PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO
Dentre os princípios que regem o concurso público destaca-se o princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Isso significa que “todos os atos que regem o concurso público ligam-se e devem obediência ao edital que não só é o instrumento que convoca candidatos interessados em participar do certame como também contém os ditames que o regerão”[1], afinal, o edital cristaliza a competência discricionária da Administração que se vincula a seus termos.
Em tema de concurso público, é cediço que o Edital é lei entre as partes, estabelecendo regras às quais estão vinculados tanto a Administração quanto os candidatos, a teor doa artigos 18 e 19 do Decreto nº6944/2209.
A doutrina e a jurisprudência já sedimentaram que o princípio da vinculação ao edital nada mais é que faceta dos princípios da impessoalidade, da legalidade e da moralidade, mas que merece tratamento próprio em razão de sua importância.
Com efeito, o edital é ato normativo confeccionado pela Administração Pública para disciplinar o processamento do concurso público. Sendo ato normativo elaborado no exercício de competência legalmente atribuída, o edital encontra-se subordinado à lei e a Constituição e vincula, em observância recíproca, Administração e candidatos, que dele não podem se afastar.
A Administração deve pautar suas ações na mais estrita previsibilidade, obedecendo às previsões do ordenamento jurídico, não se admitindo assim, que se “desrespeite as regras do jogo, estabeleça uma coisa e faça outra,” [afinal], a confiança na atuação de acordo com o Direito posto é o mínimo que esperam os cidadãos concorrentes a um cargo ou emprego público”[2].
O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já decidiu que:
“CONCURSO PÚBLICO – PARÂMETROS – EDITAL. O edital de concurso, desde que consentâneo com a lei de regência em sentido formal e material, obriga candidatos e Administração Pública.”[3]
“MANDADO DE SEGURANÇA. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CONCURSO PARA A MAGISTRATURA DO ESTADO DO PIAUÍ. CRITÉRIOS DE CONVOCAÇÃO PARA AS PROVAS ORAIS. ALTERAÇÃO DO EDITAL NO CURSO DO PROCESSO DE SELEÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. (…)
Após a publicação do edital e no curso do certame, só se admite a alteração das regras do concurso se houver modificação na legislação que disciplina a respectiva carreira. Precedentes. (RE 318.106, rel. min. Ellen Gracie, DJ 18.11.2005). 3. No caso, a alteração das regras do concurso teria sido motivada por suposta ambigüidade de norma do edital acerca de critérios de classificação para a prova oral. Ficou evidenciado, contudo, que o critério de escolha dos candidatos que deveriam ser convocados para as provas orais do concurso para a magistratura do Estado do Piauí já estava claramente delimitado quando da publicação do Edital nº 1/2007. 4. A pretensão de alteração das regras do edital é medida que afronta o princípio da moralidade e da impessoalidade, pois não se pode permitir que haja, no curso de determinado processo de seleção, ainda que de forma velada, escolha direcionada dos candidatos habilitados às provas orais, especialmente quando já concluída a fase das provas escritas subjetivas e divulgadas as notas provisórias de todos os candidatos. 5. Ordem denegada”[4]
Vejamos uma situação prática em que o princípio da vinculação ao instrumento convocatório é aplicado. O edital de abertura do concurso deve prever o conteúdo programático tanto das provas objetivas quanto das provas discursivas, todas as questões ao serem elaboradas devem observá-lo. Uma vez estabelecido o conteúdo programático e publicado o edital não existe mais discricionariedade da Administração em escolher quais serão os temas avaliados nas provas, ou seja, a partir da publicação do edital a Administração fica estritamente vincula ao conteúdo programático.
Assim, qualquer questão que aborde um tema não abrangido pelo conteúdo programático do edital deverá ser anulada em razão da violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Quanto a isso a jurisprudência é pacifica, esse é o entendimento adotado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO NÃO PREVISTA NO EDITAL DO CONCURSO.
O Supremo Tribunal Federal entende admissível o controle jurisdicional em concurso público quando ‘não se cuida de aferir da correção dos critérios da banca examinadora, na formulação das questões ou na avaliação das respostas, mas apenas de verificar que as questões formuladas não se continham no programa do certame, dado que o edital – nele incluído o programa – é a lei do concurso’[5].
CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO NÃO PREVISTA NO EDITAL DO CONCURSO.
O Supremo Tribunal Federal entende admissível o controle jurisdicional em concurso público quando ‘não se cuida de aferir da correção dos critérios da banca examinadora, na formulação das questões ou na avaliação das respostas, mas apenas de verificar que as questões formuladas não se continham no programa do certame, dado que o edital – nele incluído o programa – é a lei do concurso’.[6]
CONCURSO PÚBLICO: controle jurisdicional admissível, quando não se cuida de aferir da correção dos critérios da banca examinadora, na formulação das questões ou na avaliação das respostas, mas apenas de verificar que as questões formuladas não se continham no programa do certame, dado que o edital – nele incluído o programa – é a lei do concurso.[7]
Na mesma trilha caminha a jurisprudência do EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. MAGISTRATURA. QUESTÃO DISCURSIVA. CONTEÚDO NÃO PREVISTO NO EDITAL DE ABERTURA DO CERTAME. ANULAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA VINCULAÇÃO AO EDITAL.
1 – A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem entendido ser possível a intervenção do Poder Judiciário nos atos que regem os concursos públicos, principalmente em relação à observância dos princípios da legalidade e da vinculação ao edital.
2 – In casu, não se trata de revisão dos critérios estabelecidos pela banca examinadora, mas, sim, de dar ao edital do certame interpretação que assegure o cumprimento das regras nele estabelecidas e em relação às quais estavam vinculados tanto a Administração quanto os candidatos.
3 – Não se desconhece que o exercício do cargo de Juiz de Direito exige conhecimento aprofundado sobre os mais variados ramos da ciência jurídica. Essa premissa, contudo, não tem o condão de afastar os já referidos princípios da legalidade e da vinculação ao edital, não se mostrando razoável que candidatos tenham que expor conhecimentos de temas que não foram prévia e expressamente exigidos no respectivo edital da abertura.4 – Recurso provido. [8]
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PROVAS. CONTROLE JURISDICIONAL. LIMITES.
Não é vedado ao Judiciário o exame de questão de prova de concurso público para aferir se esta foi formulada em obediência ao conteúdo programático, porquanto a Administração, na formulação das questões, vincula-se às regras estabelecidas no instrumento convocatório. Precedentes do STJ e STF. Recurso ordinário provido para determinar o retorno dos autos ao e. Tribunal a quo, para que julgue o writ nos estritos limites do pedido.[9]
Nesse caso não há revisão dos critérios estabelecidos pela Banca Examinadora, apenas se dará ao edital do certame interpretação que assegure o cumprimento das regras nele estabelecidas e em relação às quais estavam vinculados tanto a Administração quanto os candidatos, trata-se de um controle de legalidade[10].
A cobrança de matérias na prova não compreendida no conteúdo programático não viola apenas ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, mas também aos princípios da boa-fé administrativa e da proteção à confiança.
Precisando o sentido dos princípios da proteção à confiança e da boa-fé administrativa ALMIRO DO COUTO E SILVA[11] esclarece que boa-fé diz respeito à lealdade, correção e lisura do comportamento das partes, reciprocamente, que devem comprometer-se com a palavra empenhada. Já o princípio da proteção à confiança é atributo da segurança jurídica, que pode ser decomposto em duas partes: uma objetiva, que cuida dos limites à retroatividade dos atos estatais, e outra subjetiva, tocante propriamente à proteção da confiança das pessoas na atuação estatal.
A Administração ao publicar o edital do concurso contendo o conteúdo programático desperta no concursando a legítima expectativa de que somente as matérias ali compreendidas serão objeto de avaliação e o candidato ao se inscrever no certame concorda com os termos do edital se comprometendo a cumprir todas suas regras e a estudar as matérias elencadas pelo instrumento.
Na relação entre Estado e concursando deve haver reciprocidade de compromissos. Por isso enquanto o candidato se empenha em fazer tudo o que a Administração determina, esta deve respeitar todas as regras estabelecidas por ela mesma no edital.
Os candidatos partem do princípio de que a Administração respeitará a reciprocidade de compromissos assumida com todos os administrados que se inscreveram no concurso, assim se dedicam por horas durante vários dias ou até mesmo meses ao estudo das matérias previstas no conteúdo programático, mas no momento da aplicação da prova objetiva podem ser surpreendidos com a cobrança de uma matéria que a Administração se comprometeu a não avaliar. Esse comportamento da Administração representa um ato de deslealdade e um desrespeito ao compromisso assumido com todos os candidatos culminando na violação aos princípios da boa-fé administrativa e proteção à confiança.
Nesse caso não há revisão dos critérios estabelecidos pela Banca Examinadora, apenas se dará ao edital do certame interpretação que assegure o cumprimento das regras nele estabelecidas e em relação às quais estavam vinculados tanto a Administração quanto os candidatos. Trata-se de um controle de legalidade.
[1] MOTTA, Fabrício. (Coord.). Concurso público e constituição. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2005, p. 143.
[2] Idem, p. 146.
[3] RE nº 480.129/DF, Relator o Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe de 23/10/09.
[4] MS nº 27.160/DF, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJe de 6/3/09
[5] STF, RE 440.335-AgR/RS, Rel. Mininistro Eros Grau, julgamento em 17/06/2008.
[6] RE 440.335-AgR / RS, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 17-6-08, DJE de 1º-8-08.
[7] RE 434.708/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgamento em 21-6-05, DJ de 9-9-05
[8] RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 28.854 – AC (2009/0031841-2). Relator Paulo Gallotti.
[9] RMS 21197 / MA, rel. Min. Felix Fischer, j. 19/06/2007
[10] STJ, RMS 28854/AC, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 09/06/2009.
[11] O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à confiança) no Direito Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 1, n. 6, jul-set. 2004, p. 9.