QUANDO E COMO FAZER USO DO PRINCÍPIO DA RAZOALIDADE PARA A DEFESA DO CANDIDATO EM UM CONCURSO PÚBLICO

Avaliar se o candidato tem idoneidade moral ou reputação ilibada nem sempre é uma tarefa simples e pode dar margem a arbitrariedades praticas pela Administração. Para que a investigação social seja realizada de forma razoável é indispensável que a condição social e moral do candidato seja realmente incompatíveis com as funções do cargo ou emprego público. 

Os fatos que motivarem a inaptidão do candidato devem ser graves. Não é qualquer fato comprovado pela Administração que tem o potencial de eliminá-lo, conforme entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. EXCLUSÃO DE CANDIDATO NO CURSO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL. DECRETO-LEI 2.320/87. INQUÉRITO POLICIAL E SINDICÂNCIA. AUSÊNCIA DE FATO COMETIDO PELO CANDIDATO DO QUAL RESULTASSE CONDENAÇÃO.

  1. O Decreto-lei 2.320/87, art. 8º, I, estabelece como requisito para matrícula em curso da Academia Nacional de Polícia ter o candidato procedimento irrepreensível e idoneidade moral inatacável.
  2. É legítima a exigência de requisitos de conduta dos candidatos a serem verificados em investigação social de caráter eliminatório.
  3. Não há que se confundir presunção de inocência com requisitos de boa conduta, para o ingresso no cargo de agente de polícia federal. Não se confundem primariedade e bons antecedentes no âmbito do Direito Penal, com conduta social.
  4. A discricionariedade da Administração Pública na análise da conduta social não pode implicar em arbitrariedade a ponto de considerar punição de 2 (dois) dias de detenção em posto por falta de um parafuso no armamento e a absolvição em sindicância, como motivação para exclusão de candidato do curso de formação profissional.
  5. A aferição dos fatos que conduzem a juízo de inidoneidade moral há de considerar a gravidade do fato, sua contumácia e o resultado do inquérito e/ou a sindicância[1].

O motivo alegado pela Administração para eliminação do candidato somente será válido se este, por si só, for potencialmente lesivo ao interesse público. Se a conduta do candidato em nada ferir o interesse público, esta não poderá ser usada como argumento de eliminação, pois o que a Administração busca, em essência, é preservar o interesse público e não simplesmente punir eventuais condutas desabonadoras dos pretensos candidatos ao cargo público.

Assim, caso a Administração elimine candidato na fase de investigação social por qualquer fato que em nada contraria o interesse público, estará violando o princípio da razoabilidade[2].

 

4.4 AÇÃO PENAL E INQUÉRITO POLICIAL

 

Na fase de investigação social a Administração Pública, em alguns casos, tem considerado como motivo suficiente para eliminação de candidatos a existência de ação penal ou até mesmo de inquérito policial, que, do ponto de vista constitucional, é inaceitável.

A Constituição Federal estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, inciso LVII), consagrando a presunção de inocência, um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, como garantia processual penal. Por isso, é necessária a comprovação da culpabilidade do indivíduo, sendo esta uma incumbência atribuída essencialmente ao Estado.

O princípio constitucional da presunção de inocência não tem seu âmbito de aplicação restrito ao direito penal, pois é aplicável no direito administrativo, em especial em matéria de concurso público.

A fase de investigação social não pode ser pautada em critérios estabelecidos pelo arbítrio do administrador sem qualquer compatibilidade com a Constituição. Se a Constituição assegura que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, o indivíduo que responde a ação penal sem trânsito em julgado deve ser considerado inocente não apenas para efeitos penais, mas também para quaisquer outros fins, inclusive para efeito de aprovação em concurso público.

Por isso, é inconstitucional excluir candidatos na fase de investigação social por figurar com réu em ação penal que não possui sentença condenatória transitada em julgado. Com muito mais razão, é igualmente inconstitucional excluir candidatos que respondem ou responderam a inquérito policial, que é um procedimento inquisitório onde não é observado o princípio da ampla defesa e do contraditório.

Assim tem decidido o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR. CANDIDATO. ELIMINAÇÃO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. ART. 5º, LVII, DA CF. VIOLAÇÃO. Viola o princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, a exclusão de candidato de concurso público que responde a inquérito ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes[3].

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL. INQUÉRITO POLICIAL. EXCLUSÃO DO CERTAME. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que viola o princípio constitucional da presunção de inocência a exclusão de candidato de concurso público que responde a inquérito ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. [4]

            No mesmo sentido é o entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. EXCLUSÃO DO CANDIDATO NA ETAPA DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE PROCESSO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. PRELIMINARES DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL AFASTADA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

[…]. Não se mostra admissível a exclusão de candidato pela verificação de existência de processos criminais, mesmo na fase de investigação social, se inexistir condenação transitada em julgado, sendo certo que o princípio constitucional da presunção de inocência não incide exclusivamente na esfera penal, mas também na seara administrativa. Precedentes desta Corte.

É possível a revisão do ato impugnado pelo Poder Judiciário, a quem cabe examinar a legalidade de todo procedimento administrativo, inclusive afastando decisões que se mostrem desarrazoadas e desproporcionais[5].

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.  CONCURSO PÚBLICO. EXCLUSÃO DE CANDIDATO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. INQUÉRITO POLICIAL ARQUIVADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

I – Consoante já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, o simples fato de o candidato haver sido investigado em inquérito policial posteriormente arquivado, não pode ser considerado como desabonador de sua conduta, de forma a impedir sua participação no concurso público. Precedentes.

II – A aferição sobre a exclusão de candidato do processo seletivo em virtude da simples existência de inquérito policial arquivado não implica revolvimento, cotejo, ou exame de prova, não sendo aplicável a Súmula 07/STJ[6].

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. EXCLUSÃO DE CANDIDATO POR CONDENAÇÃO NA ESFERA PENAL. SENTENÇA NÃO TRANSITADA EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. Em observância ao princípio da presunção de inocência – art. 5º, LVII, da Constituição Federal -, não se admite, na fase de investigação social de concurso público, a exclusão de candidato condenado na esfera criminal por sentença não transitada em julgado. Precedentes do STF e do STJ. 2. Recurso ordinário provido. [7]

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DETETIVE DA POLÍCIA CIVIL. APROVAÇÃO. POSTERIOR INABILITAÇÃO EM INVESTIGAÇÃO SOCIAL. NOMEAÇÃO TORNADA SEM EFEITO. DESCABIMENTO. DIREITO À POSSE. COMETIMENTO DE ATO INFRACIONAL. CUMPRIMENTO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. INABILITAÇÃO INDEVIDA. 1. Constitui entendimento já consagrado por este Tribunal Superior que o candidato nomeado, após regular aprovação em concurso público, tem direito à posse. Precedentes. 2. Conquanto se trate o ato de nomeação, de ato discricionário, gera direitos para o nomeado, não podendo, pois, ser desconstituído sem o devido processo legal, como ocorrera na espécie. 3. Ademais, da leitura dos autos depreende-se que o motivo que culminou com a aludida inabilitação consiste na imposição ao Impetrante de medida sócio-educativa já cumprida, em razão do cometimento de delito há mais de 7 (sete) anos. Vale dizer, em época em que o Recorrente ainda era inimputável. 4. Nessa esteira, merece reforma o aresto hostilizado, na medida em que contrário à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, afrontando, outrossim, os princípios que informam a própria Política Criminal, tendo em vista as finalidades do nosso sistema jurídico-penal, principalmente, no que diz respeito ao caráter ressocializante da pena (ou medida sócio-educativa), com vistas à harmônica integração social do apenado (ou do infrator). 5. Recurso conhecido e provido. [8]

É pacífico nos Tribunais Superiores que ação penal sem sentença condenatória com trânsito em julgado não é motivo legítimo para excluir candidato na fase de investigação social, por ser um critério que afronta o princípio da presunção de inocência.

Mas por quanto tempo uma condenação criminal pode obstar o ingresso no serviço público? O Código Penal elimina de nosso sistema a perpetuidade dos efeitos da condenação criminal determinando em seu art. 64, inciso I, que não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação.

Em matéria de concurso público entendemos ser razoável aplicar esse prazo. Assim, uma pessoa que tenha sido condenada criminalmente, após 5 anos do cumprimento da pena não pode ser eliminada de concurso público na fase de investigação social por ter se envolvido em práticas delituosas no passado. Pensar de modo contrário permitiria a imposição de penas de caráter perpétuo, o que é vedado pela Constituição Federal (art. 5º, XLVII, “b”). Além disso, presumir a irrecuperabilidade de quem já cometeu delito penal jogaria por terra toda a política criminal da reabilitação e reintegração do delinquente a seu meio social.

Também é ilegítimo ato administrativo que, em sede de investigação social, elimina de concurso público candidato beneficiado por sentença penal que declara a extinção da punibilidade.

O fato de um candidato ter respondido a ação penal que resultou na extinção da punibilidade não configura fator suficiente para desabonar a sua conduta, em se considerando, sobretudo, que não se trata de condenação. Por isso, uma eliminação com base nesse motivo viola o princípio da presunção de inocência.

Nesse sentido, é a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

CONCURSO PÚBLICO. CAPACITAÇÃO MORAL. PROCESSO-CRIME. PRESCRIÇÃO. Uma vez declarada a prescrição da pretensão punitiva do Estado, descabe evocar a participação do candidato em crime, para se dizer da ausência da capacitação moral exigida relativamente a concurso público[9].

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO DO DF. INVESTIGAÇÃO SOCIAL E FUNCIONAL. SENTENÇA PENAL EXTINTIVA DE PUNIBILIDADE. OFENSA DIRETA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. MATÉRIA INCONTROVERSA. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279. AGRAVO IMPROVIDO.

Viola o princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal a exclusão de candidato de concurso público que foi beneficiado por sentença penal extintiva de punibilidade[10].

            A prescrição da pretensão punitiva não implica responsabilidade do acusado, não desabona seus antecedentes, nem induz futura reincidência. Assim, a extinção da punibilidade não deixa sequelas jurídicas na vida do acusado[11]. Isso justifica a ilegitimidade de ato administrativo que na fase de investigação social elimina candidato beneficiado por sentença que extingue a punibilidade.

[1] TRF da 1ª Região, AMS 2002.34.00.039562-3/DF, Relatora Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Quinta Turma, julgado em 19/11/2004.

[2] MADEIRA, José Maria Pinheiro. Servidor Público na Atualidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 138.

[3] RE 559135 AgR, Relator  Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 20/05/2008.

[4] AgRg no AI 769.433/CE, Rel. Min. EROS GRAU, DJU 12.02.2010

[5] AgRg no Ag 1282323/RJ, Relator Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador Convocado do TJ/CE), Sexta Turma, julgado em 22/02/2011.

[6] AgRg no REsp 1173592/MG, Relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 23/11/2010.

[7] STJ – RMS 32.657 – RO – Proc. 2010/0139321-3 – 1ª T. – Rel. Min. Arnaldo Esteves

[8] STJ – RMS 18613 – MG – 5ª T. – Rel. Min. Laurita Vaz – DJU 07.11.2005 p. 312

[9] RE 212198, Relator Ministro Marco Aurélio, Segunda Turma, julgado em 14/08/2001.

[10] RE 450971 AgR, Relator  Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 01/02/2011.

[11] Ver HC 72844, Relator Ministro Francisco Rezek, Segunda Turma, julgado em 26/09/1995.

O PODER DO PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO NO CONTROLE DOS DOS CONURSOS PÚBLICOS

A ideia é sempre a mesma: existe uma estrutura administrativa que é responsável pela gestão do interesse público, ou seja, pela administração da “coisa pública”.

            Porém, o povo, como verdadeiro titular do poder, tem o direito e o dever de fiscalizar o exercício dessa gestão, a qual não é feita da mesma forma como sucede na iniciativa privada.

            Na gestão da res publica deve o gestor observar a vontade do único e verdadeiro titular do poder: o povo, que externa sua vontade por meio da lei, verdadeira “procuração geral” que representa a vontade da coletividade em determinado tempo e espaço.

            Assim, para que se possa controlar as atividades levadas a cabo pelos gestores, administradores públicos, devem os mesmos motivar seus atos, expondo os fundamentos de fato e de direito que autorizaram a conduta praticada.

            Apenas a título de exemplo, quando um agente de trânsito pretende punir um condutor pela inobservância de normas de trânsito não pode simplesmente aplicar uma penalidade sem que justifique os “porquês” fáticos e jurídicos que a embasaram.

            Por isso, para que o ato punitivo seja válido é necessário que o agente competente apresente, de forma clara e congruente, os motivos de fato que ensejaram a conduta, ou seja, a ocorrência real de uma conduta de possível ocorrência, como é o caso de avanço de um semáforo vermelho.

            Ainda, é necessário provar que o direito presta relevância aquela conduta de possível ocorrência e atribui uma consequência jurídica a ela. No exemplo dado, compete ainda ao administrador demonstrar o artigo legal que qualifica o avanço de sinal vermelho como uma infração de trânsito.

            Agora sim, frente a estes pressupostos, o agente irá praticar a conduta lavrando o auto de infração aplicando a penalidade que a lei prevê ao condutor infrator.

            A descrição de todos esses dados, motivo de fato, indicação do artigo legal, da penalidade, a congruência vinculada ou discricionária da sanção aplicada, constitui o que a doutrina nomina de “motivação”.

            Não se pode confundir motivo (elemento do ato administrativo) com motivação. O primeiro todo ato possui, sendo elemento formativo do mesmo. É o acontecimento que ensejou a prática do comportamento. Já a motivação, é a exteriorização linguística dos motivos de fato e de direito. É a regra, porém é possível sua dispensa, como ocorre, por exemplo, para a nomeação e exoneração de cargos comissionados, hipótese em que o próprio Ordenamento Jurídico dispensa a motivação. Por isso são chamadas de nomeação e exoneração ad nutum.

Nos concursos públicos esse princípio é de extrema importância.

É muito comum nas provas discursivas a nota atribuída sem a motivação dos descontos. Não há, muitas vezes, ato concreto e motivado justificando os porquês dos descontos.

O artigo 50, incisos I e III, da Lei 9.784/99 é claro ao enunciar que:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;

[…]

  • 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

          Infelizmente, ocorre com frequência o candidato ser surpresado ao ter vista de sua prova e, apesar de inúmeros descontos em sua nota, não haver qualquer apontamento em sua prova, existindo apenas (quando exiaste) uma chave de correção com os quesitos avaliados e uma pontuação atribuída. Dessa maneira o candidato não tem como saber a título de que ocorreram os descontos previstos na chave de correção!

A título de exemplo peguemos a seguinte grade de correção de uma prova:

Diante desta grade e de uma prova sem qualquer apontamento, pergunta-se: por que em às “consequências advinda da atuação em flagrante” o candidato obteve 1,60 pontos dos 4,00 pontos possíveis? Veja-se que não é possível saber!

Por que em relação à “ação penal nos crimes contra a dignidade sexual e sua repercussão no inquérito policial” o candidato obteve 1,80 pontos dos 3,00 pontos possíveis?

É um direito dos candidatos saberem a título de que houve o desconto e não simplesmente a Banca Examinadora chegar e “jogar” uma nota em cima da chave de correção!

Veja-se que neste caso fica até difícil recorrer, pois recorrer de que se não se sabe ao certo de onde proveio o desconto da nota?

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já anulou os descontos de correção quando os mesmos foram dados feitos de forma imotivada.

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO NA CORTE DE ORIGEM. CONCURSO PÚBLICO PARA DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. NEGATIVA DE ACESSO AOS CRITÉRIOS UTILIZADOS NA CORREÇÃO DA PROVA SUBJETIVA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DA BANCA EXAMINADORA ACERCA DOS RECURSOS ADMINISTRATIVOS CONTRA REFERIDA PROVA. VIOLAÇÃO AO ART. 50 DA LEI 9.784/99. RECURSOS ESPECIAIS PROVIDOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

  1. A motivação, nos recursos administrativos referentes a concursos públicos, é obrigatória e irrecusável, nos termos do que dispõe o art. 50, I, III e V, §§ 1o. e 3o. da Lei 9.784/99, não existindo, neste ponto, discricionariedade alguma por parte da Administração.
  2. Com relação ao Impetrante JOÃO GUILHERME MEDEIROS CARVALHO salta aos olhos a total ausência de motivação na correção das provas discursivas e nos respectivos recursos administrativos. Há apenas suposições, externadas pelos ilustres relator e revisor do feito em segundo grau, de que os apelos administrativos do Impetrante foram examinados e devidamente motivados, não tendo sido apresentadas, entretanto, motivações idôneas e circunstanciadas, nos moldes preconizados pelo já mencionado art. 50 da Lei 9.784/99.
  3. Quanto aos demais litisconsortes (JANE KLÉBIA DO NASCIMENTO SILVA PAIXÃO E OUTROS), constata-se a ausência de qualquer elemento que pudesse ter o condão de indicar os critérios utilizados pelo examinador para aferição das notas na prova subjetiva, bem como a sucinta, lacônica e estereotipada abordagem feita na revisão das provas.
  4. Afirmativas que não traduzem reexame do material fático, mas sim valoração do conjunto probatório trazido aos autos quando da impetração do Mandado de Segurança.
  5. Agravo Regimental desprovido.

Nesse ponto a doutrina também é acorde.

Neste sentido, FRANCISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA[1] doutrina que:

Conforme procuramos demonstrar, não deve restar qualquer margem de subjetividade ao examinador no momento da correção das provas, que estará vinculada ao gabarito. Como ato administrativo que é, a correção das provas deve ser devidamente motivada, de forma a permitir que o candidato conheça as razões da nota que lhe foi atribuída. Deve ficar claro o que foi considerado errado na resposta dada pelo candidato e a fundamentação da subtração de pontos.

            Por fim, faz-se necessário tecer alguns comentários sobre uma teoria amplamente aceita em nossa doutrina e jurisprudência. Trata-se da importante Teoria dos motivos determinantes, cujo berço de nascença se deu nos tribunais pertencentes ao sistema de contencioso administrativo na França.

            Segundo essa teoria os motivos atribuídos para a prática de um ato se vincula à sua validade, de forma que se os mesmos forem falsos ou inexistentes fulminada estará a validade do ato.

            Vejamos um exemplo para elucidar a questão. Tem ocorrido com frequência a indicação de erros inexistentes na correção de provas discursivas de concurso público culminando na subtração ilegal de pontos dos candidatos.

Como a motivação vincula o agente aos termos em que foi mencionada, uma vez comprovado que inexistem os motivos mencionados no ato administrativo como determinante da vontade do Examinador na correção da prova, este ato está inquinado de vício de legalidade, e, portanto, deve ser invalidado, e a pontuação correspondente aos erros inexistentes, deve ser atribuída integralmente ao candidato prejudicado.

A jurisprudência tem se manifestado no sentido de ser plenamente aplicável a teoria dos motivos determinantes em casos de concurso público.

Os julgados citados abaixo confirmam o que estamos dizendo:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ESCOLA DE FORMAÇÃO DE SARGENTOS. INSPEÇÃO DE SAÚDE. ELIMINAÇÃO. FALTA DE MOTIVAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. 1. O mandado de segurança é a via adequada para impugnar ato administrativo tido por ilegal e abusivo, ante a falta de motivação, devendo a prova vir pré-constituída. 2. Hipótese em que, eliminado o candidato do concurso público por ter sido “contra-indicado” em inspeção de saúde realizada pela Junta de Saúde da Organização Militar, que diagnosticou ser portador de doença de Chagas, trouxe o impetrante para os autos resultados de dois exames realizados por laboratórios distintos, ambos negativos para a mencionada doença, satisfazendo o requisito da prova pré-constituída. 3. Inexistente o motivo alegado para a eliminação do impetrante (teoria dos motivos determinantes), inexiste razão válida para a prática do ato, que, por isso, deve ser anulado. 4. Sentença confirmada. 5. Desprovidas a apelação e a remessa oficial[2].

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. PROCURADOR DO INSS. INDEFERIMENTO DE TÍTULO. DESCLASSIFICAÇÃO. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. 1. tendo o candidato sido desclassificado do certame em decorrência da rejeição de certidão de prática forense, sob o argumento de inobservância de forma e rasura, fica a autarquia adstrita às razões do indeferimento da banca examinadora, por força da teoria dos motivos determinantes. 2. ausentes os motivos alegados, inatacável a decisão concessiva de liminar para prosseguimento do candidato no certame. 3. agravo de instrumento improvido[3].

 

2.8 – PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

 

Os princípios do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, revelam-se nos concursos públicos, entre outros casos, por ocasião da impetração de recursos contra o resultado das provas.

Esse é o momento que o candidato tem para apresentar suas razões contra o resultado obtido na prova e solicitar a reavaliação da mesma e, conseqüente, atribuição da nota realmente merecida. Cabe à banca examinadora analisar cuidadosamente os recursos e, caso não dê provimento aos pleitos, divulgar detalhadamente as razões de sua decisão (art. e 50, inciso V, da Lei 9.784/99).

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO[4], ao discorrer sobre os princípios do devido processo legal e da ampla defesa, assinala que “estão aí consagrados, pois, […] a necessidade de que a Administração Pública, antes de tomar decisões gravosas a um dado sujeito, ofereça-lhe oportunidade de contraditório e de defesa ampla, no que se inclui o direito a recorrer das decisões tomadas”.

Ao tratar dos princípios específicos do procedimento administrativo, o eminente doutrinador alude, ainda, ao “princípio da revisibilidade”, que, segundo ele, “consiste no direito de o administrado recorrer da decisão que lhe seja desfavorável”[5].

JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO leciona[6] que “por se tratar de procedimento administrativo em cujo cerne se encontra densa competitividade entre os aspirantes a cargos e empregos públicos, o concurso público não raras vezes rende ensejo à instauração de conflitos entre os candidatos, ou entre estes e o próprio Poder Público. É importante, em conseqüência, que essa característica marcante seja solucionada de forma legítima, sobretudo com a aplicação dos princípios da motivação e do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF)”.

Com efeito, a disposição editalícia que não autoriza a interposição de recursos em relação ao resultado das provas, seja ela objetiva, discursiva, avaliação psicológica, teste físico, etc., fere o princípio do contraditório e da ampla defesa, previsto no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal.

Sobre o assunto, confiram-se os seguintes julgados do colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA e do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, respectivamente:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. APONTADA NEGATIVA DE VIGENCIA AO ART. 9º, INCISO VII, DA LEI N. 4878/65. CONCURSO PUBLICO. EXAME PSICOTECNICO. CRITERIOS ADOTADOS QUE INIBEM O CANDIDATO DE RECORRER DO RESULTADO DO EXAME. INADMISSIBILIDADE. E injustificável o comportamento da administração fazendo inserir nas instruções normativas baixadas através do edital de concurso a vedação ao pedido de vista ou a interposição de recurso do resultado da seleção psicológica[7].

Recurso extraordinário. Agravo regimental. Concurso público. Exame psicotécnico previsto no edital que rege o concurso, com base em critérios meramente subjetivos. Irrecorribilidade de seu resultado. 3. Violação dos arts. 5º, XXXV, e 37, caput e incisos I e II, da Constituição Federal. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento[8].

 

            No mesmo sentido decidiu o TRIBUNAL REGIONAL DA 1ª REGIÃO:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DO GABARITO PRELIMINAR. DESCLASSIFICAÇÃO DO CANDIDATO. IRRECORRIBILIDADE. AFRONTA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. ANULAÇÃO DE QUESTÕES. CRITÉRIOS DE CORREÇÃO DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.

A garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa, observado o devido processo legal, é assegurada a todos os litigantes, na esfera judicial ou administrativa (Constituição Federal, art. 5º, LIV e LV), afigurando-se, pois, nula a disposição editalícia que veda a interposição de recurso contra o ato que, alterando gabarito preliminar referente às provas objetivas do certame, enseja a desclassificação do candidato[9].

CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. CARÁTER SIGILOSO E SUBJETIVO. INCONSTITUCIONALIDADE.

  1. A exigência do exame psicotécnico é legal e harmoniza-se com o preceito insculpido no art. 37, II, da Constituição Federal.
  2. Viola os arts. 5°, XXXIII, XXXV e LV, e 37 da Carta Magna a adequação do concursando a perfil profissiográfico previamente traçado pela Administração e pautado em critérios subjetivos, sigilosos e irrecorríveis. […] [10].

            Norma editalícia prevendo a impossibilidade de interposição de recursos em face do resultado das provas não se coaduna com o Estado Democrático de Direito, cuja essência denota a submissão, também do Estado, às disposições normativas e ao controle da sociedade. A Constituição Federal de 1988 é o instrumento basilador dessa nova conformação político-jurídica e todas as normas, ainda que não propriamente leis em sentido estrito, devem-lhe observância irrestrita, sendo, deste modo, inadmissível a proibição do exercício do contraditório e da ampla defesa em âmbito de concurso público.

Ainda, por conta da falta de motivação na correção das avaliações discursivas, como trabalhado no tópico anterior, fica inviabilizado o direito ao recurso, pois como recorrer de algo onde não se sabe a título do que foram retirados os pontos?

Para piorar, em muitos concursos públicos, em um assassinato aos princípios que deveriam orientar o comportamento da Banca Examinadora, há séria lesão aos princípios da ampla defesa e contraditório, pois além de não saber os porquês dos descontos, o exercício do direito de defesa foi absurdamente limitado a 1.000 (hum mil) caracteres, o que é uma falta de respeito com o candidato e ilegalidade absurda praticada pela Banca.

Gostaria de saber de onde é retirado o fundamento legal desta absurda regra? É obvio que não existe! E nem se diga que a mesma decorre da aplicação do edital, pois este, como ato administrativo que é, deve observância à lei e aos preceitos constitucionais.

Fica evidente que em casos como estes, que infelizmente ocorrem com frequência, não são observados os princípios da ampla defesa e contraditório no processo seletivo, o que desponta como irrefutável ilegalidade, pois a Constituição Federal foi clara em garantir a ampla defesa e contraditório nos processos judiciais e administrativos e o concurso público, como se sabe, é uma espécie de procedimento administrativo.

Depois disso tudo, o candidato, após recorrer sem ao certo saber do que, é mais uma vez surpresado por uma resposta padrão, a mesma dada a todos os demais recursos interpostos, o que atenta, sem qualquer sombra de dúvidas, contra o princípio do contraditório.

Pelo princípio contraditório é direito do litigante ter seus argumentos refutados por motivação sólida. Deve haver um diálogo jurídico entre a tese e antítese para que se possa formar uma conclusão (síntese) democrática, sob pena de ser o direito ao contraditório nos recursos uma mera fachada para dar ar de legitimidade aos comportamentos arbitrários da Banca Examinadora.

Nesse sentido, extremamente precisa a percepção de ODETE MEDAUAR[11] quando adverte que:

 “a oportunidade de reagir ante a informação seria vã, se não existisse fórmula de verificar se a autoridade administrativa efetivamente tomou ciência e sopesou as manifestações dos sujeitos. A este fim responde a motivação dos atos administrativos se percebe como e quanto determinado fato, documento ou alegação influiu sobre a decisão final”.

É necessária essa dialeticidade, sob pena de ocorrer uma imposição unilateral e arbitrária do entendimento da Banca.

Veja-se o que ensina o saudoso professor HELY LOPES MEIRELLES[12]:

Nos atos vinculados ou regrados, e especialmente nos que importem atividade de jurisdição (decisões administrativas), mais se acentua o dever de motivar, porque, em tais casos, a ação administrativa está bitolada estreitamente pela lei ou pelo regulamento, impondo ao administrador a obrigação de demonstrar a conformação de sua atividade com todos os pressupostos de direito e de fato que condicionam a eficácia e validade do ato.

Nesse sentido, cumpre destacar como caminha a jurisprudência pátria:

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO DA OAB. EDITAL. PROVIMENTO Nº 81/96 DO CONSELHO FEDERAL DA OAB. SEGUNDA ETAPA DO CERTAME. RECURSO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.

A decisão mediante a qual a Comissão de Estágio e Exame de Ordem negou provimento ao recurso administrativo interposto pela candidata é inaceitável quanto à insuficiência na fundamentação. O recurso administrativo suscitou vários pontos, que foram simplesmente desprezados na decisão padronizada.

Uma resposta mais específica deveria ter sido emitida, eis que, em se tratando de ato administrativo vinculado, não há dúvidas sobre a obrigatoriedade da motivação, isto é, da exposição dos motivos do ato. A motivação é que permite a verificação da legalidade do ato e que permite ao examinando entender os motivos de sua eventual reprovação, caso não haja reconsideração.

Não há como se aceitar a objeção sustentada no art. 6°, parágrafo único, do Provimento nº 81/96 do Conselho Federal da OAB, que restringe os limites da cognição do recurso administrativo, pois é incompatível com o devido processo legal. O examinando tem direito a reclamar a revisão administrativa da sua prova na íntegra.

[…].

Não existe nexo lógico de causalidade entre o vício apontado na decisão referente à apreciação do recurso interposto pela candidata e seu pedido de inscrição nos quadros da OAB/ES, com desconsideração da segunda fase do exame de ordem.[13]

 

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGOS DE PROCURADOR DO ESTADO. MATÉRIAS RELATIVAS À LEGALIDADE DO CERTAME. POSSILIBIDADE DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. RECURSO CONTRA CORREÇÃO DE PROVA SUBJETIVA I. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA À IMPUGNAÇÃO APRESENTADA. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA QUE SE APLICA A TODO E QUALQUER RECURSO QUE PUDESSE SER INTERPOSTO PELOS CANDIDATOS. […]. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA MOTIVAÇÃO, DA LEGALIDADE E DA VINCULAÇÃO AO EDITAL. SEGURANÇA CONCEDIDA.

  1. Os atos administrativos emanados de Comissões de Concursos Públicos podem ser revistos pelo Poder Judiciário, como garantia de sua legalidade, o que inclui o controle da fundamentação das decisões de indeferimento dos recursos e a análise da fidelidade das questões constantes da prova ao conteúdo programático do edital.
  2. Indeferimento de recurso com base em motivação genérica, desvinculada da impugnação apresentada e, assim, aplicável a todo e qualquer recurso que pudesse ser interposto pelos candidatos, equivale a falta de fundamentação, AFRONTANDO O PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO CONSAGRADO NO ART. , LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

III. O edital de concurso público vincula todos os envolvidos às normas nele fixadas, devendo-se estrita obediência a todos os seus termos, sob pena de desrespeito ao princípio da legalidade, aplicável aos atos da Administração Pública.[14]

 

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – ANÁLISE DO PLEITO DE NOVA APRECIAÇÃO DOS RECURSOS ADMINISTRATIVOS – POSSIBILIDADE – MANDADO DE SEGURANÇA ANTERIOR CONCERNENTE À FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE UMA ÚNICA QUESTÃO – INDEFERIMENTO GERAL DOS PEDIDOS DE REVISÃO APRESENTADOS – CARÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES ADMINISTRATIVAS – NULIDADE – VIOLAÇÃO, POR ANALOGIA, AO ARTIGO 93, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – MATÉRIA COBRADA EM QUESTÃO DO CERTAME – PREVISÃO NO EDITAL – SEGURANÇA PARCIALMENTE CONCEDIDA.

  1. Havendo outro mandado de segurança em que se apreciou pedido de falta de fundamentação de uma única questão do mesmo concurso público versado nos presentes autos, nada obsta que se examine pleito de não motivação de resposta dos recursos administrativos apresentados contra as demais questões.
  2. Sendo as decisões que indeferiram os pleitos de revisão de correção de questões do certame gerais e idênticas entre si, IMPÕE-SE A DECRETAÇÃO DE SUA NULIDADE, POR OFENSA, ANALOGICAMENTE, AO DISPOSTO NO ARTIGO 93, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EIS QUE NÃO FUNDAMENTADAS.
  3. Estando prevista no edital do concurso a matéria combatida no recurso em tela, pois incluída em tópico do programa, não há que se falar na sua anulação.[15]

 

POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. RECURSO CONTRA CORREÇÃO DE PROVA SUBJETIVA I. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA À IMPUGNAÇÃO APRESENTADA. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA POR PARTE DOS EXAMINADORES QUE SE APLICA A TODO E QUALQUER RECURSO INTERPOSTOS PELOS CANDIDATOS. OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA AMPLA DEFESA, CONTRADITÓRIO, DEVIDO PROCESSO LEGAL, MOTIVAÇÃO E LEGALIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE À APRECIAÇÃO DE EVENTUAL ATO PRATICADO COM ABUSO DE PODER OU ILEGAL POR PARTE DA COMISSÃO DE CONCURSO. ACOLHIMENTO. NECESSIDADE DE REVISÃO DOS RECURSOS COM APRECIAÇÃO ESCORREITA E MOTIVADA DOS ELEMENTOS DE IMPUGNAÇÃO DO CANDIDATO.
[…].
Os atos administrativos emanados de Comissões de Concursos Públicos podem ser revistos pelo Poder Judiciário, como garantia de sua legalidade, o que inclui o controle de fundamentação das decisões de indeferimento de recursos e a análise de fidelidade das questões constantes da prova ao conteúdo programático do edital.

DEVEM SER ANULADAS AS DECISÕES DOS RECURSOS QUE SE APRESENTA SOB FORMA GENÉRICA a todo e qualquer questão, sem levar em consideração diferenças entre matérias, tampouco as impugnações elencadas pelos candidatos, o que resulta em afronta aos princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório, devido processo legal, motivação e legalidade.

[…].[16]

 

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA PROCURADOR DO ESTADO. IMPETRANTE QUE, APESAR DE TER ALCANÇADO MÉDIA NA ‘PROVA SUBJETIVA I’, NÃO OBTEVE NOTA SUFICIENTE NO ‘MÓDULO III’, RELATIVO À DISCIPLINA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, FALTANDO-LHE APENAS 0,1 (UM DÉCIMO) DE PONTO. PEDIDO DE REVISÃO ADMINISTRATIVA INDEFERIDO DE FORMA GENÉRICA, MEDIANTE ‘MODELO PADRÃO’. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E VINCULADA ÀS RAZÕES DO INCONFORMISMO. […]. NULIDADE PROCLAMADA. ORDEM IGUALMENTE CONCEDIDA.

  1. Os atos administrativos emanados de Comissões de Concursos Públicos podem ser revistos pelo Poder Judiciário, como garantia de sua legalidade, o que inclui o controle da fundamentação das decisões de indeferimento dos recursos e a análise da fidelidade das questões constantes da prova ao conteúdo programático do edital.
  2. Indeferimento de recurso com base em motivação genérica, desvinculada da impugnação apresentada e, assim, aplicável a todo e qualquer recurso que pudesse ser interposto pelos candidatos, equivale à falta de fundamentação, afrontando o princípio da motivação consagrado no art. 5.º, LV, da Constituição Federal.

[…].[17]

 

2.9 – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE

 

            A Administração, quando for atuar, deve fazer uso de meios adequados, proporcionais aos fins que se pretende alcançar. Avançando esse limite a conduta encontrará obstáculo no princípio da proporcionalidade e acarretará a nulidade do ato.

            O princípio da proporcionalidade é um princípio constitucional implícito, decorrente do devido processo legal, conforme já salientou o Supremo Tribunal Federal. Porém, no âmbito da legislação infraconstitucional, o mesmo encontra-se positivado expressamente na Lei 9.784/99, a qual disciplina o processo administrativo federal.

            O grande lance da proporcionalidade é que a exigência ou a conduta, se feita corretamente, é válida e permitida pelo direito. Cita-se, a título de exemplo, a exigência de prova física para provimento em cargo de policial militar. A previsão é legal, porém, se no caso concreto, for exigido, por exemplo, 100 barras do candidato, haverá violação ao princípio da proporcionalidade.

            É diferente da razoabilidade. Nesta, a exigência, por si só, já é indevida. Por exemplo, fere o referido princípio a exigência de prova física para ingresso no cargo de juiz, promotor, procurador. Note-se que a exigência não tem nenhuma pertinência, sendo de todo desarrazoada.

            Já no caso dos policiais, a exigência de prova física é pertinente, porém quando se requer algo acima do normal, do necessário, passa a ser desproporcional, acarretando a nulidade do ato.

            O princípio da proporcionalidade desponta como grande limitar do poder discricionário dos agentes públicos. É cediço que em muitas hipóteses a lei deixa certa margem de liberdade para que o agente, na análise do caso concreto, apreciando fatores de conveniência e oportunidade, adote a conduta que melhor atenda ao interesse público. Essa margem de liberdade é chamada de discricionariedade.

            Ocorre que essa discricionariedade, necessária à gestão da coisa pública, não é ilimitada, antes pelo contrário: possui diversos parâmetros de controle. Além da lei, da qual não pode se descurar o administrador, ultrapassando os seus limites, existem limites nos princípios constitucionais, tais como: proporcionalidade, razoabilidade, impessoalidade, segurança jurídica, dentre outros.

            O princípio da proporcionalidade é um grande limitador da discricionariedade. Significa que o gestor, ao adotar uma conduta em que lhe foi reservada certa margem de liberdade, deve fazer uso de meios adequados, necessários, proporcionais aos fins que se pretende atingir.

Quando qualquer ato da Administração Pública desponte do proporcional ou do razoável é plenamente passível de análise e de invalidação por parte do Poder Judiciário, segundo entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MILITAR. REMOÇÃO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. TRANSFERÊNCIA DE LOCAL DE SERVIÇO. DEFERIMENTO. MORA IMOTIVADA PARA EFETIVAÇÃO DA MOVIMENTAÇÃO.  DISCRICIONARIEDADE. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. STF.ACÓRDÃO CONFORME A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. ENUNCIADO 83, DA SÚMULA DO STJ. […]. No caso, em harmonia com a jurisprudência do STJ, o acórdão recorrido entendeu indevida a desvinculação do procedimento administrativo ao Princípio da Razoabilidade, portanto considerou o ato passível ao crivo do Poder Judiciário, verbis: “a discricionariedade não pode ser confundida com arbitrariedade, devendo, assim, todo ato administrativo, mesmo que discricionário, ser devidamente motivado, conforme os preceitos da Teoria dos Motivos Determinantes, obedecendo ao Princípio da Razoabilidade”[18].

Quanto ao princípio da razoabilidade, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, embasado na doutrina de FÁBIO PALLARETTI CALCINI, entende que “é uma norma a ser empregada pelo Poder Judiciário, a fim de permitir uma maior valoração dos atos expedidos pelo Poder Público, analisando-se a compatibilidade com o sistema de valores da Constituição e do ordenamento jurídico, sempre se pautando pela noção de Direito justo, ou justiça”[19].

No julgado supracitado, o relator, MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA, asseverou que a “razoabilidade compreende a faculdade que tem o homem de elaborar proposições lógicas. O termo evoca o sentido do bom senso, da prudência. Relaciona-se ao que é moderado, cometido, aceitável, desprovido de excessos”.

A atuação da Administração Pública deve seguir os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, que censuram o ato administrativo que não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei almeja alcançar. A razoabilidade encontra ressonância na ajustabilidade da providência administrativa consoante o consenso social acerca do que é usual e sensato. Razoável é conceito que se infere a contrario sensu; vale dizer, escapa à razoabilidade ‘aquilo que não pode ser’. A proporcionalidade, como uma das facetas da razoabilidade revela que nem todos os meios justificam os fins. Os meios conducentes à consecução das finalidades, quando exorbitantes, superam a proporcionalidade, porquanto medidas imoderadas em confronto com o resultado almejado[20].

A doutrina mais moderna e a jurisprudência do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA vêm aceitando a possibilidade de incursão do Poder Judiciário no mérito administrativo, quando o ato atacado esteja desproporcional ou desarrazoado.

A esse respeito, GILMAR FERREIRA MENDES[21] esclarece que “a doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade”.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA vem aceitando a análise pelo Poder Judiciário do mérito administrativo, notadamente com fundamento no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, inclusive em matéria de concurso público:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO-OCORRÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. PERITO DA POLÍCIA FEDERAL. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. LAUDO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA. FATO OCORRIDO HÁ MAIS DE 10 ANOS DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. ELIMINAÇÃO DO CANDIDATO. MÉRITO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE, EM ALGUNS CASOS, PELO PODER JUDICIÁRIO. DESPROPORCIONALIDADE. 1. A ofensa ao art. 535, II, do Código de Processo Civil não se configura quando o acórdão dos embargos declaratórios cumpre seu ofício, concluindo que não havia omissão a ser sanada, sobretudo porque solucionou a controvérsia com o direito que entendeu melhor aplicável ao caso. 2. A doutrina mais moderna vem aceitando a possibilidade de incursão do poder judiciário pelo mérito administrativo, quando o ato atacado esteja desproporcional ou desarrazoado em relação ao sentido comum e ético de uma sociedade. Jurisprudência. 3. Afigura-se desarrazoada e desproporcional a eliminação de um candidato na fase de investigação social de concurso para perito da polícia federal, em razão de fato ocorrido 10 anos antes do certame. Perpetuação de fato que não se amolda ao balizamento constitucional que veda a existência de penas perpétuas. 4. Recurso especial improvido[22].

[1] ROCHA, FRANCISCO LOBELLO DE OLIVEIRA, Regime Jurídico dos Concursos Públicos, Ed. Dialética, São Paulo, 2006, p. 133.

[2] TRF1, AMS 200438000014208, Relator Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, Sexta Turma, julgado em 19/09/2005.

[3] TRF5, AG 9605292343, Relator Desembargador Federal Manoel Erhardt, Terceira Turma, julgado em 02/07/2002.

[4] 2009, p. 111.

[5] 2009, p. 482.

[6] 2011, p. 573.

[7] REsp 28885/DF, Relator Ministro Pedro Acioli, Sexta Turma, julgado em 09/11/1993.

[8] RE 326349 AgR, Relator  Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 10/09/2002.

[9] AMS 2005.34.00.000770-8/DF, Relator Desembargador Federal Souza Prudente, Sexta Turma, julgado em 10/07/2006.

[10] AC 1998.33.01.000996-0/BA, Relator Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso, Sexta Turma, julgado em 07/04/2003.

[11]

[12] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 10ª ed., São Paulo: RT, 1984, p. 156.

[13] TRF2, AMS 200150010104264, Desembargador Federal Fernando Marques, Quinta Turma Especializada, 07/12/2009.

[14] Mandado de Segurança nº 0460056-8 – 4ª Câmara Cível, Relator Des. Abraham Lincoln Calixto, Julgado em 04/03/2008.

[15] Mandado de segurança nº 483060-0, 5ª Câmara Cível, Relator Des. Marcos Moura.

[16] Mandado de Segurança nº 0460652-0, 5ª Câmara Cível, Relator Juiz Convocado Jurandyr Reis Junior, Julgado em 25/03/2008.

[17] Mandado de Segurança nº 0460351-8, 4ª Câmara Cível, Relator Des. Adalberto Jorge Xisto Pereira, julgado em 20/05/2008.

[18] AgRg no REsp 670453/RJ, Relator Ministro  Celso Limongi (Des. conv. do TJ/SP), Sexta Turma, julgado em 18/02/2010.

[19] STJ, RMS 29290/MG, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 18/02/2010.

[20] Esse é o entendimento assentado pelo STJ no julgamento do REsp 443310/RS, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 21/10/2003.

[21] A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Repertório IOB de jurisprudência, nº 23, p 470, dez. 1994.

[22] REsp 200600255898, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 19/10/2009.

princípio ….

A ideia é sempre a mesma: existe uma estrutura administrativa que é responsável pela gestão do interesse público, ou seja, pela administração da “coisa pública”.

            Porém, o povo, como verdadeiro titular do poder, tem o direito e o dever de fiscalizar o exercício dessa gestão, a qual não é feita da mesma forma como sucede na iniciativa privada.

            Na gestão da res publica deve o gestor observar a vontade do único e verdadeiro titular do poder: o povo, que externa sua vontade por meio da lei, verdadeira “procuração geral” que representa a vontade da coletividade em determinado tempo e espaço.

            Assim, para que se possa controlar as atividades levadas a cabo pelos gestores, administradores públicos, devem os mesmos motivar seus atos, expondo os fundamentos de fato e de direito que autorizaram a conduta praticada.

            Apenas a título de exemplo, quando um agente de trânsito pretende punir um condutor pela inobservância de normas de trânsito não pode simplesmente aplicar uma penalidade sem que justifique os “porquês” fáticos e jurídicos que a embasaram.

            Por isso, para que o ato punitivo seja válido é necessário que o agente competente apresente, de forma clara e congruente, os motivos de fato que ensejaram a conduta, ou seja, a ocorrência real de uma conduta de possível ocorrência, como é o caso de avanço de um semáforo vermelho.

            Ainda, é necessário provar que o direito presta relevância aquela conduta de possível ocorrência e atribui uma consequência jurídica a ela. No exemplo dado, compete ainda ao administrador demonstrar o artigo legal que qualifica o avanço de sinal vermelho como uma infração de trânsito.

            Agora sim, frente a estes pressupostos, o agente irá praticar a conduta lavrando o auto de infração aplicando a penalidade que a lei prevê ao condutor infrator.

            A descrição de todos esses dados, motivo de fato, indicação do artigo legal, da penalidade, a congruência vinculada ou discricionária da sanção aplicada, constitui o que a doutrina nomina de “motivação”.

            Não se pode confundir motivo (elemento do ato administrativo) com motivação. O primeiro todo ato possui, sendo elemento formativo do mesmo. É o acontecimento que ensejou a prática do comportamento. Já a motivação, é a exteriorização linguística dos motivos de fato e de direito. É a regra, porém é possível sua dispensa, como ocorre, por exemplo, para a nomeação e exoneração de cargos comissionados, hipótese em que o próprio Ordenamento Jurídico dispensa a motivação. Por isso são chamadas de nomeação e exoneração ad nutum.

Nos concursos públicos esse princípio é de extrema importância.

É muito comum nas provas discursivas a nota atribuída sem a motivação dos descontos. Não há, muitas vezes, ato concreto e motivado justificando os porquês dos descontos.

O artigo 50, incisos I e III, da Lei 9.784/99 é claro ao enunciar que:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;

[…]

  • 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

          Infelizmente, ocorre com frequência o candidato ser surpresado ao ter vista de sua prova e, apesar de inúmeros descontos em sua nota, não haver qualquer apontamento em sua prova, existindo apenas (quando exiaste) uma chave de correção com os quesitos avaliados e uma pontuação atribuída. Dessa maneira o candidato não tem como saber a título de que ocorreram os descontos previstos na chave de correção!

A título de exemplo peguemos a seguinte grade de correção de uma prova:

Diante desta grade e de uma prova sem qualquer apontamento, pergunta-se: por que em às “consequências advinda da atuação em flagrante” o candidato obteve 1,60 pontos dos 4,00 pontos possíveis? Veja-se que não é possível saber!

Por que em relação à “ação penal nos crimes contra a dignidade sexual e sua repercussão no inquérito policial” o candidato obteve 1,80 pontos dos 3,00 pontos possíveis?

É um direito dos candidatos saberem a título de que houve o desconto e não simplesmente a Banca Examinadora chegar e “jogar” uma nota em cima da chave de correção!

Veja-se que neste caso fica até difícil recorrer, pois recorrer de que se não se sabe ao certo de onde proveio o desconto da nota?

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já anulou os descontos de correção quando os mesmos foram dados feitos de forma imotivada.

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO NA CORTE DE ORIGEM. CONCURSO PÚBLICO PARA DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. NEGATIVA DE ACESSO AOS CRITÉRIOS UTILIZADOS NA CORREÇÃO DA PROVA SUBJETIVA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DA BANCA EXAMINADORA ACERCA DOS RECURSOS ADMINISTRATIVOS CONTRA REFERIDA PROVA. VIOLAÇÃO AO ART. 50 DA LEI 9.784/99. RECURSOS ESPECIAIS PROVIDOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

  1. A motivação, nos recursos administrativos referentes a concursos públicos, é obrigatória e irrecusável, nos termos do que dispõe o art. 50, I, III e V, §§ 1o. e 3o. da Lei 9.784/99, não existindo, neste ponto, discricionariedade alguma por parte da Administração.
  2. Com relação ao Impetrante JOÃO GUILHERME MEDEIROS CARVALHO salta aos olhos a total ausência de motivação na correção das provas discursivas e nos respectivos recursos administrativos. Há apenas suposições, externadas pelos ilustres relator e revisor do feito em segundo grau, de que os apelos administrativos do Impetrante foram examinados e devidamente motivados, não tendo sido apresentadas, entretanto, motivações idôneas e circunstanciadas, nos moldes preconizados pelo já mencionado art. 50 da Lei 9.784/99.
  3. Quanto aos demais litisconsortes (JANE KLÉBIA DO NASCIMENTO SILVA PAIXÃO E OUTROS), constata-se a ausência de qualquer elemento que pudesse ter o condão de indicar os critérios utilizados pelo examinador para aferição das notas na prova subjetiva, bem como a sucinta, lacônica e estereotipada abordagem feita na revisão das provas.
  4. Afirmativas que não traduzem reexame do material fático, mas sim valoração do conjunto probatório trazido aos autos quando da impetração do Mandado de Segurança.
  5. Agravo Regimental desprovido.

Nesse ponto a doutrina também é acorde.

Neste sentido, FRANCISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA[1] doutrina que:

Conforme procuramos demonstrar, não deve restar qualquer margem de subjetividade ao examinador no momento da correção das provas, que estará vinculada ao gabarito. Como ato administrativo que é, a correção das provas deve ser devidamente motivada, de forma a permitir que o candidato conheça as razões da nota que lhe foi atribuída. Deve ficar claro o que foi considerado errado na resposta dada pelo candidato e a fundamentação da subtração de pontos.

            Por fim, faz-se necessário tecer alguns comentários sobre uma teoria amplamente aceita em nossa doutrina e jurisprudência. Trata-se da importante Teoria dos motivos determinantes, cujo berço de nascença se deu nos tribunais pertencentes ao sistema de contencioso administrativo na França.

            Segundo essa teoria os motivos atribuídos para a prática de um ato se vincula à sua validade, de forma que se os mesmos forem falsos ou inexistentes fulminada estará a validade do ato.

            Vejamos um exemplo para elucidar a questão. Tem ocorrido com frequência a indicação de erros inexistentes na correção de provas discursivas de concurso público culminando na subtração ilegal de pontos dos candidatos.

Como a motivação vincula o agente aos termos em que foi mencionada, uma vez comprovado que inexistem os motivos mencionados no ato administrativo como determinante da vontade do Examinador na correção da prova, este ato está inquinado de vício de legalidade, e, portanto, deve ser invalidado, e a pontuação correspondente aos erros inexistentes, deve ser atribuída integralmente ao candidato prejudicado.

A jurisprudência tem se manifestado no sentido de ser plenamente aplicável a teoria dos motivos determinantes em casos de concurso público.

Os julgados citados abaixo confirmam o que estamos dizendo:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ESCOLA DE FORMAÇÃO DE SARGENTOS. INSPEÇÃO DE SAÚDE. ELIMINAÇÃO. FALTA DE MOTIVAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. 1. O mandado de segurança é a via adequada para impugnar ato administrativo tido por ilegal e abusivo, ante a falta de motivação, devendo a prova vir pré-constituída. 2. Hipótese em que, eliminado o candidato do concurso público por ter sido “contra-indicado” em inspeção de saúde realizada pela Junta de Saúde da Organização Militar, que diagnosticou ser portador de doença de Chagas, trouxe o impetrante para os autos resultados de dois exames realizados por laboratórios distintos, ambos negativos para a mencionada doença, satisfazendo o requisito da prova pré-constituída. 3. Inexistente o motivo alegado para a eliminação do impetrante (teoria dos motivos determinantes), inexiste razão válida para a prática do ato, que, por isso, deve ser anulado. 4. Sentença confirmada. 5. Desprovidas a apelação e a remessa oficial[2].

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. PROCURADOR DO INSS. INDEFERIMENTO DE TÍTULO. DESCLASSIFICAÇÃO. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. 1. tendo o candidato sido desclassificado do certame em decorrência da rejeição de certidão de prática forense, sob o argumento de inobservância de forma e rasura, fica a autarquia adstrita às razões do indeferimento da banca examinadora, por força da teoria dos motivos determinantes. 2. ausentes os motivos alegados, inatacável a decisão concessiva de liminar para prosseguimento do candidato no certame. 3. agravo de instrumento improvido[3].

 

2.8 – PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

 

Os princípios do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, revelam-se nos concursos públicos, entre outros casos, por ocasião da impetração de recursos contra o resultado das provas.

Esse é o momento que o candidato tem para apresentar suas razões contra o resultado obtido na prova e solicitar a reavaliação da mesma e, conseqüente, atribuição da nota realmente merecida. Cabe à banca examinadora analisar cuidadosamente os recursos e, caso não dê provimento aos pleitos, divulgar detalhadamente as razões de sua decisão (art. e 50, inciso V, da Lei 9.784/99).

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO[4], ao discorrer sobre os princípios do devido processo legal e da ampla defesa, assinala que “estão aí consagrados, pois, […] a necessidade de que a Administração Pública, antes de tomar decisões gravosas a um dado sujeito, ofereça-lhe oportunidade de contraditório e de defesa ampla, no que se inclui o direito a recorrer das decisões tomadas”.

Ao tratar dos princípios específicos do procedimento administrativo, o eminente doutrinador alude, ainda, ao “princípio da revisibilidade”, que, segundo ele, “consiste no direito de o administrado recorrer da decisão que lhe seja desfavorável”[5].

JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO leciona[6] que “por se tratar de procedimento administrativo em cujo cerne se encontra densa competitividade entre os aspirantes a cargos e empregos públicos, o concurso público não raras vezes rende ensejo à instauração de conflitos entre os candidatos, ou entre estes e o próprio Poder Público. É importante, em conseqüência, que essa característica marcante seja solucionada de forma legítima, sobretudo com a aplicação dos princípios da motivação e do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF)”.

Com efeito, a disposição editalícia que não autoriza a interposição de recursos em relação ao resultado das provas, seja ela objetiva, discursiva, avaliação psicológica, teste físico, etc., fere o princípio do contraditório e da ampla defesa, previsto no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal.

Sobre o assunto, confiram-se os seguintes julgados do colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA e do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, respectivamente:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. APONTADA NEGATIVA DE VIGENCIA AO ART. 9º, INCISO VII, DA LEI N. 4878/65. CONCURSO PUBLICO. EXAME PSICOTECNICO. CRITERIOS ADOTADOS QUE INIBEM O CANDIDATO DE RECORRER DO RESULTADO DO EXAME. INADMISSIBILIDADE. E injustificável o comportamento da administração fazendo inserir nas instruções normativas baixadas através do edital de concurso a vedação ao pedido de vista ou a interposição de recurso do resultado da seleção psicológica[7].

Recurso extraordinário. Agravo regimental. Concurso público. Exame psicotécnico previsto no edital que rege o concurso, com base em critérios meramente subjetivos. Irrecorribilidade de seu resultado. 3. Violação dos arts. 5º, XXXV, e 37, caput e incisos I e II, da Constituição Federal. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento[8].

 

            No mesmo sentido decidiu o TRIBUNAL REGIONAL DA 1ª REGIÃO:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DO GABARITO PRELIMINAR. DESCLASSIFICAÇÃO DO CANDIDATO. IRRECORRIBILIDADE. AFRONTA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. ANULAÇÃO DE QUESTÕES. CRITÉRIOS DE CORREÇÃO DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.

A garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa, observado o devido processo legal, é assegurada a todos os litigantes, na esfera judicial ou administrativa (Constituição Federal, art. 5º, LIV e LV), afigurando-se, pois, nula a disposição editalícia que veda a interposição de recurso contra o ato que, alterando gabarito preliminar referente às provas objetivas do certame, enseja a desclassificação do candidato[9].

CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. CARÁTER SIGILOSO E SUBJETIVO. INCONSTITUCIONALIDADE.

  1. A exigência do exame psicotécnico é legal e harmoniza-se com o preceito insculpido no art. 37, II, da Constituição Federal.
  2. Viola os arts. 5°, XXXIII, XXXV e LV, e 37 da Carta Magna a adequação do concursando a perfil profissiográfico previamente traçado pela Administração e pautado em critérios subjetivos, sigilosos e irrecorríveis. […] [10].

            Norma editalícia prevendo a impossibilidade de interposição de recursos em face do resultado das provas não se coaduna com o Estado Democrático de Direito, cuja essência denota a submissão, também do Estado, às disposições normativas e ao controle da sociedade. A Constituição Federal de 1988 é o instrumento basilador dessa nova conformação político-jurídica e todas as normas, ainda que não propriamente leis em sentido estrito, devem-lhe observância irrestrita, sendo, deste modo, inadmissível a proibição do exercício do contraditório e da ampla defesa em âmbito de concurso público.

Ainda, por conta da falta de motivação na correção das avaliações discursivas, como trabalhado no tópico anterior, fica inviabilizado o direito ao recurso, pois como recorrer de algo onde não se sabe a título do que foram retirados os pontos?

Para piorar, em muitos concursos públicos, em um assassinato aos princípios que deveriam orientar o comportamento da Banca Examinadora, há séria lesão aos princípios da ampla defesa e contraditório, pois além de não saber os porquês dos descontos, o exercício do direito de defesa foi absurdamente limitado a 1.000 (hum mil) caracteres, o que é uma falta de respeito com o candidato e ilegalidade absurda praticada pela Banca.

Gostaria de saber de onde é retirado o fundamento legal desta absurda regra? É obvio que não existe! E nem se diga que a mesma decorre da aplicação do edital, pois este, como ato administrativo que é, deve observância à lei e aos preceitos constitucionais.

Fica evidente que em casos como estes, que infelizmente ocorrem com frequência, não são observados os princípios da ampla defesa e contraditório no processo seletivo, o que desponta como irrefutável ilegalidade, pois a Constituição Federal foi clara em garantir a ampla defesa e contraditório nos processos judiciais e administrativos e o concurso público, como se sabe, é uma espécie de procedimento administrativo.

Depois disso tudo, o candidato, após recorrer sem ao certo saber do que, é mais uma vez surpresado por uma resposta padrão, a mesma dada a todos os demais recursos interpostos, o que atenta, sem qualquer sombra de dúvidas, contra o princípio do contraditório.

Pelo princípio contraditório é direito do litigante ter seus argumentos refutados por motivação sólida. Deve haver um diálogo jurídico entre a tese e antítese para que se possa formar uma conclusão (síntese) democrática, sob pena de ser o direito ao contraditório nos recursos uma mera fachada para dar ar de legitimidade aos comportamentos arbitrários da Banca Examinadora.

Nesse sentido, extremamente precisa a percepção de ODETE MEDAUAR[11] quando adverte que:

 “a oportunidade de reagir ante a informação seria vã, se não existisse fórmula de verificar se a autoridade administrativa efetivamente tomou ciência e sopesou as manifestações dos sujeitos. A este fim responde a motivação dos atos administrativos se percebe como e quanto determinado fato, documento ou alegação influiu sobre a decisão final”.

É necessária essa dialeticidade, sob pena de ocorrer uma imposição unilateral e arbitrária do entendimento da Banca.

Veja-se o que ensina o saudoso professor HELY LOPES MEIRELLES[12]:

Nos atos vinculados ou regrados, e especialmente nos que importem atividade de jurisdição (decisões administrativas), mais se acentua o dever de motivar, porque, em tais casos, a ação administrativa está bitolada estreitamente pela lei ou pelo regulamento, impondo ao administrador a obrigação de demonstrar a conformação de sua atividade com todos os pressupostos de direito e de fato que condicionam a eficácia e validade do ato.

Nesse sentido, cumpre destacar como caminha a jurisprudência pátria:

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO DA OAB. EDITAL. PROVIMENTO Nº 81/96 DO CONSELHO FEDERAL DA OAB. SEGUNDA ETAPA DO CERTAME. RECURSO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.

A decisão mediante a qual a Comissão de Estágio e Exame de Ordem negou provimento ao recurso administrativo interposto pela candidata é inaceitável quanto à insuficiência na fundamentação. O recurso administrativo suscitou vários pontos, que foram simplesmente desprezados na decisão padronizada.

Uma resposta mais específica deveria ter sido emitida, eis que, em se tratando de ato administrativo vinculado, não há dúvidas sobre a obrigatoriedade da motivação, isto é, da exposição dos motivos do ato. A motivação é que permite a verificação da legalidade do ato e que permite ao examinando entender os motivos de sua eventual reprovação, caso não haja reconsideração.

Não há como se aceitar a objeção sustentada no art. 6°, parágrafo único, do Provimento nº 81/96 do Conselho Federal da OAB, que restringe os limites da cognição do recurso administrativo, pois é incompatível com o devido processo legal. O examinando tem direito a reclamar a revisão administrativa da sua prova na íntegra.

[…].

Não existe nexo lógico de causalidade entre o vício apontado na decisão referente à apreciação do recurso interposto pela candidata e seu pedido de inscrição nos quadros da OAB/ES, com desconsideração da segunda fase do exame de ordem.[13]

 

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGOS DE PROCURADOR DO ESTADO. MATÉRIAS RELATIVAS À LEGALIDADE DO CERTAME. POSSILIBIDADE DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. RECURSO CONTRA CORREÇÃO DE PROVA SUBJETIVA I. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA À IMPUGNAÇÃO APRESENTADA. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA QUE SE APLICA A TODO E QUALQUER RECURSO QUE PUDESSE SER INTERPOSTO PELOS CANDIDATOS. […]. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA MOTIVAÇÃO, DA LEGALIDADE E DA VINCULAÇÃO AO EDITAL. SEGURANÇA CONCEDIDA.

  1. Os atos administrativos emanados de Comissões de Concursos Públicos podem ser revistos pelo Poder Judiciário, como garantia de sua legalidade, o que inclui o controle da fundamentação das decisões de indeferimento dos recursos e a análise da fidelidade das questões constantes da prova ao conteúdo programático do edital.
  2. Indeferimento de recurso com base em motivação genérica, desvinculada da impugnação apresentada e, assim, aplicável a todo e qualquer recurso que pudesse ser interposto pelos candidatos, equivale a falta de fundamentação, AFRONTANDO O PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO CONSAGRADO NO ART. , LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

III. O edital de concurso público vincula todos os envolvidos às normas nele fixadas, devendo-se estrita obediência a todos os seus termos, sob pena de desrespeito ao princípio da legalidade, aplicável aos atos da Administração Pública.[14]

 

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – ANÁLISE DO PLEITO DE NOVA APRECIAÇÃO DOS RECURSOS ADMINISTRATIVOS – POSSIBILIDADE – MANDADO DE SEGURANÇA ANTERIOR CONCERNENTE À FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE UMA ÚNICA QUESTÃO – INDEFERIMENTO GERAL DOS PEDIDOS DE REVISÃO APRESENTADOS – CARÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES ADMINISTRATIVAS – NULIDADE – VIOLAÇÃO, POR ANALOGIA, AO ARTIGO 93, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – MATÉRIA COBRADA EM QUESTÃO DO CERTAME – PREVISÃO NO EDITAL – SEGURANÇA PARCIALMENTE CONCEDIDA.

  1. Havendo outro mandado de segurança em que se apreciou pedido de falta de fundamentação de uma única questão do mesmo concurso público versado nos presentes autos, nada obsta que se examine pleito de não motivação de resposta dos recursos administrativos apresentados contra as demais questões.
  2. Sendo as decisões que indeferiram os pleitos de revisão de correção de questões do certame gerais e idênticas entre si, IMPÕE-SE A DECRETAÇÃO DE SUA NULIDADE, POR OFENSA, ANALOGICAMENTE, AO DISPOSTO NO ARTIGO 93, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EIS QUE NÃO FUNDAMENTADAS.
  3. Estando prevista no edital do concurso a matéria combatida no recurso em tela, pois incluída em tópico do programa, não há que se falar na sua anulação.[15]

 

POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. RECURSO CONTRA CORREÇÃO DE PROVA SUBJETIVA I. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA À IMPUGNAÇÃO APRESENTADA. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA POR PARTE DOS EXAMINADORES QUE SE APLICA A TODO E QUALQUER RECURSO INTERPOSTOS PELOS CANDIDATOS. OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA AMPLA DEFESA, CONTRADITÓRIO, DEVIDO PROCESSO LEGAL, MOTIVAÇÃO E LEGALIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE À APRECIAÇÃO DE EVENTUAL ATO PRATICADO COM ABUSO DE PODER OU ILEGAL POR PARTE DA COMISSÃO DE CONCURSO. ACOLHIMENTO. NECESSIDADE DE REVISÃO DOS RECURSOS COM APRECIAÇÃO ESCORREITA E MOTIVADA DOS ELEMENTOS DE IMPUGNAÇÃO DO CANDIDATO.
[…].
Os atos administrativos emanados de Comissões de Concursos Públicos podem ser revistos pelo Poder Judiciário, como garantia de sua legalidade, o que inclui o controle de fundamentação das decisões de indeferimento de recursos e a análise de fidelidade das questões constantes da prova ao conteúdo programático do edital.

DEVEM SER ANULADAS AS DECISÕES DOS RECURSOS QUE SE APRESENTA SOB FORMA GENÉRICA a todo e qualquer questão, sem levar em consideração diferenças entre matérias, tampouco as impugnações elencadas pelos candidatos, o que resulta em afronta aos princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório, devido processo legal, motivação e legalidade.

[…].[16]

 

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA PROCURADOR DO ESTADO. IMPETRANTE QUE, APESAR DE TER ALCANÇADO MÉDIA NA ‘PROVA SUBJETIVA I’, NÃO OBTEVE NOTA SUFICIENTE NO ‘MÓDULO III’, RELATIVO À DISCIPLINA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, FALTANDO-LHE APENAS 0,1 (UM DÉCIMO) DE PONTO. PEDIDO DE REVISÃO ADMINISTRATIVA INDEFERIDO DE FORMA GENÉRICA, MEDIANTE ‘MODELO PADRÃO’. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E VINCULADA ÀS RAZÕES DO INCONFORMISMO. […]. NULIDADE PROCLAMADA. ORDEM IGUALMENTE CONCEDIDA.

  1. Os atos administrativos emanados de Comissões de Concursos Públicos podem ser revistos pelo Poder Judiciário, como garantia de sua legalidade, o que inclui o controle da fundamentação das decisões de indeferimento dos recursos e a análise da fidelidade das questões constantes da prova ao conteúdo programático do edital.
  2. Indeferimento de recurso com base em motivação genérica, desvinculada da impugnação apresentada e, assim, aplicável a todo e qualquer recurso que pudesse ser interposto pelos candidatos, equivale à falta de fundamentação, afrontando o princípio da motivação consagrado no art. 5.º, LV, da Constituição Federal.

[…].[17]

 

2.9 – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE

 

            A Administração, quando for atuar, deve fazer uso de meios adequados, proporcionais aos fins que se pretende alcançar. Avançando esse limite a conduta encontrará obstáculo no princípio da proporcionalidade e acarretará a nulidade do ato.

            O princípio da proporcionalidade é um princípio constitucional implícito, decorrente do devido processo legal, conforme já salientou o Supremo Tribunal Federal. Porém, no âmbito da legislação infraconstitucional, o mesmo encontra-se positivado expressamente na Lei 9.784/99, a qual disciplina o processo administrativo federal.

            O grande lance da proporcionalidade é que a exigência ou a conduta, se feita corretamente, é válida e permitida pelo direito. Cita-se, a título de exemplo, a exigência de prova física para provimento em cargo de policial militar. A previsão é legal, porém, se no caso concreto, for exigido, por exemplo, 100 barras do candidato, haverá violação ao princípio da proporcionalidade.

            É diferente da razoabilidade. Nesta, a exigência, por si só, já é indevida. Por exemplo, fere o referido princípio a exigência de prova física para ingresso no cargo de juiz, promotor, procurador. Note-se que a exigência não tem nenhuma pertinência, sendo de todo desarrazoada.

            Já no caso dos policiais, a exigência de prova física é pertinente, porém quando se requer algo acima do normal, do necessário, passa a ser desproporcional, acarretando a nulidade do ato.

            O princípio da proporcionalidade desponta como grande limitar do poder discricionário dos agentes públicos. É cediço que em muitas hipóteses a lei deixa certa margem de liberdade para que o agente, na análise do caso concreto, apreciando fatores de conveniência e oportunidade, adote a conduta que melhor atenda ao interesse público. Essa margem de liberdade é chamada de discricionariedade.

            Ocorre que essa discricionariedade, necessária à gestão da coisa pública, não é ilimitada, antes pelo contrário: possui diversos parâmetros de controle. Além da lei, da qual não pode se descurar o administrador, ultrapassando os seus limites, existem limites nos princípios constitucionais, tais como: proporcionalidade, razoabilidade, impessoalidade, segurança jurídica, dentre outros.

            O princípio da proporcionalidade é um grande limitador da discricionariedade. Significa que o gestor, ao adotar uma conduta em que lhe foi reservada certa margem de liberdade, deve fazer uso de meios adequados, necessários, proporcionais aos fins que se pretende atingir.

Quando qualquer ato da Administração Pública desponte do proporcional ou do razoável é plenamente passível de análise e de invalidação por parte do Poder Judiciário, segundo entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MILITAR. REMOÇÃO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. TRANSFERÊNCIA DE LOCAL DE SERVIÇO. DEFERIMENTO. MORA IMOTIVADA PARA EFETIVAÇÃO DA MOVIMENTAÇÃO.  DISCRICIONARIEDADE. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. STF.ACÓRDÃO CONFORME A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. ENUNCIADO 83, DA SÚMULA DO STJ. […]. No caso, em harmonia com a jurisprudência do STJ, o acórdão recorrido entendeu indevida a desvinculação do procedimento administrativo ao Princípio da Razoabilidade, portanto considerou o ato passível ao crivo do Poder Judiciário, verbis: “a discricionariedade não pode ser confundida com arbitrariedade, devendo, assim, todo ato administrativo, mesmo que discricionário, ser devidamente motivado, conforme os preceitos da Teoria dos Motivos Determinantes, obedecendo ao Princípio da Razoabilidade”[18].

Quanto ao princípio da razoabilidade, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, embasado na doutrina de FÁBIO PALLARETTI CALCINI, entende que “é uma norma a ser empregada pelo Poder Judiciário, a fim de permitir uma maior valoração dos atos expedidos pelo Poder Público, analisando-se a compatibilidade com o sistema de valores da Constituição e do ordenamento jurídico, sempre se pautando pela noção de Direito justo, ou justiça”[19].

No julgado supracitado, o relator, MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA, asseverou que a “razoabilidade compreende a faculdade que tem o homem de elaborar proposições lógicas. O termo evoca o sentido do bom senso, da prudência. Relaciona-se ao que é moderado, cometido, aceitável, desprovido de excessos”.

A atuação da Administração Pública deve seguir os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, que censuram o ato administrativo que não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei almeja alcançar. A razoabilidade encontra ressonância na ajustabilidade da providência administrativa consoante o consenso social acerca do que é usual e sensato. Razoável é conceito que se infere a contrario sensu; vale dizer, escapa à razoabilidade ‘aquilo que não pode ser’. A proporcionalidade, como uma das facetas da razoabilidade revela que nem todos os meios justificam os fins. Os meios conducentes à consecução das finalidades, quando exorbitantes, superam a proporcionalidade, porquanto medidas imoderadas em confronto com o resultado almejado[20].

A doutrina mais moderna e a jurisprudência do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA vêm aceitando a possibilidade de incursão do Poder Judiciário no mérito administrativo, quando o ato atacado esteja desproporcional ou desarrazoado.

A esse respeito, GILMAR FERREIRA MENDES[21] esclarece que “a doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade”.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA vem aceitando a análise pelo Poder Judiciário do mérito administrativo, notadamente com fundamento no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, inclusive em matéria de concurso público:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO-OCORRÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. PERITO DA POLÍCIA FEDERAL. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. LAUDO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA. FATO OCORRIDO HÁ MAIS DE 10 ANOS DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. ELIMINAÇÃO DO CANDIDATO. MÉRITO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE, EM ALGUNS CASOS, PELO PODER JUDICIÁRIO. DESPROPORCIONALIDADE. 1. A ofensa ao art. 535, II, do Código de Processo Civil não se configura quando o acórdão dos embargos declaratórios cumpre seu ofício, concluindo que não havia omissão a ser sanada, sobretudo porque solucionou a controvérsia com o direito que entendeu melhor aplicável ao caso. 2. A doutrina mais moderna vem aceitando a possibilidade de incursão do poder judiciário pelo mérito administrativo, quando o ato atacado esteja desproporcional ou desarrazoado em relação ao sentido comum e ético de uma sociedade. Jurisprudência. 3. Afigura-se desarrazoada e desproporcional a eliminação de um candidato na fase de investigação social de concurso para perito da polícia federal, em razão de fato ocorrido 10 anos antes do certame. Perpetuação de fato que não se amolda ao balizamento constitucional que veda a existência de penas perpétuas. 4. Recurso especial improvido[22].

[1] ROCHA, FRANCISCO LOBELLO DE OLIVEIRA, Regime Jurídico dos Concursos Públicos, Ed. Dialética, São Paulo, 2006, p. 133.

[2] TRF1, AMS 200438000014208, Relator Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, Sexta Turma, julgado em 19/09/2005.

[3] TRF5, AG 9605292343, Relator Desembargador Federal Manoel Erhardt, Terceira Turma, julgado em 02/07/2002.

[4] 2009, p. 111.

[5] 2009, p. 482.

[6] 2011, p. 573.

[7] REsp 28885/DF, Relator Ministro Pedro Acioli, Sexta Turma, julgado em 09/11/1993.

[8] RE 326349 AgR, Relator  Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 10/09/2002.

[9] AMS 2005.34.00.000770-8/DF, Relator Desembargador Federal Souza Prudente, Sexta Turma, julgado em 10/07/2006.

[10] AC 1998.33.01.000996-0/BA, Relator Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso, Sexta Turma, julgado em 07/04/2003.

[11]

[12] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 10ª ed., São Paulo: RT, 1984, p. 156.

[13] TRF2, AMS 200150010104264, Desembargador Federal Fernando Marques, Quinta Turma Especializada, 07/12/2009.

[14] Mandado de Segurança nº 0460056-8 – 4ª Câmara Cível, Relator Des. Abraham Lincoln Calixto, Julgado em 04/03/2008.

[15] Mandado de segurança nº 483060-0, 5ª Câmara Cível, Relator Des. Marcos Moura.

[16] Mandado de Segurança nº 0460652-0, 5ª Câmara Cível, Relator Juiz Convocado Jurandyr Reis Junior, Julgado em 25/03/2008.

[17] Mandado de Segurança nº 0460351-8, 4ª Câmara Cível, Relator Des. Adalberto Jorge Xisto Pereira, julgado em 20/05/2008.

[18] AgRg no REsp 670453/RJ, Relator Ministro  Celso Limongi (Des. conv. do TJ/SP), Sexta Turma, julgado em 18/02/2010.

[19] STJ, RMS 29290/MG, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 18/02/2010.

[20] Esse é o entendimento assentado pelo STJ no julgamento do REsp 443310/RS, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 21/10/2003.

[21] A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Repertório IOB de jurisprudência, nº 23, p 470, dez. 1994.

[22] REsp 200600255898, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 19/10/2009.

OS CONCURSOS PÚBLICOS E A DEVIDA OBSERVÂNCIA À ISONOMIA

O princípio da isonomia está expresso no caput do art. 5º da Constituição Federal, despontando como um dos principais Direitos Fundamentais:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, […]:

A isonomia pode ser estudada por um aspecto material e formal. Em regra, nos concursos, vige a isonomia formal, que significa que deve a todos ser dispensando o mesmo tratamento. Em alguns casos especiais, como, por exemplo, reserva de vagas para portadores de necessidades especiais, prova física diferenciada para candidatas do sexo feminino, há uma incidência tópica do princípio da isonomia material, que traduz a ideia de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.

Sobre a importância da aplicação do princípio da isonomia nos concursos, ADILSON ABREU DALLARI[1] deixa bem claro que “concurso público não se confunde com simulacro de concurso público. Não atende aos princípios constitucionais o chamamento ou a inscrição de apenas alguns apaniguados, que simularão uma disputa apenas para aparentar a realização de um concurso público. Não é concurso público o certame que se desenvolve sem observância do princípio da isonomia. É essencial que todo e qualquer interessado seja tratado com igualdade, para que vençam os melhores”.

A isonomia deve está presente em todas as fases do concurso público, devendo ser aplicada em seus diferentes aspectos (formal e material) conforme as peculiaridades de cada exigência. De outra forma não poderia ser, visto que é através do concurso público que se materializa o direito de amplo acesso aos cargos e empregos públicos e, para isso, deve haver igualdade de oportunidades para todos os interessados. Sendo assim, podemos afirmar que a isonomia permeia todo procedimento do concurso público.

Em matéria de concurso público, a observância ao princípio da isonomia impõe que as regras que regulamentam o certame não sejam direcionadas para determinada pessoa ou grupo de pessoas. A violação ao princípio da isonomia não decorre do fato de a norma que regulamente o concurso público contemplar um único indivíduo ou grupo de indivíduos, mas do fato de serem estes indivíduos ou grupo de indivíduos previamente conhecidos e a norma ser direcionada apenas para eles[2].

Sobre o assunto, a SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL decidiu que dispensar servidores, que integram o quadro de pessoal da Entidade que promove o concurso, de realizar de determinadas provas, que são obrigatórias para os demais candidatos, ofende o princípio da isonomia.

Esse entendimento ficou assentado no seguinte acórdão:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. PROVAS DE CAPACITAÇÃO FÍSICA E INVESTIGAÇÃO SOCIAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO 6° DO ART. 10 DA LEI N° 699, DE 14.12.1983, ACRESCENTADO PELA LEI N° 1.629, DE 23.03.1990, AMBAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, COM ESTE TEOR: “§ 6º – Os candidatos integrantes do Quadro Permanente da Polícia Civil do Estado ficam dispensados da prova de capacitação física e de investigação social a que se referem o inciso, I, ‘in fine’, deste artigo, e o § 2°, ‘in fine’, do artigo 11”. 1. Não há razão para se tratar desigualmente os candidatos ao concurso público, dispensando-se, da prova de capacitação física e de investigação social, os que já integram o Quadro Permanente da Polícia Civil do Estado, pois a discriminação implica ofensa ao princípio da isonomia. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente pelo Plenário do S.T.F[3].

Como a isonomia deve existir entre todos os candidatos e em todas as fases do certame, permitir que determinados candidatos não sejam submetidos a certas provas, previamente relacionadas em edital de concurso público, em detrimento de outros, implica em ofensa ao referido princípio.

O Pretório Excelso, de forma semelhante, reconheceu que ofende o princípio da isonomia a criação de requisitos diferenciados de acessibilidade aos cargos públicos aplicáveis a grupos distintos de pessoas.

Isso ocorreu em um concurso público para Primeiro Tenente Médico Policial Militar do Quadro de Oficiais de Saúde do Estado de São Paulo, em que o edital exigia idade máxima de 35 anos apenas dos candidatos civis, não estabelecendo qualquer limite etário em relação aos candidatos militares.

 Essa regra tinha como propósito favorecer determinado grupo de pessoas – os candidatos militares –, por isso o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL afastou a sua incidência diante do caso concreto restaurando a ordem jurídica e garantindo a efetividade do princípio da isonomia.

Vejamos a ementa do acórdão.

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. CONCURSO PÚBLICO. MÉDICO MILITAR. LIMITE DE IDADE. 1. O recorrido, aprovado em concurso público para Primeiro Tenente Médico Policial Militar do Quadro de Oficiais de Saúde do Estado de São Paulo, não pôde ser empossado, sob o argumento de que, na época da inscrição para o certame, tinha mais de 35 anos de idade. 2. Edital que fixou idade máxima, em concurso para médico militar, apenas para inscrição de candidatos civis. A Corte de origem afastou essa diferenciação e determinou a posse do recorrido. 3. Se o bom desempenho das atividades de médico da Polícia Militar demanda a força física peculiar ao jovem, a exigência de 35 anos de idade máxima deveria ser atribuída a todo e qualquer candidato e não apenas aos civis. Fica claro que a distinção em debate foi criada para favorecer os militares. Precedente: RMS 21.046. 4. Agravo regimental improvido[4].

            Ainda, e isso tem ocorrido muito e é extremamente preocupante, o julgamento das provas discursivas nos concursos públicos tem se afastado do primado da isonomia, principalmente por outro vício anterior que é a falta de critérios objetivos de correção da prova, os quais deveriam vir expressos em uma “grade de correção”. .

            Nota-se que a partir do momento em que não há critérios objetivos de correção das provas de redação, seja quanto à estrutura, conteúdo, quanto às questões gramaticais, o julgamento passa a ser totalmente subjetivo e por isso incompatível com o princípio da isonomia.

            Quanto a essa conduta ilegal, FRACISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA[5], em obra especializada sobre o tema, adverte que:

A correta aplicação das provas de conhecimento depende de um tratamento adequado desde o edital do concurso. Como ato administrativo em que se extingue a discricionariedade do administrador, o edital deve descrever, com a maior riqueza de detalhes, o procedimento que será obedecido na aplicação das provas, sua forma, os critérios e métodos de avaliação e as notas mínimas exigidas, no caso de provas de natureza mista. Apenas os elementos indispensáveis para a efetividade das provas poderão permanecer em sigilo após a publicação do edital.

A chave de correção e o gabarito são os documentos que contém as respostas que se esperava dos candidatos e que serão consideradas certas na correção das provas. Terá a função de orientar os examinadores na correção das provas e de informar aos candidatos as respostas esperadas, permitindo-lhes verificar se não houve erros na correção de sua prova.

Conforme adverte o referido autor, “quanto menos objetiva a prova, mais detalhado deverá ser o gabarito a fim de evitar interferências subjetivas do examinador na correção das provas. No caso das questões escritas, deve ser elaborado um roteiro com todas as informações que se esperava que o candidato incluísse em sua resposta e os valores que lhes serão atribuídos. Quando houver outras habilidades sendo avaliadas – como clareza na exposição do raciocínio, ortografia etc. -, o gabarito deve conter descrição minudente do método de avaliação e pontuação destes fatores. Isto porque a principal função do gabarito é orientar o examinador na correção das provas, vinculando sua atuação e garantindo a objetividade na correção da prova”.

            É muito comum nos concurso, principalmente os feitos por bancas examinadoras pouco experientes, que não seja apresentado qualquer gabarito ou chave de correção, acarretando uma correção subjetiva e anti-isonômica das avaliações dos candidatos, pois há total falta de parâmetros.

            Em casos como estes deve o candidato pleitear administrativa e/ou judicialmente que a Banca divulgue a chave de correção com os critérios objetivos levados em consideração quando do julgamento de todas as provas.

            Para confirmar se a chave de correção foi utilizada de forma isonômica entre todos os candidatos, deve a Administração Pública, ou a Banca Examinadora, agir de forma transparente e liberar o acesso de todas as provas discursivas a todos os candidatos, pois ao final de contas o procedimento do concurso é publico e não há motivo para sigilo. Ainda, apenas pela comparação é que terá como se saber se houve ou não lesão ao princípio da isonomia no caso concreto, razão pela qual, como a Administração muitas vezes não divulga as provas dos demais candidatos, o interessado, para a defesa de seus direitos, poderá pleiteá-la judicialmente.

            Só assim é possível verificar se houve ou não isonomia e impessoalidade no julgamento das questões.

 Registra-se que não existe fundamento para o indeferimento do pedido, pois, por se tratar de processo seletivo, competitivo e pautado nos princípios que regem a conduta da Administração, as provas devem ser públicas da mesma forma que em uma licitação os documentos de habilitação e as propostas o são, sob pena de inviabilidade de controle e facilitação de ilegalidade.

            Não se trata de assunto ligado à segurança nacional e nem mesmo à intimidade das pessoas, que são as exceções constitucionais quanto à publicidade, mas sim de procedimento de contratação pública que seleciona os mais capacitados para trabalharem junto ao Poder Público.

[1] Princípio da Isonomia e Concursos Públicos. Revista Eletrônica de Direito do Estado. Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 6, abril/maio/junho, 2006. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>.

[2] ROCHA, Francisco Lobello de Oliveira. Regime jurídico dos Concursos públicos. São Paulo: Dialética, 2006, p. 30.

[3] ADI 1072, Relator Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2003.

[4] RE 215988 AgR, Relatora  Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 18/10/2005.

[5] Regime Jurídico dos Concursos Públicos, Ed. Dialética, São Paulo, 2006, p. 125-126.

ALESSANDRO DANTAS

⇒ Advogado especialista em Concursos Públicos

⇒ Especialista e Mestre na área de Direito Público;

⇒ Professor de Direito Administrativo em graduação e em pós-graduação;

⇒Foi professor de Direito Administrativo da Escola da Magistratura do Estado do Espírito Santo, 

⇒ foi professor de Direito Administrativo da Escola Superior do Ministério Público do Estado do Espírito Santo.

⇒ É também professor de Direito Administrativo em Cursos Preparatórios no ES ;

⇒ Palestrante e Ex-Coordenador Técnico do Congresso Brasileiro de Concurso Público;

⇒ Palestrante e Instrutor de Licitações e Contratos administrativos da Negócios Públicos;

 Instrutor e palestrante sobre concursos públicos da ERX do Brasil, do Grupo Negócios Públicos;

⇒ Ex-Coordenador técnico do seminários avançado de PAD da ERX do Brasil;

⇒ Autor do Livro: Licitações e Contratos Administrativos em Esquemas, 3ª edição, 2012, editora Impetus;

⇒ Colaborador da revista LICICON;

⇒ Colaborador da revista Negócios Públicos;

⇒ Colaborador do site jusNavegandi;

 Advogado Especialista em Concurso Público;

 Ex-Consultor Jurídico da ANDACON  –  Associação Nacional de Defesa e Apoio ao Concurseiro;

 Palestrante em Eventos Nacionais sobre Concurso Público;

 Professor e Palestrante sobre direitos dos concurseiros da LFG.

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