8.1 – INTRODUÇÃO
O texto constitucional em vigor estabelece que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego (art. 37, inciso II).
A prova de títulos é uma das formas de avaliar o mérito do candidato através da análise de sua produção científica, de sua vida acadêmica, de sua experiência profissional, etc.
Como o concurso público é o meio adequado para que a Administração Pública preencha seus quadros com pessoas que se mostrem habilitadas e capacitadas para desenvolver determinada atividade, sendo uma disputa imparcial onde se averigua o melhor e mais preparado candidato para executar determinada função, não é possível a seleção de candidatos apenas mediante análise de títulos, sendo essa determinação expressa no art. 37, inciso II, da Constituição Federal, que estabelece que o concurso público será de provas ou de provas e títulos.
A Constituição Federal define a exigência de concurso de provas ou de provas e títulos, outorgando à lei a atribuição de definir quais as provas, ou quais as provas e os títulos exigíveis, de acordo com a situação de cada cargo ou emprego público. A definição dos títulos exigíveis deve observar os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da adequação, bem como os demais princípios inseridos no caput do art. 37, da Constituição, aplicáveis a Administração Pública.
Como em qualquer outra prova de concurso público os critérios de avaliação da prova de títulos devem apresentar o maior grau de objetividade possível, devendo constar previamente no edital de abertura do certame os títulos que serão considerados e a pontuação de cada um, que será proporcional a importância para o exercício do cargo ou emprego público.
A jurisprudência é pacífica sobre o tema:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PROVA DE TÍTULOS. CRITÉRIOS. 1. Os critérios de avaliação da prova de títulos devem apresentar o maior grau de objetividade possível, o que determina que sejam fixados desde o lançamento do certame a titulação a ser considerada e a pontuação a ela referente. 2. Remessa oficial improvida[1].
Como os critérios objetivos para avaliação da prova de títulos devem constar no edital que regula o concurso público, ofende os princípios constitucionais da moralidade administrativa e da impessoalidade a fixação, após a entrega dos títulos, de critérios restritivos para a atribuição de pontos. Esse é o entendimento acolhido pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTROS DO ESTADO DE MINAS GERAIS. EDITAL N.º 001/99. PROVA DE TÍTULOS. COMISSÃO EXAMINADORA. ADENDOS, PUBLICADOS APÓS A APRESENTAÇÃO DOS TÍTULOS, QUE REDEFINEM E ALTERAM OS CRITÉRIOS IMPOSTOS PELO EDITAL. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE, FINALIDADE E IMPESSOALIDADE. PRECEDENTES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
O fato de a Comissão Examinadora, após a apresentação dos títulos pelos concorrentes, publicar adendos redefinindo ou alterando os critérios impostos pelo Edital n.º 001/99 de abertura do Concurso Público para provimento de vagas nos Serviços Notariais e de Registros Públicos do Estado de Minas Gerais, malfere os princípios da moralidade, finalidade e impessoalidade, norteadores do certame público, na medida em que fez distinções que trouxeram prejuízo ao Recorrente. Precedentes desta Corte[2].
Outrossim, em face dos princípios constitucionais da publicidade e da legalidade (Constituição Federal, art. 37, caput), deve ser assegurado aos candidatos acesso à avaliação do seu resultado, bem como a possibilidade de impugnar administrativamente o resultado da avaliação de títulos mediante recurso administrativo.
Os títulos a serem considerados no concurso público devem possuir pertinência com as atividades inerentes ao cargo ou emprego público, por isso não é qualquer título que pode ser aceito como critério de seleção dos concursandos.
Deste modo, em um concurso para juiz será irrelevante na avaliação de títulos o fato do candidato possuir pós-graduação em gastronomia ou em arte, pois somente devem ser levados em consideração os títulos que demonstrem o mérito do candidato para o exercício do cargo.
O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já reconheceu a inconstitucionalidade de normas que admitiam títulos sem pertinência com as atividades inerentes ao cargo ou emprego público:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Título de “Pioneiro do Tocantins”. Art. 25 da Lei n. 157, de 27.07.90, art. 29 e seu par. único do Decreto n. 1.520, de 8.08.90 e item 4.4 do Edital de Concurso de 15.09.90, D.O.E. de 16.10.90, do Estado do Tocantins. O título “Pioneiro do Tocantins”, previsto no “caput” do art. 25 da Lei n. 157/90; atribuído a servidores do Estado, nada tem de inconstitucional. Entretanto, quando utilizado para concurso de provas e títulos, ofende clara e diretamente o preceito constitucional que a todos assegura o acesso aos cargos públicos, pois, o critério consagrado nas normas impugnadas, de maneira obliqua, mas eficaz, deforma o concurso a ponto de fraudar o preceito constitucional, art. 37, II, da Constituição. Declaração de inconstitucionalidade da expressão “inclusive para fins de concurso público de titulos e provas” contida no par. único do art. 25 da Lei n. 157/90, do art. 29 e seu paragrafo único do Decreto n. 1.520, de 08.08.90, e da expressão “cabendo ao “Pioneiro do Tocantins”, como título, 30 (trinta) pontos, nos termos do art. 25, único, da Lei n. 157, de 27 de julho de 1990 e seu regulamento, contida no item 4.4 do edital de concurso público de 15.10.90, publicado no D.O.E. de 16.10.90[3].
8.2 PROVA DE TÍTULOS COM CARÁTER ELIMINATÓRIO
A prova de títulos, que deve ter caráter meramente classificatório, consiste na avaliação cultural do candidato, a partir da análise de sua efetiva produção científica, técnica ou artística pregressa, consoante os critérios estabelecidos no regulamento e no edital do concurso público.
A mesma não pode ter caráter eliminatório, pois atentaria contra o postulado da isonomia, já que os candidatos que acabaram de se formar, por exemplo, e que possuem os requisitos de acesso ao cargo estipulados por lei, seriam prejudicados, uma vez que não tiveram tempo hábil para realizar novos cursos, como especialização, mestrado, doutorado, etc.
Sobre o assunto é perfeita a lição do eminente administrativista JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO[4] ao asseverar que “a titulação dos candidatos não pode servir como parâmetro para aprovação ou reprovação no concurso público, pena de serem prejudicados seriamente aqueles que, contrariamente a outros candidatos, e às vezes por estarem em início da profissão, ainda não tenham tido oportunidade de obterem esta ou aquela titulação. Entendemos, pois, que os pontos atribuídos à prova de títulos só podem refletir-se na classificação dos candidatos, e não em sua aprovação ou reprovação. Só assim é possível considerar o concurso de provas e títulos compatível com o princípio da impessoalidade inscrito no art. 37 da CF”.
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal CARLOS AYRES BRITO[5], em artigo específico sobre o tema, é enfático ao asseverar que os títulos “servem tão-somente como critério de classificação dos candidatos, até porque se ostentassem natureza eliminatória, fariam com que os candidatos carecedores de densos currículos (os mais jovens e mais pobres, principalmente) já entrassem para a prova de conhecimento com a obrigação de saber mais do que os outros. E é intuitivo que tal ‘obrigação antecipada’ de saber mais lesionaria o princípio da igualdade”.
Sendo este o entendimento adotado no seguinte precedente do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
CONCURSO PÚBLICO. TÍTULOS. REPROVAÇÃO. Coaduna-se com o princípio da razoabilidade constitucional conclusão sobre a circunstância de a pontuação dos títulos apenas servir à classificação do candidato, jamais definindo aprovação ou reprovação. Alcance emprestado por tribunal de justiça à legislação estadual, em tudo harmônico com o princípio da razoabilidade, não se podendo cogitar de menosprezo aos critérios da moralidade e da impessoalidade[6].
Em que pese o entendimento doutrinário e jurisprudencial a respeito do assunto, é imperioso registrar que o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já entendeu de forma contrária, reconhecendo a possibilidade da prova de títulos possuir caráter eliminatório, como se verifica no seguinte julgado:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. TÍTULOS. CARÁTER ELIMINATÓRIO. POSSIBILIDADE. MOMENTO DE APRESENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE DETERMINAÇÃO. EXCLUSÃO DE CANDIDATO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO.
- Possível, consoante o entendimento deste STJ, a atribuição de caráter eliminatório à prova de títulos, desde que respeitados os princípios administrativos da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e finalidade.
- Silente o Edital do Concurso, quanto ao momento em que deveriam ser apresentados os títulos, não é dado à Comissão Examinadora implementar posteriormente o regramento, alterando-o de forma desigual, em desfavor de uns e outros. Ofensa ao princípio da isonomia que se reconhece.
- Ao Poder Judiciário só é dado corrigir eventual ilegalidade, jamais substituir, em suas atribuições, a banca examinadora constituída para tal fim.
- Recurso em Mandado de Segurança conhecido e parcialmente provido[7].
No entanto, entendemos que o posicionamento que melhor se coaduna com os princípios que norteiam a atuação da administração pública é o entendimento acolhido pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, pois estabelecer uma prova de títulos com caráter eliminatório compromete a eficiência e a competitividade do concurso público, uma vez que essa exigência desencorajaria a participação de várias pessoas no certame, em especial as mais jovens e as mais pobres, que por falta de tempo ou recursos financeiros não possuem títulos.
[1] TRF da 4ª Região, REO 199904010189745, Paulo Afonso Brum Vaz, Terceira Turma, julgado em 20/09/2000.
[2] RMS 18.050/MG, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 09/08/2005.
[3] ADI 598, Relator Min. Paulo Brossard, Tribunal Pleno, julgado em 23/09/1993.
[4] 2011, p 573.
[5] BRITO, Carlos Ayres. Concurso Público: Requisitos de inscrição. In: Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 1994, n.º 6, p. 70.
[6] AI 194188 AgR, Relator Min. Marco Aurélio, Segunda Turma, julgado em 30/03/1998.
[7] RMS 12908/PE, Rel. Ministro Edson Vidigal, Quinta Turma, julgado em 02/04/2002.