que a ponderação irá singularizar-se, em oposição à subsunção. Nessa fase dedicada à decisão, os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos do caso concreto estarão sendo examinados de forma conjunta, de modo a apurar os pesos que devem ser atribuídos aos diversos elementos em disputa e, portanto, o grupo de normas que deve preponderar no caso.

Nesse sentido é que JOSÉ CARLOS VIERA DE ANDRADE[3] registra que o grau de compressão a ser imposto a cada um dos princípios em jogo na questão dependerá da intensidade com que o mesmo esteja envolvido no caso concreto. A solução do conflito terá de ser casuística, pois estará condicionada pelo modo com que se apresentarem os interesses em disputa e pelas alternativas pragmáticas viáveis para o equacionamento do problema.

Frente a inúmeros argumentos prevalece, no caso em tela, o princípio do amplo acesso à justiça a afastar a aplicação do princípio da isonomia.

Enumeremos tais argumentos:

  • Os atos administrativos têm presunção de legitimidade, devendo o administrado ingressar com recurso ou ação pleiteando sua nulidade. Até que se prove em contrário, o ato é válido. No caso, a eliminação de inúmeros candidatos possui essa presunção, e norma que venha reconhecer in concreto a nulidade do ato apenas alcança o ato embatido, permanecendo válidos os demais atos;
  • Nosso sistema de controle difuso de constitucionalidade (legalidade) não permite a extensão dos efeitos de uma decisão de um caso singular para o geral, razão pela qual uma “suposta” violação ao princípio da isonomia é decorrente do próprio sistema processual;
  • Negar tutela jurisdicional ao candidato sob o argumento de que haveria violação à isonomia, sobre não resolver o problema da injustiça do certame para todos, também cercearia o direito do jurisdicionado pleitear tutela corretiva, ferindo o princípio do amplo acesso à justiça;
  • É sabido que a decisão em tela fará uma “micro justiça” (justiça no caso concreto), porém não cabe ao candidato- que sequer possui legitimidade – manejar instrumentos que venham ensejar uma “macro justiça” (que seria o caso de uma associação o Ministério Público ingressar com uma ação na defesa de interesses coletivos). O fato é que, seja micro ou macro, é dever do Judiciário prover – no sentido técnico –a justiça e prestar a tutela jurisdicional;
  • O “não acesso” à justiça, neste caso, criaria nos concursos públicos uma zona de total imunidade jurisdicional, pois toda ação isolada, em tese, pode ser manejada por outro candidato e Judiciário estaria de mãos atadas para fazer qualquer controle da Administração em razão do impedimento da isonomia. Seria chancelar a barbárie jurídica e aniquilar, de uma vez por todas, o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Veja-se, por exemplo, o caso do psicotécnico;

Não há dúvidas que in casu deve-se afastar o equivocado argumento da agressão à isonomia e prestar-se a tutela jurisdicional corretiva frente às inúmeras ilegalidades que permearam o concurso.

Nesse sentido, veja o que decidiu o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL sobre o tema. Vejamos em particular os votos dos Min. MARCO AURÉLIO e SEPÚLVEDA PERTENCE no RE 434708 / RS, de 21/06/2005:

Min. Marco Aurélio:

Há o problema da isonomia que é resolvido pelo fato, e diante do fato, de ninguém estar obrigado a recorrer ao Judiciário, a ingressar em juízo para questionar este ou aquele ato. Assegura-se tal ingresso e, uma vez o titular do direito substancial assim procedendo, dá-se a solução do conflito de interesses mediante a entrega da prestação jurisdicional.

 

Min. Sepúlveda Pertence

Antecipando-me a eventual embargos de declaração, digo que V.Exa. rejeitou bem a alegação, de todo improcedente, de violação ao princípio da isonomia, na medida em que se beneficiou a candidata que impetrou a segurança e não quem deixou de impugnar o ato em juízo: a pretensa discriminação é corolário absoluto da disponibilidade do direito de ação.

Veja-se que se o argumento da isonomia prosperar haverá grave lesão ao princípio do amplo acesso à justiça e sua efetividade, vez que jamais poderá ser dada liminar e até mesmo sentença de procedência da ação em razão de suposta violação à isonomia.

O direito não socorre aos que dormem. Assim, as pessoas que se sentirem lesadas deverão procurar o Poder Judiciário da mesma forma que fez o candidato que ingressou com a demanda!

[1] ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. Madrid, 2002, p. 92.

[2] BARROSO, Luis Roberto e BARCELLOS, Ana Paula. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas / Luis Roberto Barroso (organizador), 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 335. 

[3] ANDRADE, José Carlos Viera de. Os direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 2ª ed.- Coimbra: Almedina, 2001, p. 222-223.

A IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL NOS CONCURSOS PÚBLICOS

PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO

            Dentre os princípios que regem o concurso público destaca-se o princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Isso significa que “todos os atos que regem o concurso público ligam-se e devem obediência ao edital que não só é o instrumento que convoca candidatos interessados em participar do certame como também contém os ditames que o regerão[1], afinal, o edital cristaliza a competência discricionária da Administração que se vincula a seus termos.

            Em tema de concurso público, é cediço que o Edital é lei entre as partes, estabelecendo regras às quais estão vinculados tanto a Administração quanto os candidatos, a teor doa artigos 18 e 19 do Decreto nº6944/2209.

            A doutrina e a jurisprudência já sedimentaram que o princípio da vinculação ao edital nada mais é que faceta dos princípios da impessoalidade, da legalidade e da moralidade, mas que merece tratamento próprio em razão de sua importância.

            Com efeito, o edital é ato normativo confeccionado pela Administração Pública para disciplinar o processamento do concurso público. Sendo ato normativo elaborado no exercício de competência legalmente atribuída, o edital encontra-se subordinado à lei e a Constituição e vincula, em observância recíproca, Administração e candidatos, que dele não podem se afastar.

            A Administração deve pautar suas ações na mais estrita previsibilidade, obedecendo às previsões do ordenamento jurídico, não se admitindo assim, que se “desrespeite as regras do jogo, estabeleça uma coisa e faça outra,” [afinal], a confiança na atuação de acordo com o Direito posto é o mínimo que esperam os cidadãos concorrentes a um cargo ou emprego público[2].

            O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já decidiu que:

“CONCURSO PÚBLICO – PARÂMETROS – EDITAL. O edital de concurso, desde que consentâneo com a lei de regência em sentido formal e material, obriga candidatos e Administração Pública.”[3]

“MANDADO DE SEGURANÇA. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CONCURSO PARA A MAGISTRATURA DO ESTADO DO PIAUÍ. CRITÉRIOS DE CONVOCAÇÃO PARA AS PROVAS ORAIS. ALTERAÇÃO DO EDITAL NO CURSO DO PROCESSO DE SELEÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. (…)

Após a publicação do edital e no curso do certame, só se admite a alteração das regras do concurso se houver modificação na legislação que disciplina a respectiva carreira. Precedentes. (RE 318.106, rel. min. Ellen Gracie, DJ 18.11.2005). 3. No caso, a alteração das regras do concurso teria sido motivada por suposta ambigüidade de norma do edital acerca de critérios de classificação para a prova oral. Ficou evidenciado, contudo, que o critério de escolha dos candidatos que deveriam ser convocados para as provas orais do concurso para a magistratura do Estado do Piauí já estava claramente delimitado quando da publicação do Edital nº 1/2007. 4. A pretensão de alteração das regras do edital é medida que afronta o princípio da moralidade e da impessoalidade, pois não se pode permitir que haja, no curso de determinado processo de seleção, ainda que de forma velada, escolha direcionada dos candidatos habilitados às provas orais, especialmente quando já concluída a fase das provas escritas subjetivas e divulgadas as notas provisórias de todos os candidatos. 5. Ordem denegada”[4]

            Vejamos uma situação prática em que o princípio da vinculação ao instrumento convocatório é aplicado. O edital de abertura do concurso deve prever o conteúdo programático tanto das provas objetivas quanto das provas discursivas, todas as questões ao serem elaboradas devem observá-lo. Uma vez estabelecido o conteúdo programático e publicado o edital não existe mais discricionariedade da Administração em escolher quais serão os temas avaliados nas provas, ou seja, a partir da publicação do edital a Administração fica estritamente vincula ao conteúdo programático.

Assim, qualquer questão que aborde um tema não abrangido pelo conteúdo programático do edital deverá ser anulada em razão da violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Quanto a isso a jurisprudência é pacifica, esse é o entendimento adotado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO NÃO PREVISTA NO EDITAL DO CONCURSO.

O Supremo Tribunal Federal entende admissível o controle jurisdicional em concurso público quando ‘não se cuida de aferir da correção dos critérios da banca examinadora, na formulação das questões ou na avaliação das respostas, mas apenas de verificar que as questões formuladas não se continham no programa do certame, dado que o edital – nele incluído o programa – é a lei do concurso’[5].

CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO NÃO PREVISTA NO EDITAL DO CONCURSO.

O Supremo Tribunal Federal entende admissível o controle jurisdicional em concurso público quando ‘não se cuida de aferir da correção dos critérios da banca examinadora, na formulação das questões ou na avaliação das respostas, mas apenas de verificar que as questões formuladas não se continham no programa do certame, dado que o edital – nele incluído o programa – é a lei do concurso’.[6]

CONCURSO PÚBLICO: controle jurisdicional admissível, quando não se cuida de aferir da correção dos critérios da banca examinadora, na formulação das questões ou na avaliação das respostas, mas apenas de verificar que as questões formuladas não se continham no programa do certame, dado que o edital – nele incluído o programa – é a lei do concurso.[7]

 

Na mesma trilha caminha a jurisprudência do EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. MAGISTRATURA. QUESTÃO DISCURSIVA. CONTEÚDO NÃO PREVISTO NO EDITAL DE ABERTURA DO CERTAME. ANULAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA VINCULAÇÃO AO EDITAL.

1 – A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem entendido ser possível a intervenção do Poder Judiciário nos atos que regem os concursos públicos, principalmente em relação à observância dos princípios da legalidade e da vinculação ao edital.

2 – In casu, não se trata de revisão dos critérios estabelecidos pela banca examinadora, mas, sim, de dar ao edital do certame interpretação que assegure o cumprimento das regras nele estabelecidas e em relação às quais estavam vinculados tanto a Administração quanto os candidatos.

3 – Não se desconhece que o exercício do cargo de Juiz de Direito exige conhecimento aprofundado sobre os mais variados ramos da ciência jurídica. Essa premissa, contudo, não tem o condão de afastar os já referidos princípios da legalidade e da vinculação ao edital, não se mostrando razoável que candidatos tenham que expor conhecimentos de temas que não foram prévia e expressamente exigidos no respectivo edital da abertura.4 – Recurso provido. [8]

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PROVAS. CONTROLE JURISDICIONAL. LIMITES.

Não é vedado ao Judiciário o exame de questão de prova de concurso público para aferir se esta foi formulada em obediência ao conteúdo programático, porquanto a Administração, na formulação das questões, vincula-se às regras estabelecidas no instrumento convocatório. Precedentes do STJ e STF. Recurso ordinário provido para determinar o retorno dos autos ao e. Tribunal a quo, para que julgue o writ nos estritos limites do pedido.[9]

 

Nesse caso não há revisão dos critérios estabelecidos pela Banca Examinadora, apenas se dará ao edital do certame interpretação que assegure o cumprimento das regras nele estabelecidas e em relação às quais estavam vinculados tanto a Administração quanto os candidatos, trata-se de um controle de legalidade[10].

A cobrança de matérias na prova não compreendida no conteúdo programático não viola apenas ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, mas também aos princípios da boa-fé administrativa e da proteção à confiança.

Precisando o sentido dos princípios da proteção à confiança e da boa-fé administrativa ALMIRO DO COUTO E SILVA[11] esclarece que boa-fé diz respeito à lealdade, correção e lisura do comportamento das partes, reciprocamente, que devem comprometer-se com a palavra empenhada. Já o princípio da proteção à confiança é atributo da segurança jurídica, que pode ser decomposto em duas partes: uma objetiva, que cuida dos limites à retroatividade dos atos estatais, e outra subjetiva, tocante propriamente à proteção da confiança das pessoas na atuação estatal.

            A Administração ao publicar o edital do concurso contendo o conteúdo programático desperta no concursando a legítima expectativa de que somente as matérias ali compreendidas serão objeto de avaliação e o candidato ao se inscrever no certame concorda com os termos do edital se comprometendo a cumprir todas suas regras e a estudar as matérias elencadas pelo instrumento.

Na relação entre Estado e concursando deve haver reciprocidade de compromissos. Por isso enquanto o candidato se empenha em fazer tudo o que a Administração determina, esta deve respeitar todas as regras estabelecidas por ela mesma no edital.

            Os candidatos partem do princípio de que a Administração respeitará a reciprocidade de compromissos assumida com todos os administrados que se inscreveram no concurso, assim se dedicam por horas durante vários dias ou até mesmo meses ao estudo das matérias previstas no conteúdo programático, mas no momento da aplicação da prova objetiva podem ser surpreendidos com a cobrança de uma matéria que a Administração se comprometeu a não avaliar. Esse comportamento da Administração representa um ato de deslealdade e um desrespeito ao compromisso assumido com todos os candidatos culminando na violação aos princípios da boa-fé administrativa e proteção à confiança.

            Nesse caso não há revisão dos critérios estabelecidos pela Banca Examinadora, apenas se dará ao edital do certame interpretação que assegure o cumprimento das regras nele estabelecidas e em relação às quais estavam vinculados tanto a Administração quanto os candidatos. Trata-se de um controle de legalidade.

 [1] MOTTA, Fabrício. (Coord.). Concurso público e constituição. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2005, p. 143.

[2] Idem, p. 146.

[3] RE nº 480.129/DF, Relator o Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe de 23/10/09.

[4] MS nº 27.160/DF, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJe de 6/3/09

[5] STF, RE 440.335-AgR/RS, Rel. Mininistro Eros Grau, julgamento em 17/06/2008.

[6] RE 440.335-AgR / RS, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 17-6-08, DJE de 1º-8-08.

[7] RE 434.708/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgamento em 21-6-05, DJ de 9-9-05

[8] RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 28.854 – AC (2009/0031841-2). Relator Paulo Gallotti.

[9] RMS 21197 / MA, rel. Min. Felix Fischer, j. 19/06/2007

[10] STJ, RMS 28854/AC, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 09/06/2009.

[11] O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à confiança) no Direito Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 1, n. 6, jul-set. 2004, p. 9.

QUANDO E COMO FAZER USO DO PRINCÍPIO DA RAZOALIDADE PARA A DEFESA DO CANDIDATO EM UM CONCURSO PÚBLICO

Avaliar se o candidato tem idoneidade moral ou reputação ilibada nem sempre é uma tarefa simples e pode dar margem a arbitrariedades praticas pela Administração. Para que a investigação social seja realizada de forma razoável é indispensável que a condição social e moral do candidato seja realmente incompatíveis com as funções do cargo ou emprego público. 

Os fatos que motivarem a inaptidão do candidato devem ser graves. Não é qualquer fato comprovado pela Administração que tem o potencial de eliminá-lo, conforme entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. EXCLUSÃO DE CANDIDATO NO CURSO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL. DECRETO-LEI 2.320/87. INQUÉRITO POLICIAL E SINDICÂNCIA. AUSÊNCIA DE FATO COMETIDO PELO CANDIDATO DO QUAL RESULTASSE CONDENAÇÃO.

  1. O Decreto-lei 2.320/87, art. 8º, I, estabelece como requisito para matrícula em curso da Academia Nacional de Polícia ter o candidato procedimento irrepreensível e idoneidade moral inatacável.
  2. É legítima a exigência de requisitos de conduta dos candidatos a serem verificados em investigação social de caráter eliminatório.
  3. Não há que se confundir presunção de inocência com requisitos de boa conduta, para o ingresso no cargo de agente de polícia federal. Não se confundem primariedade e bons antecedentes no âmbito do Direito Penal, com conduta social.
  4. A discricionariedade da Administração Pública na análise da conduta social não pode implicar em arbitrariedade a ponto de considerar punição de 2 (dois) dias de detenção em posto por falta de um parafuso no armamento e a absolvição em sindicância, como motivação para exclusão de candidato do curso de formação profissional.
  5. A aferição dos fatos que conduzem a juízo de inidoneidade moral há de considerar a gravidade do fato, sua contumácia e o resultado do inquérito e/ou a sindicância[1].

O motivo alegado pela Administração para eliminação do candidato somente será válido se este, por si só, for potencialmente lesivo ao interesse público. Se a conduta do candidato em nada ferir o interesse público, esta não poderá ser usada como argumento de eliminação, pois o que a Administração busca, em essência, é preservar o interesse público e não simplesmente punir eventuais condutas desabonadoras dos pretensos candidatos ao cargo público.

Assim, caso a Administração elimine candidato na fase de investigação social por qualquer fato que em nada contraria o interesse público, estará violando o princípio da razoabilidade[2].

 

4.4 AÇÃO PENAL E INQUÉRITO POLICIAL

 

Na fase de investigação social a Administração Pública, em alguns casos, tem considerado como motivo suficiente para eliminação de candidatos a existência de ação penal ou até mesmo de inquérito policial, que, do ponto de vista constitucional, é inaceitável.

A Constituição Federal estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, inciso LVII), consagrando a presunção de inocência, um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, como garantia processual penal. Por isso, é necessária a comprovação da culpabilidade do indivíduo, sendo esta uma incumbência atribuída essencialmente ao Estado.

O princípio constitucional da presunção de inocência não tem seu âmbito de aplicação restrito ao direito penal, pois é aplicável no direito administrativo, em especial em matéria de concurso público.

A fase de investigação social não pode ser pautada em critérios estabelecidos pelo arbítrio do administrador sem qualquer compatibilidade com a Constituição. Se a Constituição assegura que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, o indivíduo que responde a ação penal sem trânsito em julgado deve ser considerado inocente não apenas para efeitos penais, mas também para quaisquer outros fins, inclusive para efeito de aprovação em concurso público.

Por isso, é inconstitucional excluir candidatos na fase de investigação social por figurar com réu em ação penal que não possui sentença condenatória transitada em julgado. Com muito mais razão, é igualmente inconstitucional excluir candidatos que respondem ou responderam a inquérito policial, que é um procedimento inquisitório onde não é observado o princípio da ampla defesa e do contraditório.

Assim tem decidido o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR. CANDIDATO. ELIMINAÇÃO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. ART. 5º, LVII, DA CF. VIOLAÇÃO. Viola o princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, a exclusão de candidato de concurso público que responde a inquérito ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes[3].

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL. INQUÉRITO POLICIAL. EXCLUSÃO DO CERTAME. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que viola o princípio constitucional da presunção de inocência a exclusão de candidato de concurso público que responde a inquérito ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. [4]

            No mesmo sentido é o entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. EXCLUSÃO DO CANDIDATO NA ETAPA DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE PROCESSO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. PRELIMINARES DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL AFASTADA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

[…]. Não se mostra admissível a exclusão de candidato pela verificação de existência de processos criminais, mesmo na fase de investigação social, se inexistir condenação transitada em julgado, sendo certo que o princípio constitucional da presunção de inocência não incide exclusivamente na esfera penal, mas também na seara administrativa. Precedentes desta Corte.

É possível a revisão do ato impugnado pelo Poder Judiciário, a quem cabe examinar a legalidade de todo procedimento administrativo, inclusive afastando decisões que se mostrem desarrazoadas e desproporcionais[5].

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.  CONCURSO PÚBLICO. EXCLUSÃO DE CANDIDATO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. INQUÉRITO POLICIAL ARQUIVADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

I – Consoante já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, o simples fato de o candidato haver sido investigado em inquérito policial posteriormente arquivado, não pode ser considerado como desabonador de sua conduta, de forma a impedir sua participação no concurso público. Precedentes.

II – A aferição sobre a exclusão de candidato do processo seletivo em virtude da simples existência de inquérito policial arquivado não implica revolvimento, cotejo, ou exame de prova, não sendo aplicável a Súmula 07/STJ[6].

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. EXCLUSÃO DE CANDIDATO POR CONDENAÇÃO NA ESFERA PENAL. SENTENÇA NÃO TRANSITADA EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. Em observância ao princípio da presunção de inocência – art. 5º, LVII, da Constituição Federal -, não se admite, na fase de investigação social de concurso público, a exclusão de candidato condenado na esfera criminal por sentença não transitada em julgado. Precedentes do STF e do STJ. 2. Recurso ordinário provido. [7]

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DETETIVE DA POLÍCIA CIVIL. APROVAÇÃO. POSTERIOR INABILITAÇÃO EM INVESTIGAÇÃO SOCIAL. NOMEAÇÃO TORNADA SEM EFEITO. DESCABIMENTO. DIREITO À POSSE. COMETIMENTO DE ATO INFRACIONAL. CUMPRIMENTO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. INABILITAÇÃO INDEVIDA. 1. Constitui entendimento já consagrado por este Tribunal Superior que o candidato nomeado, após regular aprovação em concurso público, tem direito à posse. Precedentes. 2. Conquanto se trate o ato de nomeação, de ato discricionário, gera direitos para o nomeado, não podendo, pois, ser desconstituído sem o devido processo legal, como ocorrera na espécie. 3. Ademais, da leitura dos autos depreende-se que o motivo que culminou com a aludida inabilitação consiste na imposição ao Impetrante de medida sócio-educativa já cumprida, em razão do cometimento de delito há mais de 7 (sete) anos. Vale dizer, em época em que o Recorrente ainda era inimputável. 4. Nessa esteira, merece reforma o aresto hostilizado, na medida em que contrário à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, afrontando, outrossim, os princípios que informam a própria Política Criminal, tendo em vista as finalidades do nosso sistema jurídico-penal, principalmente, no que diz respeito ao caráter ressocializante da pena (ou medida sócio-educativa), com vistas à harmônica integração social do apenado (ou do infrator). 5. Recurso conhecido e provido. [8]

É pacífico nos Tribunais Superiores que ação penal sem sentença condenatória com trânsito em julgado não é motivo legítimo para excluir candidato na fase de investigação social, por ser um critério que afronta o princípio da presunção de inocência.

Mas por quanto tempo uma condenação criminal pode obstar o ingresso no serviço público? O Código Penal elimina de nosso sistema a perpetuidade dos efeitos da condenação criminal determinando em seu art. 64, inciso I, que não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação.

Em matéria de concurso público entendemos ser razoável aplicar esse prazo. Assim, uma pessoa que tenha sido condenada criminalmente, após 5 anos do cumprimento da pena não pode ser eliminada de concurso público na fase de investigação social por ter se envolvido em práticas delituosas no passado. Pensar de modo contrário permitiria a imposição de penas de caráter perpétuo, o que é vedado pela Constituição Federal (art. 5º, XLVII, “b”). Além disso, presumir a irrecuperabilidade de quem já cometeu delito penal jogaria por terra toda a política criminal da reabilitação e reintegração do delinquente a seu meio social.

Também é ilegítimo ato administrativo que, em sede de investigação social, elimina de concurso público candidato beneficiado por sentença penal que declara a extinção da punibilidade.

O fato de um candidato ter respondido a ação penal que resultou na extinção da punibilidade não configura fator suficiente para desabonar a sua conduta, em se considerando, sobretudo, que não se trata de condenação. Por isso, uma eliminação com base nesse motivo viola o princípio da presunção de inocência.

Nesse sentido, é a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

CONCURSO PÚBLICO. CAPACITAÇÃO MORAL. PROCESSO-CRIME. PRESCRIÇÃO. Uma vez declarada a prescrição da pretensão punitiva do Estado, descabe evocar a participação do candidato em crime, para se dizer da ausência da capacitação moral exigida relativamente a concurso público[9].

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO DO DF. INVESTIGAÇÃO SOCIAL E FUNCIONAL. SENTENÇA PENAL EXTINTIVA DE PUNIBILIDADE. OFENSA DIRETA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. MATÉRIA INCONTROVERSA. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279. AGRAVO IMPROVIDO.

Viola o princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal a exclusão de candidato de concurso público que foi beneficiado por sentença penal extintiva de punibilidade[10].

            A prescrição da pretensão punitiva não implica responsabilidade do acusado, não desabona seus antecedentes, nem induz futura reincidência. Assim, a extinção da punibilidade não deixa sequelas jurídicas na vida do acusado[11]. Isso justifica a ilegitimidade de ato administrativo que na fase de investigação social elimina candidato beneficiado por sentença que extingue a punibilidade.

[1] TRF da 1ª Região, AMS 2002.34.00.039562-3/DF, Relatora Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Quinta Turma, julgado em 19/11/2004.

[2] MADEIRA, José Maria Pinheiro. Servidor Público na Atualidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 138.

[3] RE 559135 AgR, Relator  Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 20/05/2008.

[4] AgRg no AI 769.433/CE, Rel. Min. EROS GRAU, DJU 12.02.2010

[5] AgRg no Ag 1282323/RJ, Relator Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador Convocado do TJ/CE), Sexta Turma, julgado em 22/02/2011.

[6] AgRg no REsp 1173592/MG, Relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 23/11/2010.

[7] STJ – RMS 32.657 – RO – Proc. 2010/0139321-3 – 1ª T. – Rel. Min. Arnaldo Esteves

[8] STJ – RMS 18613 – MG – 5ª T. – Rel. Min. Laurita Vaz – DJU 07.11.2005 p. 312

[9] RE 212198, Relator Ministro Marco Aurélio, Segunda Turma, julgado em 14/08/2001.

[10] RE 450971 AgR, Relator  Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 01/02/2011.

[11] Ver HC 72844, Relator Ministro Francisco Rezek, Segunda Turma, julgado em 26/09/1995.

O PODER DO PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO NO CONTROLE DOS DOS CONURSOS PÚBLICOS

A ideia é sempre a mesma: existe uma estrutura administrativa que é responsável pela gestão do interesse público, ou seja, pela administração da “coisa pública”.

            Porém, o povo, como verdadeiro titular do poder, tem o direito e o dever de fiscalizar o exercício dessa gestão, a qual não é feita da mesma forma como sucede na iniciativa privada.

            Na gestão da res publica deve o gestor observar a vontade do único e verdadeiro titular do poder: o povo, que externa sua vontade por meio da lei, verdadeira “procuração geral” que representa a vontade da coletividade em determinado tempo e espaço.

            Assim, para que se possa controlar as atividades levadas a cabo pelos gestores, administradores públicos, devem os mesmos motivar seus atos, expondo os fundamentos de fato e de direito que autorizaram a conduta praticada.

            Apenas a título de exemplo, quando um agente de trânsito pretende punir um condutor pela inobservância de normas de trânsito não pode simplesmente aplicar uma penalidade sem que justifique os “porquês” fáticos e jurídicos que a embasaram.

            Por isso, para que o ato punitivo seja válido é necessário que o agente competente apresente, de forma clara e congruente, os motivos de fato que ensejaram a conduta, ou seja, a ocorrência real de uma conduta de possível ocorrência, como é o caso de avanço de um semáforo vermelho.

            Ainda, é necessário provar que o direito presta relevância aquela conduta de possível ocorrência e atribui uma consequência jurídica a ela. No exemplo dado, compete ainda ao administrador demonstrar o artigo legal que qualifica o avanço de sinal vermelho como uma infração de trânsito.

            Agora sim, frente a estes pressupostos, o agente irá praticar a conduta lavrando o auto de infração aplicando a penalidade que a lei prevê ao condutor infrator.

            A descrição de todos esses dados, motivo de fato, indicação do artigo legal, da penalidade, a congruência vinculada ou discricionária da sanção aplicada, constitui o que a doutrina nomina de “motivação”.

            Não se pode confundir motivo (elemento do ato administrativo) com motivação. O primeiro todo ato possui, sendo elemento formativo do mesmo. É o acontecimento que ensejou a prática do comportamento. Já a motivação, é a exteriorização linguística dos motivos de fato e de direito. É a regra, porém é possível sua dispensa, como ocorre, por exemplo, para a nomeação e exoneração de cargos comissionados, hipótese em que o próprio Ordenamento Jurídico dispensa a motivação. Por isso são chamadas de nomeação e exoneração ad nutum.

Nos concursos públicos esse princípio é de extrema importância.

É muito comum nas provas discursivas a nota atribuída sem a motivação dos descontos. Não há, muitas vezes, ato concreto e motivado justificando os porquês dos descontos.

O artigo 50, incisos I e III, da Lei 9.784/99 é claro ao enunciar que:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;

[…]

  • 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

          Infelizmente, ocorre com frequência o candidato ser surpresado ao ter vista de sua prova e, apesar de inúmeros descontos em sua nota, não haver qualquer apontamento em sua prova, existindo apenas (quando exiaste) uma chave de correção com os quesitos avaliados e uma pontuação atribuída. Dessa maneira o candidato não tem como saber a título de que ocorreram os descontos previstos na chave de correção!

A título de exemplo peguemos a seguinte grade de correção de uma prova:

Diante desta grade e de uma prova sem qualquer apontamento, pergunta-se: por que em às “consequências advinda da atuação em flagrante” o candidato obteve 1,60 pontos dos 4,00 pontos possíveis? Veja-se que não é possível saber!

Por que em relação à “ação penal nos crimes contra a dignidade sexual e sua repercussão no inquérito policial” o candidato obteve 1,80 pontos dos 3,00 pontos possíveis?

É um direito dos candidatos saberem a título de que houve o desconto e não simplesmente a Banca Examinadora chegar e “jogar” uma nota em cima da chave de correção!

Veja-se que neste caso fica até difícil recorrer, pois recorrer de que se não se sabe ao certo de onde proveio o desconto da nota?

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já anulou os descontos de correção quando os mesmos foram dados feitos de forma imotivada.

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO NA CORTE DE ORIGEM. CONCURSO PÚBLICO PARA DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. NEGATIVA DE ACESSO AOS CRITÉRIOS UTILIZADOS NA CORREÇÃO DA PROVA SUBJETIVA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DA BANCA EXAMINADORA ACERCA DOS RECURSOS ADMINISTRATIVOS CONTRA REFERIDA PROVA. VIOLAÇÃO AO ART. 50 DA LEI 9.784/99. RECURSOS ESPECIAIS PROVIDOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

  1. A motivação, nos recursos administrativos referentes a concursos públicos, é obrigatória e irrecusável, nos termos do que dispõe o art. 50, I, III e V, §§ 1o. e 3o. da Lei 9.784/99, não existindo, neste ponto, discricionariedade alguma por parte da Administração.
  2. Com relação ao Impetrante JOÃO GUILHERME MEDEIROS CARVALHO salta aos olhos a total ausência de motivação na correção das provas discursivas e nos respectivos recursos administrativos. Há apenas suposições, externadas pelos ilustres relator e revisor do feito em segundo grau, de que os apelos administrativos do Impetrante foram examinados e devidamente motivados, não tendo sido apresentadas, entretanto, motivações idôneas e circunstanciadas, nos moldes preconizados pelo já mencionado art. 50 da Lei 9.784/99.
  3. Quanto aos demais litisconsortes (JANE KLÉBIA DO NASCIMENTO SILVA PAIXÃO E OUTROS), constata-se a ausência de qualquer elemento que pudesse ter o condão de indicar os critérios utilizados pelo examinador para aferição das notas na prova subjetiva, bem como a sucinta, lacônica e estereotipada abordagem feita na revisão das provas.
  4. Afirmativas que não traduzem reexame do material fático, mas sim valoração do conjunto probatório trazido aos autos quando da impetração do Mandado de Segurança.
  5. Agravo Regimental desprovido.

Nesse ponto a doutrina também é acorde.

Neste sentido, FRANCISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA[1] doutrina que:

Conforme procuramos demonstrar, não deve restar qualquer margem de subjetividade ao examinador no momento da correção das provas, que estará vinculada ao gabarito. Como ato administrativo que é, a correção das provas deve ser devidamente motivada, de forma a permitir que o candidato conheça as razões da nota que lhe foi atribuída. Deve ficar claro o que foi considerado errado na resposta dada pelo candidato e a fundamentação da subtração de pontos.

            Por fim, faz-se necessário tecer alguns comentários sobre uma teoria amplamente aceita em nossa doutrina e jurisprudência. Trata-se da importante Teoria dos motivos determinantes, cujo berço de nascença se deu nos tribunais pertencentes ao sistema de contencioso administrativo na França.

            Segundo essa teoria os motivos atribuídos para a prática de um ato se vincula à sua validade, de forma que se os mesmos forem falsos ou inexistentes fulminada estará a validade do ato.

            Vejamos um exemplo para elucidar a questão. Tem ocorrido com frequência a indicação de erros inexistentes na correção de provas discursivas de concurso público culminando na subtração ilegal de pontos dos candidatos.

Como a motivação vincula o agente aos termos em que foi mencionada, uma vez comprovado que inexistem os motivos mencionados no ato administrativo como determinante da vontade do Examinador na correção da prova, este ato está inquinado de vício de legalidade, e, portanto, deve ser invalidado, e a pontuação correspondente aos erros inexistentes, deve ser atribuída integralmente ao candidato prejudicado.

A jurisprudência tem se manifestado no sentido de ser plenamente aplicável a teoria dos motivos determinantes em casos de concurso público.

Os julgados citados abaixo confirmam o que estamos dizendo:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ESCOLA DE FORMAÇÃO DE SARGENTOS. INSPEÇÃO DE SAÚDE. ELIMINAÇÃO. FALTA DE MOTIVAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. 1. O mandado de segurança é a via adequada para impugnar ato administrativo tido por ilegal e abusivo, ante a falta de motivação, devendo a prova vir pré-constituída. 2. Hipótese em que, eliminado o candidato do concurso público por ter sido “contra-indicado” em inspeção de saúde realizada pela Junta de Saúde da Organização Militar, que diagnosticou ser portador de doença de Chagas, trouxe o impetrante para os autos resultados de dois exames realizados por laboratórios distintos, ambos negativos para a mencionada doença, satisfazendo o requisito da prova pré-constituída. 3. Inexistente o motivo alegado para a eliminação do impetrante (teoria dos motivos determinantes), inexiste razão válida para a prática do ato, que, por isso, deve ser anulado. 4. Sentença confirmada. 5. Desprovidas a apelação e a remessa oficial[2].

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. PROCURADOR DO INSS. INDEFERIMENTO DE TÍTULO. DESCLASSIFICAÇÃO. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. 1. tendo o candidato sido desclassificado do certame em decorrência da rejeição de certidão de prática forense, sob o argumento de inobservância de forma e rasura, fica a autarquia adstrita às razões do indeferimento da banca examinadora, por força da teoria dos motivos determinantes. 2. ausentes os motivos alegados, inatacável a decisão concessiva de liminar para prosseguimento do candidato no certame. 3. agravo de instrumento improvido[3].

 

2.8 – PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

 

Os princípios do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, revelam-se nos concursos públicos, entre outros casos, por ocasião da impetração de recursos contra o resultado das provas.

Esse é o momento que o candidato tem para apresentar suas razões contra o resultado obtido na prova e solicitar a reavaliação da mesma e, conseqüente, atribuição da nota realmente merecida. Cabe à banca examinadora analisar cuidadosamente os recursos e, caso não dê provimento aos pleitos, divulgar detalhadamente as razões de sua decisão (art. e 50, inciso V, da Lei 9.784/99).

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO[4], ao discorrer sobre os princípios do devido processo legal e da ampla defesa, assinala que “estão aí consagrados, pois, […] a necessidade de que a Administração Pública, antes de tomar decisões gravosas a um dado sujeito, ofereça-lhe oportunidade de contraditório e de defesa ampla, no que se inclui o direito a recorrer das decisões tomadas”.

Ao tratar dos princípios específicos do procedimento administrativo, o eminente doutrinador alude, ainda, ao “princípio da revisibilidade”, que, segundo ele, “consiste no direito de o administrado recorrer da decisão que lhe seja desfavorável”[5].

JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO leciona[6] que “por se tratar de procedimento administrativo em cujo cerne se encontra densa competitividade entre os aspirantes a cargos e empregos públicos, o concurso público não raras vezes rende ensejo à instauração de conflitos entre os candidatos, ou entre estes e o próprio Poder Público. É importante, em conseqüência, que essa característica marcante seja solucionada de forma legítima, sobretudo com a aplicação dos princípios da motivação e do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF)”.

Com efeito, a disposição editalícia que não autoriza a interposição de recursos em relação ao resultado das provas, seja ela objetiva, discursiva, avaliação psicológica, teste físico, etc., fere o princípio do contraditório e da ampla defesa, previsto no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal.

Sobre o assunto, confiram-se os seguintes julgados do colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA e do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, respectivamente:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. APONTADA NEGATIVA DE VIGENCIA AO ART. 9º, INCISO VII, DA LEI N. 4878/65. CONCURSO PUBLICO. EXAME PSICOTECNICO. CRITERIOS ADOTADOS QUE INIBEM O CANDIDATO DE RECORRER DO RESULTADO DO EXAME. INADMISSIBILIDADE. E injustificável o comportamento da administração fazendo inserir nas instruções normativas baixadas através do edital de concurso a vedação ao pedido de vista ou a interposição de recurso do resultado da seleção psicológica[7].

Recurso extraordinário. Agravo regimental. Concurso público. Exame psicotécnico previsto no edital que rege o concurso, com base em critérios meramente subjetivos. Irrecorribilidade de seu resultado. 3. Violação dos arts. 5º, XXXV, e 37, caput e incisos I e II, da Constituição Federal. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento[8].

 

            No mesmo sentido decidiu o TRIBUNAL REGIONAL DA 1ª REGIÃO:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DO GABARITO PRELIMINAR. DESCLASSIFICAÇÃO DO CANDIDATO. IRRECORRIBILIDADE. AFRONTA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. ANULAÇÃO DE QUESTÕES. CRITÉRIOS DE CORREÇÃO DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.

A garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa, observado o devido processo legal, é assegurada a todos os litigantes, na esfera judicial ou administrativa (Constituição Federal, art. 5º, LIV e LV), afigurando-se, pois, nula a disposição editalícia que veda a interposição de recurso contra o ato que, alterando gabarito preliminar referente às provas objetivas do certame, enseja a desclassificação do candidato[9].

CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. CARÁTER SIGILOSO E SUBJETIVO. INCONSTITUCIONALIDADE.

  1. A exigência do exame psicotécnico é legal e harmoniza-se com o preceito insculpido no art. 37, II, da Constituição Federal.
  2. Viola os arts. 5°, XXXIII, XXXV e LV, e 37 da Carta Magna a adequação do concursando a perfil profissiográfico previamente traçado pela Administração e pautado em critérios subjetivos, sigilosos e irrecorríveis. […] [10].

            Norma editalícia prevendo a impossibilidade de interposição de recursos em face do resultado das provas não se coaduna com o Estado Democrático de Direito, cuja essência denota a submissão, também do Estado, às disposições normativas e ao controle da sociedade. A Constituição Federal de 1988 é o instrumento basilador dessa nova conformação político-jurídica e todas as normas, ainda que não propriamente leis em sentido estrito, devem-lhe observância irrestrita, sendo, deste modo, inadmissível a proibição do exercício do contraditório e da ampla defesa em âmbito de concurso público.

Ainda, por conta da falta de motivação na correção das avaliações discursivas, como trabalhado no tópico anterior, fica inviabilizado o direito ao recurso, pois como recorrer de algo onde não se sabe a título do que foram retirados os pontos?

Para piorar, em muitos concursos públicos, em um assassinato aos princípios que deveriam orientar o comportamento da Banca Examinadora, há séria lesão aos princípios da ampla defesa e contraditório, pois além de não saber os porquês dos descontos, o exercício do direito de defesa foi absurdamente limitado a 1.000 (hum mil) caracteres, o que é uma falta de respeito com o candidato e ilegalidade absurda praticada pela Banca.

Gostaria de saber de onde é retirado o fundamento legal desta absurda regra? É obvio que não existe! E nem se diga que a mesma decorre da aplicação do edital, pois este, como ato administrativo que é, deve observância à lei e aos preceitos constitucionais.

Fica evidente que em casos como estes, que infelizmente ocorrem com frequência, não são observados os princípios da ampla defesa e contraditório no processo seletivo, o que desponta como irrefutável ilegalidade, pois a Constituição Federal foi clara em garantir a ampla defesa e contraditório nos processos judiciais e administrativos e o concurso público, como se sabe, é uma espécie de procedimento administrativo.

Depois disso tudo, o candidato, após recorrer sem ao certo saber do que, é mais uma vez surpresado por uma resposta padrão, a mesma dada a todos os demais recursos interpostos, o que atenta, sem qualquer sombra de dúvidas, contra o princípio do contraditório.

Pelo princípio contraditório é direito do litigante ter seus argumentos refutados por motivação sólida. Deve haver um diálogo jurídico entre a tese e antítese para que se possa formar uma conclusão (síntese) democrática, sob pena de ser o direito ao contraditório nos recursos uma mera fachada para dar ar de legitimidade aos comportamentos arbitrários da Banca Examinadora.

Nesse sentido, extremamente precisa a percepção de ODETE MEDAUAR[11] quando adverte que:

 “a oportunidade de reagir ante a informação seria vã, se não existisse fórmula de verificar se a autoridade administrativa efetivamente tomou ciência e sopesou as manifestações dos sujeitos. A este fim responde a motivação dos atos administrativos se percebe como e quanto determinado fato, documento ou alegação influiu sobre a decisão final”.

É necessária essa dialeticidade, sob pena de ocorrer uma imposição unilateral e arbitrária do entendimento da Banca.

Veja-se o que ensina o saudoso professor HELY LOPES MEIRELLES[12]:

Nos atos vinculados ou regrados, e especialmente nos que importem atividade de jurisdição (decisões administrativas), mais se acentua o dever de motivar, porque, em tais casos, a ação administrativa está bitolada estreitamente pela lei ou pelo regulamento, impondo ao administrador a obrigação de demonstrar a conformação de sua atividade com todos os pressupostos de direito e de fato que condicionam a eficácia e validade do ato.

Nesse sentido, cumpre destacar como caminha a jurisprudência pátria:

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO DA OAB. EDITAL. PROVIMENTO Nº 81/96 DO CONSELHO FEDERAL DA OAB. SEGUNDA ETAPA DO CERTAME. RECURSO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.

A decisão mediante a qual a Comissão de Estágio e Exame de Ordem negou provimento ao recurso administrativo interposto pela candidata é inaceitável quanto à insuficiência na fundamentação. O recurso administrativo suscitou vários pontos, que foram simplesmente desprezados na decisão padronizada.

Uma resposta mais específica deveria ter sido emitida, eis que, em se tratando de ato administrativo vinculado, não há dúvidas sobre a obrigatoriedade da motivação, isto é, da exposição dos motivos do ato. A motivação é que permite a verificação da legalidade do ato e que permite ao examinando entender os motivos de sua eventual reprovação, caso não haja reconsideração.

Não há como se aceitar a objeção sustentada no art. 6°, parágrafo único, do Provimento nº 81/96 do Conselho Federal da OAB, que restringe os limites da cognição do recurso administrativo, pois é incompatível com o devido processo legal. O examinando tem direito a reclamar a revisão administrativa da sua prova na íntegra.

[…].

Não existe nexo lógico de causalidade entre o vício apontado na decisão referente à apreciação do recurso interposto pela candidata e seu pedido de inscrição nos quadros da OAB/ES, com desconsideração da segunda fase do exame de ordem.[13]

 

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGOS DE PROCURADOR DO ESTADO. MATÉRIAS RELATIVAS À LEGALIDADE DO CERTAME. POSSILIBIDADE DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. RECURSO CONTRA CORREÇÃO DE PROVA SUBJETIVA I. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA À IMPUGNAÇÃO APRESENTADA. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA QUE SE APLICA A TODO E QUALQUER RECURSO QUE PUDESSE SER INTERPOSTO PELOS CANDIDATOS. […]. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA MOTIVAÇÃO, DA LEGALIDADE E DA VINCULAÇÃO AO EDITAL. SEGURANÇA CONCEDIDA.

  1. Os atos administrativos emanados de Comissões de Concursos Públicos podem ser revistos pelo Poder Judiciário, como garantia de sua legalidade, o que inclui o controle da fundamentação das decisões de indeferimento dos recursos e a análise da fidelidade das questões constantes da prova ao conteúdo programático do edital.
  2. Indeferimento de recurso com base em motivação genérica, desvinculada da impugnação apresentada e, assim, aplicável a todo e qualquer recurso que pudesse ser interposto pelos candidatos, equivale a falta de fundamentação, AFRONTANDO O PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO CONSAGRADO NO ART. , LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

III. O edital de concurso público vincula todos os envolvidos às normas nele fixadas, devendo-se estrita obediência a todos os seus termos, sob pena de desrespeito ao princípio da legalidade, aplicável aos atos da Administração Pública.[14]

 

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – ANÁLISE DO PLEITO DE NOVA APRECIAÇÃO DOS RECURSOS ADMINISTRATIVOS – POSSIBILIDADE – MANDADO DE SEGURANÇA ANTERIOR CONCERNENTE À FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE UMA ÚNICA QUESTÃO – INDEFERIMENTO GERAL DOS PEDIDOS DE REVISÃO APRESENTADOS – CARÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES ADMINISTRATIVAS – NULIDADE – VIOLAÇÃO, POR ANALOGIA, AO ARTIGO 93, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – MATÉRIA COBRADA EM QUESTÃO DO CERTAME – PREVISÃO NO EDITAL – SEGURANÇA PARCIALMENTE CONCEDIDA.

  1. Havendo outro mandado de segurança em que se apreciou pedido de falta de fundamentação de uma única questão do mesmo concurso público versado nos presentes autos, nada obsta que se examine pleito de não motivação de resposta dos recursos administrativos apresentados contra as demais questões.
  2. Sendo as decisões que indeferiram os pleitos de revisão de correção de questões do certame gerais e idênticas entre si, IMPÕE-SE A DECRETAÇÃO DE SUA NULIDADE, POR OFENSA, ANALOGICAMENTE, AO DISPOSTO NO ARTIGO 93, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EIS QUE NÃO FUNDAMENTADAS.
  3. Estando prevista no edital do concurso a matéria combatida no recurso em tela, pois incluída em tópico do programa, não há que se falar na sua anulação.[15]

 

POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. RECURSO CONTRA CORREÇÃO DE PROVA SUBJETIVA I. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA À IMPUGNAÇÃO APRESENTADA. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA POR PARTE DOS EXAMINADORES QUE SE APLICA A TODO E QUALQUER RECURSO INTERPOSTOS PELOS CANDIDATOS. OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA AMPLA DEFESA, CONTRADITÓRIO, DEVIDO PROCESSO LEGAL, MOTIVAÇÃO E LEGALIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE À APRECIAÇÃO DE EVENTUAL ATO PRATICADO COM ABUSO DE PODER OU ILEGAL POR PARTE DA COMISSÃO DE CONCURSO. ACOLHIMENTO. NECESSIDADE DE REVISÃO DOS RECURSOS COM APRECIAÇÃO ESCORREITA E MOTIVADA DOS ELEMENTOS DE IMPUGNAÇÃO DO CANDIDATO.
[…].
Os atos administrativos emanados de Comissões de Concursos Públicos podem ser revistos pelo Poder Judiciário, como garantia de sua legalidade, o que inclui o controle de fundamentação das decisões de indeferimento de recursos e a análise de fidelidade das questões constantes da prova ao conteúdo programático do edital.

DEVEM SER ANULADAS AS DECISÕES DOS RECURSOS QUE SE APRESENTA SOB FORMA GENÉRICA a todo e qualquer questão, sem levar em consideração diferenças entre matérias, tampouco as impugnações elencadas pelos candidatos, o que resulta em afronta aos princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório, devido processo legal, motivação e legalidade.

[…].[16]

 

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA PROCURADOR DO ESTADO. IMPETRANTE QUE, APESAR DE TER ALCANÇADO MÉDIA NA ‘PROVA SUBJETIVA I’, NÃO OBTEVE NOTA SUFICIENTE NO ‘MÓDULO III’, RELATIVO À DISCIPLINA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, FALTANDO-LHE APENAS 0,1 (UM DÉCIMO) DE PONTO. PEDIDO DE REVISÃO ADMINISTRATIVA INDEFERIDO DE FORMA GENÉRICA, MEDIANTE ‘MODELO PADRÃO’. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E VINCULADA ÀS RAZÕES DO INCONFORMISMO. […]. NULIDADE PROCLAMADA. ORDEM IGUALMENTE CONCEDIDA.

  1. Os atos administrativos emanados de Comissões de Concursos Públicos podem ser revistos pelo Poder Judiciário, como garantia de sua legalidade, o que inclui o controle da fundamentação das decisões de indeferimento dos recursos e a análise da fidelidade das questões constantes da prova ao conteúdo programático do edital.
  2. Indeferimento de recurso com base em motivação genérica, desvinculada da impugnação apresentada e, assim, aplicável a todo e qualquer recurso que pudesse ser interposto pelos candidatos, equivale à falta de fundamentação, afrontando o princípio da motivação consagrado no art. 5.º, LV, da Constituição Federal.

[…].[17]

 

2.9 – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE

 

            A Administração, quando for atuar, deve fazer uso de meios adequados, proporcionais aos fins que se pretende alcançar. Avançando esse limite a conduta encontrará obstáculo no princípio da proporcionalidade e acarretará a nulidade do ato.

            O princípio da proporcionalidade é um princípio constitucional implícito, decorrente do devido processo legal, conforme já salientou o Supremo Tribunal Federal. Porém, no âmbito da legislação infraconstitucional, o mesmo encontra-se positivado expressamente na Lei 9.784/99, a qual disciplina o processo administrativo federal.

            O grande lance da proporcionalidade é que a exigência ou a conduta, se feita corretamente, é válida e permitida pelo direito. Cita-se, a título de exemplo, a exigência de prova física para provimento em cargo de policial militar. A previsão é legal, porém, se no caso concreto, for exigido, por exemplo, 100 barras do candidato, haverá violação ao princípio da proporcionalidade.

            É diferente da razoabilidade. Nesta, a exigência, por si só, já é indevida. Por exemplo, fere o referido princípio a exigência de prova física para ingresso no cargo de juiz, promotor, procurador. Note-se que a exigência não tem nenhuma pertinência, sendo de todo desarrazoada.

            Já no caso dos policiais, a exigência de prova física é pertinente, porém quando se requer algo acima do normal, do necessário, passa a ser desproporcional, acarretando a nulidade do ato.

            O princípio da proporcionalidade desponta como grande limitar do poder discricionário dos agentes públicos. É cediço que em muitas hipóteses a lei deixa certa margem de liberdade para que o agente, na análise do caso concreto, apreciando fatores de conveniência e oportunidade, adote a conduta que melhor atenda ao interesse público. Essa margem de liberdade é chamada de discricionariedade.

            Ocorre que essa discricionariedade, necessária à gestão da coisa pública, não é ilimitada, antes pelo contrário: possui diversos parâmetros de controle. Além da lei, da qual não pode se descurar o administrador, ultrapassando os seus limites, existem limites nos princípios constitucionais, tais como: proporcionalidade, razoabilidade, impessoalidade, segurança jurídica, dentre outros.

            O princípio da proporcionalidade é um grande limitador da discricionariedade. Significa que o gestor, ao adotar uma conduta em que lhe foi reservada certa margem de liberdade, deve fazer uso de meios adequados, necessários, proporcionais aos fins que se pretende atingir.

Quando qualquer ato da Administração Pública desponte do proporcional ou do razoável é plenamente passível de análise e de invalidação por parte do Poder Judiciário, segundo entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MILITAR. REMOÇÃO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. TRANSFERÊNCIA DE LOCAL DE SERVIÇO. DEFERIMENTO. MORA IMOTIVADA PARA EFETIVAÇÃO DA MOVIMENTAÇÃO.  DISCRICIONARIEDADE. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. STF.ACÓRDÃO CONFORME A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. ENUNCIADO 83, DA SÚMULA DO STJ. […]. No caso, em harmonia com a jurisprudência do STJ, o acórdão recorrido entendeu indevida a desvinculação do procedimento administrativo ao Princípio da Razoabilidade, portanto considerou o ato passível ao crivo do Poder Judiciário, verbis: “a discricionariedade não pode ser confundida com arbitrariedade, devendo, assim, todo ato administrativo, mesmo que discricionário, ser devidamente motivado, conforme os preceitos da Teoria dos Motivos Determinantes, obedecendo ao Princípio da Razoabilidade”[18].

Quanto ao princípio da razoabilidade, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, embasado na doutrina de FÁBIO PALLARETTI CALCINI, entende que “é uma norma a ser empregada pelo Poder Judiciário, a fim de permitir uma maior valoração dos atos expedidos pelo Poder Público, analisando-se a compatibilidade com o sistema de valores da Constituição e do ordenamento jurídico, sempre se pautando pela noção de Direito justo, ou justiça”[19].

No julgado supracitado, o relator, MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA, asseverou que a “razoabilidade compreende a faculdade que tem o homem de elaborar proposições lógicas. O termo evoca o sentido do bom senso, da prudência. Relaciona-se ao que é moderado, cometido, aceitável, desprovido de excessos”.

A atuação da Administração Pública deve seguir os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, que censuram o ato administrativo que não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei almeja alcançar. A razoabilidade encontra ressonância na ajustabilidade da providência administrativa consoante o consenso social acerca do que é usual e sensato. Razoável é conceito que se infere a contrario sensu; vale dizer, escapa à razoabilidade ‘aquilo que não pode ser’. A proporcionalidade, como uma das facetas da razoabilidade revela que nem todos os meios justificam os fins. Os meios conducentes à consecução das finalidades, quando exorbitantes, superam a proporcionalidade, porquanto medidas imoderadas em confronto com o resultado almejado[20].

A doutrina mais moderna e a jurisprudência do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA vêm aceitando a possibilidade de incursão do Poder Judiciário no mérito administrativo, quando o ato atacado esteja desproporcional ou desarrazoado.

A esse respeito, GILMAR FERREIRA MENDES[21] esclarece que “a doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade”.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA vem aceitando a análise pelo Poder Judiciário do mérito administrativo, notadamente com fundamento no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, inclusive em matéria de concurso público:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO-OCORRÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. PERITO DA POLÍCIA FEDERAL. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. LAUDO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA. FATO OCORRIDO HÁ MAIS DE 10 ANOS DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. ELIMINAÇÃO DO CANDIDATO. MÉRITO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE, EM ALGUNS CASOS, PELO PODER JUDICIÁRIO. DESPROPORCIONALIDADE. 1. A ofensa ao art. 535, II, do Código de Processo Civil não se configura quando o acórdão dos embargos declaratórios cumpre seu ofício, concluindo que não havia omissão a ser sanada, sobretudo porque solucionou a controvérsia com o direito que entendeu melhor aplicável ao caso. 2. A doutrina mais moderna vem aceitando a possibilidade de incursão do poder judiciário pelo mérito administrativo, quando o ato atacado esteja desproporcional ou desarrazoado em relação ao sentido comum e ético de uma sociedade. Jurisprudência. 3. Afigura-se desarrazoada e desproporcional a eliminação de um candidato na fase de investigação social de concurso para perito da polícia federal, em razão de fato ocorrido 10 anos antes do certame. Perpetuação de fato que não se amolda ao balizamento constitucional que veda a existência de penas perpétuas. 4. Recurso especial improvido[22].

[1] ROCHA, FRANCISCO LOBELLO DE OLIVEIRA, Regime Jurídico dos Concursos Públicos, Ed. Dialética, São Paulo, 2006, p. 133.

[2] TRF1, AMS 200438000014208, Relator Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, Sexta Turma, julgado em 19/09/2005.

[3] TRF5, AG 9605292343, Relator Desembargador Federal Manoel Erhardt, Terceira Turma, julgado em 02/07/2002.

[4] 2009, p. 111.

[5] 2009, p. 482.

[6] 2011, p. 573.

[7] REsp 28885/DF, Relator Ministro Pedro Acioli, Sexta Turma, julgado em 09/11/1993.

[8] RE 326349 AgR, Relator  Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 10/09/2002.

[9] AMS 2005.34.00.000770-8/DF, Relator Desembargador Federal Souza Prudente, Sexta Turma, julgado em 10/07/2006.

[10] AC 1998.33.01.000996-0/BA, Relator Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso, Sexta Turma, julgado em 07/04/2003.

[11]

[12] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 10ª ed., São Paulo: RT, 1984, p. 156.

[13] TRF2, AMS 200150010104264, Desembargador Federal Fernando Marques, Quinta Turma Especializada, 07/12/2009.

[14] Mandado de Segurança nº 0460056-8 – 4ª Câmara Cível, Relator Des. Abraham Lincoln Calixto, Julgado em 04/03/2008.

[15] Mandado de segurança nº 483060-0, 5ª Câmara Cível, Relator Des. Marcos Moura.

[16] Mandado de Segurança nº 0460652-0, 5ª Câmara Cível, Relator Juiz Convocado Jurandyr Reis Junior, Julgado em 25/03/2008.

[17] Mandado de Segurança nº 0460351-8, 4ª Câmara Cível, Relator Des. Adalberto Jorge Xisto Pereira, julgado em 20/05/2008.

[18] AgRg no REsp 670453/RJ, Relator Ministro  Celso Limongi (Des. conv. do TJ/SP), Sexta Turma, julgado em 18/02/2010.

[19] STJ, RMS 29290/MG, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 18/02/2010.

[20] Esse é o entendimento assentado pelo STJ no julgamento do REsp 443310/RS, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 21/10/2003.

[21] A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Repertório IOB de jurisprudência, nº 23, p 470, dez. 1994.

[22] REsp 200600255898, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 19/10/2009.

princípio ….

A ideia é sempre a mesma: existe uma estrutura administrativa que é responsável pela gestão do interesse público, ou seja, pela administração da “coisa pública”.

            Porém, o povo, como verdadeiro titular do poder, tem o direito e o dever de fiscalizar o exercício dessa gestão, a qual não é feita da mesma forma como sucede na iniciativa privada.

            Na gestão da res publica deve o gestor observar a vontade do único e verdadeiro titular do poder: o povo, que externa sua vontade por meio da lei, verdadeira “procuração geral” que representa a vontade da coletividade em determinado tempo e espaço.

            Assim, para que se possa controlar as atividades levadas a cabo pelos gestores, administradores públicos, devem os mesmos motivar seus atos, expondo os fundamentos de fato e de direito que autorizaram a conduta praticada.

            Apenas a título de exemplo, quando um agente de trânsito pretende punir um condutor pela inobservância de normas de trânsito não pode simplesmente aplicar uma penalidade sem que justifique os “porquês” fáticos e jurídicos que a embasaram.

            Por isso, para que o ato punitivo seja válido é necessário que o agente competente apresente, de forma clara e congruente, os motivos de fato que ensejaram a conduta, ou seja, a ocorrência real de uma conduta de possível ocorrência, como é o caso de avanço de um semáforo vermelho.

            Ainda, é necessário provar que o direito presta relevância aquela conduta de possível ocorrência e atribui uma consequência jurídica a ela. No exemplo dado, compete ainda ao administrador demonstrar o artigo legal que qualifica o avanço de sinal vermelho como uma infração de trânsito.

            Agora sim, frente a estes pressupostos, o agente irá praticar a conduta lavrando o auto de infração aplicando a penalidade que a lei prevê ao condutor infrator.

            A descrição de todos esses dados, motivo de fato, indicação do artigo legal, da penalidade, a congruência vinculada ou discricionária da sanção aplicada, constitui o que a doutrina nomina de “motivação”.

            Não se pode confundir motivo (elemento do ato administrativo) com motivação. O primeiro todo ato possui, sendo elemento formativo do mesmo. É o acontecimento que ensejou a prática do comportamento. Já a motivação, é a exteriorização linguística dos motivos de fato e de direito. É a regra, porém é possível sua dispensa, como ocorre, por exemplo, para a nomeação e exoneração de cargos comissionados, hipótese em que o próprio Ordenamento Jurídico dispensa a motivação. Por isso são chamadas de nomeação e exoneração ad nutum.

Nos concursos públicos esse princípio é de extrema importância.

É muito comum nas provas discursivas a nota atribuída sem a motivação dos descontos. Não há, muitas vezes, ato concreto e motivado justificando os porquês dos descontos.

O artigo 50, incisos I e III, da Lei 9.784/99 é claro ao enunciar que:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;

[…]

  • 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

          Infelizmente, ocorre com frequência o candidato ser surpresado ao ter vista de sua prova e, apesar de inúmeros descontos em sua nota, não haver qualquer apontamento em sua prova, existindo apenas (quando exiaste) uma chave de correção com os quesitos avaliados e uma pontuação atribuída. Dessa maneira o candidato não tem como saber a título de que ocorreram os descontos previstos na chave de correção!

A título de exemplo peguemos a seguinte grade de correção de uma prova:

Diante desta grade e de uma prova sem qualquer apontamento, pergunta-se: por que em às “consequências advinda da atuação em flagrante” o candidato obteve 1,60 pontos dos 4,00 pontos possíveis? Veja-se que não é possível saber!

Por que em relação à “ação penal nos crimes contra a dignidade sexual e sua repercussão no inquérito policial” o candidato obteve 1,80 pontos dos 3,00 pontos possíveis?

É um direito dos candidatos saberem a título de que houve o desconto e não simplesmente a Banca Examinadora chegar e “jogar” uma nota em cima da chave de correção!

Veja-se que neste caso fica até difícil recorrer, pois recorrer de que se não se sabe ao certo de onde proveio o desconto da nota?

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já anulou os descontos de correção quando os mesmos foram dados feitos de forma imotivada.

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO NA CORTE DE ORIGEM. CONCURSO PÚBLICO PARA DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. NEGATIVA DE ACESSO AOS CRITÉRIOS UTILIZADOS NA CORREÇÃO DA PROVA SUBJETIVA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DA BANCA EXAMINADORA ACERCA DOS RECURSOS ADMINISTRATIVOS CONTRA REFERIDA PROVA. VIOLAÇÃO AO ART. 50 DA LEI 9.784/99. RECURSOS ESPECIAIS PROVIDOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

  1. A motivação, nos recursos administrativos referentes a concursos públicos, é obrigatória e irrecusável, nos termos do que dispõe o art. 50, I, III e V, §§ 1o. e 3o. da Lei 9.784/99, não existindo, neste ponto, discricionariedade alguma por parte da Administração.
  2. Com relação ao Impetrante JOÃO GUILHERME MEDEIROS CARVALHO salta aos olhos a total ausência de motivação na correção das provas discursivas e nos respectivos recursos administrativos. Há apenas suposições, externadas pelos ilustres relator e revisor do feito em segundo grau, de que os apelos administrativos do Impetrante foram examinados e devidamente motivados, não tendo sido apresentadas, entretanto, motivações idôneas e circunstanciadas, nos moldes preconizados pelo já mencionado art. 50 da Lei 9.784/99.
  3. Quanto aos demais litisconsortes (JANE KLÉBIA DO NASCIMENTO SILVA PAIXÃO E OUTROS), constata-se a ausência de qualquer elemento que pudesse ter o condão de indicar os critérios utilizados pelo examinador para aferição das notas na prova subjetiva, bem como a sucinta, lacônica e estereotipada abordagem feita na revisão das provas.
  4. Afirmativas que não traduzem reexame do material fático, mas sim valoração do conjunto probatório trazido aos autos quando da impetração do Mandado de Segurança.
  5. Agravo Regimental desprovido.

Nesse ponto a doutrina também é acorde.

Neste sentido, FRANCISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA[1] doutrina que:

Conforme procuramos demonstrar, não deve restar qualquer margem de subjetividade ao examinador no momento da correção das provas, que estará vinculada ao gabarito. Como ato administrativo que é, a correção das provas deve ser devidamente motivada, de forma a permitir que o candidato conheça as razões da nota que lhe foi atribuída. Deve ficar claro o que foi considerado errado na resposta dada pelo candidato e a fundamentação da subtração de pontos.

            Por fim, faz-se necessário tecer alguns comentários sobre uma teoria amplamente aceita em nossa doutrina e jurisprudência. Trata-se da importante Teoria dos motivos determinantes, cujo berço de nascença se deu nos tribunais pertencentes ao sistema de contencioso administrativo na França.

            Segundo essa teoria os motivos atribuídos para a prática de um ato se vincula à sua validade, de forma que se os mesmos forem falsos ou inexistentes fulminada estará a validade do ato.

            Vejamos um exemplo para elucidar a questão. Tem ocorrido com frequência a indicação de erros inexistentes na correção de provas discursivas de concurso público culminando na subtração ilegal de pontos dos candidatos.

Como a motivação vincula o agente aos termos em que foi mencionada, uma vez comprovado que inexistem os motivos mencionados no ato administrativo como determinante da vontade do Examinador na correção da prova, este ato está inquinado de vício de legalidade, e, portanto, deve ser invalidado, e a pontuação correspondente aos erros inexistentes, deve ser atribuída integralmente ao candidato prejudicado.

A jurisprudência tem se manifestado no sentido de ser plenamente aplicável a teoria dos motivos determinantes em casos de concurso público.

Os julgados citados abaixo confirmam o que estamos dizendo:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ESCOLA DE FORMAÇÃO DE SARGENTOS. INSPEÇÃO DE SAÚDE. ELIMINAÇÃO. FALTA DE MOTIVAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. 1. O mandado de segurança é a via adequada para impugnar ato administrativo tido por ilegal e abusivo, ante a falta de motivação, devendo a prova vir pré-constituída. 2. Hipótese em que, eliminado o candidato do concurso público por ter sido “contra-indicado” em inspeção de saúde realizada pela Junta de Saúde da Organização Militar, que diagnosticou ser portador de doença de Chagas, trouxe o impetrante para os autos resultados de dois exames realizados por laboratórios distintos, ambos negativos para a mencionada doença, satisfazendo o requisito da prova pré-constituída. 3. Inexistente o motivo alegado para a eliminação do impetrante (teoria dos motivos determinantes), inexiste razão válida para a prática do ato, que, por isso, deve ser anulado. 4. Sentença confirmada. 5. Desprovidas a apelação e a remessa oficial[2].

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. PROCURADOR DO INSS. INDEFERIMENTO DE TÍTULO. DESCLASSIFICAÇÃO. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. 1. tendo o candidato sido desclassificado do certame em decorrência da rejeição de certidão de prática forense, sob o argumento de inobservância de forma e rasura, fica a autarquia adstrita às razões do indeferimento da banca examinadora, por força da teoria dos motivos determinantes. 2. ausentes os motivos alegados, inatacável a decisão concessiva de liminar para prosseguimento do candidato no certame. 3. agravo de instrumento improvido[3].

 

2.8 – PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

 

Os princípios do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, revelam-se nos concursos públicos, entre outros casos, por ocasião da impetração de recursos contra o resultado das provas.

Esse é o momento que o candidato tem para apresentar suas razões contra o resultado obtido na prova e solicitar a reavaliação da mesma e, conseqüente, atribuição da nota realmente merecida. Cabe à banca examinadora analisar cuidadosamente os recursos e, caso não dê provimento aos pleitos, divulgar detalhadamente as razões de sua decisão (art. e 50, inciso V, da Lei 9.784/99).

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO[4], ao discorrer sobre os princípios do devido processo legal e da ampla defesa, assinala que “estão aí consagrados, pois, […] a necessidade de que a Administração Pública, antes de tomar decisões gravosas a um dado sujeito, ofereça-lhe oportunidade de contraditório e de defesa ampla, no que se inclui o direito a recorrer das decisões tomadas”.

Ao tratar dos princípios específicos do procedimento administrativo, o eminente doutrinador alude, ainda, ao “princípio da revisibilidade”, que, segundo ele, “consiste no direito de o administrado recorrer da decisão que lhe seja desfavorável”[5].

JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO leciona[6] que “por se tratar de procedimento administrativo em cujo cerne se encontra densa competitividade entre os aspirantes a cargos e empregos públicos, o concurso público não raras vezes rende ensejo à instauração de conflitos entre os candidatos, ou entre estes e o próprio Poder Público. É importante, em conseqüência, que essa característica marcante seja solucionada de forma legítima, sobretudo com a aplicação dos princípios da motivação e do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF)”.

Com efeito, a disposição editalícia que não autoriza a interposição de recursos em relação ao resultado das provas, seja ela objetiva, discursiva, avaliação psicológica, teste físico, etc., fere o princípio do contraditório e da ampla defesa, previsto no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal.

Sobre o assunto, confiram-se os seguintes julgados do colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA e do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, respectivamente:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. APONTADA NEGATIVA DE VIGENCIA AO ART. 9º, INCISO VII, DA LEI N. 4878/65. CONCURSO PUBLICO. EXAME PSICOTECNICO. CRITERIOS ADOTADOS QUE INIBEM O CANDIDATO DE RECORRER DO RESULTADO DO EXAME. INADMISSIBILIDADE. E injustificável o comportamento da administração fazendo inserir nas instruções normativas baixadas através do edital de concurso a vedação ao pedido de vista ou a interposição de recurso do resultado da seleção psicológica[7].

Recurso extraordinário. Agravo regimental. Concurso público. Exame psicotécnico previsto no edital que rege o concurso, com base em critérios meramente subjetivos. Irrecorribilidade de seu resultado. 3. Violação dos arts. 5º, XXXV, e 37, caput e incisos I e II, da Constituição Federal. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento[8].

 

            No mesmo sentido decidiu o TRIBUNAL REGIONAL DA 1ª REGIÃO:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DO GABARITO PRELIMINAR. DESCLASSIFICAÇÃO DO CANDIDATO. IRRECORRIBILIDADE. AFRONTA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. ANULAÇÃO DE QUESTÕES. CRITÉRIOS DE CORREÇÃO DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.

A garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa, observado o devido processo legal, é assegurada a todos os litigantes, na esfera judicial ou administrativa (Constituição Federal, art. 5º, LIV e LV), afigurando-se, pois, nula a disposição editalícia que veda a interposição de recurso contra o ato que, alterando gabarito preliminar referente às provas objetivas do certame, enseja a desclassificação do candidato[9].

CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. CARÁTER SIGILOSO E SUBJETIVO. INCONSTITUCIONALIDADE.

  1. A exigência do exame psicotécnico é legal e harmoniza-se com o preceito insculpido no art. 37, II, da Constituição Federal.
  2. Viola os arts. 5°, XXXIII, XXXV e LV, e 37 da Carta Magna a adequação do concursando a perfil profissiográfico previamente traçado pela Administração e pautado em critérios subjetivos, sigilosos e irrecorríveis. […] [10].

            Norma editalícia prevendo a impossibilidade de interposição de recursos em face do resultado das provas não se coaduna com o Estado Democrático de Direito, cuja essência denota a submissão, também do Estado, às disposições normativas e ao controle da sociedade. A Constituição Federal de 1988 é o instrumento basilador dessa nova conformação político-jurídica e todas as normas, ainda que não propriamente leis em sentido estrito, devem-lhe observância irrestrita, sendo, deste modo, inadmissível a proibição do exercício do contraditório e da ampla defesa em âmbito de concurso público.

Ainda, por conta da falta de motivação na correção das avaliações discursivas, como trabalhado no tópico anterior, fica inviabilizado o direito ao recurso, pois como recorrer de algo onde não se sabe a título do que foram retirados os pontos?

Para piorar, em muitos concursos públicos, em um assassinato aos princípios que deveriam orientar o comportamento da Banca Examinadora, há séria lesão aos princípios da ampla defesa e contraditório, pois além de não saber os porquês dos descontos, o exercício do direito de defesa foi absurdamente limitado a 1.000 (hum mil) caracteres, o que é uma falta de respeito com o candidato e ilegalidade absurda praticada pela Banca.

Gostaria de saber de onde é retirado o fundamento legal desta absurda regra? É obvio que não existe! E nem se diga que a mesma decorre da aplicação do edital, pois este, como ato administrativo que é, deve observância à lei e aos preceitos constitucionais.

Fica evidente que em casos como estes, que infelizmente ocorrem com frequência, não são observados os princípios da ampla defesa e contraditório no processo seletivo, o que desponta como irrefutável ilegalidade, pois a Constituição Federal foi clara em garantir a ampla defesa e contraditório nos processos judiciais e administrativos e o concurso público, como se sabe, é uma espécie de procedimento administrativo.

Depois disso tudo, o candidato, após recorrer sem ao certo saber do que, é mais uma vez surpresado por uma resposta padrão, a mesma dada a todos os demais recursos interpostos, o que atenta, sem qualquer sombra de dúvidas, contra o princípio do contraditório.

Pelo princípio contraditório é direito do litigante ter seus argumentos refutados por motivação sólida. Deve haver um diálogo jurídico entre a tese e antítese para que se possa formar uma conclusão (síntese) democrática, sob pena de ser o direito ao contraditório nos recursos uma mera fachada para dar ar de legitimidade aos comportamentos arbitrários da Banca Examinadora.

Nesse sentido, extremamente precisa a percepção de ODETE MEDAUAR[11] quando adverte que:

 “a oportunidade de reagir ante a informação seria vã, se não existisse fórmula de verificar se a autoridade administrativa efetivamente tomou ciência e sopesou as manifestações dos sujeitos. A este fim responde a motivação dos atos administrativos se percebe como e quanto determinado fato, documento ou alegação influiu sobre a decisão final”.

É necessária essa dialeticidade, sob pena de ocorrer uma imposição unilateral e arbitrária do entendimento da Banca.

Veja-se o que ensina o saudoso professor HELY LOPES MEIRELLES[12]:

Nos atos vinculados ou regrados, e especialmente nos que importem atividade de jurisdição (decisões administrativas), mais se acentua o dever de motivar, porque, em tais casos, a ação administrativa está bitolada estreitamente pela lei ou pelo regulamento, impondo ao administrador a obrigação de demonstrar a conformação de sua atividade com todos os pressupostos de direito e de fato que condicionam a eficácia e validade do ato.

Nesse sentido, cumpre destacar como caminha a jurisprudência pátria:

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO DA OAB. EDITAL. PROVIMENTO Nº 81/96 DO CONSELHO FEDERAL DA OAB. SEGUNDA ETAPA DO CERTAME. RECURSO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.

A decisão mediante a qual a Comissão de Estágio e Exame de Ordem negou provimento ao recurso administrativo interposto pela candidata é inaceitável quanto à insuficiência na fundamentação. O recurso administrativo suscitou vários pontos, que foram simplesmente desprezados na decisão padronizada.

Uma resposta mais específica deveria ter sido emitida, eis que, em se tratando de ato administrativo vinculado, não há dúvidas sobre a obrigatoriedade da motivação, isto é, da exposição dos motivos do ato. A motivação é que permite a verificação da legalidade do ato e que permite ao examinando entender os motivos de sua eventual reprovação, caso não haja reconsideração.

Não há como se aceitar a objeção sustentada no art. 6°, parágrafo único, do Provimento nº 81/96 do Conselho Federal da OAB, que restringe os limites da cognição do recurso administrativo, pois é incompatível com o devido processo legal. O examinando tem direito a reclamar a revisão administrativa da sua prova na íntegra.

[…].

Não existe nexo lógico de causalidade entre o vício apontado na decisão referente à apreciação do recurso interposto pela candidata e seu pedido de inscrição nos quadros da OAB/ES, com desconsideração da segunda fase do exame de ordem.[13]

 

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGOS DE PROCURADOR DO ESTADO. MATÉRIAS RELATIVAS À LEGALIDADE DO CERTAME. POSSILIBIDADE DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. RECURSO CONTRA CORREÇÃO DE PROVA SUBJETIVA I. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA À IMPUGNAÇÃO APRESENTADA. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA QUE SE APLICA A TODO E QUALQUER RECURSO QUE PUDESSE SER INTERPOSTO PELOS CANDIDATOS. […]. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA MOTIVAÇÃO, DA LEGALIDADE E DA VINCULAÇÃO AO EDITAL. SEGURANÇA CONCEDIDA.

  1. Os atos administrativos emanados de Comissões de Concursos Públicos podem ser revistos pelo Poder Judiciário, como garantia de sua legalidade, o que inclui o controle da fundamentação das decisões de indeferimento dos recursos e a análise da fidelidade das questões constantes da prova ao conteúdo programático do edital.
  2. Indeferimento de recurso com base em motivação genérica, desvinculada da impugnação apresentada e, assim, aplicável a todo e qualquer recurso que pudesse ser interposto pelos candidatos, equivale a falta de fundamentação, AFRONTANDO O PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO CONSAGRADO NO ART. , LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

III. O edital de concurso público vincula todos os envolvidos às normas nele fixadas, devendo-se estrita obediência a todos os seus termos, sob pena de desrespeito ao princípio da legalidade, aplicável aos atos da Administração Pública.[14]

 

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – ANÁLISE DO PLEITO DE NOVA APRECIAÇÃO DOS RECURSOS ADMINISTRATIVOS – POSSIBILIDADE – MANDADO DE SEGURANÇA ANTERIOR CONCERNENTE À FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE UMA ÚNICA QUESTÃO – INDEFERIMENTO GERAL DOS PEDIDOS DE REVISÃO APRESENTADOS – CARÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES ADMINISTRATIVAS – NULIDADE – VIOLAÇÃO, POR ANALOGIA, AO ARTIGO 93, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – MATÉRIA COBRADA EM QUESTÃO DO CERTAME – PREVISÃO NO EDITAL – SEGURANÇA PARCIALMENTE CONCEDIDA.

  1. Havendo outro mandado de segurança em que se apreciou pedido de falta de fundamentação de uma única questão do mesmo concurso público versado nos presentes autos, nada obsta que se examine pleito de não motivação de resposta dos recursos administrativos apresentados contra as demais questões.
  2. Sendo as decisões que indeferiram os pleitos de revisão de correção de questões do certame gerais e idênticas entre si, IMPÕE-SE A DECRETAÇÃO DE SUA NULIDADE, POR OFENSA, ANALOGICAMENTE, AO DISPOSTO NO ARTIGO 93, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EIS QUE NÃO FUNDAMENTADAS.
  3. Estando prevista no edital do concurso a matéria combatida no recurso em tela, pois incluída em tópico do programa, não há que se falar na sua anulação.[15]

 

POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. RECURSO CONTRA CORREÇÃO DE PROVA SUBJETIVA I. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA À IMPUGNAÇÃO APRESENTADA. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA POR PARTE DOS EXAMINADORES QUE SE APLICA A TODO E QUALQUER RECURSO INTERPOSTOS PELOS CANDIDATOS. OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA AMPLA DEFESA, CONTRADITÓRIO, DEVIDO PROCESSO LEGAL, MOTIVAÇÃO E LEGALIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE À APRECIAÇÃO DE EVENTUAL ATO PRATICADO COM ABUSO DE PODER OU ILEGAL POR PARTE DA COMISSÃO DE CONCURSO. ACOLHIMENTO. NECESSIDADE DE REVISÃO DOS RECURSOS COM APRECIAÇÃO ESCORREITA E MOTIVADA DOS ELEMENTOS DE IMPUGNAÇÃO DO CANDIDATO.
[…].
Os atos administrativos emanados de Comissões de Concursos Públicos podem ser revistos pelo Poder Judiciário, como garantia de sua legalidade, o que inclui o controle de fundamentação das decisões de indeferimento de recursos e a análise de fidelidade das questões constantes da prova ao conteúdo programático do edital.

DEVEM SER ANULADAS AS DECISÕES DOS RECURSOS QUE SE APRESENTA SOB FORMA GENÉRICA a todo e qualquer questão, sem levar em consideração diferenças entre matérias, tampouco as impugnações elencadas pelos candidatos, o que resulta em afronta aos princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório, devido processo legal, motivação e legalidade.

[…].[16]

 

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA PROCURADOR DO ESTADO. IMPETRANTE QUE, APESAR DE TER ALCANÇADO MÉDIA NA ‘PROVA SUBJETIVA I’, NÃO OBTEVE NOTA SUFICIENTE NO ‘MÓDULO III’, RELATIVO À DISCIPLINA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, FALTANDO-LHE APENAS 0,1 (UM DÉCIMO) DE PONTO. PEDIDO DE REVISÃO ADMINISTRATIVA INDEFERIDO DE FORMA GENÉRICA, MEDIANTE ‘MODELO PADRÃO’. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E VINCULADA ÀS RAZÕES DO INCONFORMISMO. […]. NULIDADE PROCLAMADA. ORDEM IGUALMENTE CONCEDIDA.

  1. Os atos administrativos emanados de Comissões de Concursos Públicos podem ser revistos pelo Poder Judiciário, como garantia de sua legalidade, o que inclui o controle da fundamentação das decisões de indeferimento dos recursos e a análise da fidelidade das questões constantes da prova ao conteúdo programático do edital.
  2. Indeferimento de recurso com base em motivação genérica, desvinculada da impugnação apresentada e, assim, aplicável a todo e qualquer recurso que pudesse ser interposto pelos candidatos, equivale à falta de fundamentação, afrontando o princípio da motivação consagrado no art. 5.º, LV, da Constituição Federal.

[…].[17]

 

2.9 – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE

 

            A Administração, quando for atuar, deve fazer uso de meios adequados, proporcionais aos fins que se pretende alcançar. Avançando esse limite a conduta encontrará obstáculo no princípio da proporcionalidade e acarretará a nulidade do ato.

            O princípio da proporcionalidade é um princípio constitucional implícito, decorrente do devido processo legal, conforme já salientou o Supremo Tribunal Federal. Porém, no âmbito da legislação infraconstitucional, o mesmo encontra-se positivado expressamente na Lei 9.784/99, a qual disciplina o processo administrativo federal.

            O grande lance da proporcionalidade é que a exigência ou a conduta, se feita corretamente, é válida e permitida pelo direito. Cita-se, a título de exemplo, a exigência de prova física para provimento em cargo de policial militar. A previsão é legal, porém, se no caso concreto, for exigido, por exemplo, 100 barras do candidato, haverá violação ao princípio da proporcionalidade.

            É diferente da razoabilidade. Nesta, a exigência, por si só, já é indevida. Por exemplo, fere o referido princípio a exigência de prova física para ingresso no cargo de juiz, promotor, procurador. Note-se que a exigência não tem nenhuma pertinência, sendo de todo desarrazoada.

            Já no caso dos policiais, a exigência de prova física é pertinente, porém quando se requer algo acima do normal, do necessário, passa a ser desproporcional, acarretando a nulidade do ato.

            O princípio da proporcionalidade desponta como grande limitar do poder discricionário dos agentes públicos. É cediço que em muitas hipóteses a lei deixa certa margem de liberdade para que o agente, na análise do caso concreto, apreciando fatores de conveniência e oportunidade, adote a conduta que melhor atenda ao interesse público. Essa margem de liberdade é chamada de discricionariedade.

            Ocorre que essa discricionariedade, necessária à gestão da coisa pública, não é ilimitada, antes pelo contrário: possui diversos parâmetros de controle. Além da lei, da qual não pode se descurar o administrador, ultrapassando os seus limites, existem limites nos princípios constitucionais, tais como: proporcionalidade, razoabilidade, impessoalidade, segurança jurídica, dentre outros.

            O princípio da proporcionalidade é um grande limitador da discricionariedade. Significa que o gestor, ao adotar uma conduta em que lhe foi reservada certa margem de liberdade, deve fazer uso de meios adequados, necessários, proporcionais aos fins que se pretende atingir.

Quando qualquer ato da Administração Pública desponte do proporcional ou do razoável é plenamente passível de análise e de invalidação por parte do Poder Judiciário, segundo entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MILITAR. REMOÇÃO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. TRANSFERÊNCIA DE LOCAL DE SERVIÇO. DEFERIMENTO. MORA IMOTIVADA PARA EFETIVAÇÃO DA MOVIMENTAÇÃO.  DISCRICIONARIEDADE. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. STF.ACÓRDÃO CONFORME A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. ENUNCIADO 83, DA SÚMULA DO STJ. […]. No caso, em harmonia com a jurisprudência do STJ, o acórdão recorrido entendeu indevida a desvinculação do procedimento administrativo ao Princípio da Razoabilidade, portanto considerou o ato passível ao crivo do Poder Judiciário, verbis: “a discricionariedade não pode ser confundida com arbitrariedade, devendo, assim, todo ato administrativo, mesmo que discricionário, ser devidamente motivado, conforme os preceitos da Teoria dos Motivos Determinantes, obedecendo ao Princípio da Razoabilidade”[18].

Quanto ao princípio da razoabilidade, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, embasado na doutrina de FÁBIO PALLARETTI CALCINI, entende que “é uma norma a ser empregada pelo Poder Judiciário, a fim de permitir uma maior valoração dos atos expedidos pelo Poder Público, analisando-se a compatibilidade com o sistema de valores da Constituição e do ordenamento jurídico, sempre se pautando pela noção de Direito justo, ou justiça”[19].

No julgado supracitado, o relator, MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA, asseverou que a “razoabilidade compreende a faculdade que tem o homem de elaborar proposições lógicas. O termo evoca o sentido do bom senso, da prudência. Relaciona-se ao que é moderado, cometido, aceitável, desprovido de excessos”.

A atuação da Administração Pública deve seguir os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, que censuram o ato administrativo que não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei almeja alcançar. A razoabilidade encontra ressonância na ajustabilidade da providência administrativa consoante o consenso social acerca do que é usual e sensato. Razoável é conceito que se infere a contrario sensu; vale dizer, escapa à razoabilidade ‘aquilo que não pode ser’. A proporcionalidade, como uma das facetas da razoabilidade revela que nem todos os meios justificam os fins. Os meios conducentes à consecução das finalidades, quando exorbitantes, superam a proporcionalidade, porquanto medidas imoderadas em confronto com o resultado almejado[20].

A doutrina mais moderna e a jurisprudência do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA vêm aceitando a possibilidade de incursão do Poder Judiciário no mérito administrativo, quando o ato atacado esteja desproporcional ou desarrazoado.

A esse respeito, GILMAR FERREIRA MENDES[21] esclarece que “a doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade”.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA vem aceitando a análise pelo Poder Judiciário do mérito administrativo, notadamente com fundamento no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, inclusive em matéria de concurso público:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO-OCORRÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. PERITO DA POLÍCIA FEDERAL. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. LAUDO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA. FATO OCORRIDO HÁ MAIS DE 10 ANOS DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. ELIMINAÇÃO DO CANDIDATO. MÉRITO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE, EM ALGUNS CASOS, PELO PODER JUDICIÁRIO. DESPROPORCIONALIDADE. 1. A ofensa ao art. 535, II, do Código de Processo Civil não se configura quando o acórdão dos embargos declaratórios cumpre seu ofício, concluindo que não havia omissão a ser sanada, sobretudo porque solucionou a controvérsia com o direito que entendeu melhor aplicável ao caso. 2. A doutrina mais moderna vem aceitando a possibilidade de incursão do poder judiciário pelo mérito administrativo, quando o ato atacado esteja desproporcional ou desarrazoado em relação ao sentido comum e ético de uma sociedade. Jurisprudência. 3. Afigura-se desarrazoada e desproporcional a eliminação de um candidato na fase de investigação social de concurso para perito da polícia federal, em razão de fato ocorrido 10 anos antes do certame. Perpetuação de fato que não se amolda ao balizamento constitucional que veda a existência de penas perpétuas. 4. Recurso especial improvido[22].

[1] ROCHA, FRANCISCO LOBELLO DE OLIVEIRA, Regime Jurídico dos Concursos Públicos, Ed. Dialética, São Paulo, 2006, p. 133.

[2] TRF1, AMS 200438000014208, Relator Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, Sexta Turma, julgado em 19/09/2005.

[3] TRF5, AG 9605292343, Relator Desembargador Federal Manoel Erhardt, Terceira Turma, julgado em 02/07/2002.

[4] 2009, p. 111.

[5] 2009, p. 482.

[6] 2011, p. 573.

[7] REsp 28885/DF, Relator Ministro Pedro Acioli, Sexta Turma, julgado em 09/11/1993.

[8] RE 326349 AgR, Relator  Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 10/09/2002.

[9] AMS 2005.34.00.000770-8/DF, Relator Desembargador Federal Souza Prudente, Sexta Turma, julgado em 10/07/2006.

[10] AC 1998.33.01.000996-0/BA, Relator Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso, Sexta Turma, julgado em 07/04/2003.

[11]

[12] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 10ª ed., São Paulo: RT, 1984, p. 156.

[13] TRF2, AMS 200150010104264, Desembargador Federal Fernando Marques, Quinta Turma Especializada, 07/12/2009.

[14] Mandado de Segurança nº 0460056-8 – 4ª Câmara Cível, Relator Des. Abraham Lincoln Calixto, Julgado em 04/03/2008.

[15] Mandado de segurança nº 483060-0, 5ª Câmara Cível, Relator Des. Marcos Moura.

[16] Mandado de Segurança nº 0460652-0, 5ª Câmara Cível, Relator Juiz Convocado Jurandyr Reis Junior, Julgado em 25/03/2008.

[17] Mandado de Segurança nº 0460351-8, 4ª Câmara Cível, Relator Des. Adalberto Jorge Xisto Pereira, julgado em 20/05/2008.

[18] AgRg no REsp 670453/RJ, Relator Ministro  Celso Limongi (Des. conv. do TJ/SP), Sexta Turma, julgado em 18/02/2010.

[19] STJ, RMS 29290/MG, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 18/02/2010.

[20] Esse é o entendimento assentado pelo STJ no julgamento do REsp 443310/RS, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 21/10/2003.

[21] A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Repertório IOB de jurisprudência, nº 23, p 470, dez. 1994.

[22] REsp 200600255898, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 19/10/2009.

OS CONCURSOS PÚBLICOS E A DEVIDA OBSERVÂNCIA À ISONOMIA

O princípio da isonomia está expresso no caput do art. 5º da Constituição Federal, despontando como um dos principais Direitos Fundamentais:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, […]:

A isonomia pode ser estudada por um aspecto material e formal. Em regra, nos concursos, vige a isonomia formal, que significa que deve a todos ser dispensando o mesmo tratamento. Em alguns casos especiais, como, por exemplo, reserva de vagas para portadores de necessidades especiais, prova física diferenciada para candidatas do sexo feminino, há uma incidência tópica do princípio da isonomia material, que traduz a ideia de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.

Sobre a importância da aplicação do princípio da isonomia nos concursos, ADILSON ABREU DALLARI[1] deixa bem claro que “concurso público não se confunde com simulacro de concurso público. Não atende aos princípios constitucionais o chamamento ou a inscrição de apenas alguns apaniguados, que simularão uma disputa apenas para aparentar a realização de um concurso público. Não é concurso público o certame que se desenvolve sem observância do princípio da isonomia. É essencial que todo e qualquer interessado seja tratado com igualdade, para que vençam os melhores”.

A isonomia deve está presente em todas as fases do concurso público, devendo ser aplicada em seus diferentes aspectos (formal e material) conforme as peculiaridades de cada exigência. De outra forma não poderia ser, visto que é através do concurso público que se materializa o direito de amplo acesso aos cargos e empregos públicos e, para isso, deve haver igualdade de oportunidades para todos os interessados. Sendo assim, podemos afirmar que a isonomia permeia todo procedimento do concurso público.

Em matéria de concurso público, a observância ao princípio da isonomia impõe que as regras que regulamentam o certame não sejam direcionadas para determinada pessoa ou grupo de pessoas. A violação ao princípio da isonomia não decorre do fato de a norma que regulamente o concurso público contemplar um único indivíduo ou grupo de indivíduos, mas do fato de serem estes indivíduos ou grupo de indivíduos previamente conhecidos e a norma ser direcionada apenas para eles[2].

Sobre o assunto, a SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL decidiu que dispensar servidores, que integram o quadro de pessoal da Entidade que promove o concurso, de realizar de determinadas provas, que são obrigatórias para os demais candidatos, ofende o princípio da isonomia.

Esse entendimento ficou assentado no seguinte acórdão:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. PROVAS DE CAPACITAÇÃO FÍSICA E INVESTIGAÇÃO SOCIAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO 6° DO ART. 10 DA LEI N° 699, DE 14.12.1983, ACRESCENTADO PELA LEI N° 1.629, DE 23.03.1990, AMBAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, COM ESTE TEOR: “§ 6º – Os candidatos integrantes do Quadro Permanente da Polícia Civil do Estado ficam dispensados da prova de capacitação física e de investigação social a que se referem o inciso, I, ‘in fine’, deste artigo, e o § 2°, ‘in fine’, do artigo 11”. 1. Não há razão para se tratar desigualmente os candidatos ao concurso público, dispensando-se, da prova de capacitação física e de investigação social, os que já integram o Quadro Permanente da Polícia Civil do Estado, pois a discriminação implica ofensa ao princípio da isonomia. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente pelo Plenário do S.T.F[3].

Como a isonomia deve existir entre todos os candidatos e em todas as fases do certame, permitir que determinados candidatos não sejam submetidos a certas provas, previamente relacionadas em edital de concurso público, em detrimento de outros, implica em ofensa ao referido princípio.

O Pretório Excelso, de forma semelhante, reconheceu que ofende o princípio da isonomia a criação de requisitos diferenciados de acessibilidade aos cargos públicos aplicáveis a grupos distintos de pessoas.

Isso ocorreu em um concurso público para Primeiro Tenente Médico Policial Militar do Quadro de Oficiais de Saúde do Estado de São Paulo, em que o edital exigia idade máxima de 35 anos apenas dos candidatos civis, não estabelecendo qualquer limite etário em relação aos candidatos militares.

 Essa regra tinha como propósito favorecer determinado grupo de pessoas – os candidatos militares –, por isso o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL afastou a sua incidência diante do caso concreto restaurando a ordem jurídica e garantindo a efetividade do princípio da isonomia.

Vejamos a ementa do acórdão.

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. CONCURSO PÚBLICO. MÉDICO MILITAR. LIMITE DE IDADE. 1. O recorrido, aprovado em concurso público para Primeiro Tenente Médico Policial Militar do Quadro de Oficiais de Saúde do Estado de São Paulo, não pôde ser empossado, sob o argumento de que, na época da inscrição para o certame, tinha mais de 35 anos de idade. 2. Edital que fixou idade máxima, em concurso para médico militar, apenas para inscrição de candidatos civis. A Corte de origem afastou essa diferenciação e determinou a posse do recorrido. 3. Se o bom desempenho das atividades de médico da Polícia Militar demanda a força física peculiar ao jovem, a exigência de 35 anos de idade máxima deveria ser atribuída a todo e qualquer candidato e não apenas aos civis. Fica claro que a distinção em debate foi criada para favorecer os militares. Precedente: RMS 21.046. 4. Agravo regimental improvido[4].

            Ainda, e isso tem ocorrido muito e é extremamente preocupante, o julgamento das provas discursivas nos concursos públicos tem se afastado do primado da isonomia, principalmente por outro vício anterior que é a falta de critérios objetivos de correção da prova, os quais deveriam vir expressos em uma “grade de correção”. .

            Nota-se que a partir do momento em que não há critérios objetivos de correção das provas de redação, seja quanto à estrutura, conteúdo, quanto às questões gramaticais, o julgamento passa a ser totalmente subjetivo e por isso incompatível com o princípio da isonomia.

            Quanto a essa conduta ilegal, FRACISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA[5], em obra especializada sobre o tema, adverte que:

A correta aplicação das provas de conhecimento depende de um tratamento adequado desde o edital do concurso. Como ato administrativo em que se extingue a discricionariedade do administrador, o edital deve descrever, com a maior riqueza de detalhes, o procedimento que será obedecido na aplicação das provas, sua forma, os critérios e métodos de avaliação e as notas mínimas exigidas, no caso de provas de natureza mista. Apenas os elementos indispensáveis para a efetividade das provas poderão permanecer em sigilo após a publicação do edital.

A chave de correção e o gabarito são os documentos que contém as respostas que se esperava dos candidatos e que serão consideradas certas na correção das provas. Terá a função de orientar os examinadores na correção das provas e de informar aos candidatos as respostas esperadas, permitindo-lhes verificar se não houve erros na correção de sua prova.

Conforme adverte o referido autor, “quanto menos objetiva a prova, mais detalhado deverá ser o gabarito a fim de evitar interferências subjetivas do examinador na correção das provas. No caso das questões escritas, deve ser elaborado um roteiro com todas as informações que se esperava que o candidato incluísse em sua resposta e os valores que lhes serão atribuídos. Quando houver outras habilidades sendo avaliadas – como clareza na exposição do raciocínio, ortografia etc. -, o gabarito deve conter descrição minudente do método de avaliação e pontuação destes fatores. Isto porque a principal função do gabarito é orientar o examinador na correção das provas, vinculando sua atuação e garantindo a objetividade na correção da prova”.

            É muito comum nos concurso, principalmente os feitos por bancas examinadoras pouco experientes, que não seja apresentado qualquer gabarito ou chave de correção, acarretando uma correção subjetiva e anti-isonômica das avaliações dos candidatos, pois há total falta de parâmetros.

            Em casos como estes deve o candidato pleitear administrativa e/ou judicialmente que a Banca divulgue a chave de correção com os critérios objetivos levados em consideração quando do julgamento de todas as provas.

            Para confirmar se a chave de correção foi utilizada de forma isonômica entre todos os candidatos, deve a Administração Pública, ou a Banca Examinadora, agir de forma transparente e liberar o acesso de todas as provas discursivas a todos os candidatos, pois ao final de contas o procedimento do concurso é publico e não há motivo para sigilo. Ainda, apenas pela comparação é que terá como se saber se houve ou não lesão ao princípio da isonomia no caso concreto, razão pela qual, como a Administração muitas vezes não divulga as provas dos demais candidatos, o interessado, para a defesa de seus direitos, poderá pleiteá-la judicialmente.

            Só assim é possível verificar se houve ou não isonomia e impessoalidade no julgamento das questões.

 Registra-se que não existe fundamento para o indeferimento do pedido, pois, por se tratar de processo seletivo, competitivo e pautado nos princípios que regem a conduta da Administração, as provas devem ser públicas da mesma forma que em uma licitação os documentos de habilitação e as propostas o são, sob pena de inviabilidade de controle e facilitação de ilegalidade.

            Não se trata de assunto ligado à segurança nacional e nem mesmo à intimidade das pessoas, que são as exceções constitucionais quanto à publicidade, mas sim de procedimento de contratação pública que seleciona os mais capacitados para trabalharem junto ao Poder Público.

[1] Princípio da Isonomia e Concursos Públicos. Revista Eletrônica de Direito do Estado. Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 6, abril/maio/junho, 2006. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>.

[2] ROCHA, Francisco Lobello de Oliveira. Regime jurídico dos Concursos públicos. São Paulo: Dialética, 2006, p. 30.

[3] ADI 1072, Relator Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2003.

[4] RE 215988 AgR, Relatora  Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 18/10/2005.

[5] Regime Jurídico dos Concursos Públicos, Ed. Dialética, São Paulo, 2006, p. 125-126.

ALESSANDRO DANTAS

⇒ Advogado especialista em Concursos Públicos

⇒ Especialista e Mestre na área de Direito Público;

⇒ Professor de Direito Administrativo em graduação e em pós-graduação;

⇒Foi professor de Direito Administrativo da Escola da Magistratura do Estado do Espírito Santo, 

⇒ foi professor de Direito Administrativo da Escola Superior do Ministério Público do Estado do Espírito Santo.

⇒ É também professor de Direito Administrativo em Cursos Preparatórios no ES ;

⇒ Palestrante e Ex-Coordenador Técnico do Congresso Brasileiro de Concurso Público;

⇒ Palestrante e Instrutor de Licitações e Contratos administrativos da Negócios Públicos;

 Instrutor e palestrante sobre concursos públicos da ERX do Brasil, do Grupo Negócios Públicos;

⇒ Ex-Coordenador técnico do seminários avançado de PAD da ERX do Brasil;

⇒ Autor do Livro: Licitações e Contratos Administrativos em Esquemas, 3ª edição, 2012, editora Impetus;

⇒ Colaborador da revista LICICON;

⇒ Colaborador da revista Negócios Públicos;

⇒ Colaborador do site jusNavegandi;

 Advogado Especialista em Concurso Público;

 Ex-Consultor Jurídico da ANDACON  –  Associação Nacional de Defesa e Apoio ao Concurseiro;

 Palestrante em Eventos Nacionais sobre Concurso Público;

 Professor e Palestrante sobre direitos dos concurseiros da LFG.

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VIOLAÇÕES AO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE NOS CONCURSOS PÚBLICOS

– PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

 

            Existe toda uma estrutura administrativa, formada por pessoas jurídicas, órgãos e agentes que será responsável pela gestão desses interesses públicos. Tendo em vista que compete ao gestor público administrar interesse alheio, ou seja, o interesse público, deve a Administração prestar contas de suas condutas com o legítimo e verdadeiro titular do poder: o povo.

            É nesse sentido que o princípio da publicidade desponta como aquele que determina ao gestor prestar contas com a coletividade, que seja transparente, pois, ao fim e ao cabo, administra algo que é da coletividade.

            A publicidade do ato, da conduta, da atividade é condição de eficácia dos mesmos. Por outras palavras, significa dizer que o ato apenas produzirá seus efeitos após a devida publicidade, que pode ser veiculadas por diversos meios, conforme a forma que prescrever a lei, muitas vezes influenciada pelo objetivo da publicidade.

            Em âmbito de concurso público, o princípio da publicidade impõe a mais ampla e efetiva divulgação dos atos, a começar pela publicação do edital de abertura do concurso no órgão oficial, bem como na imprensa e até mesmo na internet, possibilitando que o maior número de candidatos tenha conhecimento do certame.

            A publicidade não fica restrita ao edital que regulamenta o concurso, o resultado de todas as fases (provas objetivas, discursivas, psicotécnico, teste físico, etc.) deve receber ampla divulgação, de forma clara e precisa, para que os candidatos interessados tenham subsídios para interporem recursos e para que se tenha transparência nos atos praticados pela Administração.

Informa FRANCISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA[1] que nos concursos públicos a publicidade significa a ampla e efetiva comunicação de todos os atos, em cada fase do concurso, informando os candidatos sobre seus deveres e obrigações e garantindo o controle destes, bem como da sociedade como um todo, sobre os atos praticados pela Administração.

Além do edital de abertura do concurso e do resultado das fases que compõem o certame, o princípio da publicidade também impõe a divulgação dos critérios levados em consideração na correção das provas e na aplicação do exame psicotécnico, sendo injustificável a negativa de vista das provas.

Inclusive neste ponto o artigo 3ª da Resolução n.º 01/2002 do Conselho Federal de Psicologia estabelece que “o edital deverá conter informações, em linguagem compreensível ao leigo, sobre a avaliação psicológica a ser realizada e os critérios de avaliação, relacionando-os aos aspectos psicológicos considerados compatíveis com o desempenho esperado para o cargo”.

Nesse sentido é pacífica a jurisprudência de nossos Tribunais, senão vejamos:

“2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido da possibilidade da exigência do exame psicotécnico quando previsto em lei e com a adoção de critérios objetivos para a realização do exame. Precedentes. [2]

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXAME PSICOTÉCNICO. CONCURSO PÚBLICO. NECESSIDADE DE CRITÉRIOS OBJETIVOS E PREVISÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. REEXAME DOS CRITÉRIOS UTILIZADOS PARA A REALIZAÇÃO DO PSICOTÉCNICO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 279 DESTA CORTE. 1. É firme a orientação desta Corte no sentido de que ‘o exame psicotécnico pode ser estabelecido para concurso público desde que seja feito por lei, e que tenha por base critérios objetivos de reconhecido caráter científico, devendo existir, inclusive, a possibilidade de reexame’. 2. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a que se nega provimento.[3]

AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535, II, DO CPC, NÃO VERIFICADA. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 6º E 8º, INCISOS I, II E V DO DL Nº 2.620/87 E 5º, VI, § 1º DA LEI Nº 8.112/90. INOCORRÊNCIA.

[…]

  1. É pacífico o entendimento segundo o qual, além de o exame psicotécnico estar legalmente previsto, devem ser respeitadas a objetividade dos critérios adotados, a publicidade dos resultados e a possibilidade de revisão do resultado obtido, por parte do concursando, o que não foi cumprido, in totum, na espécie.

[…]

  1. Agravo regimental improvido. [4]

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – CONCURSO PÚBLICO – EXAME PSICOTÉCNICO – AUSÊNCIA DE OBJETIVIDADE – ANULAÇÃO – NECESSIDADE DE NOVO EXAME.1. A legalidade do exame psicotécnico em provas de concurso público está condicionada à observância de três pressupostos necessários: previsão legal, cientificidade e objetividade dos critérios adotados, e possibilidade de revisão do resultado obtido pelo candidato.

[…]

Agravo regimental parcialmente provido.[5]

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. EXAME PSICOTÉCNICO PREVISTO EM LEI E PAUTADO EM CRITÉRIOS OBJETIVOS. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. INCURSÃO NO MÉRITO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. 1. É lícita a exigência de aprovação em exame psicotécnico para preenchimento de cargo público, desde que claramente previsto em lei e pautado em critérios objetivos, possibilitando ao candidato o conhecimento da fundamentação do resultado, a fim de oportunizar a interposição de eventual recurso.

[…]

  1. Agravo regimental desprovido.[6]

 

Ainda, é possível registrar que o princípio da publicidade ordena que o gestor informe quais os critérios de correção (grade de correção) levará em consideração quando do julgamento de uma prova discursiva.

Neste tipo de prova a Banca Examinadora ao lançar o tema deve apresentar quanto vale cada ponto (subtema) a ser dissertado e junto com a divulgação do resultado deve ser apresentada a grade de correção com os critérios que foram levados em consideração na avaliação das provas. É essencial que exista pertinência entre o que foi pedido na questão e os critérios que foram levados em consideração na correção das provas.

Por exemplo, em uma questão sobre atributos os ato administrativo que vale 5 (cinco) pontos deve a questão informar como serão distribuídos os pontos da questão. Isso quer dizer que o candidato apenas perderá pontos se errar a pergunta, não podendo, sob nenhuma hipótese, perder pontos por não ter desenvolvido outros temas, como, por exemplo, elementos dos atos administrativos, que não foi objeto da questão.

Caso a Banca Examinadora seja omissa ao informar os critérios de correção, por exemplo, como poderia se obter isso em juízo?

 Há julgado do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA no qual se decidiu caso em que foi impetrado habeas data impetrado para obter informações quanto aos critérios utilizados na correção de prova discursiva de redação realizada em concurso.

 O Min. Relator do caso, João Otávio de Noronha, lembrou que o habeas data é remédio constitucional que tem por fim assegurar ao indivíduo o conhecimento de informações relativas à sua pessoa registradas em banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público, para eventual retificação. A Lei no 9.507/1997, art. 7o, elenca as hipóteses em que se justifica sua impetração e, entre elas, segundo o relator, não existe revolver os critérios utilizados na correção de provas em concurso público.[7]

Lancemos algumas notas sobre o referido instituto para ao depois comentar a referida decisão.

O habeas data está previsto no art. 5º, LXXII, “a”, da CF e configura um instrumento destinado à proteção do direito de informação. Ressalta-se que o direito a informação possui uma dupla faceta: a primeira cinge-se ao conhecimento da informação e a segunda revela-se pela possibilidade de retificação da informação.

O procedimento adotado para a ação é o previsto na Lei no 9.507/97.

O legitimado à propositura do habeas data é, necessariamente, o titular do direito ao conhecimento ou à retificação da informação. Inclusive alguns Tribunais já se manifestam no sentido de que tal direito possui caráter intuito persona – personalíssimo – impassível de transferência a terceiros.

Já o sujeito passivo do habeas data será a entidade pública ou privada responsável pelo registro das informações. Segundo a própria Constituição, o enquadramento da entidade privada no polo passivo da ação se dá através do caráter público de suas informações como, por exemplo, as entidades mantenedoras de cadastro de devedores.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, sobre o habeas data, já decidiu que: “a Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos, enunciou preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível. – O modelo político-jurídico, plasmado na nova ordem constitucional, rejeita o poder que oculta e o poder que se oculta. Com essa vedação, pretendeu o constituinte tornar efetivamente legítima, em face dos destinatários do poder, a prática das instituições do Estado. – O habeas data configura remédio jurídico-processual, de natureza constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: (a) direito de acesso aos registros; (b) direito de retificação dos registros e (c) direito de complementação dos registros. – Trata-se de relevante instrumento de ativação da jurisdição constitucional das liberdades, a qual representa, no plano institucional, a mais expressiva reação jurídica do Estado às situações que lesem, efetiva ou potencialmente, os direitos fundamentais da pessoa, quaisquer que sejam as dimensões em que estes se projetem. – O acesso ao habeas data pressupõe, dentre outras condições de admissibilidade, a existência do interesse de agir. Ausente o interesse legitimador da ação, torna-se inviável o exercício desse remédio constitucional. – A prova do anterior indeferimento do pedido de informação de dados pessoais, ou da omissão em atendê-lo, constitui requisito indispensável para que se concretize o interesse de agir no habeas data. Sem que se configure situação prévia de pretensão resistida, há carência da ação constitucional do habeas data” (apesar de o introito ser longo demais para uma carência de ação, pareceu-me interessante o nele arrazoado)[8].

No caso, apesar do julgado do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ser contra a possibilidade de se utilizar o Habeas Data para obter os critérios de correção de uma prova discursiva o fato é que existem decisões em sentido contrário, admitindo o manejo do remédio constitucional para tal fim.

Vide os seguintes arestos:

CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. INFORMAÇÕES RELATIVAS À CONCURSO PÚBLICO – ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.

1 – Correta é a utilização do habeas data para obter-se informações constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais (Constituição Federal, art. 5, LXXII, a), aí inseridas aquelas relativas à pontuação e classificação em concurso público. Precedentes do Tribunal.

2 – Apelação provida. Sentença anulada” [9]

“CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. REMESSA OFICIAL. CF, Art. 5o, XXXIII.

  1. “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” (C.F. art. 5o, XXXIII).
  2. Irreparável a sentença que concedeu a ordem para determinar à autoridade impetrada que forneça a certidão ao impetrante informando a pontuação e classificação obtidas no Concurso Público para o cargo de Auditor Fiscal do Tesouro Nacional.

III. Negado provimento à remessa”[10]

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. Art. 5o, XIV, XXXIV E LXXII. ACESSO DO CANDIDATO A SUA PROVA, PRESTADA EM EXAME DE SELEÇÃO. INFORMAÇÕES PESSOAIS. OBJETO DA AÇÃO. CABIMENTO.

  1. O remédio constitucional do habeas data deve ser concedido em benefício de quem se encontra impedido, por norma editalícia, de ter acesso às provas realizadas em certame público, por ferir direito fundamental à informação, consagrado na Carta Magna.
  2. É de se considerar como informações pessoais, para efeito de concessão do habeas data, as provas prestadas em concurso público, se houver interesse pessoal no conteúdo das mesmas para eventual impugnação posterior.
  3. O objeto do habeas data é a concessão da ordem para permitir o acesso às informações de interesse do impetrante ante a recusa indevida por parte da administração, não importando em qualquer análise do mérito do ato administrativo de correção das provas.
  4. Apelação e Remessa Oficial improvidas”[11]

De todo modo, mesmo que se entenda não cabível o manejo do Habeas Data, caso não sejam apresentados os critérios de correção da prova, é cabível a impetração de Mandado de Segurança.

Isso porque é direito dos candidatos saber quais são os critérios de correção da prova, pois, caso contrário, não teria como se assegurar um julgamento objetivo, e, portanto, isonômico e impessoal.

 

Sobre os critérios de correção de uma prova FRACISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA[12] adverte que:

Os critérios de avaliação são os parâmetros de valoração do desempenho dos candidatos nas provas. Sua determinação passa por um juízo discricionário da Administração que, no entanto, deve levar em conta os princípios da igualdade, da razoabilidade, da impessoalidade e da eficiência.

Preservar o princípio da igualdade na valoração do desempenho dos candidatos implica a utilização de critérios objetivos e padronizados, que não devem permitir que candidatos que demonstrarem o mesmo desempenho recebam tratamentos diferentes.

A razoabilidade deverá estar presente para garantir que os pontos atribuídos ao candidato sejam proporcionais aos conhecimentos demonstrados pelo candidato e à importância que tais conhecimentos terão no exercício do cargo ou emprego.

O princípio da eficiência deverá estar presente para garantir que os critérios de avaliação possibilitem garantir a avaliação mais fiel possível dos méritos dos candidatos. Assim, a lista de classificação será um retrato fiel do mérito demonstrado pelos candidatos, fazendo com que a Administração contrate somente os melhores.

Muitas vezes o edital do concurso é vago quanto aos critérios de correção da prova discursiva.

Imaginemos um edital cujos “pseudos” critérios são os seguintes:

Conteúdo da Resposta

Tema

Questão

Capacidade de argumentação

até – 12

até – 4

Sequência lógica do pensamento

até – 8

até – 2

Alinhamento ao tema

até – 8

até – 2

Cobertura dos tópicos apresentados

até – 12

até – 4

 

Note-se uma série de siglas onde há não o valor de cada vício. Peguemos, por exemplo, o tópico sequência lógica de pensamento. Segundo este critério poderá ser descontado sob este título até 8 (oito) pontos.

A pergunta que se faz é: quanto vale, por exemplo, um erro decorrente da falta de sequência lógica do pensamento? 1, 2, 3, 8 pontos? Poderia se tirar todos os 8 pontos apenas por um erro desta natureza?

Note-se que da forma como foi feito, a depender o julgador, um mesmo erro pode valer de 1, 2, 5, ou 8 pontos, gerando um julgamento subjetivo e quebrando, com isso, a base principiológica que rege os concursos públicos: a isonomia.

Ainda existe induvidosamente violação ao princípio da segurança jurídica, pois não se sabe exatamente quanto vale cada aspecto da correção, gerando, por conseqüência, julgamentos sem critérios estáveis, fixos.

Por este motivo é imperioso ao Judiciário ao se deparar com situações como esta que profira decisões concedendo liminares com o objetivo de determinar à Banca Examinadora que junte aos autos a grade de correção de forma objetiva e informando quanto vale cada item que foi analisado.

Voltando ao exemplo, analisando a “pseudo” grade de correção percebe-se sem muita dificuldade que a mesma foi completamente omissa quanto à forma específica que seria feito o julgamento das provas discursivas, dando azo à extrema insegurança jurídica, a uma avaliação subjetiva e anti-isonômica.

Quanto à necessidade de exposição dos critérios de avaliação das provas, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no julgamento do RECURSO EXTRAORDINÁRIO N.º 451207, cuja relatoria coube ao Excelentíssimo Ministro EROS GRAU já assentou que:

(…) Exame psicotécnico com caráter eliminatório. Avaliação realizada com base em critérios não revelados. Ilegitimidade do ato, pois impede o acesso ao Poder Judiciário para conhecer de eventual lesão ou ameaça de direito ocasionada pelos critérios utilizados. Agravo regimental a que se nega provimento. [13]

O caso em tela é idêntico ao do psicotécnico, sendo que apenas foram apresentados critérios genéricos de correção, sem especificar corretamente como seriam feitos os descontos dos pontos dos candidatos.

Ainda, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA reconheceu que é ilegal a correção de prova discursiva sem critérios objetivos:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PERTINÊNCIA TEMÁTICA DE REDAÇÃO COM O EDITAL. CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA CORREÇÃO DE PROVA. CARACTERIZAÇÃO.

  1. Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto por Marcelo Magalhães Silva de Sousa contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina em que se reconheceu (i) a legitimidade passiva da autoridade coatora, (ii) a necessidade de análise do pleito do candidato-recorrente mesmo após o fim do concurso, (iii) a perda de objeto da segurança em relação ao acesso à prova de redação e à possibilidade de interposição de recurso administrativo contra a nota a ela atribuída, (iv) a adequação entre o tema da redação, as previsões do edital e as habilidades requeridas para o exercício do cargo pretendido, (v) a existência de critérios de correção das redações bem definidos no edital e (vi) a impossibilidade de o Judiciário imiscuir-se na correção efetuada pela banca examinadora.

[…]

  1. No mais, correto o impetrante-recorrente quando aponta a ausência de critérios apontados no edital para fins de correção da prova de redação são por demais amplos, não permitindo qualquer tipo de controle por parte dos candidatos.
  2. Eis a norma editalícia pertinente: “5.2.15.6. Os textos dissertativos produzidos pelos candidatos serão considerados nos planos do conteúdo e da expressão escrito, quanto à (ao): a) adequação ao tema propostos; b) modalidade escrita na variedade padrão; c) vocabulário; d) coerência e coesão; e) nível de informação e de argumentação”.
  3. Realmente, de plano, já não se sabe qual o peso ou a faixa de valores (“padrão Cespe”) para cada quesito, nem o verdadeiro conteúdo de cada um deles, nem o valor de cada erro (“padrão ESAF”).
  4. Mas a situação fica pior quando se tem contato com a folha de redação do candidato (fls. 197/198, e-STJ), da qual não consta nenhuma anotação – salvo o apontamento de erros de português – apta a embasar o resultado final por ele obtido na referida prova. Enfim, tem-se, aqui, ato administrativo sem motivação idônea, daí porque inválido.
  5. O problema que surge é o seguinte: a ausência de motivação anterior ou contemporânea ao ato administrativo (correção da prova do candidato) importa nulidade do mesmo, mas o concurso já foi homologado e não há como, agora, deferir uma nova correção de prova – porque, deste jeito, a motivação existiria, mas seria posterior e prejudicaria todo o certame.
  6. Para resolver o dilema, observa-se que o candidato foi eliminado no certame por 0,5 ponto (meio ponto) e fez pedido alternativo nos autos para que lhe fosse conferida a pontuação mínima para ser aprovado, gerando nova ordem de classificação.
  7. Portanto, considera-se que atribuir-lhe a referida nota mínima na redação – ainda mais quando consistente em acréscimo pequeno de meio ponto – sana a nulidade de forma mais proporcional em relação aos demais candidatos e ao concurso como um todo (homologado em 17.6.2010 – v. fl. 91, e-STJ).
  8. Contudo, é de se asseverar que a inclusão do candidato na lista de aprovados geraria nova ordem de classificação. Ocorre que, tendo em conta que já se passou quase um ano da homologação final do concurso, com eventual posse e exercícios dos demais candidatos aprovados, e observando que a nova ordem de classificação normalmente influi na lotação dos servidores, é caso de permitir a aprovação do candidato, mas consolidada na última colocação entre os aprovados, a fim de que a coisa julgada na presente ação não atinja terceiros que não participaram dos autos.
  9. Recurso ordinário em mandado de segurança parcialmente provido para, acolhendo apenas o pedido “c” formulado nas razões recursais em análise nos termos expostos no parágrafo anterior.[14]

Outro caso bem comum de violação ao princípio da publicidade ocorre quando há um tempo muito longo entre as fases do concurso ou após a homologação do certame a Administração leva anos para nomear o candidato aprovado e o faz apenas por meio de Diário Oficial.

Vejamos.

Prescreve o caput do art. 37 da Constituição Federal que:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

Nota-se que dentre os princípios capitulares do art. 37 desponta o princípio da publicidade. Em especial, no que toca ao Processo Administrativo, a Lei 9.784/99 enuncia em seus arts. 26, §3º e 27 que:

Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.

  • 3º A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.

Art. 27. O desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado.

Comentando o dispositivo legal, JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO[15], com a nobreza que lhe é peculiar, averba que:

O aspecto da formalização das intimações guarda estreita relação com o fim a que se destinam. Os instrumentos empregados para as intimações devem propiciar a efetiva ciência, pelo destinatário, de que houve certa decisão no processo administrativo ou é necessário efetivar alguma diligência.

Muitas vezes o instrumento convocatório nada diz sobre as datas prováveis de convocação dos candidatos, o que gera uma grande insegurança jurídica para os mesmos que, se correta for a interpretação no sentido que a convocação deve ser feita apenas via Diário Oficial, deveriam ficar escravos da leitura do Diário Oficial por muito tempo.

Nada mais absurdo!

Nesse sentido, reconhecendo-se o absurdo de se exigir que o candidato leia o Diário Oficial diariamente, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA julgou um Recurso Ordinário em Mandado de Segurança[16], cuja ementa ficou da seguinte forma[17]:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE DE POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DA BAHIA. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE. NÃO-OBSERVÂNCIA. RECURSO PROVIDO.

  1. O edital, em regra, deve prever a forma como tornará pública a convocação dos candidatos para as etapas do concurso público e, se possível, a data em que ocorrerá tal ato, considerando o princípio da publicidade e a circunstância de não ser razoável exigir do cidadão que, diariamente, leia o Diário Oficial.
  2. Hipótese em que, no concurso público para provimento do cargo de Agente de Polícia Civil do Estado da Bahia, regido pelo Edital SAEB/001-97, não existe essa previsão editalícia. Houve tão-somente a simples publicação do ato convocatório para 3ª etapa no Diário Oficial, não havendo notícia de que tenha ocorrido nenhuma outra forma de chamamento. Dessa forma, houve violação do princípio da publicidade.
  3. Ademais, o ato de convocação publicado no Diário Oficial em novembro de 1999 foi para que o candidato habilitado manifestasse interesse por vagas existentes para as regiões de Barreiras/BA e Porto Seguro/BA. Ocorre que o ora recorrente concorreu para a região de Salvador/BA, não havendo, também, nenhuma regra editalícia que o obrigasse a se manifestar a respeito de convocação para região diversa.
  4. Recurso ordinário provido.

Da análise dos votos deste recurso, cuja relatoria coube ao Excelentíssimo Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, colhe-se a seguinte passagem, que merece destaque:

Conforme bem ressaltado pelo recorrente, o Edital SAEB⁄001-97, que rege o concurso público para provimento do cargo de Agente de Polícia Civil do Estado da Bahia, não discorre a respeito de datas, tampouco da forma em que se dará a publicidade da convocação para as etapas do certame.

Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça já assentou: “Desarrazoável é exigir que os cidadãos devem ler diariamente o diário oficial para não serem desavisadamente afetados nos seus direitos” (REsp 24.046⁄RJ, Rel. Min. ADHEMAR MACIEL, Segunda Turma, DJ de 8⁄3⁄99).

De outra parte, sobre o princípio da publicidade, que informa a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do art. 37, caput, da Constituição Federal, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo, 12ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 84):

 Consagra-se nisto o dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos. Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida.

 Em consequência, o edital, em regra, deve prever a forma como tornará pública a convocação dos candidatos para as etapas do concurso público e, se possível, a data em que ocorrerá tal ato, considerando o princípio da publicidade e a circunstância de não ser razoável exigir do cidadão que, diariamente, leia o Diário Oficial.

Com efeito, não haverá nenhuma ilegalidade se o edital preconizar que os candidatos serão considerados convocados pela publicação em órgão oficial, DESDE QUE fixe uma data ou um período para realização desse ato de chamamento.

Na hipótese em exame, todavia, não existe essa previsão editalícia. Houve tão-somente a simples publicação do ato convocatório para 3ª etapa no diário oficial. Não há notícia de que tenha ocorrido nenhuma outra forma de chamamento. Em consequência, não se mostrou atendido o princípio da publicidade.

Veja-se ainda que no RMS 22508/BA, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA considerou que 2 anos já configuravam tempo excessivo para que uma convocação ocorresse somente pelo Diário de Justiça.

Registre-se o seguinte trecho do voto relator:

É oportuno registrar que o resultado da 1ª etapa do concurso público em exame foi publicado no Diário Oficial de maio de 1997 (fls. 17 e 18). A convocação para a etapa seguinte, qual seja, a 3ª para os candidatos ao cargo de Agente de Polícia Civil (fl. 14), no tocante ao ora recorrente, aprovado na posição 636 (seiscentos e trinta e seis), deu-se em novembro de 1999, quando transcorrido prazo superior a 2 (dois) anos.

Mencionado fato demonstra, com mais propriedade, a inexistência de razoabilidade na exigência de que candidatos observem, diariamente, a publicação no órgão oficial das convocações para etapas do concurso público.

Assim, em casos como o em comento, a publicidade deveria ter se concretizado por meio de notificação pessoal, razão pela qual a inobservância a esta regra torna ineficaz o ato, não podendo, por isso, produzir qualquer efeito contra o candidato lesado.

Importante ressaltar que a Administração e a Banca Examinadora possuem informações sobre o candidato, tais como endereço, telefone e e-mail, pois todas essas informações foram disponibilizadas no documento de inscrição dos mesmos.

Os organizadores do certame possuem dados e meios suficientes para contatar os candidatos diretamente e esta seria a conduta mais razoável, dado o grande lapso temporal entre as fases, quando o concurso foge do padrão e se alonga prazo excessivo, mas, mesmo assim, eles optam por fazer publicação apenas no Diário Oficial, o que se mostra ilegal, conforme demonstrado acima.

 

2.5 – PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA.

 

Trata-se de princípio de grande importância e que foi inserido expressamente no texto constitucional por meio da Emenda Constitucional n.º 19/98.

O princípio da eficiência impõe à Administração Pública a obrigatoriedade de uma atuação de qualidade, que seja capaz de alcançar os objetivos colimados na Constituição e na legislação infraconstitucional. 

Em matéria de concursos públicos, atender à eficiência é buscar, através do certame, contratar aquele candidato mais habilitado para o desempenho de determinada atividade. Significa fazer um juízo de adequação entre a função a ser exercida e as qualidades específicas dos candidatos, de forma que se possa ter uma presunção de que os aprovados possam contribuir no desempenho das atividades administrativas.

Esse princípio e sua aplicação aos concursos públicos é amplamente reconhecida pela jurisprudência pátria, especialmente a do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

A despeito de ainda se encontrar certa divergência doutrinária sobre a natureza jurídica do concurso público, a maior e expressiva parte da doutrina o reconhece como espécie de licitação. […]

Dentre os princípios informadores do instituto do concurso público, destacam-se o princípio democrático, o princípio da eficiência e o princípio da isonomia. Nesse sentido, como conciliar esses princípios (democracia, eficiência e isonomia), em face de algumas discriminações previstas e admitidas por lei, pela doutrina e pela jurisprudência, em edital de concurso público?

Penso que o concurso público deve possibilitar a participação de todos aqueles que se enquadram nas disposições e condições estabelecidas no ato convocatório, de forma que se atenda, assim, ao princípio da democracia.

Urge que ele seja conduzido de modo totalmente objetivo, sem o favorecimento de determinados candidatos, nem a perseguição de outros, conforme reza o princípio da isonomia.

Ao mesmo tempo, em atenção ao princípio da eficiência, o concurso público visa à seleção dos candidatos que revelem possuir os maiores méritos (capacidade intelectual, habilidades e aptidões), para o exercício das funções estatais, estas concebidas, por certo, de forma individualizada e específica[18].

O exercício das atribuições atinentes aos cargos públicos exigirá do servidor habilidades específicas relacionadas à sua função. Portanto, será mais eficiente a Administração que possuir em seus quadros os servidores mais preparados, mais qualificados.

Neste sentido, é elucidativa a lição de HELY LOPES MEIRELLES[19], segundo o qual “a eficiência é o dever que se impõe a todo e qualquer agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros”

Sob este aspecto, de atuação do agente público, a eficiência significa que do agente se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições para que seja possível lograr os melhores resultados.

 

2.5.1 Princípio da eficiência e o aproveitamento de excedentes no concurso público.

A título de exemplo, ofende ao princípio da eficiência o não aproveitamento de excedentes que possam ser absorvidos no certame quando há necessidade de contratação de pessoal, principalmente quando não há tempo hábil para a realização de novo concurso sem prejuízo ao interesse público.

            Uma boa gestão pública obrigatoriamente deve estar alinhada ao desempenho eficiente dos serviços públicos, pois esta exigência é decorrente de princípios expressos no artigo 37, caput, da Constituição Federal.

            Até porque o desempenho das atividades administrativas é voltado ao alcance e maior satisfação possível do interesse público, que, como sabido, é indisponível. Por isso RUY CIME LIMA ter afirmado que a Administração em direito público também significa a atividade do que não é senhor absoluto.

            Muitas vezes, o não aproveitamento dos excedentes – candidatos até então aprovados em todas as fases e aptos a serem absorvidos[20], viola uma série de princípios constitucionais, o que é inadmissível, uma vez que, como doutrina SÉRGIO FERRAZ e ADILSON ABREU DALLARI[21]os princípios não são meras declarações de sentimentos ou intenções ou, ainda, meros postulados de um discurso moral. Em verdade, são normas dotadas de positividade que têm o condão de determinar condutas ou impedir comportamentos com eles incompatíveis“.

Na mesma toada é o ensinamento do mestre argentino AGUSTÍN GORDILLO[22] quando afirma que os princípios são a base de uma sociedade livre e republicana, sendo os elementos fundamentais e necessários da sociedade e de todos os atos de seus componentes.

            Todas estas circunstâncias concretas denotam que muitas vezes a conduta que atende ao dever de boa administração, que se alinha aos princípios da eficiência e economicidade é o aproveitamento dos candidatos excedentes.

            Isso porque pode ser lenta, cansativa, cara, burocrática, a conduta da Administração Pública de simplesmente deixar escoar o prazo de validade do certame e logo após iniciar novo concurso público para a contratação de pessoal, que poderia ser aproveitado sem estes encargos à custa do interesse público.

            O que justifica jurídica, econômica e tecnicamente um comportamento desta natureza?

Em muitos casos, se os excedentes não forem aproveitados, diante das circunstâncias e peculiaridades envolvidas no caso concreto, poderá haver um flagrante atentado aos princípios da Administração Pública, aos deveres do administrador e uma burla aos direitos destes candidatos.

            Lembre-se que, em casos com estas peculiaridades, e isso será explorado mais adiante, não há espaço para liberdade do administrador. A discricionariedade abstrata não é a mesma que poderá estar presente no caso concreto e, por isso, os candidatos aprovados não possuem mera expectativa de direito, mas direito subjetivo ao aproveitamento!

            Atuação contrária vai de encontro com um princípio fundamental da Administração que é o primado da eficiência e de um dever e, como contraponto, a um direito fundamental do cidadão, que é o princípio da “boa administração”.

            Das autorizadas lições de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO[23] extrai-se que:

A Constituição se refere, no art. 37, ao princípio da eficiência. Advirta-se que tal princípio não pode ser concebido (entre nós nunca é demais fazer ressalvas óbvias) senão na intimidade do princípio da legalidade, pois jamais uma suposta busca de eficiência justificaria postergação daquele que é o dever administrativo por excelência. O fato é que o princípio da eficiência não parece ser mais do que uma faceta de um princípio mais amplo já superiormente tratado, de há muito, no Direito italiano: o princípio da “boa administração“. Este último significa, como resulta das lições de Guido Falzone, em desenvolver a atividade administrativa “do modo mais congruente, mais oportuno e mais adequado aos fins a serem alcançados, graças à escolha dos meios e da ocasião de utilizá-los, concebíveis como os mais idôneos para tanto“.

Tal dever, como assinala Falzone, “não se põe simplesmente como um dever ético ou como mera aspiração deontológica, senão como um dever atual e estritamente jurídico”. Em obra monográfica, invocando lições do citado autor, assinalamos este caráter e averbamos que, nas hipóteses em que há discrição administrativa, “a norma só quer a solução excelente”. Juarez Freitas, em oportuno e atraente estudo – no qual pela primeira vez entre nós é dedicada toda uma monografia ao exame da discricionariedade em face do direito à boa administração, com precisão irretocável, afirmou o caráter vinculante do direito fundamental à boa administração.

É certo que o princípio da eficiência sempre norteou a atividade administrativa, uma vez que não se pode pensar em atividade desempenhada pela Administração Pública desprovida de eficiência, ou seja, sem a busca de melhores resultados. A boa gestão da coisa pública é requisito do desempenho de qualquer função administrativa.

Em âmbito constitucional, além de sua expressa previsão no artigo 37 caput, o princípio da eficiência acompanha a Carta Constitucional de 1988 desde a sua origem. O artigo 74, II, da Constituição Capitã prescreve que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado.

MARINO PAZZAGLINI FILHO[24] sintetiza com precisão cirúrgica o sentido que deve ser alcançado pela norma quando afirma que o princípio da eficiência consiste no dever de alcançar a solução que seja ótima para o atendimento das finalidades públicas. Seria a atuação administrativa visando à extração do maior número de efeitos positivos para o administrado.

2.6 – PRINCÍPIO DA ISONOMIA

 

O princípio da isonomia está expresso no caput do art. 5º da Constituição Federal, despontando como um dos principais Direitos Fundamentais:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, […]:

A isonomia pode ser estudada por um aspecto material e formal. Em regra, nos concursos, vige a isonomia formal, que significa que deve a todos ser dispensando o mesmo tratamento. Em alguns casos especiais, como, por exemplo, reserva de vagas para portadores de necessidades especiais, prova física diferenciada para candidatas do sexo feminino, há uma incidência tópica do princípio da isonomia material, que traduz a ideia de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.

Sobre a importância da aplicação do princípio da isonomia nos concursos, ADILSON ABREU DALLARI[25] deixa bem claro que “concurso público não se confunde com simulacro de concurso público. Não atende aos princípios constitucionais o chamamento ou a inscrição de apenas alguns apaniguados, que simularão uma disputa apenas para aparentar a realização de um concurso público. Não é concurso público o certame que se desenvolve sem observância do princípio da isonomia. É essencial que todo e qualquer interessado seja tratado com igualdade, para que vençam os melhores”.

A isonomia deve está presente em todas as fases do concurso público, devendo ser aplicada em seus diferentes aspectos (formal e material) conforme as peculiaridades de cada exigência. De outra forma não poderia ser, visto que é através do concurso público que se materializa o direito de amplo acesso aos cargos e empregos públicos e, para isso, deve haver igualdade de oportunidades para todos os interessados. Sendo assim, podemos afirmar que a isonomia permeia todo procedimento do concurso público.

Em matéria de concurso público, a observância ao princípio da isonomia impõe que as regras que regulamentam o certame não sejam direcionadas para determinada pessoa ou grupo de pessoas. A violação ao princípio da isonomia não decorre do fato de a norma que regulamente o concurso público contemplar um único indivíduo ou grupo de indivíduos, mas do fato de serem estes indivíduos ou grupo de indivíduos previamente conhecidos e a norma ser direcionada apenas para eles[26].

Sobre o assunto, a SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL decidiu que dispensar servidores, que integram o quadro de pessoal da Entidade que promove o concurso, de realizar de determinadas provas, que são obrigatórias para os demais candidatos, ofende o princípio da isonomia.

Esse entendimento ficou assentado no seguinte acórdão:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. PROVAS DE CAPACITAÇÃO FÍSICA E INVESTIGAÇÃO SOCIAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO 6° DO ART. 10 DA LEI N° 699, DE 14.12.1983, ACRESCENTADO PELA LEI N° 1.629, DE 23.03.1990, AMBAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, COM ESTE TEOR: “§ 6º – Os candidatos integrantes do Quadro Permanente da Polícia Civil do Estado ficam dispensados da prova de capacitação física e de investigação social a que se referem o inciso, I, ‘in fine’, deste artigo, e o § 2°, ‘in fine’, do artigo 11”. 1. Não há razão para se tratar desigualmente os candidatos ao concurso público, dispensando-se, da prova de capacitação física e de investigação social, os que já integram o Quadro Permanente da Polícia Civil do Estado, pois a discriminação implica ofensa ao princípio da isonomia. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente pelo Plenário do S.T.F[27].

Como a isonomia deve existir entre todos os candidatos e em todas as fases do certame, permitir que determinados candidatos não sejam submetidos a certas provas, previamente relacionadas em edital de concurso público, em detrimento de outros, implica em ofensa ao referido princípio.

O Pretório Excelso, de forma semelhante, reconheceu que ofende o princípio da isonomia a criação de requisitos diferenciados de acessibilidade aos cargos públicos aplicáveis a grupos distintos de pessoas.

Isso ocorreu em um concurso público para Primeiro Tenente Médico Policial Militar do Quadro de Oficiais de Saúde do Estado de São Paulo, em que o edital exigia idade máxima de 35 anos apenas dos candidatos civis, não estabelecendo qualquer limite etário em relação aos candidatos militares.

 Essa regra tinha como propósito favorecer determinado grupo de pessoas – os candidatos militares –, por isso o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL afastou a sua incidência diante do caso concreto restaurando a ordem jurídica e garantindo a efetividade do princípio da isonomia.

Vejamos a ementa do acórdão.

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. CONCURSO PÚBLICO. MÉDICO MILITAR. LIMITE DE IDADE. 1. O recorrido, aprovado em concurso público para Primeiro Tenente Médico Policial Militar do Quadro de Oficiais de Saúde do Estado de São Paulo, não pôde ser empossado, sob o argumento de que, na época da inscrição para o certame, tinha mais de 35 anos de idade. 2. Edital que fixou idade máxima, em concurso para médico militar, apenas para inscrição de candidatos civis. A Corte de origem afastou essa diferenciação e determinou a posse do recorrido. 3. Se o bom desempenho das atividades de médico da Polícia Militar demanda a força física peculiar ao jovem, a exigência de 35 anos de idade máxima deveria ser atribuída a todo e qualquer candidato e não apenas aos civis. Fica claro que a distinção em debate foi criada para favorecer os militares. Precedente: RMS 21.046. 4. Agravo regimental improvido[28].

            Ainda, e isso tem ocorrido muito e é extremamente preocupante, o julgamento das provas discursivas nos concursos públicos tem se afastado do primado da isonomia, principalmente por outro vício anterior que é a falta de critérios objetivos de correção da prova, os quais deveriam vir expressos em uma “grade de correção”. .

            Nota-se que a partir do momento em que não há critérios objetivos de correção das provas de redação, seja quanto à estrutura, conteúdo, quanto às questões gramaticais, o julgamento passa a ser totalmente subjetivo e por isso incompatível com o princípio da isonomia.

            Quanto a essa conduta ilegal, FRACISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA[29], em obra especializada sobre o tema, adverte que:

A correta aplicação das provas de conhecimento depende de um tratamento adequado desde o edital do concurso. Como ato administrativo em que se extingue a discricionariedade do administrador, o edital deve descrever, com a maior riqueza de detalhes, o procedimento que será obedecido na aplicação das provas, sua forma, os critérios e métodos de avaliação e as notas mínimas exigidas, no caso de provas de natureza mista. Apenas os elementos indispensáveis para a efetividade das provas poderão permanecer em sigilo após a publicação do edital.

A chave de correção e o gabarito são os documentos que contém as respostas que se esperava dos candidatos e que serão consideradas certas na correção das provas. Terá a função de orientar os examinadores na correção das provas e de informar aos candidatos as respostas esperadas, permitindo-lhes verificar se não houve erros na correção de sua prova.

Conforme adverte o referido autor, “quanto menos objetiva a prova, mais detalhado deverá ser o gabarito a fim de evitar interferências subjetivas do examinador na correção das provas. No caso das questões escritas, deve ser elaborado um roteiro com todas as informações que se esperava que o candidato incluísse em sua resposta e os valores que lhes serão atribuídos. Quando houver outras habilidades sendo avaliadas – como clareza na exposição do raciocínio, ortografia etc. -, o gabarito deve conter descrição minudente do método de avaliação e pontuação destes fatores. Isto porque a principal função do gabarito é orientar o examinador na correção das provas, vinculando sua atuação e garantindo a objetividade na correção da prova”.

            É muito comum nos concurso, principalmente os feitos por bancas examinadoras pouco experientes, que não seja apresentado qualquer gabarito ou chave de correção, acarretando uma correção subjetiva e anti-isonômica das avaliações dos candidatos, pois há total falta de parâmetros.

            Em casos como estes deve o candidato pleitear administrativa e/ou judicialmente que a Banca divulgue a chave de correção com os critérios objetivos levados em consideração quando do julgamento de todas as provas.

            Para confirmar se a chave de correção foi utilizada de forma isonômica entre todos os candidatos, deve a Administração Pública, ou a Banca Examinadora, agir de forma transparente e liberar o acesso de todas as provas discursivas a todos os candidatos, pois ao final de contas o procedimento do concurso é publico e não há motivo para sigilo. Ainda, apenas pela comparação é que terá como se saber se houve ou não lesão ao princípio da isonomia no caso concreto, razão pela qual, como a Administração muitas vezes não divulga as provas dos demais candidatos, o interessado, para a defesa de seus direitos, poderá pleiteá-la judicialmente.

            Só assim é possível verificar se houve ou não isonomia e impessoalidade no julgamento das questões.

 Registra-se que não existe fundamento para o indeferimento do pedido, pois, por se tratar de processo seletivo, competitivo e pautado nos princípios que regem a conduta da Administração, as provas devem ser públicas da mesma forma que em uma licitação os documentos de habilitação e as propostas o são, sob pena de inviabilidade de controle e facilitação de ilegalidade.

            Não se trata de assunto ligado à segurança nacional e nem mesmo à intimidade das pessoas, que são as exceções constitucionais quanto à publicidade, mas sim de procedimento de contratação pública que seleciona os mais capacitados para trabalharem junto ao Poder Público.

[1] FRANCISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA. Regime jurídicos dos concursos públicos. São Paulo: Dialética, 2006. p. 39/40.

 

[2] STF – AI-Ag. 707590 – 1ª T. – Relª Minª Cármen Lúcia – DJ 13.02.2009

[3] STF – AI 501702 – MG – 1ª T. – Rel. Min. Eros Grau – DJU 13.05.2005

[4] AgRg nos EDcl no REsp 1.163.858/RJ, Rel. Min. Maria Thereza Assis de Moura, Sexta Turma, DJe 16.8.2010.

[5] AgRg no Ag 1.291.819/DF, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 21.6.2010.

[6] AgRg no RMs 29.811/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 8.3.2010.

[7] AgRg no HD 127-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 14/6/2006 (Informativo 288).

 

 

[8] STF – RHD 22 – DF – T.P. – Rel. Conv. p/ Ac. Min. Celso de Mello – DJU 01/09/1995.

[9] TRF/1ª Região, Processo: 200032000057912/AM, Sexta Turma, julgado em 19/11/2001, DJ 07/02/2002, p. 218.

[10] TRF/1ª Região, Processo: 199801000038470/DF, Segunda Turma, julgado em 08/09/1998, DJ 17/12/1998, p. 59.

[11] TRF/5a Região, Processo: 9605244152 / PE, Segunda Turma, Rel. Des. Fed. Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho, julgado em 02/09/1997, DJ 24/10/1997, p. 89.440.

[12]

[13] RE 451207 AgR, Primeira Turma, julg. em 29/06/2005.

[14] RMS 33825/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 07/06/2011, DJe 14/06/2011.

 

[15] In: Processo Administrativo Federal, 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. pg. 163

[16] ROMS 22508 / BA; Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, Quinta Turma, Julgamento 03/04/2008; Publicação/Fonte DJ 02.06.2008 p. 1.

[17] Esse mesmo entendimento ainda pode ser encontrado nos seguintes julgados: RMS 20851 / MS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, de 26/06/2007; no RMS 24716 / BA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, de 02/09/2008; no RMS 22508 / BA, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, de 03/04/2008; e no REsp 24046 / RJ; Rel. Min. Adhemar Maciel, de 04/08/1999.

 

[18] RMS 18401/PR, Relator Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, Julgado em 04/04/2006.

[19] Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 102.

[20] Em âmbito federal o limite é de até 50% do número de vagas inicialmente ofertado, conforme o Decreto n.º 6.944/2009.

[21] Ferraz, Sérgio, Dallari, Adilson Abreu. Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 45.

[22] Gordillo, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 1998, pp. 37-VI. Tomo 1

[23] Curso de Direito Administrativo, Ed. Malheiros,  29ª edição, 2012, São Paulo, p 125/126.

[24] Pazzaglini Filho, Marino. Princípios Constitucionais Reguladores da Administração pública. São Paulo: Atlas, 2000, p. 32

 

[25] Princípio da Isonomia e Concursos Públicos. Revista Eletrônica de Direito do Estado. Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 6, abril/maio/junho, 2006. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>.

[26] ROCHA, Francisco Lobello de Oliveira. Regime jurídico dos Concursos públicos. São Paulo: Dialética, 2006, p. 30.

[27] ADI 1072, Relator Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2003.

[28] RE 215988 AgR, Relatora  Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 18/10/2005.

[29] Regime Jurídico dos Concursos Públicos, Ed. Dialética, São Paulo, 2006, p. 125-126.

IDENTIFICANDO ATOS QUE VIOLAM O PRINCÍPIO DA MORALIDADE EM UM CONCURSO PÚBLICO

Pelo princípio da moralidade o administrador deve agir com honestidade, lealdade, boa fé. Muitas vezes o ato aparenta ser legal, porém é feito com desonestidade, em meio a conluios, o que nulifica a conduta. Se analisar a história evolutiva do referido princípio constatar-se-á que o mesmo surgiu inicialmente como uma das formas para o controle jurisdicional do desvio de poder.

É importante registrar que o fato de o administrador seguir a lei não significa, necessariamente, que agiu com moralidade. A conduta de acordo com o princípio da moralidade até se presume, pois em razão da legitimidade do ato administrativo há a presunção de que o ato foi feito corretamente. Ocorre que uma coisa é a presunção, outra bem diferente é afirmar que o ato feito de acordo com a lei também foi feito com esteio na honestidade, lealdade, etc.

A verdade é que nem sempre quando o administrador segue a lei ele estará agindo com honestidade. Por exemplo, nos autos de um concurso público todos os atos aparentemente estarão de acordo com a lei, não havendo, por isso, qualquer ilegalidade, porém, e isso não constará no processo, pode ser que o gabarito da prova tenha sido antecipado a algumas pessoas, em flagrante ato de desonestidade. Assim, apesar da aparente legalidade, se descoberta a antecipação do gabarito, o concurso será anulado por violação ao princípio da moralidade.

A importância dada ao princípio é tão grande que atos que atentem aos deveres de honestidade, lealdade são tipificados com atos de improbidade, sujeitando o seu infrator às penas da Lei 8.429/92, tais como: suspensão dos direitos políticos, perda do cargo ou função, etc.

            Nos concursos públicos em diversas situações verificamos a violação ao princípio da moralidade. Um caso típico é quando é exigido do candidato matéria fora do programa do edital. Além da flagrante violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, segurança jurídica e outros, há leão à moralidade.

Ensina a preclara professora ODETE MEDAUAR[1] que “em geral, a percepção da imoralidade administrativa ocorre no enfoque contextual; ou melhor, ao se considerar o contexto em que a decisão foi ou será tomada, A decisão, de regra. destoa do contexto, destoa do conjunto de regras de conduta norteadoras da disciplina geral norteadora da Administração.”

Pode-se dizer que o princípio da moralidade significa, portanto, a vinculação da norma aos valores e princípios morais que motivaram sua promulgação e, por consequência, a vinculação do Administrador a estes. Quer dizer que se a norma não cumpre suas finalidades esvazia-se, restando-lhe apenas a aparência de licitude.

Nota-se que no exemplo dado o comportamento adotado pela Administração ou pela Banca Examinadora não resiste a um teste de juridicidade frente a este sacramental princípio. Isso é de fácil percepção, pois internamente é apresentado um conteúdo programático no edital, onde há a presunção de que o mesmo será observado, porém na prática, de forma astuciosa e quebrando o pacto de confiança com o administrado-candidato, exige-se o conhecimento de conteúdos não explicitados no instrumento convocatório, agindo assim de forma imoral.

É certo que o ato administrativo quando produzido goza do atributo da presunção de legitimidade. Há a presunção de que foi o mesmo feito corretamente e que a Administração agiu de forma límpida e ética, porém demonstrado administrativa ou judicialmente o vício, deve a Administração, no exercício da autotutela administrativa, ou o Judiciário, em razão da inafastabilidade da jurisdição, combater o ato ilegal e anulá-lo. A presunção informada é apenas juris tantum, admitindo, por isso, prova em sentido contrário invalidação em do ato em caso de ilegalidade.

Neste contexto cai como uma luva a precisa lição de RÉGIS DE OLIVEIRA[2], quando afirma que:

“O administrador público não só tem que parecer honesto, como tem o dever de assim se comportar. Independentemente de ser um princípio constitucional previsto no art. 37 da Constituição da República, há o dever ético de ter conduta impecável. Não se trata do fato de confundir princípios morais com jurídicos. Cuida-se da incorporação de deveres éticos ao ordenamento normativo. As condutas humanas são captadas, como ímã, da realidade fática e trazidas ao inundo jurídico.

Ser probo na gestão de cargo ou função pública deixa de ser seu pressuposto ou mera obrigação moral para constituir-se em dever jurídico. A legislação incorporou a conduta ética, transformando-a em norma de direito.”

Não se comporta de maneira ética a Banca Examinadora quando apresenta um programa sobre o qual o candidato na confiança vai estudar, para na hora da prova ser cobrada questões completamente fora da realidade daquilo que foi “pactuado” no edital.

Em superficial comparação é como se um concurso apresentasse no edital como conteúdo programático a Lei 8.666/93 e cobrasse na prova uma questão de profundo conhecimento sobre registro de preços ou regras licitatórias nas parecerias públicos privadas, que, como sabido, estão previstas na lei 11.049/2004!

Não há dúvida da falta de ética e da astúcia do administrador no caso em comento, não podendo, sob nenhuma circunstância, passar essa ilegalidade de forma indiferente pelo Poder Judiciário.

[1] Direito Administrativo Moderno. São Paulo; RT, 1996, p. 142.

[2] OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Responsabilidade Fiscal São Paulo: RT, 2001, p. 5.

COMO IDENTIFICAR SE ESTÁ HAVENDO VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE EM UM CONCURSO PÚBLICO E COMO REOOLVER

 Como sabido a Administração deve atuar voltada para alcançar o interesse público, sendo esta única razão pela qual possui uma série de prerrogativas e poderes diferenciados.

Note-se que a Administração é impessoal. Quando o agente está em ação, em verdade quem está agindo é o Estado, que possui como contingente humano seus agentes. Porém, pela teoria do órgão – que é baseada na imputação – a conduta praticada pelo agente é imputada ao Estado.

Outro enfoque dado ao princípio da impessoalidade liga-se ao fato que está vedada qualquer conduta do gestor voltada para outro fim que não a satisfação do interesse coletivo, sob pena de desvio de poder e ilegalidade da conduta. Isso porque as prerrogativas que foram conferidas aos gestores lhes foram dadas para que os mesmos atuassem focados no objetivo de alcançar e satisfazer o interesse público.

Por esta razão são proibidas condutas voltadas a prejudicar ou beneficiar terceiros, sendo que a meta deve ser sempre a busca do interesse coletivo, o bem comum.

O concurso público é um dos instrumentos que garante a efetivação do princípio da impessoalidade na seleção de pessoal, por meio dele os servidores contratados pela Administração são selecionados sem a ingerência dos gestores públicos, impedindo o favorecimento ou o propósito de prejudicar os interessados em ingressarem no serviço público.

O concurso público é formado por uma série de atos ordenados e vinculantes, da mesma forma que a licitação. Convergindo o que foi exposto à matéria, tem-se que na elaboração do edital e na condução do certame a Administração, ou a Banca que esteja executando o mesmo, não pode praticar comportamentos que direcionem o procedimento.

Assim, a exigência de títulos que poucos candidatos possuem, além de aviltar o princípio da isonomia, atenta contra o primado da impessoalidade. É o caso, por exemplo, em um concurso para Delegado da Polícia Federal, ser atribuído título para quem já for policial federal. Há, no caso, um favorecimento aos agentes da Polícia Federal no concurso em detrimento aos demais policiais e, por isso, a regra está eivada de ilegalidade.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já decidiu que é desarrazoado o critério previsto em edital de concurso público que empresta ao tempo de serviço público pontuação superior àquela referente a títulos de pós-graduação.[1]

Ainda, este e o princípio da isonomia têm sido muito violados no momento da correção das provas de caráter discursivo, pois muitas vezes os critérios de correção não tem sido os mesmos gerando vantagens indevidas a uns e prejuízos não merecidos a outros.

Infelizmente essa é uma situação comum e o Judiciário se provocado deve analisar o caso e verificar se esta havendo julgamentos diferentes e se confirmado a falta de critérios ou inobservância dos mesmos deve ser anulado o ato de correção e determinada uma nova correção ou ser atribuída diretamente nota ao candidato como efeito da anulação do ato.

É claro que o ato praticado pela Administração ou pela Banca Examinadora possui a presunção de legitimidade, cabendo, por isso, o ônus da prova ao candidato que ingressa em juízo que deve em sua demanda provar de forma clara e quebra da isonomia e a falta de tratamento impessoal.

Muitas vezes o candidato não tem provas materiais e imediatas para confirmar sua pretensão, porém tem conhecimento do tratamento diferenciado. Nesta situação, se pedido em juízo, deve o magistrado determinar que a Administração ou a Banca Examinadora apresente em juízo as provas solicitadas para servir de parâmetro de comparação.

A única forma de garantir que tais princípios sejam observados é por meio de uma análise comparativa das provas entre candidatos e a chave de correção. Como procedimento público, competitivo, isonômico, os atos do concurso público devem ser públicos, razão pela qual o candidato tem o direito de obter acesso às provas e grades de correção com as notas de outros candidatos. Só assim é possível verificar se houve ou não isonomia e impessoalidade no julgamento das questões.

Registra-se que não existe fundamento para o indeferimento do pedido, pois, por se tratar de processo seletivo, competitivo e pautado nos princípios da Administração, as provas devem ser públicas da mesma forma que em uma licitação os documentos de habilitação e as propostas o são, sob pena de inviabilidade de controle e facilitação de ilegalidade.

Não se trata de assunto ligado à segurança nacional e nem mesmo à intimidade das pessoas, que são as exceções constitucionais quanto à publicidade, mas sim de procedimento de contratação pública que seleciona os mais capacitados para trabalharem junto ao Poder Público.

[1] .RE nº (Agr.Reg.) 205.535~RS, 2ª Turma, ReI. Min. MARCO AURÉLIO, em 22/5/1998 (Infonnativo STFnº 111, pubI. no DJ de 27/5/1998)

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CURRICULLUM

ALESSANDRO DANTAS

⇒ Advogado Especialista em Concurso Público, defendendo atualmente o interesse de mais de 1500 clientes;

⇒ Especialista e Mestre na área de Direito Público;

⇒ Professor de Direito Administrativo em graduação e em pós-graduação;

⇒ Professor de Direito Administrativo da Escola da Magistratura do Estado do Espírito Santo, 

⇒ Professor de Direito Administrativo da Escola Superior do Ministério Público do Estado do Espírito Santo

⇒ Palestrante e Ex-Coordenador Técnico do Congresso Brasileiro de Concurso Público;

⇒ Palestrante e Instrutor de Licitações e Contratos administrativos da Negócios Públicos;

⇒ Instrutor e palestrante sobre concursos públicos da ERX do Brasil, do Grupo Negócios Públicos;

⇒ Ex-Coordenador técnico do seminários avançado de PAD da ERX do Brasil;

⇒ Autor de 18 obras jurídicas, dentre as quais 5 tratam sobre o tema de concurso público;

⇒ Colaborador da revista LICICON;

⇒ Colaborador da revista Negócios Públicos;

⇒ Colaborador do site jusNavegandi;

⇒ Advogado Especialista em Concurso Público;Ex-Consultor Jurídico da ANDACON  –  Associação Nacional de Defesa e Apoio ao Concurseiro;

⇒ Advogado Especialista em Concurso Público;Palestrante em Eventos Nacionais sobre Concurso Público;

⇒ Advogado Especialista em Concurso Público;Professor e Palestrante sobre direitos dos concurseiros da LFG.

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