LIMITAÇÃO DE IDADE NOS CONCURSOS PÚBLICOS: SAIBA QUANDO É PERMITIDA E QUANDO É PROIBIDA

LIMITAÇÃO DE IDADE

3.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

As limitações mínimas e máximas de idade para ingresso nos cargos e empregos públicos estão estabelecidas, em sentido amplo, na Constituição Federal. Os artigos 101, 104, parágrafo único e 73, § 1º, inciso I, todos da Constituição, estabelecem a idade mínima de 35 anos e máxima de 65 anos, para nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas da União, respectivamente.

De modo geral, o limite máximo de idade deve coincidir com a aposentadoria compulsória que acontece aos 70 anos, conforme o art. 40, inciso II, da Constituição. A idade mínima é 18 anos para o exercício de cargos, empregos e funções públicas para os quais a Constituição não impõe idade específica. Isso porque o art. 37, § 4º, da Constituição prevê a responsabilidade administrativa, civil e penal dos agentes públicos, ao passo que o art. 228 da Carta Constitucional exclui a responsabilidade penal dos menores de 18 anos[1].

No entanto, de acordo com o art. 7º, inciso XXX, da Constituição Federal, aplicável aos servidores públicos por determinação do art. 39 § 3º, a regra geral é a vedação de se fixar limite de idade como requisito de acesso aos cargos e empregos públicos.

Porém, algumas funções, para serem executadas com eficiência, exigem do agente público um vigor físico típico da juventude como, por exemplo, funções ligadas a carreira militar, enquanto outras funções, que possuem um alto grau de responsabilidade, exigem do agente público um elevado grau de maturidade. Por isso, quando a natureza do cargo exigir, a lei poderá estabelecer limites de idade diferenciados como requisito de acessibilidade aos cargos públicos, desde que observado a razoabilidade[2].

No SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL o primeiro caso a ser examinado à luz da Constituição de 1988 foi o Recurso em Mandado de Segurança nº 21.0466, em que foi relator o eminente MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE, sendo julgado em sessão plenária de 14 de dezembro de 1990.

Nesse primeiro precedente foi concedida segurança para autorizar a participação em concurso público para Advogado de Ofício da Justiça Militar de candidata com idade superior aos 35 anos exigidos em lei.

Nesse precedente se firmou o seguinte entendimento:

Concurso público: indeferimento de inscrição fundada em imposição legal de limite de idade, que configura, nas circunstancias do caso, discriminação inconstitucional (CF, arts. 5º e 7º, XXX): segurança concedida. A vedação constitucional de diferença de critério de admissão por motivo de idade (CF, art. 7., XXX) e corolário, na esfera das relações de Trabalho, do princípio fundamental de igualdade (CF, art. 5., “caput”), que se entende, a falta de exclusão constitucional inequívoca (como ocorre em relação aos militares – CF, art. 42, par. 11), a todo o sistema do pessoal civil. É ponderável, não obstante, a ressalva das hipóteses em que a limitação de idade se possa legitimar como imposição da natureza e das atribuições do cargo a preencher. Esse não e o caso, porém quando, como se da na espécie, a lei dispensa do limite os que já sejam servidores públicos, a evidenciar que não se cuida de discriminação ditada por exigências etárias das funções do cargo considerado[3].

Sobre o motivo da fixação de idade limite para ingresso no serviço público, o MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE observou em seu voto que “a razão histórica da regra e da exceção tradicionais foi bem identificada pela impetração, na questão da aposentadoria: sua inspiração no Estatuto dos Funcionários (art. 19) e nas diversas leis especiais, eramanifestamente a de poupar o Tesouro de aposentadoria de curto prazo. É preocupação, contudo, sob a Constituição vigente – e abstraída que fosse a garantia isonômica do art. 7, XXX -, que, de qualquer sorte, perdeu sua razão de ser, com o art. 202, § 2º, que deu hierarquia constitucional à conquista social contagem recíproca de tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural ou urbana, hipótese em que os diversos sistemas de previdência social se compensam financeiramente, segundo critérios estabelecidos”.

Como se nota nos fundamentos apresentados pelo MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE no julgamento do Recurso em Mandado de Segurança nº 21.0466, a razão histórica da limitação de idade para ingresso no serviço público, na maioria dos casos, não teve origem em dado referente às restrições de vigor físico decorrentes da idade, mas na intenção de poupar o erário do ônus de aposentadorias a curto prazo, sendo que este argumento perdeu muito de sua razão de ser com o advento da contagem recíproca.

A Constituição Federal, em face do princípio da igualdade, veda diferença de critérios de admissão em razão da idade, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas na Lei e aquelas em que a referida limitação constitua requisito necessário em face da natureza e das atribuições do cargo a preencher, desde que respeitado os princípios da legalidade e da razoabilidade.

Portanto, o que está proibido, em matéria de idade, como de resto, em todas as áreas, é a discriminação pela discriminação, a diferenciação injustificada. Nenhum dos critérios expressamente referidos pela Lei Maior, assim como todos e quaisquer critérios, poderá ser estabelecido sem que esteja associado a uma razão de direito.

 

3.2 LIMITAÇÃO DE IDADE E PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

No que tange ao princípio da legalidade aplicável aos concursos públicos o artigo 37, incisos I, da Constituição Federal é claro ao enunciar que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei. As regras são as mesmas para o ingresso nas Forças Armadas, de acordo com o art. 142, parágrafo 3º, inciso X, da Constituição Federal.

Com a aplicação do referido princípio constitucional aos concursos públicos, a Administração Pública só pode impor, como requisito para a aprovação em concurso público, as exigências que estejam previamente estabelecidas em lei, apenas lei em sentido formal – ato normativo emanado do Poder Legislativo.

Por isso, todos os requisitos de admissibilidade a cargos, empregos e funções públicas devem está previstos em Lei. Embora o Edital seja a “lei” interna do concurso, cujas regras obrigam candidatos e Administração Pública, é imperioso sempre ressalvar que as disposições editalícias não devem distanciar-se dos preceitos legais e muito menos da Constituição Federal.

O princípio da legalidade significa estar a Administração Pública, em toda sua atividade, presa aos mandamentos da Lei, deles não se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei é injurídica e expõe-se à anulação. Assim, a Administração Pública nada pode fazer senão o que a lei determina[4].

Por outro giro: não pode o edital ou outro ato normativo de escalão normativo inferior à lei inovar e criar exigências sem respaldo legal.

Assim, a previsão legal é indispensável para limitação etária em concurso público. Essa matéria é pacifica nos tribunais, como se nota na jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

AGRAVO REGIMENTAL. CONCURSO PÚBLICO. LEI 7.289/1984 DO DISTRITO FEDERAL. LIMITAÇÃO DE IDADE APENAS EM EDITAL. IMPOSSIBILIDADE. A fixação do limite de idade via edital não tem o condão de suprir a exigência constitucional de que tal requisito seja estabelecido por lei. Agravo regimental a que se nega provimento[5].

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONCURSO PÚBLICO. BRIGADA MILITAR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. LIMITAÇÃO ETÁRIA. DECRETO ESTADUAL 37.536/97. INVIABILIDADE. RESERVA LEGAL. 1. A imposição do critério discriminatório – limite de idade máximo – para inscrição no concurso público da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul deverá observar o postulado da reserva legal. A edição do Decreto estadual 37.536/97 não é instrumento legislativo hábil para a imposição da restrição etária no certame. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido [6].

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. LIMITE DE IDADE. NECESSIDADE DE LEI. FUNDAMENTOS INFRACONSTITUCIONAIS DEFINITIVOS. SÚMULA 283 DO STF. AGRAVO IMPROVIDO. I – Somente por lei se pode sujeitar candidato a limite de idade para habilitação a cargo público. II – Com a negativa de provimento ao recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça tornaram-se definitivos os fundamentos infraconstitucionais que amparam o acórdão recorrido. Incidência da Súmula 283 do STF. III – Agravo regimental improvido. [7]

 

            A limitação mínima e máxima de idade para ingresso no serviço público somente pode ser criada por Lei. A exigência desse requisito de acessibilidade por qualquer ato que não seja emanado do Poder Legislativo como, por exemplo, edital de abertura do concurso, regulamentos, decretos do Poder Executivo, é inconstitucional e, por isso, deve ser afastada pelo Poder Judiciário.

Nesse sentido veja o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL quanto à impossibilidade de fixação de limite de idade por meio de Decreto:

AGRAVO REGIMENTAL. CONCURSO PÚBLICO. LIMITAÇÃO DE IDADE. LEI COMPLEMENTAR 10.990/1997 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. DECRETO ESTADUAL 37.536/1997. ART. 42, § 9º, DA CF/1988 COM REDAÇÃO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL 41/2003. A fixação do limite de idade via decreto não tem o condão de suprir a exigência constitucional de que tal requisito seja estabelecido por lei. Agravo regimental a que se nega provimento[8].

Ainda, do mesmo Tribunal, veja-se o entendimento quanto à impossibilidade de fixação da idade por meio do edital.

“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NAS FORÇAS ARMADAS: CRITÉRIO DE LIMITE DE IDADE FIXADO EM EDITAL. REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. SUBSTITUIÇÃO DE PARADIGMA. ART. 10 DA LEI N. 6.880/1980. ART. 142, § 3º, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DECLARAÇÃO DE NÃORECEPÇÃO DA NORMA COM MODULAÇÃO DE EFEITOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. Repercussão geral da matéria constitucional reconhecida no Recurso Extraordinário n. 572.499: perda de seu objeto; substituição pelo Recurso Extraordinário n. 600.885. 2. O art. 142, § 3º, inciso X, da Constituição da República, é expresso ao atribuir exclusivamente à lei a definição dos requisitos para o ingresso nas Forças Armadas. 3. A Constituição brasileira determina, expressamente, os requisitos para o ingresso nas Forças Armadas, previstos em lei: referência constitucional taxativa ao critério de idade. Descabimento de regulamentação por outra espécie normativa, ainda que por delegação legal. 4. Não foi recepcionada pela Constituição da República de 1988 a expressão “nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica” do art. 10 da Lei n. 6.880/1980. 5. O princípio da segurança jurídica impõe que, mais de vinte e dois anos de vigência da Constituição, nos quais dezenas de concursos foram realizados se observando aquela regra legal, modulem-se os efeitos da não-recepção: manutenção da validade dos limites de idade fixados em editais e regulamentos fundados no art. 10 da Lei n. 6.880/1980 até 31 de dezembro de 2011. 6. Recurso extraordinário desprovido, com modulação de seus efeitos”[9].

 

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO AUTORIZADOR. AUSÊNCIA. ART. 321 DO RISTF. CONCURSO PÚBLICO. LIMITE DE IDADE FIXADO EM EDITAL E DECRETO ESTADUAL: IMPOSSIBILIDADE. 1. (…).

  1. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento de que a exigência de limite de idade em concurso público deve estar prevista em lei formal, não suprindo esta exigência a previsão em edital ou Decreto Estadual. 3. Agravo regimental improvido”[10].

AGRAVO REGIMENTAL. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL 7.176/1983 AFASTADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. LIMITAÇÃO DE IDADE APENAS EM EDITAL. IMPOSSIBILIDADE. O Tribunal de origem afastou a aplicação da Lei 7.176/1983 ao caso concreto. Impossível chegar a conclusão contrária sem o reexame da referida norma, o que enseja o descabimento do recurso extraordinário. A fixação do limite de idade via edital não tem o condão de suprir a exigência constitucional de que tal requisito seja estabelecido por lei. Agravo regimental a que se nega provimento. [11]

 

3.3 LIMITAÇÃO DE IDADE E PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE

Como já foi dito anteriormente, salvo nos casos em que a limitação de idade possa ser justificada pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido, não pode a lei, em face do disposto nos artigos 7º, inciso XXX, e 39, § 3º, da Constituição Federal, impor limite de idade para a inscrição em concurso público.

Também é certo que não há qualquer caráter discriminatório no estabelecimento de idade mínima e de idade máxima para o ingresso no serviço público, desde que o critério etário obedeça ao princípio da razoabilidade e seja estabelecido por lei e de acordo com as atribuições do cargo ou emprego a ser preenchido. 

Nesse sentido, a Súmula 683 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL assentou a regra geral da inviabilidade do requisito de idade, mas ressalvou as hipóteses em que a limitação pudesse justificar-se em virtude da natureza das atribuições do cargo a ser preenchido:

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a norma constitucional proíbe tratamento normativo discriminatório, em razão da idade, para efeito de ingresso no serviço público (CF, art. 39, par. 2., c/c art. 7., XXX), não se reveste de caráter absoluto, sendo legitima, em consequência, a estipulação de exigência de ordem etária quando esta decorrer da natureza e do conteúdo ocupacional do cargo público a ser provido[12].

O MINISTRO CELSO DE MELLO, relator do Recurso em Mandado de Segurança nº 21045, observou em seu voto que o tema concernente à fixação legal do limite de idade para efeito de inscrição em concurso público e de preenchimento de cargos públicos tem sido analisado pela jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL em função e na perspectiva do critério da razoabilidade, em ordem a identificar, como pressuposto de legitimação de possíveis tratamentos normativos diferenciados, a existência, no ato legislativo, de um vínculo de “correlação lógica entre o fator de discrímen e a desequiparação procedida” [13].

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ao analisar o conteúdo do postulado constitucional da isonomia, embasado na doutrina de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, acentua que se tem por vulnerada a cláusula de igualdade quando o fator diferencial indicado pela norma legislativa não mantém qualquer nexo de pertinência lógico-racional com a exclusão de benefício.

Por isso, o critério especificador escolhido pela lei a fim de circunscrever os atingidos por uma situação jurídica, que é o fator de discriminação, pode ser qualquer elemento radicado neles. Todavia, necessita inarredavelmente guardar relação de pertinência lógica com a diferenciação que dele resulta.

Isso significa que a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. É imprescindível que exista uma adequação racional entre o tratamento diferençado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que se o fator diferencial não guarda conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia e da razoabilidade[14].

Os limites de idade a serem estabelecidos devem pautar-se pela razoabilidade. Não se pode realmente admitir para cargos nos quais o preparo físico é fundamental, pessoas de quarenta ou cinquenta anos. Por outro lado, se a atividade a ser desenvolvida é predominantemente intelectual, não há porque vedar o ingresso de pessoas nessa faixa etária.

Para ingresso no cargo de agente fiscal de tributos o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA entendeu que o limite máximo de 35 anos afronta o princípio da razoabilidade:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. LIMITE DE IDADE. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. CF/1988, ART. 7., XXX.

O preceito inscrito no art. 7., XXX, da Carta Magna, que veda a adoção de critério discriminatório para acesso aos cargos públicos, inclusive por motivo de idade, deve ser concebido com razoabilidade, sem rigor absoluto, devendo ser considerada a natureza das funções, se exigem ou não vigor físico dos seus titulares, bem como a situação do candidato em face do serviço publico.

Afronta o mencionado principio constitucional a fixação do limite de idade em 35 anos para inscrição no concurso para provimento do cargo de agente fiscal de tributos estaduais[15].

Da mesma forma, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL entendeu sem razoabilidade o limite de idade para ingresso no cargo de médico:

AGRAVO REGIMENTAL. CONCURSO PÚBLICO. MÉDICO DA POLÍCIA MILITAR. EXIGÊNCIA DE IDADE MÁXIMA. VEDAÇÃO. AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE. A lei pode limitar o acesso a cargos públicos, desde que as exigências sejam razoáveis e não violem o art. 7º, XXX, da Constituição. Entretanto, não se pode exigir, para o exercício do cargo de médico da Polícia Militar, que o candidato seja jovem e tenha vigor físico, uma vez que tais atributos não são indispensáveis ao exercício das atribuições do cargo. Agravo regimental a que se nega provimento[16].

A legalidade ou não da limitação de idade será verificada diante do caso concreto. Não existe uma limitação padrão para ingresso no serviço público. Há que se verificar, pois, se o fator discriminatório exigido para o concurso possui uma justificativa racional e necessária diante do interesse público ou se resulta de mera discriminação fortuita. A ordem jurídica busca firmar a impossibilidade de desequiparações infundadas de tal sorte que nenhum fator discriminatório pode ser escolhido aleatoriamente, sem pertinência lógica com a diferenciação determinada.

Assim, requisito de acessibilidade que leva em consideração a idade dos candidatos deve ser fixado dentro dos limites da razoabilidade, visto que isso é uma decorrência da exegese do art. 7º, inciso XXX, da Constituição Federal, que veda a admissão do trabalhador através de critérios discriminatórios.

 

3.4 FIXAÇÃO DE IDADE MÁXIMA NA DATA DA MATRÍCULA EM CURSO DE FORMAÇÃO

Em qualquer concurso, quando a natureza do cargo exigir, o correto é fixar um limite máximo de idade para se inscrever, pois assim o candidato terá certeza se preencherá ou não o requisito etário. Nem sempre essa é a postura adotada pela Administração. Tem ocorrido com frequência, principalmente em concursos para ingresso na Polícia Militar, a fixação de limite máximo de idade na data da matrícula em curso em curso de formação de soldado ou oficial.

 

Os entes federados que adotam essa regra podem estabelecer, por exemplo, um limite máximo de 30 anos de idade na data da matrícula do curso de formação, que é uma fase do concurso. Assim, um candidato que se inscreveu no concurso com 30 anos, ou seja, dentro do limite máximo, e durante a execução das diversas fases do concurso vier a completar 31 anos antes de se matricular no curso de formação estará eliminado do certame.

            Embora o art. 37, inciso I, da Constituição Federal estabeleça que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, esse dispositivo não confere aos Entes Federados uma competência normativa que viabiliza a criação de requisitos de acessibilidade incompatíveis com as demais normas constitucionais.

Por isso, é inconstitucional qualquer lei que crie um requisito etário igual ou semelhante a este.

Somente pode ser fixado limite máximo de idade para inscrição no concurso público, visto que o direito de o candidato participar de um concurso não pode ficar condicionado a datas futuras e incertas, que são definidas exclusivamente pela Administração. Essa regra apenas limita ilegalmente o universo de candidatos e, assim, exclui indevidamente determinados concursandos com a demora da Administração em finalizar as fases do certame. Tal regra, ainda que prevista em lei e no edital, viola frontalmente o princípio da segurança jurídica e da razoabilidade.

Prever como requisito de acessibilidade um limite máximo de idade na data da matrícula no curso de formação ou em qualquer outra fase também facilita a manipulação do resultado definitivo do concurso, porque com a demora da Administração em concluir o certame alguns candidatos podem ser excluídos, uma vez que com o passar do tempo muitos deles terão ultrapassado o limite máximo de idade na data da matrícula no curso de formação.

            O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, analisando a Lei Complementar do Estado do Acre nº 164/2006, que previa como requisito para ingresso na policia militar a idade máxima de 30 anos, na data da matricula no curso de formação, entendeu com acerto que:

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO ACRE. LIMITAÇÃO ETÁRIA PARA A INSCRIÇÃO NO CURSO DE FORMAÇÃO DE SOLDADO. CANDIDATO QUE, DURANTE O PROCEDIMENTO DO CERTAME, ULTRAPASSA A IDADE LIMITE. NÃO HOMOLOGAÇÃO DE SUA INSCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO EDITALÍCIA. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 7º, INCISO XXX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

  1. Recurso ordinário em mandado de segurança em que se discute se o impetrante, inscrito no concurso público de admissão ao Curso de Formação de Soldado da Polícia Militar do Estado do Acre, quando possuía 30 anos de idade, tem direito líquido e certo de, aprovado, participar do curso de formação, mesmo tendo alcançado a idade de 31 anos durante o certame e antes da matrícula no referido curso, uma vez que a legislação estadual (LC n. 164/2006) e o edital do concurso dispõem que a matrícula no curso só é possível aqueles que tem, no máximo, 30 anos de idade.
  2. Conquanto o Superior Tribunal de Justiça tenha jurisprudência firmada no sentido da possibilidade de estabelecerem-se limites mínimo e máximo de idade para o ingresso nas carreiras militares, esse entendimento não é aplicável ao caso dos autos, uma vez que não se está a discutir o limite etário para a participação em concurso, mas, sim, a razoabilidade de indeferir-se a inscrição de candidato que, embora à época da inscrição preenchesse os requisitos do edital, veio, durante o certame, a ultrapassar a idade exigida para a inscrição no curso de formação.
  3. Se o Edital n. 056/2008 – SGA/PMAC não estabeleceu regras específicas para aqueles candidatos que, no momento da inscrição no concurso, possuíam 30 anos, deve-se admitir, porque razoável, que os candidatos inscritos nessa condição prossigam até a conclusão do curso de formação.
  4. Se não há norma legal que proíba a participação do candidato de 30 anos no certame, a administração responsável pelo concurso não pode-se beneficiar dessa omissão e atribuir seus efeitos ao candidato, ainda mais se considerado o fato de que não há previsão temporal para as etapas do certame. Foge da razoabilidade entender que a habilitação do candidato estava condicionada à não realização de aniversário de nascimento antes do início do curso de formação.
  5. A não homologação da inscrição do impetrante no curso de formação, portanto, está a ofender, além dos princípios da proporcionalidade e da moralidade, o art. 7º, inciso XXX, da Constituição Federal, uma vez que, de forma desarrazoada, utilizou-se a superveniente idade do impetrante como critério para excluí-lo de um certame que, conforme suas regras, o admitia, regularmente, como candidato apto à realização do curso de formação.
  6. Recurso ordinário provido para determinar que a inscrição do impetrante no curso de formação para soldado da PM do Estado do Acre seja homologada[17].

Não é a limitação da idade, em si, que ampara esse entendimento, mas o fato de o candidato preencher os requisitos legais e editalícios à época da inscrição no concurso e, depois de aprovado, não conseguir participar do curso de formação em razão da idade que alcançou durante o procedimento do certame, mesmo não havendo qualquer previsão editalícia que advertisse os candidatos de que eventual demora na conclusão do certame poderia ensejar o impedimento etário.

Isso porque, além de não se poder exigir que os candidatos com idade máxima na data de inscrição no concurso façam uma previsão da data de início do curso de formação, não se pode admitir que a Administração Pública, aceitando essa inscrição, obste o candidato, regularmente aprovado, de participar do curso de formação em razão do tempo transcorrido que ela deu causa.

Portanto, é o momento da inscrição no concurso que deve ser levado em consideração para verificar se o candidato preenche as condições etárias que o habilita a participar validamente do certame. Extrapola a razoabilidade entender que a idade máxima deve ser verificada na data da matrícula no curso de formação ou em qualquer outra fase do concurso.

[1] O limite mínimo de idade deve ser comprovado na data da posse no cargo ou emprego público, enquanto o limite máximo deve ser para inscrição no certame.

[2] CONCURSO PÚBLICO – IDADE. A imposição de limite de idade em concurso público somente e possível caso tal fator se encontre justificado pelas circunstancias que cercam o exercício da função. Aos servidores públicos aplica-se o disposto no inciso XXX do artigo 7º da Constituição Federal, isto por força de remissão inserta no par. 2º do artigo 39 nela contido. Relativamente ao magistério, descabe cogitar da idade máxima de 45 anos. (AI 156537 AgR, Relator  Ministro Marco Aurélio, Segunda Turma, julgado em 08/09/1994).

[3] RMS 21046, Relator Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 14/12/1990, DJ 14/11/1991

[4] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 7.

[5] RE 559823 AgR, Relator  Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 27/11/2007.

[6] RE 458735 AgR, Relatora  Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 29/11/2005, DJ 03/02/2006.

[7] AgRg-AI 589.906-6 (801) – 1ª T. – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – DJ 23.05.2008.

 

[8] RE 404656 AgR – RS – 2ª T. – Rel. Min. Joaquim Barbosa – DJU 23.09.2005.

[9] RE 600.885, DJe 1º.7.2011

[10] AI 804.624-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 22.10.2010.

[11] Ag.Reg. no Agravo de Instrumento 563.536 Distrito Federal,  15/05/2012, Relator :Min. Joaquim Barbosa.

[12] RMS 21045, Relator Ministro Celso de Mello, Primeira Turma, julgado em 29/03/1994.

[13] O Ministro Relator chegou a essa conclusão citando a doutrina de Celso Antonio Bandeira de Mello – O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 1998, p. 47.

[14] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 1998, p. 49.

[15] RMS 5793/RS, Relator Ministro Vicente Leal, Sexta Turma, julgado em 23/09/1996.

[16] AI 486439 AgR, Relator Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 19/08/2008.

[17] RMS 31.932/AC, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 16/09/2010, DJe 24/09/2010.

Entre em contato com o Dr. Alessandro Dantas

Alessandro Dantas

Alessandro Dantas

Alessandro Dantas, advogado especialista em ajudar candidatos de concursos públicos que sofrem injustiças e, também, servidores públicos perante atos ilegais praticados pela Administração Pública, atuando em Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e em Ações de Ato de Improbidade Administrativa.

Dr. Alessandro Dantas

Advogado Sênior Presidente

♦Advogado especialista em concursos públicos, nacionalmente conhecido;
♦Presidente da Comissão de Direito Administrativo da OAB.ES.
♦Especialista e Mestre na área de Direito Público.
♦Professor de Direito – Administrativo em graduação, em pós-graduação e em MBA
♦Professor de Direito Administrativo da Escola da Magistratura do Estado do Espírito Santo.
♦Professor de Direito Administrativo da Escola Superior do Ministério Público do Estado do Espírito Santo.
♦Professor de Direito Administrativo em Cursos Preparatórios no ES, DF e GO.
♦Coordenador do III Congresso Brasileiro de Concurso Público.

Nos Siga nas Redes Sociais

Leia Outros Artigos

ULTIMOS POSTS